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Reclamação nº 2/2017

A, requerido e cabeça-de-casal do inventário, instaurado por B com vista a pôr termo à comunhão conjugal na sequência do divórcio, registado sob o nº FMI-00-0001-CPE-D, e que corre os seus termos no Juízo de Família e de Menores do Tribunal Judicial de Base, suscitou, no âmbito do inventário, na relação subsidiária, três questões prejudiciais, pedindo ao Tribunal que lhe reconhecesse ser o regime de separação como regime de bens vigente na constância do casamento com a requerente B, e subsidiariamente, caso viesse a considerar vigente o regime de comunhão de adquiridos, lhe reconhecesse a existência de um acordo sobre a partilha dos bens comuns e declarasse já caducado o direito de arguir a eventual invalidade do acordo, ou ainda a título subsidiário, considerasse como abusivo o exercício por parte de B do direito de requerer o inventário.

Por despacho datado de 18MAR2013, a Exmª Juiz Titular do processo, julgou improcedentes os primeiros dois pedidos, ou seja, o pedido de lhe reconhecer ser o regime de separação como regime de bens que vigorava na constância do casamento com a requerente B e o de reconhecer a existência de um acordo pondo termo à comunhão conjugal, e dada a sua complexidade não podendo ser convenientemente resolvida no incidente no âmbito do inventário, absteve-se de decidir incidentalmente a questão prejudicial de abuso de direito, e remetendo-a para os meios comuns, nos termos permitidos pelo artº 971º/2 do CPC e determinando a suspensão do inventário logo que os bens se mostrassem relacionados e até que ocorresse decisão definitiva nos meios comuns sobre a questão de abuso de direito.

Inconformado com esse despacho, o cabeça-de-casal e requerido interpôs dele recurso ordinário para o Tribunal de Segunda Instância.

Por douto despacho da Exmª Juiz a quo, foi admitido o recurso, com efeito meramente devolutivo, a subir, em separado, no momento da convocação da conferência de interessados, nos termos prescritos no artº 975º do CPC.

Continuou a marcha processual na sua tramitação normal.

Por despacho datado de 04DEZ2015, foi designado o dia 15JAN2016 para a realização da conferência dos interessados.

Mediante o requerimento que deu entrada no Tribunal em 10DEZ2015, o cabeça-de-casal e requerido pediu que fosse dado cumprimento ao despacho datado de 18MAR2013 na parte que determinou a suspensão do inventário até que ocorresse decisão definitiva nos meios comuns sobre a questão de abuso de direito, uma vez que os bens já se encontraram relacionados, condição de que aquele despacho fez depender a já ordenada suspensão.

Por despacho datado de 15JAN2016, foi determinada a suspensão do inventário, em cumprimento do já ordenado naquele despacho de 18MAR2013.

E a conferência, cuja realização foi agendada para o dia 15JAN2016, não teve lugar justamente por se encontrar suspensa a instância.

Mediante o requerimento que deu entrada no Tribunal em 28NOV2016, o cabeça-de-casal requereu que fosse dada execução ao regime de subida fixado no despacho de admissão do recurso interposto do despacho de 18MAR2013, ou seja, fizesse subir o recurso, por se ter verificado o momento de subida fixado no despacho da admissão do recurso, isto é, o momento da convocação da conferência dos interessados.

Face a esse requerimento, foi proferido o seguinte despacho:

  卷宗第324頁及第325頁:閱。
  按照312頁之批示內容,結合卷宗第139頁至第145頁、第151頁之批示內容,配合《民事訴訟法典》第975條之規定,有關平常上訴應於召集會議時一同上呈予上級法院,即進行利害關係人會議後方將之上呈。
  因此,本法庭認為現階段無需將相關平常上訴上呈,直至本案終結中止狀況為止,亦沒有出現辦事處不執行有關批示之情況。

