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Processo nº 986/2015
(Autos de recurso contencioso)

Data: 18/Maio/2017

Assuntos: Autorização de residência temporária
      Investimento relevante para a RAEM

SUMÁRIO
     - A lei estabelece a possibilidade de os investidores não residentes requererem a autorização de residência temporária com base, entre outros, em investimento relevante para a RAEM.
     - E para saber se o montante investido constitui ou não investimento relevante para a RAEM contido no artigo 2º do Regulamento Administrativo nº 3/2005, está em causa um conceito indeterminado.
     - A avaliação de conceitos indeterminados cabe discricionariamente ao ente administrativo, não podendo o tribunal sindicar a sua densificação, a não ser nos casos em que ele incorra em manifesto erro grosseiro.
     - Não tendo a Administração prometido de que o pedido de autorização de residência temporária formulado pelo recorrente seria necessariamente deferido, não se verifica violação do princípio da boa fé.



O Relator,

________________
Tong Hio Fong

Processo nº 986/2015
(Autos de recurso contencioso)

Data: 18/Maio/2017

Recorrente:
- A

Entidade recorrida:
- Chefe do Executivo da RAEM

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
A, casada, titular do Passaporte da República Popular da China, com sinais nos autos (doravante designada por recorrente), inconformada com o despacho de Sua Exc.ª o Chefe do Executivo, de 16 de Setembro de 2015, que lhe indeferiu o pedido de concessão de autorização de residência temporária, interpõe o presente recurso contencioso de anulação do referido despacho, formulando as seguintes conclusões:
“1. O presente recurso contencioso de anulação é interposto do despacho proferido em 16 de Setembro de 2015 pelo Senhor Chefe do Executivo da RAEM pelo qual foi indeferido o pedido de concessão de autorização de residência provisória formulado pelo recorrente.
2. O acto recorrido em causa foi proferido no culminar do Procedimento Administrativo n.º (doravante abreviado por PA 0243/2014) instaurado pelo Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau na sequência do investimento realizado e do correspondente pedido de concessão de autorização de fixação de residência na RAEM.
3. Tal como demonstra o Documento n.º 4 em anexo ao presente recurso, o despacho recorrido foi proferido com base na concordância e adopção “ipis verbis” escalonada dos pareceres (jurídico e os de outra natureza) que foram sendo sedimentados no longo do respectivo iter procedimental culminando no dito despacho, assim se tornando-os parte integrante deste último, passando a constituir a fundamentação fáctica e jurídica do acto recorrido.
4. No âmbito do referido procedimento, a técnica Sra. B elaborou um parecer técnico endereçado ao seu superior hierárquico e no qual fez a sua análise sobre as diversas componentes e deu a sua opinião sobre o investimento realizado e o pedido de autorização do recorrente – cfr. Doc. n.º 4.
5. Esse parecer subiu as escadarias da máquina administrativa, tendo merecido por parte de cada um dos superiores hierárquicos os despachos/pareceres de concordância e proposta de indeferimento – cfr. Doc. n.º 4.
6. E, finalmente, preparado em papel timbrado do IPIM, veio o Sr Chefe do Executivo proferir o despacho de indeferimento de concessão de autorização de residência. O texto do despacho é idêntico ao do parecer do Presidente do IPIM e do parecer do técnico – cfr. Docs. n.os 1 e 4.
7. Se se entender que o despacho recorrido é apenas constituído pelo simples trecho de texto assinado pelo Chefe do Executivo – cfr. Docs. n.os 1, totalmente despido e desacompanhado dos sucessivos pareceres obrigatórios que o precederam no mesmo procedimento administrativo, então, é entendimento do recorrente que o mesmo despacho não está suficiente e esclarecidamente fundamentado fáctica e juridicamente, já que os pretensos argumentos de indeferimento não passam de alguns vagos termos genéricos (“… considerando o valor e espécie do investimento… e as necessidades da RAEM…”), o que fá-lo inquinar do vício de forma de falta de fundamentação, o que se pugna.
8. Porém, se se entender que os pareceres que constituem o Documento n.º 4 são partes integrantes do despacho recorrido, então o acto recorrido está inquinado do vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto, já que fez uma errónea apreciação e apuramento do valor de investimento feito pelo recorrente, ao arrepio do critério estabelecido no n.º 1 do artigo 7º do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, que determina que na análise do pedido se tenha em conta, inter alia, o valor do investimento feito, e não o valor do investimento resultante do correspondente valor percentual da quota societária que o recorrente detém.
9. Com efeito, segundo o critério anómalo esgrimido pela técnica em seu parecer, o investimento feito pelo recorrente cifrou-se apenas no montante de MOP$2.497.209,05.
10. Todavia, tal como demonstra os Documentos n.os 8 e 9, o recorrente investiu a quantia de HKD$4.000.000,00, capital esse integralmente realizado por injecção de fundos financeiros.
