Proc. nº 246/2017
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 18 de Maio de 2017
Descritores:
-Marcas
-Marca notória
-Essencialidade dos elementos
-Concorrência desleal
SUMÁRIO:
I. A marca visa, entre outras funções, distinguir um produto ou serviço de outro, de modo a que ele se impute a uma empresa e não a outra e, portanto, a que se evite um uso enganoso perante o público. A marca indica uma origem de base pessoal e desempenha uma função de garantia de qualidade não enganosa.
II. Marca notória é aquela que, por qualquer característica, adquiriu fama, reputação e renome, tornando-se geralmente conhecida por todos aqueles, produtores, comerciantes ou eventuais consumidores, que estão mais em contacto com o produto, e como tal reconhecida, ao ponto de ainda criar um maior risco de confusão. Para ser notória, portanto, basta que a marca se tenha divulgado de modo particular no círculo de pessoas que é uso designar por «meios interessados.
III. Quando a lei quer evitar a confusão de marcas, não está senão a pensar na semelhança, na parecença, nos pontos comuns ou de contacto e, portanto, na primeira impressão ou na impressão do momento que se colhe de uma e doutra, mais do que nas suas dissemelhanças. E isso tanto irá depender do aspecto gráfico, nominativo, figurativo, como também do fonético dos seus elementos (art. 215º, nº1, al. c), RJPI). Por essa razão, o juiz, para avaliar da eventual afinidade, não deve colocar as marcas uma ao lado da outra, mas examiná-las em tempos sucessivos, primeiro uma, depois outra.
IV. A essencialidade dos elementos de uma marca tem uma importância subida quando ela apresenta notoriedade. E assim, embora as marcas devam, geralmente, ser encaradas pelo seu todo holístico, pelo conjunto dos seus componentes, e não dissecadas, a verdade é que tudo pode mudar se estivermos a comparar marcas em que uma delas adquiriu notoriedade e em que, justamente, dessa notoriedade sobressai um determinado elemento ou – o que vai dar ao mesmo - em que foi um dos seus elementos que à marca conferiu a sua notoriedade.
V. O acto de concorrência desleal é aquele que se mostra contrário às normas e usos honestos da actividade económica, designadamente o que seja idóneo a criar confusão entre produtos ou serviços de diferentes agentes económicos e o que configure aproveitamento da reputação empresarial de outrem, com isso visando a deslocação ou a possibilidade de deslocação da clientela.
Proc. nº 246/2017
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.
I - Relatório
“A LIMITED”, sociedade comercial constituída segundo as leis da Austrália, com sede em XX, XX Street, XX, XX XX06, Austrália, recorreu judicialmente para o TJB (Proc. nº CV2-15-0022-CRJ) da concessão pela Direcção dos Serviços de Economia do registo da marca com o número N/XXX73 à sociedade comercial “B有限公司”, com sede em 中國XX省XX市XX區XX路XX號第XX層XX 號房(doravante designada por “C” ou recorrida particular).
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Na oportunidade, foi proferida sentença que julgou improcedente o recurso e manteve a decisão administrativa impugnada.
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É contra tal sentença que ora vem interposto o presente recurso jurisdicional pela A Limited, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
«1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Base de Macau de fls. 446 a 465 dos presentes autos, do passado dia 26 de Setembro de 2016, que julgou improcedente o recurso interposto pela ora Recorrente, mantendo a decisão recorrida
1. no seguimento da apresentação pela “B有限公司”, ora Recorrida, do pedido de registo da marca N/XXX73, para a classe 35.º, em 27 de Janeiro de 2015, a Direcção dos Serviços de Economia deferiu o registo da marca ora em crise em 13 de Julho de 2016, o qual foi publicado na Série II, do Boletim Oficial de Macau de 15 de Agosto de 2016.
2. A ora Recorrente, inconformada com o desfecho do processo administrativo de registo da marca N/XXX73, apresentou em juízo o competente recurso judicial sobre a decisão da Direcção dos Serviços de Economia, argumentando, essencialmente, que o registo da marca registanda não poderia ser deferido porquanto i) a marca registanda constitui reprodução ou imitação das marcas registadas tituladas pela Recorrente, nos termos do artigo 214.º, número 2, alínea b) e artigo 215.º do RJPI, ii) as marcas da Recorrente gozam de notoriedade e prestígio, o que constitui um óbice ao registo da marca registanda, nos termos do artigo 214.º. número 1, alíneas b) e c) do RJPI, e iii) o eventual registo da marca registanda e a sua utilização é susceptível de consubstanciar um acto de concorrência desleal;
3. Por não se conformar com o sentido e teor da douta sentença do Tribunal a quo que veio julgar improcedente o recurso da Recorrente, vem agora esta interpor o presente recurso visando a revogação da decisão recorrida.
4. Por despacho de 13 de Julho de 2015, publicado no B.O. II Série de 5 de Agosto de 2015, a DSE concedeu à C o registo da marca , para a classe 35, sob o n.º N/XXX73.
5. A Recorrente é titular, na RAEM, entre outras, das marcas D, para as classes 16, 17, 20, 21, 22, 24, 25, 26, 28, 29, 30, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 44 e 45 (N/XX6 a N/XX8, N/XXX03 a XXX24); D Towers, para as classes 16, 17, 18, 20, 21, 22, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 44 e 45 (N/XX9 a N/XX1, N/XXX49 a N/XXX72); D Towers Macau, para as classes 39, 41 e 42 (N/XXX32 a N/XXX34); D Macau, para as classes 16, 17, 18, 20, 21, 22, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 44 e 45 (N/XXX29 a N/XXX31 e N/XXX25 a N/XXX48); D Casino Macau e D Casino and Hotel Macau, para as classes 39, 41 e 42 (N/XXX35 a N/XXX37 e N/XXX38 a N/XXX39); D VIP Club, para as classes 35, 39, 41 e 43 (N/XXX8 a N/XXX61); D Global Resorts, para as classes 35, 39, 41 e 43 (N/XXX44 a N/XXX47); D Club, para as classes 35, 41 e 43 (N/XXX91, N/XXX92 e N/XXX94 a N/XXX96) e D Club Macau, para as classes 35, 41 e 43 (N/XXX97 a N/XXX99).