E porque o Tribunal a quo não fez subir o recurso lhe tivesse sido admitido, veio formular a presente reclamação nos seguintes termos:
VENERANDO JUIZ PRESIDENTE
DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.
  1. A, cabeça-de casal e requerido nos autos à margem referenciados, formulou oposição ao inventário nos autos acima referenciados,
  2. Oposição considerada improcedente, pelo despacho de 18.03.2013, exarado a fls. 139 e ss., embora de forma não definitiva, pois em parte, no que alegado foi sobre o abuso de direito da requerente de 12 anos após a decisão que decretou o divórcio pretender partilhar os bens comuns do casal, quando durante a vigência do casamento os cônjuges sempre entenderam que o regime de bens do seu casamento era um regime de separação de bens e, assim, regeram a totalidade das suas relações patrimoniais, aí se exarar que tal questão pode vir a ser dirimida nos meios comuns, ordenando o prosseguimento do inventário até ao momento em que se encontrem relacionados os bens, altura em que se suspenderá a instância até que ocorra decisão definitiva sobre esses assuntos.
  3. Inconformado com o mesmo o cabeça-de-casal A apresentou recurso desse despacho que, por haver sido interposto tempestivamente, por quem tem legitimidade para o efeito e de decisão recorrível, foi aceite, por despacho de 19.04.2013 a fls. 151 dos autos, como recurso ordinário, com efeito devolutivo, a subir em separado, no momento da convocação da conferência de interessados, nos termos dos arts. 583.º, 585.º-1, 591.º, 607.º-1 e 2, e 975.º do CPC.
  4. O cabeça-de-casal foi notificado do referido despacho por carta registada de 06.05.2013,
  5. Apresentou as suas alegações de recurso em 10.06.2013, e no dia 13.06.2013 pagou as guias de preparos inicial e para julgamento do recurso, no valor de MOP$3,100.00.
  6. No entretanto, foi proposta em 06.03.2014 pelo cabeça-de-casal A contra a requerente dos autos de inventário B, acção declarativa ordinária que corre seus termos sob o n.º CV2-14-0016-CAO, facto de que seu conhecimento nos autos de inventário por requerimento apresentado em 08.04.2014, e que, após realização da audiência de discussão e julgamento, prolacção do acórdão sobre as respostas do tribunal colectivo à matéria de facto e alegações de direito das partes, aguarda decisão.
  7. O processo de inventário foi prosseguindo os seus termos, no dia 18.04.2014 foi apresentada a relação de bens pelo cabeça-de-casal e após reclamação da requerente dos autos de inventário relativamente à mesma, a guestão foi devidamente decidida por despacho de 23.10.2015, exarado a fls. 294 dos autos, que decidiu excluir uma dívida relacionada pelo cabeça-de-casal, no mais se mantendo a relação de bens apresentada.
  8. Após tal, nos termos do art. 989.º, n.º1, do CPC, que exara que “resolvidas as questões susceptíveis de influir na partilha e determinados os bens a partilhar, o juiz marca dia para a realização de uma conferência de interessados (...)” foi proferido o despacho de 04.12.2015, exarado a fls. 307 dos autos, com o seguinte teor:
  “Para a conferência de interessados designo o dia 15.01.2016, pelas 12h.
  Notifique e D.N. ”.
  9. Esta conferência de interessados não se realizou por o cabeça-de-casal haver requerido a execução do determinado no despacho recorrido de 18.03.2013, exarado a fls. 139 e ss., de se suspender a instância destes autos de inventário, logo que os bens se mostrassem relacionados e até que houvesse decisão com trânsito em julgado, nos meios comuns sobre a questão impeditiva do inventário, que havia sido formulada em requerimento de oposição ao mesmo, de existirem ou inexistirem bens comuns, por os cônjuges sempre haverem entendido estarem casados num regime de separação de bens e, assim sempre haverem actuado na vigência do seu casamento, sendo um manifesto abuso de direito quem, a assim não ser na realidade, venha ora sua ex-mulher doze anos após o trânsito em julgado da decisão pretender partilhar como bens comuns, bens que os ex-cônjuges sempre entenderam e tiveram como seus bens próprios,
  10. E o Mmo. Juiz haver reconhecido assim haver determinado, por despacho de fls. 312.
  11. Apresentado requerimento em 28.11.2016 solicitando a subida do recurso interposto, por se haver verificado o momento em que a subida do mesmo é devida ao tribunal “ad quem”, a instruir com certidão das peças a extrair dos autos que então se indicaram,
  12. Foi deferida a emissão da certidão, que se levantou e pela qual, se pagou a quantia de MOP$2,036.00, cuja junção aos autos para instrução do recurso, devidamente se requereu em 17.01.2017, bem como, a subida do recurso para apreciação ao tribunal “ad quem”.
  13. No mesmo dia 17.01.2017 e após apresentação desse requerimento recebeu a mandatária carta com registo de 16.01.2017 notificando-a do despacho de fls. 328, que exara que o art. 975.º do CPC dispõe que o recurso interposto só deve subir após a realização da conferência de interessados, pelo que, só após realização dessa conferência o recurso subirá
  14. Ora, incorre em manifesto erro o mencionado despacho, na interpretação e aplicação da lei, pois o art. 975.º, 1, do CPC, dispõe o seguinte:
  Artigo 975.º
  (Regime dos recursos ordinários)
  Chegado o momento da convocatória da conferência de interessados, sobem conjuntamente ao tribunal superior, em separado dos autos principais, todos os recursos interpostos até esse momento.
  15. Sendo assim claro, que, no momento em que por lei é devida a convocatória da conferência de interessados - que como atrás dito, é o momento em que o juiz tenha resolvido todas as questões susceptíveis de influir na partilha (art. 989.º-1 do CPC)-devem subir conjuntamente ao tribunal “ad quem” todos os recursos interpostos até esse momento em separado dos autos principais.
  16. E nestes autos nem sequer há dúvida terem os mesmos atingido a fase em que era devida a convocatória da conferência de interessados, pois o Mmo. Juiz do tribunal “a quo”, chegou mesmo a designar dia e hora para a sua realização, por despacho de 04.12.2015, exarado a fls. 307 dos autos.
  Nestes termos se requer, por nenhumas dúvidas de suscitarem sobre o elemento literal da provisão contida no art. 975.º, n.º 1, do CPC, seja deferida a reclamação ora apresentada e proferida decisão ordenando a subida imediata do recurso apresentado do do despacho de 18.03.2013, exarado a fls. 139 e ss., dos autos.