11. Na análise ao investimento feito, a Administração não pode criar uma outra fórmula de cálculo de investimento ao arrepio do critério estabelecido no n.º 1 do artigo 7º do citado Regulamento, e com base nessa “fórmula” apurar um valor fictício de investimento e com esse número assim “apurado” e redutor concluir pelo menosprezo ou irrelevância do investimento feito.
12. É notória a diferença dos valores apurados com base nesses 2 diferentes critérios. Seguindo o critério correcto do n.º 1 do artigo 7º, o valor de investimento do recorrente é de HKD$4.000.000,00. Segundo o critério redutor “criado” no parecer – cfr. Doc. n.º 4 – o valor de investimento do recorrente “apurado” seria apenas de MOP$2.497.209,05.
13. O próprio IPIM, em uma das suas páginas disponibilizadas no seu site oficial na Internet, em instruções publicadas e destinadas a potenciais candidatos interessados nesse mesmo regime de investimento esclarece sobre os critérios a adoptar pelo IPIM na admissão, análise e decisão sobre pedidos de investimento feitos ao abrigo do Reg. Adm. n.º 3/2005. Um dos critérios de aferição do investimento é o do valor efectivo do investimento feito ou a fazer no projecto. Não refere a outro critério ou aquele adoptado no parecer técnico acima referido. Esclarece, ainda, que o investidor deve ser titular de uma determinada quota enquanto manifestação do seu interesse e participação no projecto e não como critério de aferição.
14. O acto recorrido labutou em pressupostos fácticos errados e sobre esses mesmos erróneos pressupostos de facto construiu a sua decisão jurídica, desembocando o acto recorrido no vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto.
15. O mesmo erro de raciocínio subjacente ao acto recorrido existe no parecer quando é feita a análise do contributo do investimento do recorrente na criação de postos de trabalho.
16. Correcta e cientificamente feito, deve apurar-se o número de postos de trabalho criado pelo investimento na sua totalidade, incluindo postos de trabalho para locais e não-residentes. O investimento em causa criou 69 postos de trabalho, sendo 26 locais e 43 para não-residentes.
17. Porém, e contrariamente, o parecer fez apenas multiplicar o número de empregados locais (26 postos) sobre a percentagem da quota detida (5,625%), e daí apura e afirma que o recorrente apenas contribuiu para a criação de 1,46 posto de trabalho local. Daí a sua insignificância e menosprezo. Ignorou por completo os 43 postos de trabalho criados para trabalhadores não-residentes.
18. Assim, nessa vertente de apuramento da contribuição do investimento do recorrente na criação de postos de trabalho o acto recorrido labutou em pressupostos fácticos errados e sobre esses mesmos erróneos pressupostos de facto construiu a sua decisão jurídica (acto recorrido), fazendo desembocar o acto recorrido no vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto, o que se pugna.
Por outro lado,
19. O exercício do poder discricionário não corresponde ao livre arbítrio. A lei, in casu, o artigo 7º do Reg. Adm. n.º 3/2005, criou momentos vinculados ao exercício do poder discricionário conferido ao Senhor Chefe do Executivo na apreciação e decisão sobre os pedidos de atribuição de autorização de residência aos investidores.
20. O exercício desses poderes deve nortear-se pelos critérios claros e objectivos definidos por lei ou regulamento, e quando esses critérios existirem, como é o caso “sub judice”, a sua inobservância flagrante torna contenciosamente sindicável o seu exercício.
21. In casu, entendemos que o despacho recorrido labutou em erro quanto ao exercício do poder discricionário, o que faz inquinar o acto impugnado no vício de violação de lei por erro manifesto no exercício do poder discricionário.
22. A restauração – na espécie de comida chinesa típica da Província de Cantão – constitui o tipo ou espécie de investimento realizado pelo recorrente.
23. O restaurante em causa está instalado em plena zona central de Macau, na Zona Nam Van, comportando 2 pisos completos, com mais de 30 mesas para atendimento de clientes, funcionado diariamente em horário pleno, desde as 10 horas até às 22 horas.
24. Para uma Cidade Turística e de Lazer como Macau aspira a ser, a restauração de qualidade constitui uma componente essencial e não despicienda para o desenvolvimento turístico local.
25. O acto recorrido apenas refere em termos vagos e imprecisos que “… considerando as necessidades da RAEM …”, não esclarecendo nem especificando quais são as necessidades actuais da RAEM no ramo de captação de investimento, e quais as razões porque o investimento de restauração do recorrente não se adequa às necessidades da RAEM ou se afasta do objecto por detrás da criação do regime constante do Reg. Adm. n.º 5/2003.
26. O que faz com que o acto recorrido seja ferido do vício de falta de fundamentação ou equivalente.
27. A decisão recorrida violou ainda o princípio fundamental da boa-fé que deve nortear a actividade administrativa, tal como vem plasmado no artigo 8º do Código do Procedimento Administrativo em vigor.
28. No exercício da actividade administrativa, e em todas as suas formas e fases, a Administração Pública e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regras da boa fé. Devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face das situações consideradas, e, em especial da confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa (citado artigo 8º do CPA).