6. A Marca da Recorrida constitui reprodução ou imitação das Marcas da Recorrente.
7. Ao abrigo do disposto na alínea b) do número 2 do artigo 214.º do RJPI, o registo de uma marca deve ser recusado sempre que a marca seja “reprodução ou imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem, para produtos ou serviços idênticos ou afins, que possa induzir em erro ou confusão o consumidor, ou que compreenda o risco de associação com a marca registada”.
8. Nos termos do n.º 1 do artigo 215.º do RJPI, a marca considera-se reproduzida ou imitada, no todo ou em parte, por outra, quando, cumulativamente i) a marca registada tiver prioridade, b) sejam ambas destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins; e c) tenham tal semelhança gráfica, nominativa, figurativa ou fonética com outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois do exame atento ou confronto.
9. Nos termos do n.º 1 do artigo 15.º do RJPI, “Salvo os casos previstos no presente diploma, o direito de propriedade industrial é concedido àquele que primeiro apresentar regularmente o pedido acompanhado de todos os documentos exigíveis para o efeito.”
10. As Marcas da Recorrente gozam de prioridade, porquanto todas elas foram pedidas e concedidas à Recorrente antes da apresentação do pedido de registo da Marca da Recorrida, ou seja, antes de 27 de Janeiro de 2015.
11. O pedido de registo da Marca da Recorrida foi formulado para a classe 35, em particular para “廣告; 計算機網絡上的在線廣告; 進出口代理; 替他人推銷; 特許經營的商業管理; 飯店商業管理; 在通訊媒體上出租廣告時間; 通過網站提供商業信息; 計算機數據庫信息系統化; 人事管理諮詢。”, que em Português se traduz para “Publicidade; publicidade on-line na Internet; intermediação em importação e exportação; promoção de venda de produtos para o benefício de terceiros; gestão comercial de franquia; gestão comercial de restaurante; locação do tempo de publicidade nos meios de comunicação; prestação de informações comerciais por via sites na Internet; sistematização informática dos computadores; consulta na gestão de recursos humanos”.
12. De entre as Marcas da Recorrente, contam-se marcas registadas para a classe 35, destinadas a assinalar serviços que coincidem quase na totalidade com os serviços assinalados pela Marca da Recorrida, pelo que se encontra, relativamente a estas, verificado o requisito da identidade de serviços.
13. Outras Marcas da Recorrente encontram-se registadas para produtos e serviços de utilidade próxima aos acima referidos e que são habitualmente distribuídos através dos mesmos circuitos, no âmbito do sector turístico, hoteleiro e do jogo, nomeadamente, os incluídos nas classes 39, 41 e 43, relativamente aos quais também se verifica a aludida identidade ou afinidade de serviços.
14. A ora Recorrente, através das suas subsidiárias autorizadas a usar as suas marcas, é co-responsável pelo complexo hotel-casino “E” anteriormente denominado D Macau, localizado na baixa da Taipa.
15. A ora Recorrente é também co-responsável pelo complexo “F”, localizado no Cotai, onde funciona o hotel-casino D Towers.
16. Da mesma forma, é ainda co-responsável pelo complexo G F.
17. A Recorrida é uma sociedade sediada República Popular da China, que opera hotéis a nível internacional estando, segundo as informações disponíveis nos media em processo de expansão internacional.
18. Consequentemente, todos os serviços assinalados, quer pelas Marcas da Recorrente, quer pela Marca da Recorrida serão prestados precisamente nos mesmos circuitos de comercialização, e ao mesmo público consumidor, sendo que a ora Recorrente (e as suas subsidiárias na RAEM) e a Recorrida (caso venha a operar na RAEM), serão concorrentes directas no sector turístico e hoteleiro.
19. Encontra-se, pois, verificado o segundo requisito, a identidade ou afinidade de produtos ou serviços.
20. Nos termos do n.º 3 do artigo 212.º do RJPI “O exame da marca deve sempre atender, no tocante aos elementos nominativos que a compõem, à possível confundibilidade dos caracteres e sons portugueses, chineses, ingleses ou outros, separadamente ou entre si”.
21. A diferença relativamente aos elementos acessórios ou descritivos das marcas não obsta a que estas sejam consideradas confundíveis entre si, dado que tais componentes genéricas ou descritivas são irrelevantes na análise da semelhança entre as marcas, uma vez que não comportam, em si, carácter distintivo.
22. A doutrina e jurisprudências dominantes, e também no âmbito de sistema jurídico-positivo idêntico, por exemplo a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, entendem que “imitação de marca deve ser apreciada menos pelas dissemelhanças que ofereçam os diversos pormenores considerados isolada e separadamente do que pela semelhança que resulta do conjunto dos elementos que constituem a marca.”
23. É inegável que as marcas em confronto têm como base essencial o elemento “D”, sendo esse o seu núcleo essencial, isto é, o elemento que perdurará na memória do consumidor.
24. Tal elemento, em Macau, é claramente evocativo das marcas da Recorrente e das actividades por esta desenvolvidas e exploradas no Território, dispondo a mesma de prestígio e notoriedade que se reflecte nas suas marcas.