Passemos então a apreciar a reclamação.

Antes de mais, há que lidar com uma questão prévia, que consiste em saber se é meio idóneo a reclamação, prevista no artº 595º do CPC, para reagir contra o despacho que decidiu não fazer subir o recurso já admitido com a subida diferida quando tiver chegado o momento de subida fixado no despacho da sua admissão.

Ora, diz o artº 595º/1 do CPC que “o despacho que não admita o recurso ordinário ou que o retenha, pode o recorrente reclamar para o presidente do tribunal que seria competente para conhecer do recurso.”.

Literalmente falando, o artº 595º não regula a “retenção” sucedida nos termos do caso sub judice, pois diz-se “retenção do recurso” quando o recurso só é enviado para o Tribunal superior em momento posterior à sua interposição e admissão – Amâncio Ferreira, in Manual dos Recursos em Processo Civil, 6ª ed. pág. 179.

O objecto que ora se impugna é uma decisão judicial de não fazer subir o recurso já retido.

Como se sabe, em regra, da nulidade cabe a arguição perante o autor da inobservância, quer por acção quer por omissão, da lei processual, e da decisão cabe recurso para o Tribunal superior.

Ou seja, em regra, o recurso ordinário é o meio idóneo para a parte reagir contra uma decisão que lhe afigura injusta por ser ilegal.