29. Ao aplicar critérios de análise diferentes dos que estão enunciados no regulamento administrativo e nas instruções que o próprio IPIM publicou no seu site oficial da Internet, mormente no que diz respeito à forma de apreciação do valor do investimento, e da contribuição na criação de postos de trabalho e um aparente menosprezo pela actividade de restauração, induziu o recorrente em erro, fez criar-lhe uma expectativa jurídica atendível, que veio a naufragar.
30. Entendemos que, desta forma, o despacho recorrido violou o princípio da boa fé, o que faz inquinar o acto impugnado no vício de violação de lei por erro manifesto e total desrazoabilidade no exercício do poder discricionário – cfr. alínea d) do n.º 1 do artigo 21º do CPAC.
Nestes termos, nos melhores de Direito, com o sempre mui douto suprimento de V. Excia., deve o presente recurso contencioso ser admitido e, a final, ser julgado procedente por provado, e com base na existência dos vícios supra referidos, ser anulado “in totum”, assim se fazendo inteira e sã Justica!!!”
*
Regularmente citada, a entidade recorrida apresentou contestação, tendo formulado as seguintes conclusões:
“1. O acto recorrido não é um mero despacho de concordância com o parecer técnico do IPIM.
2. O parecer técnico do IPIM não era vinculativo para o Chefe do Executivo.
3. É irrelevante, para determinar a autoria e validade do acto administrativo, o tipo de papel em que o mesmo foi formalizado.
4. A fundamentação do acto administrativo é, em regra, sucinta.
5. O acto recorrido contém fundamentos de facto e fundamentos de direito, não existindo incongruência, contradição e obscuridade.
6. A concessão de autorização de residência, ao abrigo do RA 3/2005, é uma decisão discricionária, que se destina a atrair determinados investimentos e quadros para a RAEM, tendo obviamente que levar em conta as circunstâncias existentes no momento em que é tomada.
7. O facto de determinado investimento não ser tão necessário à RAEM que justifique a concessão de autorização de residência, ao abrigo do RA 3/2005, não significa que ele não tenha qualquer interesse.
8. Os fundamentos de facto do despacho recorrido não são errados.
9. O órgão recorrido não exprimiu concordância com o que se diz no parecer do IPIM sobre o valor do investimento ou sobre o número de postos de trabalho criados.
10. A Administração não induziu o recorrente em erro, pois nunca lhe garantiu que o seu requerimento seria deferido.
11. O recorrente devia saber que o seu requerimento tanto poderia ser deferido como indeferido, tudo dependendo da avaliação da Administração sobre a relevância do investimento para efeitos do RA 3/2005.”
Conclui, pugnando pela improcedência do recurso.
*
Findo o prazo para alegações, o Ministério Público emitiu o seguinte douto parecer:
“Na petição inicial, a recorrente assacou sucessivamente um vício de forma por falta de fundamentação, dois (2) erros sobre os pressupostos de facto, bem como uma violação de lei por erro manifesto e total desrazoabilidade no exercício do poder discricionário, ao despacho lançado pelo Exmo. Senhor Chefe do Executivo, em 16/09/2015, no Processo Administrativo n.º 0243/2014 (vide. doc. de fls. 51 a 57 dos autos).
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1. Vicissitude processual
Na pendência do presente recurso, o acto impugnado ab initio viu revogado e substituído pelo despacho lançado em 07/10/2016 pelo Exmo. Senhor Chefe do Executivo na Informação n.º 176/GC-SEF/2016 (vide. doc. de fls. 137 a 40 dos autos, que se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos), onde declarando peremptoriamente «同意建議書的依據及建議»。
No Requerimento de fls. 143 dos autos, a recorrente solicitou, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 79º do CPAC, apenas que o recurso contencioso em apreço prossiga nos seus ulteriores termos, tendo como objecto o sobredito despacho substitutivo, sem invocar quaisquer novos vícios ao actual objecto.
*
2. Quanto a erros de facto e vício de forma
Antes de mais, importa realçar que em virtude da apontada modificação do objecto, se impõe e basta indagar se tal despacho substitutivo padecer de um ou algum dos vícios arrogados na petição inicial, caindo na impertinência e irrelevância os que só afectem o objecto original.
2.1- Percorrendo atenciosamente o texto integral da na Informação n.º 176/GC-SEF/2016, temos por indisputável que o despacho substitutivo não enferma do erro de facto no que respeite ao valor do investimento da recorrente (cfr. as 9 e 10 conclusões da petição). Pois, nessa Informação se menciona propositadamente «考慮到申請人提出居留許可申請的依據為取得“C有限公司”一份額股份,投資金額為港幣四百萬元。»
2.2- Ora, a Informação n.º 176/GC-SEF/2016 revela que o abono mais decisivo da negação do pedido de autorização de residência da recorrente traduz no juízo de «考慮到申請人在該公司的投資沒為澳門引進了什麼特別所需», não sendo a quantidade dos empregados do dito restaurante.
Na nossa óptica, não há dúvida de que para avaliar o contributo aos postos de trabalho de qualquer investimento, o critério determinante consiste no concreto aumento de postos de trabalho para os residentes da RAEM, sendo irrelevante a quantidade dos trabalhadores-não-residentes efectivamente empregados por um titular de investimento que pretenda autorização de residência de acordo com o prescrito na alínea 2) do art. 1º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005.