25. É uma marca notoriamente conhecida em Macau e, como tal, reclama uma protecção mais ampla e forte do que se assim não fosse.
26. É perigosa a semelhança entre as Marcas da Recorrente D Macau, D VIP Club, D, D Towers, D Towers Macau, D Macau, D Casino Macau, D Casino and Hotel Macau, D Global Resorts, D Club, D Club Macau e a Marca Registanda X C.
27. Note-se que a parte estilizada da marca da Recorrida é, na verdade, equivalente ao caracter chinês “X”, isto é, D, pelo que é inegável ser esse o elemento essencial da marca.
28. Ou seja, a Marca Registanda reproduz a parte essencial das marcas da Recorrente, id est o elemento “D”, quer as suas marcas em chinês quer em inglês.
29. Quanto às marcas da titularidade da Recorrente D Macau, D VIP Club, D, D Towers, D Towers Macau, D Macau, D Casino Macau, D Casino and Hotel Macau, D Global Resorts, D Club, D Club Macau, estas coincidem, visual e foneticamente em termos ideográficos, no seu elemento essencial, “D”.
30. Ora, ao contrário do entendimento advogado pelo Tribunal a quo, a expressão “D” não só constitui manifestamente a parte leonina da marca da Recorrente - o seu verdadeiro coração - como dispõe, outrossim, de indiscutível eficácia identificativa.
31. Não há como negar a natureza fantasiosa da expressão “D”, que constitui o núcleo preponderante das marcas da Recorrente, apta a distinguir a vasta gama de produtos e serviços que comercializa sob tais marcas, o que lhe confere capacidade distintiva forte.
32. Ademais, o facto de o elemento “D” ser o elemento distintivo fulcral na marca da Recorrente, por via do qual esta é uma marca notória e de prestígio na RAEM, fruto dos constantes esforços de publicidade e investimentos comerciais de divulgação e promoção da Recorrente, durante mais de uma década, confere-lhe capacidade distintiva adicional e, nessa medida, um âmbito mais alargado de protecção jurídica.
33. Mesmo que não se entendesse, ab initio, que o distintivo “D” que constitui o núcleo essencial e primacial da marca, a expressão que perdura na memória do consumidor médio, era provido de eficácia distintiva forte, o certo é que, pelo seu uso e progressiva utilização no território, tal capacidade distintiva foi sendo fortalecida.
34. Ora, da comparação dos sinais em confronto, resultam semelhanças susceptíveis de induzir facilmente o consumidor em erro ou confusão (e o risco de associação com marca(s) anteriormente registada(s)) para que se considere verificado o conceito jurídico de imitação.
35. De facto, é evidente que a mesma integra a expressão “D”, sendo esta expressão que caracteriza fundamentalmente a marca da Recorrente, já que a maior parte das vezes é mesmo conhecida apenas por ela.
36. Acresce que é inegável a semelhança fonética e gráfica entre as marcas da Recorrente e a marca recorrida, dado que o núcleo destes sinais são exactamente iguais - D.
37. Assim, a marca recorrida apresenta na sua caracterização elemento de referência alheio que é susceptível de gerar nos consumidores uma imediata e espontânea convicção de que se trata de uma marca pertencente à organização empresarial da Recorrente, ou do seu grupo de empresas, as quais utilizam na sua denominação a expressão “D”, única expressão pela qual, como supra se disse, na maior parte das vezes, a Recorrente é associada imediata e exclusivamente.
38. Ora, o registo do sinal distintivo a favor da Recorrente confere à mesma o direito de uso exclusivo sobre a expressão “D”, no respectivo âmbito de mercado, pelo que o registo da marca recorrida integrando tal expressão, logo em primeiro lugar, deixará esvaziado de conteúdo os direitos decorrentes do registo da Recorrente, sobretudo se tivermos em conta que Recorrente e Recorrida são concorrentes.
39. Pelo exposto, há que concluir que existe um risco elevadíssimo de o consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e advertido, vir a confundir a Marca da Recorrida com as Marcas da Recorrente, bem como a origem dos produtos ou serviços prestados ao abrigo das marcas em causa.
40. Mesmo que o risco de indução do consumidor em erro ou confusão não se considerasse forte, em sentido estrito, o que não se concede e somente se admite por mero dever de patrocínio, é por demais evidente que o consumidor é sempre levado a associar a marca D às marcas da Recorrente que contêm as expressões D, prioritariamente registadas, e em cujas marcas aquelas expressões constituem o seu elemento quase exclusivo.
41. O consumidor médio que olha para a marca registada será levado a considerar que esta marca dirá respeito a produtos e/ou serviços comercializados pela Recorrente, ou seja, o consumidor médio poderá ser levado a considerar que se trata de um produto e/ou serviço que provém da mesma origem empresarial, com natureza, características e qualidade semelhantes, até porque os produtos e/ou serviços se situam, em ambos os casos, num patamar de excelência.
42. Existe um risco de associação entre a marca registada e as marcas da recorrente, e, nesse sentido, entre os serviços prestados pela Recorrente e pelas suas subsidiárias na RAEM, o que tem sido considerado pela jurisprudência como fundamento de recusa de marca.
43. O hotel-casino D Macau (actualmente, E) e o hotel-casino D Towers são duas unidades hoteleiras de luxo em que funcionam casinos destinados ao segmento de mercado VIP.