Todavia, dada a simplicidade da questão que não justifica o accionamento de um engenhoso recurso ordinário e em prol da celeridade e economia processual, não poucas vezes a lei coloca ao dispor de partes afectadas meios de reacção simples e céleres.

É justamente, inter alia, o que sucede com a reclamação contra a não admissão ou retenção do recurso nos termos prescritos no artº 595º do CPC.

Na verdade, não estamos in casu perante a retenção propriamente dita nos termos prescritos no citado artº 595º do CPC, é de perguntar se é aplicável essa norma à “retenção” sub judice.

Ora, apesar de a “retenção do recurso” verificada in casu não se integrar na letra do artº 595º/1 do CPC, o certo é que esta “retenção” é obviamente a situação que carece da mesma regulação e que manifestamente deve ser objectivo da lei prevenir e regular.

Assim sendo e interpretando extensivamente o artº 595º/1, cremos que é idónea a presente reclamação.

Então passemos a debruçar-nos sobre a questão de fundo da presente reclamação.

Para o reclamante, o momento de subida fixado no despacho de admissão do recurso proferido em 19ABR2013 é o momento da convocação da conferência dos interessados, que se verificou já com a prolação do despacho datado de 04DEZ2015 que designou a data para a realização da conferência dos interessados.

Para a Exmª Juiz a quo, são dois fundamentos que, cada um de per si, ditam a não subida do recurso.

O primeiro é a ainda não verificação do momento da subida que é o momento em que já tiver sido realizada a conferência.

O segundo é a cessação da suspensão da instância, pois entende que até lá não há necessidade de remeter o recurso para o Tribunal de recurso.

Comecemos pelo primeiro fundamento.

Ora, uma coisa é o momento da convocação da conferência, fixado no despacho da admissão do recurso como momento da subida, outra coisa é o momento após a realização da conferência.

Dois momentos não se identificam nem se confundem, portanto, obviamente falha o primeiro fundamento da retenção.

Pois, uma vez proferido o despacho que convocou a conferência dos interessados, verificou-se o momento de subida fixado no despacho de admissão.

Quanto ao segundo fundamento, cremos que à Exmª Juiz a quo também não assiste a razão.

Na verdade, se a marcha processual do presente inventário ficar suspensa por ter de aguardar a decisão definitiva sobre uma das três questões prejudiciais, a proferir numa outra acção separada, sobre o alegado abuso do direito de accionar o presente inventário, não vemos razão para reter o recurso que tem por objecto o despacho que julgou incidentalmente no inventário improcedentes as restantes duas questões prejudiciais.

Na verdade, em relação àquelas duas restantes questões prejudiciais, incidentalmente decididas no inventário, o despacho recorrido não aceitou a tese defendida pelo cabeça-de-casal e requerido do inventário, nem a tese de que vigorava o regime de separação de bens e que existiu um acordo válido quanto à partilha dos bens comuns.

Ora, qualquer uma dessas teses, se vier a ser julgada procedente extinguir-se-á o inventário e retirará a utilidade daqueloutra acção separada.

Portanto, a simples circunstância de a instância do inventário se encontrar suspensa para aguardar uma decisão definitiva sobre uma das três questões prejudiciais a proferir naqueloutra acção separada não condiciona, muito menos impede a apreciação pelo Tribunal superior do recurso do despacho que conheceu das restantes duas questões prejudiciais.

Assim, não se vê qual será a inconveniência de devolver já nesta fase processual para o Tribunal superior o poder de julgar as duas questões prejudiciais já decididas na primeira instância.

Tudo visto, resta decidir.

São bastantes as razões acima expostas, cremos nós, para que defiramos, como deferimos, a reclamação deduzida, ordenando que seja feito subir a este Tribunal de Segunda Instância o recurso interposto, do despacho datado de 18MAR2013, pelo cabeça-de-casal e requerido, ora reclamante, A.

Sem custas.

Cumpra o disposto no artº 597/4 do CPC.

RAEM, 12MAIO2017

O presidente do TSI

Lai Kin Hong
Recl.2/2017-10