Tudo isto faz-nos crer que o actual objecto do recurso não padece do assacado erro de facto no que concerne a contributo aos postos de trabalho, com efeito, a própria recorrente reconhece que o restaurante «D» emprega apenas 26 trabalhadores locais, sendo legítimo que a Administração não valorizou os 43 trabalhadores-não-residentes.
2.3- Bem, a Informação n.º 176/GC-SEF/2016 assevera e explica, de maneira clara, que «考慮到申請人提出居留許可申請的依據為取得“C有限公司”一份額股份,投資金額為港幣四百萬元» e «考慮到申請人在該公司的投資沒為澳門引進了什麼特別所需», bem como alude o preceituado na alínea 2) do art. 1º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005.
Inculca a brilhante jurisprudência: «A fundamentação é um conceito relativo que depende do tipo legal do acto, dos seus termos e das circunstâncias em que foi proferido, devendo dar a conhecer ao seu destinatário as razões de facto e de direito em que se baseou o seu autor para decidir nesse sentido e não noutro, não se podendo abstrair da situação específica daquele e da sua possibilidade, face às circunstâncias pessoais concretas, de se aperceber ou de apreender as referidas razões, mormente que intervém no procedimento administrativo impulsionando o itinerário cognoscitivo da autoridade decidente.» (Acórdão do STA de 10/03/1999, no processo n.º 4XXX2)
Em esteira da citada e das doutrinas autorizadas sobre os requisitos de fundamentação, colhemos que não existe in casu o vício de forma por falta de fundamentação. Pois, aquela Informação possibilita a recorrente apreender os fundamentos de facto e de direito do despacho em crise.
*
3. Da arguição da total desrazoabilidade
Recorde-se que a recorrente solicitou autorização de residência ao abrigo do preceito na alínea 2) do art. 1º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005. Para tal efeito, ela investe o montante de HKD$4.000.000,00 no restaurante denominado «D».
Ora, o n.º 1 do art. 6º do citado Regulamento Administrativo prevê que é discricionária a competência do Chefe do Executivo para decidir os pedidos de residência temporária apresentados ao abrigo deste diploma, independentemente dos respectivos fundamentos. De outro lado, não há dúvida de ser indeterminado de prognose o conceito «investimentos relevantes», gozando a Administração da ampla margem de livre apreciação na interpretação deste conceito.
Sem prejuízo do respeito pela opinião diferente, afigura-se-nos que o despacho recorrido que traduz em indeferir o pedido de autorização de residência da recorrente não enferma nem de erro manifesto, nem de total desrazoabilidade, e nem de injustiça intolerável.
Em primeiro lugar, atendendo ao sector económico e à quantia do investimento da recorrente – traduzidos respectivamente em restaurante e em HKD$4.000.000,00, entendemos sossegadamente que a conclusão da Administração de «考慮到申請人在該公司的投資沒為澳門引進了什麼特別所需» é prudente e acertado, não merecendo censura alguma.
Em segundo, importa ter presente que o restaurante «D» constitui a origem de 4 requerimentos de autorização de residência que, tendo todos sido indeferidos, germinam 4 recursos contenciosos que correm termos nesse Venerando TSI, a saber:
- Processo n.º 982/2015, a recorrente E requereu a autorização de residência para si própria, investindo HKD$4.000.000,00;
- Processo n.º 983/2015, a recorrente F pediu autorização de residência para si e sua mulher, investindo HKD$3.500.000,00;
- Processo n.º 984/2015, a recorrente G pediu autorização de residência para si e dois familiares, investindo HKD$4.000.000,00;
- Processo n.º 986/2015, a recorrente A requereu a autorização de residência para si e dois familiares, investindo a quantia de HKD$4.000.000,00.
Analisando sinteticamente tais 4 recursos contenciosos, parece-nos que os 4 recorrentes tentaram fazer investimentos mais lucrativos do que negócios usurários, e sendo assim, é indisputável que não se verificam in casu o erro manifesto ou a total desrazoabilidade.
***
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso contencioso.”
*
O Tribunal é o competente e o processo o próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, e têm interesse processual.
Não existe outras nulidades, excepções nem questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
Cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
Resulta provada dos elementos constantes dos autos, designadamente do processo administrativo, a seguinte matéria de facto com pertinência para a decisão da causa:
A recorrente fez em 15.7.2013 um investimento monetário na sociedade comercial “C, Limitada”, com sede estatutária em Macau, no montante de HKD$4.000.000,00, montante esse totalmente realizado através de injecção de fundos financeiros.
Essa mesma sociedade explora o restaurante chinês Eatsun, sito nos pisos 4º e 5º do edifício do Banco Luso Internacional.
Em 3.6.2014, a recorrente formulou o pedido de fixação de residência em Macau, mediante plano de investimento.
Em 1.12.2014, foi elaborada a seguinte Proposta e registada sob o n.º 0243/留許/2014:
“投資居留暨法律處經理 閣下:
一、申請依據和利害關係人的身份資料
申請人,按照第3/2005號行政法規規定,以持有“C有限公司”的“5.625%”股權(見89及93頁文件)為依據,申請臨時居留許可,下述為利害關係人的身份資料:
序號
姓名
關係
證件
編號
有效期
1
A
申請人
中國護照
GXXXXXX05
2020/02/25