44. A C, por seu turno, é operadora de hotéis.
45. Assim, ao utilizar a palavra “D”, por exemplo nos materiais publicitários que distribua, tal uso de uma palavra que é associada na RAEM aos serviços prestados pela Recorrente, poderá levar o público consumidor a crer que uma unidade hoteleira da Recorrida em que se utilize aquela palavra, é uma unidade operada no âmbito de um contrato de gestão, distribuição ou de outro qualquer tipo de relação comercial com a Recorrente, existindo portanto risco de associação entre as marcas em causa.
46. Ao invés do que parece sugerir o douto Tribunal a quo, a Marca da Recorrida constitui reprodução de marcas notórias e de prestígio na RAEM registadas a favor da Recorrente e, por essa razão, deverá ser o seu registo não autorizado.
47. As marcas da Recorrente, algumas delas registadas na RAEM há mais de quinze anos, gozam de clara notoriedade na Região, sendo de imediato associadas pelo consumidor aos dois empreendimentos em que a marca D e as demais Marcas da Recorrente foram e vêm sendo utilizadas, fruto das múltiplas campanhas publicitárias em vários meios de comunicação, incluindo a televisão e o cinema, que a Recorrente e as suas subsidiárias têm realizado em Macau ao longo das últimas décadas.
48. As Marcas da Recorrente são ainda hoje associadas à qualidade dos serviços prestados nos empreendimentos acima referidos, reputação essa que vem sendo formada desde a abertura do D Macau. Tal reputação decorre também do prestígio internacional das Marcas da Recorrente, nomeadamente do empreendimento de luxo que a Recorrente opera em Melbourne, tu documentos já juntos aos autos pela Recorrente e para onde, por uma questão de economia processual, se remete.
49. Donde se conclui que as Marcas da Recorrente são sobejamente conhecidas pelo público-alvo dos serviços prestados pelas subsidiárias da Recorrente e imediatamente associadas a estes.
50. Por outro lado, a celebridade de que gozam as Marcas da Recorrente decorre, em grande parte, da actividade de promoção das mesmas levada a cabo pela Recorrente e pelas suas subsidiárias, o que envolve gastos anuais de vários milhões de patacas. Por esta razão, a reprodução das Marcas da Recorrente pela Marca da Recorrida constitui também um aproveitamento indevido desse esforço de promoção, bem como dos gastos realizados pelas subsidiárias da Recorrente na prestação e promoção dos seus serviços de elevada qualidade.
51. Assim, estão preenchidos os pressupostos para a recusa da Marca da Recorrida, por reproduzir marcas de prestígio, independentemente do tipo de serviços a que se destinem, nos termos das acima citadas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 214.º do RJPI.
52. Acresce que a generalidade do público consumidor reconhece as Marcas da Recorrente, o que as torna, não só marcas notórias, como igualmente marcas de prestígio.
53. Nos termos da alínea c) do preceito acima citado, o registo de marca é recusado quando “a marca, ainda que destinada a produtos ou serviços sem afinidade, constitua reprodução, imitação ou tradução de uma marca anterior que goze de prestígio em Macau, e sempre que a utilização da marca posterior procure tirar partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca ou possa prejudicá-los.”.
54. Assim, estão preenchidos os pressupostos para a recusa da Marca da Recorrida, por reproduzir marcas de prestígio, independentemente do tipo de serviços a que se destinem, nos termos das acima citadas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 214.º do RJPI.
55. O eventual registo da Marca da Recorrida e consequente utilização da mesma pela C, suas subsidiárias, ou ao abrigo de relações comercias de qualquer tipo, constitui um acto de concorrência desleal.
56. A Recorrente (e as suas subsidiárias) e a Recorrida são concorrentes directas, visto que operam nos mesmos circuitos, partilhando o público-alvo, e dirigem-se ao mesmo tipo de clientela, cuja preferência pretendem captar, e tendo em conta a identidade entre os serviços a que se destinam por um lado a Marca da Recorrida e por outro as marcas da Recorrente.
57. A reprodução das Marcas da Recorrente pela Marca da Recorrida constitui um aproveitamento indevido do esforço de promoção efectuado pela Recorrente, bem como dos gastos realizados pelas subsidiárias da Recorrente na prestação de serviços de elevada qualidade.
58. A tentativa de registo da marca “C” na RAEM constitui um acto de concorrência contrário às normas e usos honestos, porquanto através do referido registo, a C está a fazer um aproveitamento indevido da reputação empresarial da Recorrente em benefício de si própria e de qualquer entidade que venha a utilizar tal marca na RAEM, visto que esta é em tudo semelhante às Marcas da Recorrente.
59. A ora Recorrente e as suas subsidiárias despendem anualmente somas avultadas na promoção dos seus produtos, serviços e marcas.
60. Ademais, como acima se demonstrou, existe um forte risco de confusão e de associação entre a Marca da Recorrida e as Marcas da Recorrente, circunstância que é idónea a interferir na posição concorrencial dos agentes económicos, assim como nas opções dos consumidores, podendo mesmo efectivamente conduzir a um desvio de clientela.
61. Pelo exposto, estão reunidos todos os pressupostos para a recusa do pedido de registo de marca por constituir um acto de concorrência desleal, que constitui um fundamento geral de recusa, nos termos previstos na alínea c) do n.º 1 do artigo 9.º do RJPI.
