Processo nº 331/2017/A
(Autos de suspensão de eficácia)
Data: 18/Maio/2017
Assuntos: Suspensão de eficácia de acto administrativo
Suspensão preventiva do exercício de funções
Existência de grave lesão do interesse público
SUMÁRIO
- O pedido de suspensão de eficácia só é admissível quando o acto for de conteúdo positivo ou, sendo negativo, apresentar uma vertente positiva.
- São os três requisitos de que depende a procedência da providência: um positivo traduzido na existência de prejuízo de difícil reparação que a execução do acto possa causar, e dois negativos respeitantes à inexistência de grave lesão do interesse público e à não verificação de fortes indícios de ilegalidade do recurso.
- A Administração, como garante do bom funcionamento das instituições públicas, está obrigada a zelar pela salvaguarda da dignidade e prestígio dessas instituições, e a medida de suspensão preventiva visa exactamente garantir a defesa da integridade e do prestígio da máquina administrativa e, em especial, assegurar o normal funcionamento do próprio serviço.
- Provado indiciariamente que o requerente teve um comportamento agressivo e ameaçador para com colegas do mesmo serviço e, submetido o mesmo a exame por Junta Médica, concluiu-se que face ao estado em que se encontrava, o requerente não estava em condições para desempenhar as suas funções.
- Considerando que o Primeiro Cartório Notarial presta uma ampla variedade de serviços, incluindo serviços de atendimento ao público, qualquer ocorrência de desacatos naquele serviço pode causar inconveniência ao normal funcionamento do mesmo, para além de ser gravemente atentatória da imagem do serviço e da Administração em geral, a suspensão de eficácia daquela medida pode acarretar grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto.
O Relator,
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Tong Hio Fong
Processo nº 331/2017/A
(Autos de suspensão de eficácia)
Data: 18/Maio/2017
Requerente:
- A
Requerida:
- Secretária para a Administração e Justiça
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
A, adjunto técnico do Primeiro Cartório Notarial da RAEM, com sinais nos autos (doravante designado por requerente), vem, nos termos do artigo 120º e seguintes do Código de Processo Administrativo Contencioso, requerer a suspensão de eficácia do despacho da Exmª. Secretária para a Administração e Justiça, de 7.3.2017, que lhe aplicou a suspensão preventiva de funções por um período não superior a 90 dias, ao abrigo do artigo 331º, nº 1 do ETAPM.
Invocou o requerente que o acto em causa incorre em violação de lei e que inexiste grave lesão para o interesse público caso seja decretada a suspensão.
Citada a requerida para contestar, defendeu a improcedência do pedido.
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O Digno Magistrado do Ministério Público opinou no sentido de indeferimento do pedido de suspensão (cfr. fls. 50 e 51 dos autos cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
Cumpre decidir.
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O Tribunal é o competente e o processo o próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, e têm interesse processual.
Não existe outras nulidades, excepções nem questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
Resulta provada dos elementos constantes dos autos a seguinte matéria de facto com pertinência para a decisão do procedimento:
O requerente desempenha as funçoes de adjunto técnico no Primeiro Cartório Notarial da RAEM.