幾內亞比紹准入證
RGB/B-XXX61
10年
2
H
配偶
中國護照
GXXXXXX11
2020/03/01



幾內亞比紹准入證
RGB/B-XXX62
10年
3
I
卑親屬
中國護照
EXXXXXX59
2017/11/07



幾內亞比紹准入證
RGB/B-XXX63
10年
二、對申請人提交的重大投資計劃書及相關證明文件
1. 所投資公司的商業登記資料(見第75頁至第98頁及第163頁文件)
機構名稱:
C有限公司
註冊資本:
80,000.00澳門元
登記設立:
2006年9月15日
估股比例:
4,500.00澳門元
開業日期:
2006年9月14日
所營事業:
酒樓
營運地點:
(租賃)澳門XX街XX大廈XX樓
營運牌照:
由旅遊局發出編號為0XX1/XX5,有效期至2015年12月31日的餐廳二級牌照
2. 申請人投資計劃之描述(見第108至109頁文件)
      該司未來方向將投入新資金重新裝修,成為一間提供火鍋及高級中菜的超五星的食肆。另外,該司已準備於本澳物識新地址,開啟連鎖酒樓,繼續擴大投資。
3. 申請人2013年1月1日至2013年12月31日投資狀況(見第157頁至第162頁文件):
序號
項目
金額(澳門元)
1
資產總值
32,535,250.77
2
營業費用
5,883,420.17
3
人員薪金
5,888,602.80
4
營運總開支
87,553.73