NESTES TERMOS, e nos mais de direito aplicável, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a sentença do Tribunal a quo que manteve a decisão da DSE relativamente ao pedido de registo com o número N/XXX73, o qual deverá ser recusado porquanto:
a) a Marca Registada C é uma reprodução de marca anteriormente registada por outrem para serviços afins e poderá induzir em erro ou confusão o público, o que constitui fundamento geral de recusa, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 214.º do RJPI;
b) a Marca Registada C constitui reprodução de marcas notórias e de prestígio da Recorrente D Macau, D VIP Club, D, D Towers, D Towers Macau, D Macau, D Casino Macau, D Casino and Hotel Macau, D Global Resorts, D Club, D Club Macau, o que constitui fundamento de recusa, nos termos das alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 214.º do RJPI; e
c) a Marca Registada C constitui um meio idóneo para criar confusão com os serviços associados às marcas da Recorrente D Macau, D VIP Club, D, D Towers, D Towers Macau, D Macau, D Casino Macau, D Casino and Hotel Macau, D Global Resorts, D Club, D Club Macau, podendo ainda resultar num aproveitamento indevido da reputação dos serviços associados à marca da Recorrente em favor da Recorrida, o que constitui fundamento geral de recusa nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 9.º do RJPI.»
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A Direcção dos Serviços de Economia respondeu ao recurso limitando-se, porém, a oferecer o merecimento dos autos.
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
- Em 27/01/2015 a sociedade comercial denominada “B有限公司”, com sede em 中國XX省XX市XX區XX路XX號第XX層XX號房, requereu o registo de marca relativamente ao sinal “” para assinalar serviços da classe 35ª.1
- Os serviços para que foi requerido o registo da marca consistem em: Publicidade; publicidade online na Internet; intermediação em importação e exportação; promoção de venda de produtos para o benefício de terceiros; gestão comercial de franquia; gestão comercial de restaurante; locação do tempo de publicidade nos média; prestação de informações comerciais por via de sites na Internet; sistematização informática de computadores; consulta e gestão de recursos humanos”.
- O pedido recebeu o número N/0XXX73 e, por despacho de 13/07/2015 proferido nos autos de Processo Administrativo apensos, foi concedido o registo.
- Tal despacho foi publicado no Boletim Oficial da RAEM de 05/08/2015.
- Em 07/09/2015 foi apresentado neste tribunal o presente recurso.
-A recorrente é titular do registo de marca relativo aos seguintes sinais, tendo os respectivos pedidos de registo sido apresentados na DSE antes de 27/01/2015:
SINAL
Nº
CLASSES
N/XX6, N/XX7, N/XX8
39ª, 41ª e 42ª
N/XXX03 a N/XXX24
16ª, 17ª, 20ª a 26ª, 28ª a 30ª, 32ª a 38ª, 40ª, 42ª, 44ª e 45ª
N/XX9 a N/XX1
39ª, 41ª e 42ª
N/ XXX49 a N/XXX72
16ª a 18ª, 20ª a 22ª, 24ª a 30ª, 32ª a 38ª, 40ª, 42ª, 44ª e 45ª
N/XXX32 NXXX33
39ª e 41ª
N/XXX29 e N/XXX30
39ª e 41ª
N/XXX25 a N/XXX48
16ª a 18ª, 20ª a 22ª, 24ª a 30ª, 32ª a 38ª, 40ª, 42ª, 44ª e 45ª
N/XXX35 e N/XXX36
39ª e 41ª
N/XXX38 e N/XXX39
39ª e 41ª
N/XXX58 a N/XXX61
35ª, 39ª, 41ª e 43ª
N/XXX44 a N/XXX47
35ª, 39ª, 41ª e 43ª
N/ XXX91 e N/XXX92
35ª e 41ª
N/XXX97 a XXX99
35ª, 41ª e 43ª
N/XXX94 a N/XXX96
35ª, 41ª e 43ª
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III – O Direito
1 - A sentença negou procedência ao recurso judicial, por ter considerado:
- Que, embora havendo alguma semelhança entre as marcas da recorrente e da recorrida particular, ela não é de molde a induzir os destinatários/consumidores em erro, associação ou confusão, ao ponto de se dizer existir imitação ou reprodução;
- Que se não está em presença de uma situação de concorrência desleal.
A recorrente discorda. Sustenta que:
- A marca mista (figurativa e nominativa) concedida à recorrida particular consiste na reprodução das marcas anteriormente registadas pela recorrente, que goza do direito de prioridade do registo nos termos do art. 15º do RJPI. Estaria, assim, verificado o primeiro requisito previsto na 1ª parte, da alínea b), do nº1, do art. 214º do RJPI;
- Possui marcas registadas em seu favor para a mesma classe de produtos e serviços para a qual foi concedido o registo da marca da recorrida particular. Razão pela qual existe identidade ou afinidade, a que respeita a 2ª parte, da alínea b) citada;
- A marca concedida à recorrida particular é susceptível de induzir o consumidor em erro ou confusão, em especial pelo uso na sua composição do vocábulo “D”, que caracteriza fundamentalmente a sua (recorrente) marca (art. 213º, nº3, do RJPI);
- O registo da marca da recorrida constitui um acto de concorrência desleal.
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2 – Vejamos.
2.1 - Da prioridade do registo
Prescreve o art. 15º, nº1: “Salvo os casos previstos no presente diploma, o direito de propriedade industrial é concedido àquele que primeiro apresentar regularmente o pedido acompanhado de todos os documentos exigíveis para o efeito”.
Como teve este TSI oportunidade de dizer, no Ac. de 14/05/2015, Proc. nº 239/2015:
“A discussão em torno da prioridade faz sentido em dois planos:
O primeiro é quando o debate se trava num quadro de propriedade, isto é, quando o conflito se instala em redor da titularidade. Saber se “não podes ter essa marca porque ela é minha, uma vez que já a registei antes de ti”, sim, é motivo para a aplicação do art. 15º, mas que perde todo o interesse a partir do momento em que o caso não se representa por uma apropriação de marca, mas por uma tentativa de registo de uma marca (outra) que com uma anterior pode entrar em conflito sobre valores e padrões que se situam em níveis intoleráveis de imitação, de concorrência, etc., etc.