Por despacho da Exmª. Secretária para a Administração e Justiça, de 7.3.2017, foi aplicada ao requerente a medida de suspensão preventiva do exercício das suas funções por um período não superior a 90 dias, nos termos constantes da notificação dirigida ao próprio interessado que a seguir se transcreve:
“第01/PD/2014號紀律程序 – 採取防範性停職措施的通知
根據法務局代局長於二零一七年二月二十日所作的批示,委任本人為第01/PD/2017號紀律程序的預審員。
根據十二月二十一日第87/89/M號法令所核准的《澳門公共行政人工作人員通則》(以下簡稱《通則》)第331條第1款,以及根據109/2014號行政命令第1款的規定,行政法務司司長於2017年3月7日作出批示,決定對台端採取防範性停職的措施。其決定和理由說明如下:
1. 考慮到 台端與共事的多名人員產生磨擦(包括不客氣的指責、騷擾及恐嚇及肢體衝撞)的次數頻密,有關行為明顯地影響了 台端任職部門(第一公證署)的正常運作,與作為公務人員須履行的一般義有所抵觸,尤其是《通則》第279條第2款f)項及第8款所指的有禮之義務。
2. 根據《通則》第315條第1款及第2款a)的規定,台端作出上述的行為,可被科以強迫退休或撤職的紀律處分。
3. 此外,根據健康檢查委員會於2017年2月10日所作出的審查,初步認為 台端目前的身體狀況並不適宜擔任現時的工作。
4. 考慮到 台端在紀律程序進行期間繼續在職將對部門的工作造成不便,尤其有可能與其他共事的人員再度發生爭執,因此,決定對 台端採取防範性停職的措施,並自 台端收到通知起計的翌日生效,直至就本紀律程序作出最後裁定為止,但停職期間不多於九十日。
就上述的決定,根據現行《行政訴訟法典》第25條第2款及第26條,以及現《司法組織綱要法》第36條(八)項第(2)分項的規定,台端可自收到本通知起計的30日內,向中級法院提起司法上訴。
特此通知。”
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Acto de conteúdo positivo
Em regra, a interposição de recurso contencioso de acto administrativo visando a declaração da sua invalidade não tem efeito suspensivo, ao abrigo do artigo 22º do Código do Processo Administrativo Contencioso.
Mas pode haver situações em que a imediata execução do acto administrativo pode trazer efeitos desfavoráveis ao requerente.
Precisamente para evitar a produção de tais resultados ou efeitos, foi criada pelo legislador a possibilidade de suspensão de eficácia do acto.
Nos termos do artigo 120º do Código do Processo Administrativo Contencioso, dispõe-se que há lugar a suspensão de eficácia “quando os actos tenham conteúdo positivo, ou tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente”.
Segundo Diogo Freitas do Amaral, in Lições de Direito Administrativo, vol III, Lisboa, 1989, p. 155, são actos positivos “aqueles que produzem uma alteração na ordem jurídica”, enquanto actos negativos “aqueles que consistem na recusa de introduzir uma alteração na ordem jurídica”.
Assim, o pedido de suspensão de eficácia só é admissível quando o acto for de conteúdo positivo ou, sendo negativo, apresentar uma vertente positiva.
No caso vertente, é de verificar que o acto administrativo em causa consiste na suspensão preventiva do exercício de funções, a qual consubstancia um acto de conteúdo positivo cuja eficácia é susceptível de ser suspensa em sede de procedimento cautelar, desde que sejam verificados os respectivos requisitos legais.
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Do preenchimento dos requisitos previstos no artigo 121º, nº 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso
Analisaremos, em seguida, se estão verificados os requisitos para a concessão da providência requerida pelo requerente.
Prevê-se no artigo 121º, nº 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso o seguinte:
“1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.”
No fundo, para ser concedida a suspensão de eficácia do acto, não importa apreciar o mérito da questão, traduzido nos eventuais vícios subjacentes à decisão impugnada, mas limita-se a saber se estão verificados cumulativamente os três requisitos de que depende a procedência da providência: um positivo traduzido na existência de prejuízo de difícil reparação que a execução do acto possa causar, e dois negativos respeitantes à inexistência de grave lesão do interesse público e à não verificação de fortes indícios de ilegalidade do recurso, com recurso aos elementos carreados ao processo.
Bastará a falta de algum deles que a providência requerida é indeferida.
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Comecemos por este último requisito negativo – da não ilegalidade do recurso.
Conforme se decidiu no Acórdão deste TSI, no Processo 92/2002, “Só ocorre a acenada manifesta ilegalidade, quando se mostrar patente, notório ou evidente que, segura e inequivocamente, o recurso não pode ter êxito (v.g. por se tratar de acto irrecorrível; por ter decorrido o prazo de interposição de recurso de acto anulável) e não já quando a questão seja debatida na doutrina ou na jurisprudência”.
No caso vertente, não se nos afigura, pelo menos nesta fase processual, que o recurso contencioso a interpor ou interposto em sede própria possa estar enfermado de ilegalidade do ponto de vista processual, assim entendemos estar verificado o requisito previsto na alínea c) do nº 1 do artigo 121º do Código de Processo Administrativo Contencioso.
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Por outro lado, a concessão da providência depende da existência de prejuízo de difícil reparação que a execução do acto possa previsivelmente causar ao requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso (requisito positivo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 121º do Código de Processo Administrativo Contencioso).