投資總金額
44,394,827.47
申請人佔 “5.625%股權”,申請人的總投資金額
2,497,209.05
三、因澳門特別行政區需要作出之分析
1. 治安警察局意見(見第204至206頁文件):
澳門治安警察局依據前澳督第120-I/GM/97號批示內容,對利害關係人之旅行證件作出意見書,並通知本局利害關係人符合投資居留申請之身份條件。
2. 基於安全需要考慮的情況:
至目前為止,未有任何文件證明申請人是次臨時居留許可申請將對本澳安全構成影響。
3. 相關部門意見:
不適用。
4. 有關投資對本澳就業巿場的貢獻:(見第132頁文件)
根據該司於2014年第1季的社會保障基金供款憑單所示,證實該司於該季度內已聘請了26名本地員工,按股權比例計算,申請人聘請本地人員數目為1.46名。
5. 對申請人的投資項目作分析如下:
(1) 業務:
酒樓。
(2) 投資金額:
根據該司提交2013年1月1日至2013年12月31日期間的會計師財務報表所示,證實該司於上述期間的總投資金額為44,394,827.47澳門元,而按申請人所佔5.625%股權計算,即申請人的投資金額為2,497,209.05澳門元,投資金額並不顯著。
(3) 就業巿場
根據該司於2014年第1季的社會保障基金供款憑單所示,證實該司於該季度內聘請了26名本地員工,而按申請人所佔的股權比例計算,認為申請人對本地勞動巿場貢獻不大。
(4) 具體在本個案中,考慮到有關投資項目之所營事業於本澳並不缺乏,投資金額並不顯著,對本地勞動巿場的貢獻不大。因此,未能體現有關投資項目對本澳有利。
四、總結
1. 考慮到申請人是項申請的有關投資項目所從事之業務性質於本澳並不缺乏,且申請人僅持有該投資項目的5.625%股權,按申請人所佔的股權比例計算,投資金額並不顯著,對本地勞動巿場貢獻不大。再者,綜合分析申請人所投資的狀況,並無較多對本澳有利的因素,且未能體現有關投資為重大。
2. 基於上述分析,不利於利害關係人是項居留申請,故進行了書面聽證(見第212頁文件),而利害關係人提交回覆(見第207至211頁文件),主要內容如下:
(1) 申請人指所提交的投資計劃表只是初步投資計劃,公司正在試業期間,通過所有股東會議作出結論,投資額為港幣陸仟萬元;
(2) 申請人提交證明文件證實該司獲澳門特別行政區政府旅遊局頒發「稱心服務團隊獎」;
(3) 申請人並表示,因公司正等待公務局收則,所以維持25至40名員工,且該司不斷登廣告聘請員工,但因澳門本地員工實在缺乏,所以在本公司現階段還在進行,正式營業後會增至本地員工65至70個,因此請求本局待該司正式營業後再行定案。
3. 就上述書面聽證作分析如下:
(1) 申請人所提交的回覆並未有對該司的投資類別在本澳並不缺乏且並不存在對本澳有利的因素提出任何意見,只說明了該司尚於試業期間,正式營業後將增加投資額及本地員工;
(2) 然而,按申請人僅佔該司5.625%股權計算,即使該司增加投資金額至港幣陸仟萬元,相關投資金額仍未見顯著,且申請人未有提交任何證明文件證實該司具備足夠資金實現相關投資計劃;
(3) 同樣地,按申請人的股權比例,即使該司增加本地員工至65至70名,亦未有對本地勞動巿場有太大貢獻。
4. 按照第3/2005號行政法規的規定:設立工業單位,但其活動的性質須對澳門特別行政區經濟的發展及多元化有所貢獻;設立服務性單位,尤其是提供金融服務、顧問服務、運輸服務及為工商業提供輔助服務的單位,但須對澳門特別行政區有利;設立酒店業單位及其他被認為有利於旅遊業的類似單位。在此情況下,相關的投資計劃或投資可被視為重大。
5. 然而,具體在本個案中,申請人的投資計劃或投資的價值及類別,仍不足以被視為有利於本澳。為此,建議不視之為重大。
6. 綜上所述,一方面考慮到利害關係人投資的價值及類別,另一方面考慮到澳門特別的需要,現依據上述行政法規之規定,建議不批准是項臨時居留許可申請。
呈上級審閱批示。”
Em 4.3.2015, foi dado o seguinte parecer jurídico:
“同意建議。”
Tendo o Presidente do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau lavrado o seguinte despacho:
“經研究分析,按照第3/2005號行政法規規定,一方面考慮到利害關係人投資的價值及類別,另一方面考慮到澳門特區的需要,現本人建議不批准下列利害關係人的臨時居留許可申請。
序號
姓名
關係
1
A
申請人
2
H
配偶
3
I
卑親屬
     張祖榮/主席 5.3.2015”
Em 25.7.2015, pelo Exmº. Secretário para a Economia e Finanças foi proferido o seguinte despacho:
“同意建議。”
O Senhor Chefe do Executivo deu em 16.9.2015 o seguinte despacho:
“按照第3/2005號行政法規規定,一方面考慮到利害關係人投資的價值及類別,另一方面考慮到澳門特區的需要,現不批准下列利害關係人的臨時居留許可申請。”
序號
姓名
關係
1
A
申請人
2
H
配偶
3
I
卑親屬
Em 13.11.2015, foi interposto o presente recurso contencioso.
Em 30.9.2016, o Exmº. Secretário para a Economia e Finanças submeteu a seguinte proposta (nº 176/GC-SEF/2016) ao Chefe do Executivo:
“行政長官2015年9月16日在貿促局第P0243/2014號卷宗上所作的批示,內載的理由說明部份是以簡明的方式敘之。該批示不批准徐亞敏及其家團成員的居留許可申請,申請依據為投資於經營一所酒樓的C有限公司。
Uma forma mais sucinta de fundamentação foi adoptada no despacho do senhor Chefe do Executivo de 16.09.2015, exarado no processo n.º P0243/2014 do IPIM, o qual indeferiu o requerimento em que A pediu autorização de residência, para si e para o seu agregado familiar, com fundamento no investimento de 4.000.000,00HKD numa sociedade comercial, designada C, Lda., que explora um restaurante.
該批示內容如下:“按照第3/2005號行政法規規定,考慮到利害關係人投資的價值及類別,以及澳門特區的需要,現不批准臨時居留許可申請。”
Diz o despacho o seguinte: “Nos termos do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, considerando o valor e tipo do investimento feito pelo interessado, bem como as necessidades da RAEM, indefiro o pedido de autorização de residência.
為此,利害關係人向中級法院提起司法上訴,卷宗編號為986/2015,現仍在審理中。
A interessada interpôs recurso contencioso para o TSI, o qual corre actualmente os seus termos sob o n.º 986/2015.
不過,一直以來,同樣的行政行為均被中級法院撤銷,因該院認為當中的理由說明部份太過簡單。中級法院此一見解更獲終審法院在另一案卷中予以肯定(2016年7月22日關於第45/2016號司法裁判上訴卷宗的合議庭裁判)。
No entanto, o TSI tem vindo a anular actos administrativos idênticos, por entender que a respectiva fundamentação é demasiado sucinta – entendimento esse que foi, entretanto, confirmado pelo Tribunal de Última Instância num outro processo (acórdão de 22.07.2016, nos autos do recurso jurisdicional n.º 45/2016).
所以,我們建議廢止2015年9月16日決定A居留許可申請的行政行為,並按以下內容重新評估其申請:
Consequentemente propomos a revogação do acto administrativo de 16.09.2015 que decidiu o pedido de autorização de residência formulado por A e, simultaneamente a reapreciação desse requerimento, nos seguintes termos:
考慮到中華人民共和國GXXXXXX05號護照持有人A,根據第3/2005號行政法規第一條(二)項規定以投資為依據向澳門貿易投資促進局為自己、配偶及卑親屬I申請居留澳門特別行政區的許可;
Considerando que A, portadora do passaporte da República Popular da China n.º GXXXXXX05, requereu ao Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau (IPIM) autorização de residência na Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), com fundamento em investimento, ao abrigo da alínea 2) do artigo 1º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, para si, para o seu cônjuge, H, e para o seu descendente I;
考慮到第3/2005號行政法規容許行政長官對作出有利澳門特別行政區重大投資的權利人在批給臨時居留許可方面擁有自由裁量權;
Considerando que o Regulamento Administrativo n.º 3/2005 permite ao Chefe do Executivo conceder, discricionariamente, autorização temporária de residência aos titulares de investimentos que sejam considerados relevantes para a RAEM;
考慮到該法規旨在引進對澳門特別行政區特別有利的投資,是以不得認為所有或任何的投資都是重大投資;
Considerando que tal normativo se destina a atrair à RAEM investimentos que sejam de particular interesse para esta, não se podendo, no entanto, entender que todo e qualquer investimento é relevante;
考慮到申請人提出居留許可申請的依據為取得“C有限公司”一份額股份,投資金額為港幣四百萬元;
Considerando que a requerente fundamentou o seu pedido de autorização de residência com um investimento de 4.000.000,00 dólares de Hong Kong na sociedade comercial C, Lda., na qual adquiriu uma quota;