Repare-se: quando o problema é de anterioridade do registo, a bulha ainda se situa, por enquanto, nas esferas dos respectivos interessados antagonistas. Um e outro discutem sobre “aquela marca”, porque ambos lutam por ela, ambos a disputam. Quer dizer, ainda a questão não saltou para jusante, para o ponto em que mais se justifica a defesa de uma marca registada contra o registo de outra que alguém pretende efectuar.
Não é, contudo, esse o plano que aqui se discute.
O 2º plano surge quando está em apreciação eventual marca conflituante com a registada anteriormente e que possa constituir reprodução ou imitação desta.
É esse plano que traça a importância da legitimação (material e adjectiva) para o uso do presente recurso no que concerne à defesa de outros aspectos, como são os de imitação ou reprodução que haveremos de abordar mais adiante.” .
A questão da notoriedade, como se vê, está intimamente ligada à da reprodução e imitação de marcas, pois só no caso destes dois requisitos estarem presentes é que aquela ganha acuidade.
Daí que partamos imediatamente para a análise da reprodução e imitação de marcas notoriamente conhecida em Macau.
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2.2 - Da notoriedade da marca
Socorremo-nos, uma vez mais, do teor do Ac. do TSI, de 14/05/2015, Proc. nº 239/2015:
“Art. 214º, nº2, al. b): “ O registo deve ser recusado quando a marca constitua, no todo ou em parte essencial, reprodução, imitação ou tradução de outra notoriamente conhecida em Macau, se for aplicada a produtos ou serviços idênticos ou afins e com ela possa confundir-se, ou que esses produtos possam estabelecer ligação com o proprietário da marca notória” (destaque nosso).
Ora, marca notória é aquela que, por qualquer característica, adquiriu fama, reputação e renome, tornando-se geralmente conhecida por todos aqueles, produtores, comerciantes ou eventuais consumidores, que estão mais em contacto com o produto, e como tal reconhecida, ao ponto de ainda criar um maior risco de confusão2. Para ser notória, portanto, basta que a marca se tenha divulgado de modo particular no círculo de pessoas que é uso designar por «meios interessados3-4.
Não cremos que haja dúvidas sobre a notoriedade das marcas “D” da recorrente, associadas que estão a serviços de hotelaria e similares de elevada qualidade. Nem as recorridas contrariaram essa notoriedade, de resto.
Sendo assim, importa averiguar se os restantes elementos típicos da hipótese normativa se mostram verificados aqui.”.
Como se vê, em outras ocasiões este TSI concluiu que a marca D é marca notória. Daí que se mostre necessário indagar até que ponto poderemos estar perante a existência dos requisitos negativos previstos no art. 214º, nº2, al. B), do RJPI.
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2.3 – Da identidade ou afinidade de serviços ou produtos
O art. 214º, nº1, al. a) considera que a recusa do registo deve ocorrer desde que haja identidade ou afinidade de produtos ou serviços.
Ora, quanto a este aspecto não parece haver lugar a grandes dúvidas se pensarmos que a recorrente tem registos de marca em Macau para serviços e produtos na classe 35.
Portanto, não se pode deixar de pensar que este requisito está verificado.
Contudo, avancemos.
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2.4 – Da reprodução ou imitação
“Como este TSI por diversas vezes afirmou, a reprodução ou imitação de marca são conceitos que estão definidos no art. 215º. Para que possa falar-se em reprodução ou imitação é preciso que, cumulativamente:
a) A marca registada tenha prioridade;
b) Ambas sejam destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins;
c) Tenham tal semelhança gráfica, nominativa, figurativa ou fonética que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto” (cit. aresto do TSI).
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2.4.1 – Voltemos ao acórdão do TSI que temos vindo a referir.
“O primeiro dos requisitos é, portanto, objectivo e pretende assegurar a posição de precedência de uma marca em relação a outra.
O lugar de conforto de uma marca advém da sua novidade (por ser marca nova) e é-lhe conferida pela anterioridade do registo, sendo que no caso da alínea b), do nº2, essa novidade tem que afirmar-se no âmbito de produtos ou serviços idênticos ou afins5”.
Esta condição está presente, uma vez que a recorrente tem várias marcas registadas em Macau, ao passo que a recorrida particular é a primeira marca que aqui pretende registar. Por conseguinte, a questão da prioridade está claramente a favor da “A Limited”.
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2.4.2 – No que respeita à segunda condição, também se crê que ele está aqui bem patente.
“Uma marca pode muito bem assinalar produtos idênticos ou afins aos correspondentes a outra marca já existente no “mercado”. Nada disso é proibido.
Tal como decorre do art. 197º, do RJPI, só pode ser objecto de protecção, mediante um título de marca, … “o sinal ou conjunto de sinais de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas”.
A forma ampla com que a noção é vertida na norma tem sido objecto de estudo diverso, mas para o caso que aqui mais nos interessa, importa apenas que nos fixemos nos seus aspectos jurídicos mais essenciais.
Como é sabido, a marca visa, entre outras funções aqui menos prestáveis, distinguir um produto ou serviço de outro, de modo a que ele se impute a uma empresa e não a outra e, portanto, evitando-se um uso enganoso perante o público. A marca indica uma origem de base pessoal e desempenha uma função de garantia de qualidade não enganosa6.
O consumidor, em defesa de quem a marca em última instância é registada, através dela associa, rápida, fácil e comodamente o bem - e as suas qualidades - a uma determinada origem ou proveniência. Isto é, sabe que está perante um produto que procede de uma empresa determinada. Embora a marca não tenha por missão garantir a qualidade da coisa ou do serviço (embora o empresário procure mantê-la de forma a defender, conservar ou ampliar a sua clientela), ao menos permite que o produto ou serviço seja imediatamente associado ao produtor ou ao prestador7. A última palavra na escolha pertence ao consumidor, é certo, mas para tanto ele deve ter a certeza de que está a fazer a opção consciente e livre. Ou seja, ele tem que saber o que compra e a quem8 compra.
Ouçamos o que este TSI já disse a propósito:
«O que acaba de dizer-se entronca numa questão nem sempre presente na discussão em torno da marca. Tem que ver com evicção do erro, com a confundibilidade no espírito do destinatário da marca, o homem médio, o cidadão comum eventualmente interessado no bem ou no serviço. Claro está que há cidadãos que são minuciosos, que por natureza perscrutam em detalhe, mais do que é regra, o sentido e a função das coisas e que, por isso, dificilmente se deixam enganar. Não é bem para esse tipo de pessoas que a marca exerce o seu papel primordial, mas sim para o conjunto de pessoas que se inscrevem no universo da regra9.
É para este somatório alargado de consumidores que o princípio da singularidade ganha relevância quando a norma fala em sinais adequados a distinguir os produtos10.»11
Havendo afinidade, como se disse, poderá o público consumidor utilizar os serviços da recorrida, caso vingue o registo, confundindo-os com os da recorrente?” (Ac. do TSI, de 14/05/2015).
Ora, é para nós seguro que existe semelhança de serviços e produtos entre os que a recorrente divulga e presta na classe 35 e aqueles a que a recorrida se propõe alcançar com o registo obtido.
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2.4.3 – E sobre o risco de confusão, o que dizer?
Veja-se o que concluiu a sentença a este respeito:
“Entre a marca registanda () e as marcas , , , , ,, , , , , , , e não há qualquer semelhança de ordem figurativa e isso afigura-se evidente em face da disparidade notória das imagens que têm as marcas em confronto (registanda, por um lado, e tituladas pela recorrente, por outro). Especialmente tendo em conta que a marca registanda é mista (nominativa e figurativa) e muito diversa das marcas nominativas e da única também mista da recorrente.
No entanto estas marcas têm uma semelhança gráfica, fonética e nominativa, ideológica ou de significado. Esta semelhança advém-lhes do facto de todas conterem como elemento componente a palavra inglesa “D”, grafada de forma semelhante, tendo, pois, a mesma grafia, o mesmo som e o significado comum - coroa (D em inglês, X - X - em chinês).
Todas as marcas em confronto contêm o elemento “D”, sendo inegável que têm semelhança gráfica, fonética e nominativa, restando saber se os restantes elementos das marcas diluem na imagem global de cada uma o efeito da semelhança advindo do elemento comum.
Conclui -se, pois, que as marcas são semelhantes, havendo ainda que avançar na análise para decidir se tal semelhança impede a coexistência de todas as marcas em apreço, impedindo o registo da marca registanda. Isto é, há que saber se tal semelhança é normativa configurando imitação/reprodução”
Como se acaba de ver, é a própria sentença que reconhece existirem entre as marcas em confronto semelhanças gráficas, nominativas e fonéticas (cfr. art. 215º, nº1, al. c), do RJPI).
E nós reforçamos a conclusão, acrescentando que «…o que conta mesmo é o elemento essencial, aquele que pode destacar-se dos demais, de forma a individualizar o sentido da marca e a estabelecer a sua correlação com o seu titular. Será até por isso que, por exemplo, a titular da “H” provavelmente jamais permitirá, segundo cremos, que outrem utilize uma marca do género “I”. Por mais complexa que seja uma marca, por mais sinais gráficos de que ela se sirva (palavras, letras, linhas cores, desenhos, etc.) o que se destacará será sempre o seu elemento primordial, aquele à volta do qual gira tudo o resto, e ao qual se dá o enfoque distintivo, de maneira a sobre ele, dele ou por causa dele se capte a atenção do consumidor médio12.
Contudo, o “elemento essencial” nem sempre é singular, antes é por vezes composto de mais do que um sinal (plural, portanto). A análise da confusão deve ter, nesses casos, essa pluralidade em consideração.
Quando a lei quer evitar a confusão de marcas, não está senão a pensar na semelhança, na parecença, nos pontos comuns ou de contacto e, portanto, na primeira impressão ou na impressão do momento que se colhe de uma e doutra, mais do que nas suas dissemelhanças. E isso tanto irá depender do aspecto gráfico, nominativo, figurativo como também do fonético dos seus elementos (art. 215º, nº1, al. c), RJPI). Por essa razão, o juiz, para avaliar da eventual afinidade, não deve colocar as marcas uma ao lado da outra, mas examiná-las em tempos sucessivos, primeiro uma, depois outra13
(…)
A essencialidade tem uma importância subida quando uma marca tenha notoriedade14. E assim, embora as marcas devam, geralmente, ser encaradas pelo seu todo holístico, pelo conjunto dos seus componentes, e não dissecadas15, a verdade é que tudo pode mudar se estivermos a comparar marcas em que uma delas adquiriu notoriedade e em que, justamente, dessa notoriedade, sobressai um determinado elemento ou – o que vai dar ao mesmo - em que foi um dos seus elementos que à marca conferiu a sua notoriedade» (cit. Ac. do TSI, de 14/05/2015, Proc. nº 239/2015).
Parece-nos, pois, que a essencialidade dos elementos que compõem uma marca não se pode desprezar16.