考慮到該公司經營一間專門提供精緻粵菜的酒樓;
Considerando que essa sociedade se dedica à exploração de um restaurante especializado em comida cantonense requintada;
考慮到澳門特別行政區餐廳食肆林立,佳餚美饌各色其色,豐儉由人,遠近聞名;
Considerando que, como é do conhecimento público, a RAEM está muitíssimo bem servida de restaurantes, das mais variadas categorias e para todas as bolsas;
考慮到申請人在該公司的投資沒為澳門引進了甚麼特別所需;
Considerando que o investimento do requerente na referida sociedade não vem trazer a Macau nada de que esta esteja especialmente necessitada;
最後,考慮到澳門特別行政區現時的經濟狀況為全民就業;
Considerando, finalmente, que a economia da RAEM se encontra numa situação de pleno emprego;
為適用第3/2005號行政法規的規定,茲決定不視A的投資為重大投資,不批准其居留許可申請。
Decide-se que o investimento feito por A não é relevante, para efeitos do RA 3/2005, e indefere-se o respectivo pedido de autorização de residência.
呈上考慮。
À consideração superior.”
O Chefe do Executivo deu em 7.10.2016 o seguinte despacho:
“同意建議書的依據及建議。”
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O caso dos autos
Tendo sido indeferido o pedido de autorização de residência temporária da recorrente e do seu agregado familiar, foi interposto recurso contencioso do despacho do Chefe do Executivo de 16.9.2015.
Na pendência do recurso, foi revogado pela entidade recorrida o despacho de 16.9.2015 e substituído por outro lançado em 7.10.2016, tendo a recorrente, em consequência disso, solicitado, ao abrigo do nº 1 do artigo 79º do CPAC, que o recurso contencioso prosseguisse seus termos processuais tendo por objecto o novo despacho, não logrando, no entanto, invocar novos vícios.
A recorrente assaca ao despacho recorrido vícios de falta de fundamentação, erro sobre os pressupostos de facto, erro manifesto e total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, e violação do princípio da boa fé.
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Da alegada falta de fundamentação de acto administrativo
A recorrente assaca ao despacho recorrido vício de forma por falta de fundamentação, alegando que o mesmo não está fundamentado.
Estatui-se no artigo 114º do Código do Procedimento Administrativo que os actos administrativos que neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções, devem ser fundamentados.
Preceitua-se ainda no nº 1 do artigo 115º do mesmo Código que a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações, propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto.
A fundamentação visa assegurar a melhoria da qualidade e a legalidade dos actos administrativos, facilitar o recurso contencioso pelos eventuais lesados pelo acto administrativo, de modo a garantir o exercício efectivo do seu direito ao recurso contra actos lesivos, e tem ainda uma função persuasória e consensual, contribuindo para a uma maior transparência da actividade administrativa.1
No caso vertente, face ao teor da Proposta nº 176/GC-SEF/2016, de 30.9.2016, a qual constitui parte integrante do despacho recorrido de 7.10.2016, nela estão discriminadas as razões de facto e de direito em que se baseou a entidade recorrida para decidir da forma como está.
Desta sorte, não se vislumbra o alegado vício de falta de fundamentação que atente contra o disposto nos artigos 114º e 115º do CPA, uma vez que qualquer destinatário comum (por referência à diligência normal do homem médio que tal deve ser aferido) fica a saber as razões de facto e de direito que levaram à decisão do indeferimento do pedido da recorrente.
Improcede, assim, o vício invocado.
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Do alegado erro nos pressupostos de facto
Em boa verdade, o erro nos pressupostos de facto subjacentes à decisão releva no exercício de poderes discricionários, exigindo-se que os factos que sirvam de motivo de um acto administrativo devem ser verdadeiros, de modo que o órgão decisor possa actuar de forma livre e esclarecida, sem que a sua vontade seja viciada.
Salvo o devido respeito, entendemos não se vislumbrar o alegado vício de erro nos pressupostos, pois segundo se refere no despacho recorrido (acto revogatório), a entidade recorrida já teve em consideração o valor efectivo do investimento feito pela recorrente, no montante de HKD$4.000.000,00, e não o valor indicado no primeiro parecer do IPIM.
Além disso, é de verificar que, de acordo com o novo despacho, a entidade recorrida deixou de atender especificamente ao contributo do investimento da recorrente na criação de postos de trabalho local e não-residente.
Mesmo que assim não se entenda, somos a entender que, ao contrário do defendido pela recorrente, para avaliar o contributo do investimento aplicado pela recorrente, terá que pôr a tónica no número de posto de trabalho local promovido pelo investimento.
Aqui chegados, não se vislumbra o alegado erro nos pressupostos de facto.
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Do alegado erro manifesto e total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários
A recorrente considera que o acto recorrido desrespeitou os critérios de apreciação delineados no artigo 7º do Regulamento Administrativo nº 3/2005, ferindo o acto, no seu entender, do vício de erro manifesto e total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários.