É assim que nos cumpre concluir que o elemento “D” se apresenta com um destaque e uma essencialidade que o fazem merecer a protecção que a notoriedade e anterioridade de registo lhe conferem.
Dito de outra forma, especificamente sobre o requisito em análise, estamos perante uma marca que pode criar risco de confusão com outras de que a recorrente é já titular.
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2.5 – Da concorrência desleal
De acordo com o art. 9º, nº1, al. c), do RJPI “1. São fundamentos de recusa da concessão dos direitos de propriedade industrial: a)…; b)…; c) O reconhecimento de que o requerente pretende fazer concorrência desleal, ou que esta é possível independentemente da sua intenção”.
Ainda que a lei não descreva as situações que possam configurar a noção de concorrência desleal17, haverá, no entanto, de entender-se que, a partir dos arts. 158º e 159º do Código Comercial, o acto de concorrência desleal é aquele que se mostra contrário às normas e usos honestos da actividade económica18, designadamente o que seja idóneo a criar confusão entre produtos ou serviços de diferentes agentes económicos e o que configure aproveitamento da reputação empresarial de outrem19, com isso visando a deslocação ou a possibilidade de deslocação da clientela20.
Ora, e sem necessidade de mais considerandos a este respeito, somos a considerar que, face ao que acima se disse, esta marca, destinada a assinalar produtos e serviços da classe 35, pela sua semelhança a vários níveis com as da recorrente, principalmente pela utilização do vocábulo essencial D, denuncia uma estratégia de conquista desleal de um público e de um no mercado em que já se move a recorrente.
Eis as razões pelas quais, não obstante a bem elaborada sentença, com ela não podemos concordar.
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IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em:
a) - Conceder provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida;
b) - Nos termos do art. 279º, nº3, do RJPI, revogar a decisão de 13/07/2015 que concedeu o registo da marca à recorrida particular “B有限公司; e
c) - Recusar o registo da referida marca.
Custas pela recorrida particular.
TSI, 18 de Maio de 2017
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José Cândido de Pinho
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Tong Hio Fong
_________________________
Lai Kin Hong
(Vencido nos termo da sentença recorrida)
1 “Publicidade; publicidade online na Internet; intermediação em importação e exportação; promoção de venda de produtos para o benefício de terceiros; gestão comercial de franquia; gestão comercial de restaurante; locação do tempo de publicidade nos media; prestação de informações comerciais por via de sites na Internet; sistematização informática de computadores; consulta e gestão de recursos humanos”.
2 Carlos Olavo, in Propriedade Industrial, Almedina, pág. 55.
3 Pinto Coelho, RLJ 89/23.
4 Ac. TSI, de 27/10/2011, Proc. Nº 1022/2009. Sobre marcas notórias, ver ainda Acs. TSI, de 26/11/2009, Proc. nº 507/2008; 15/07/2010, Proc. nº 873/2009.
5 Ac. do TSI, de 27/10/2011, Proc. nº 1022/1999; também no mesmo sentido, Ac. do TSI, de 6/11/2014, Proc. nº 355/2014.
6 Luis M. Couto Gonçalves, in “Função da Marca”, na obra colectiva Direito Industrial, Vol. II, Almedina, pag. 99 e sgs.
7 Neste sentido, Alberto Francisco Ribeiro de Almeida, in “Denominações Geográficas e marca”, na citada obra, a pag.371 e sgs.
8 Não nos referimos, obviamente, à relação directa entre comprador e imediato revendedor, mas sim, à indirecta estabelecida entre o adquirente final e o produtor ou fabricante.
9 Sobre o assunto, Adelaide Menezes Leitão, in “Imitação servil, concorrência parasitária e concorrência desleal”, na obra colectiva citada, Vol. I, pag. 122/128.
10 José Mota Maia, Propriedade Industrial, Vol. II, Código da Propriedade Industrial Anotado, Almedina, 2005, pag. 393.
11 Entre outros, Ac. TSI, de 9/10/2014, Proc. nº 393/2014.
12 Em sentido próximo, por exemplo, o Ac. deste TSI, de 21/06/2012, Proc. nº 273/2012, onde curiosamente se travava um litígio marcário entre duas marcas, uma registanda em nome de Las Vegas Sands, “City Plaza”, e outra da aqui recorrida, “Crowne Plaza, Hotels & Resorts”.
Sobre a essencialidade da palavra “crown”na composição de uma marca, ver ainda o Ac. do TSI, de 12/01/2012, Proc. nº 539/2010.
13 Neste sentido, em Portugal, o Ac. do STJ, de 25/03/2004, Proc. nº 03B3971, in http://www.dgsi.pt.
14 Sobre o conceito, ver Ac. deste TSI, de 25/04/2013, Proc. nº 842/2012, entre outros.
15 Neste sentido, o Ac. TSI, de 27/10/2011, Proc. nº 1022/2009
16 Sobre a essencialidade e destaque de algum dos elementos de uma marca, ver, v.g., o Ac. do TSI, de 12/01/2012, Proc. nº 539/2010 (onde se deu ênfase especial à palavra “Crown”) e Ac. do TSI, de 21/06/2012, Proc. nº 273/2012 (onde se deu ênfase à palavra “Plaza”). Igual ênfase a elementos da composição da marca foi dada no Ac. do TSI, 23/06/2016, Proc. nº 860/2015.
17 Ac. TSI, de 31/03/2011, Proc. nº 707/2010
18 Ac. TSI, de 18/10/2012, Proc. nº 447/2012
19 Ac. TSI, de 17/07/2014, Proc. nº 226/2014
20 Ac. TSI, de 7/02/2013, Proc. nº 844/2011
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246/2017 29