Em boa verdade, no tocante à aferição dos pressupostos de autorização de residência temporária na RAEM, situa-se no âmbito do exercício de poderes discricionários da Administração, à qual é conferido um espaço de liberdade para agir, segundo critérios que se prendem com as circunstâncias de cada caso concreto.
Tem entendido o TUI que “no recurso contencioso, se o acto impugnado for praticado no âmbito de poderes discricionários, o tribunal só pode sindicar o mérito deste tipo de acto quando se verifica o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, ou a violação, de forma intolerável, dos princípios fundamentais do Direito Administrativo”.2
Também referiu o Acórdão deste TSI, no âmbito do Processo nº 647/2010, que a expressão “total desrazoabilidade no exercício dos poderes discricionários pode comportar-se o sentido de uma absurda e desmesurada aplicação do poder discricionário administrativo perante um determinado caso real e concreto. E a decisão desrazoável é aquela cujos efeitos se não acomodam ao dever de proteger o interesse público em causa, aquela que vai para além do que é sensato e lógico tendo em atenção o fim a prosseguir, um acto absurdo ou por vezes irracional”.
No caso vertente, provado que a recorrente fez um investimento de HKD$4.000.000,00 através da aquisição de uma quota social concernente ao ramo de restaurante.
E para saber se o referido montante constitui ou não investimento relevante para a RAEM contido no artigo 2º do Regulamento Administrativo nº 3/2005, está em causa um conceito indeterminado.
Tem entendido a jurisprudência da RAEM que são indeterminados aqueles conceitos que, devido ao campo de actuação político-administrativa em que se insere, a sua avaliação apenas cabe discricionariamente ao ente administrativo, não podendo o tribunal sindicar a sua densificação, a não ser nos casos em que ele incorra em manifesto erro grosseiro3.
Ora, tendo em conta a actual conjuntura económico-financeira da RAEM, julgamos que nenhuma censura merece o despacho recorrido ao considerar que o investimento de HKD$4.000.000,00 não corresponde a um investimento relevante para a RAEM.
Daí que, inexistindo qualquer erro manifesto nem total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, improcedem as razões da recorrente quanto a esta parte.
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Da alegada violação do princípio da boa fé
Invoca a recorrente que o despacho recorrido violou ainda o princípio da boa fé previsto no artigo 8º do Código do Procedimento Administrativo, dizendo que foram utilizados critérios de análise diferentes dos que estão enunciados no Regulamento Administrativo e nas instruções que o próprio IPIM publicou no seu site oficial da Internet.
Prevê-se no artigo 8º do Código do Procedimento Administrativo:
“1. No exercício da actividade administrativa, e em todas as suas formas e fases, a Administração Pública e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regras da boa fé.
2. No cumprimento do disposto no número anterior, devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face das situações consideradas e, em especial:
a) Da confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa;
b) Do objectivo a alcançar com a actuação empreendida.”
Decidiu-se no Acórdão deste TSI, no Processo nº 625/2013 que “o princípio da boa fé plasmado no art. 8º do CPA significa que devem ser considerados os valores fundamentais do direito relevantes em cada caso concreto, em face da confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa (nº 2, al. a)), ou em face do objectivo a alcançar com a actuação empreendida (al. b)). A invocação da violação do princípio da boa fé só faz sentido ante uma atitude da Administração que fira a confiança que nela o particular depositou ao longo do tempo, levando-o a crer que diferente decisão estaria para ser tomada.”
Em nossa opinião, a recorrente não devia ignorar que o seu pedido de autorização de residência temporária podia ser deferido ou indeferido, tudo dependendo da avaliação feita pela Administração no uso dos seus poderes discricionários, ao que acresce que não houve qualquer promessa por parte da Administração de que o seu requerimento seria necessariamente deferido, pelo que manifestamente não se verifica a alegada violação do princípio da boa fé.
Desta sorte, não se mostrando o acto recorrido inquinado dos vícios indicados, há-de julgar improcedente o recurso contencioso.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em julgar improcedente o recurso contencioso, mantendo o acto recorrido impugnado.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça em 8 U.C.
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RAEM, 18 de Maio de 2017
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Tong Hio Fong Joaquim Teixeira de Sousa
_________________________ (Fui presente)
Lai Kin Hong
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João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira

1 Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro e José Cândido de Pinho, Código do Procedimento Administrativo de Macau, Anotado e Comentado, FM e SAFP, pág. 623 e 624
2 Acórdãos do Tribunal de Última Instância nos Processos n.ºs 9/2000, 14/2002, 1/2006, 36/2006
3 e.g., Acórdãos deste TSI, nos Processos 558/2013, 360/2013, 625/2013 e outros
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Recurso Contencioso 986/2015 Pág 33