De acordo com o disposto no nº 3 do artigo 121º, se o acto administrativo for sancionatório em matéria disciplinar, para ser decretada a suspensão, não é necessária a demonstração do requisito do prejuízo de difícil reparação previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 121º, uma vez que se presume a existência deste prejuízo.
Ora bem, no caso em apreço, podemos verificar que a medida de suspensão preventiva foi tomada no âmbito do processo disciplinar, embora não esteja em causa a aplicação de uma pena disciplinar, mas trata-se de uma medida cautelar cuja natureza está ligada à responsabilidade disciplinar, razão pela qual entendemos ser aplicável o disposto no nº 3 do artigo 121º, sendo o requerente dispensado de provar o tal requisito positivo do prejuízo de difícil reparação.
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Por último, temos o requisito da inexistência de grave lesão de interesse público pelo facto da suspensão de eficácia do acto (requisito negativo previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 121º do Código de Processo Administrativo Contencioso).
Trata-se de um requisito negativo que deve ter em conta as circunstâncias do caso concreto e o interesse público envolvido nele. Deve apreciar-se até que ponto a suspensão agride o interesse público em causa, por exemplo, da saúde, da segurança, da ordem pública, etc.1
Toda a actividade administrativa visa prosseguir o interesse público, por isso só pode ser deferida a suspensão de eficácia do acto se não se verificar lesão grave do interesse público prosseguido pelo acto.
Refere o Acórdão deste TSI, no Processo 84/2014/A, que “a expressão «grave lesão do interesse público» constitui um conceito indeterminado que compete ao Juiz integrar em face da realidade factual que se lhe apresenta. Essa integração deve fazer-se depurada da interferência de outros requisitos, tendo apenas em vista a salvaguarda da utilidade substancial da sentença a proferir no recurso”.
Defende o requerente que a suspensão da eficácia do acto não decorre a grave lesão para o interesse público.
Vejamos.
Tal como se referiu no Acórdão do Venerando TUI, no Processo nº 2/2009, “para aferir a verificação do requisito previsto na alínea b) do n° 1 do artigo 121° do CPAC, é evidente que se deve tomar o acto impugnado como um dado adquirido para identificar o interesse público prosseguido pelo mesmo e analisar a medida da lesão causada pela não imediata execução do acto”.
Em boa verdade, como garante do bom funcionamento das instituições públicas, a Administração está obrigada a zelar pela salvaguarda da dignidade e prestígio dessas instituições, e a medida de suspensão preventiva visa exactamente garantir a defesa da integridade e do prestígio da máquina administrativa e, em especial, assegurar o normal funcionamento do próprio serviço.
É de considerar que se manifesta tal tipo de inconveniência sempre que a Administração possa vir a sofrer prejuízos com a continuação do arguido no exercício de funções, o mesmo é dizer, sempre que a conduta que motivou a instauração do procedimento se mostre incompatível com o decoro que é de exigir a quem serve uma instituição pública.2
No caso vertente, provado indiciariamente que o requerente teve um comportamento agressivo e ameaçador para com colegas do mesmo serviço.
Por outro lado, submetido o requerente a exame por Junta Médica, concluiu-se que face ao estado em que se encontrava, o mesmo não estava em condições para desempenhar as suas funções de que foram encarregues.
De facto, considerando que o Primeiro Cartório Notarial presta uma ampla variedade de serviços, incluindo serviços de atendimento ao público, qualquer ocorrência de desacatos naquele serviço pode causar inconveniência ao normal funcionamento do mesmo, para além de ser gravemente atentatória da imagem do serviço e da Administração em geral, pelo que entendemos que a suspensão de eficácia daquela medida pode acarretar grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto.
Nesta conformidade, por falta de verificação cumulativa dos requisitos legais, há-de indeferir o pedido do requerente.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em indeferir o pedido de suspensão de eficácia do acto formulado pelo requerente A.
Custas pelo requerente, com taxa de justiça em 6 UC.
Registe e notifique.
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RAEM, 18 de Maio de 2017
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
Fui Presente
Joaquim Teixeira de Sousa
1 José Cândido de Pinho, Manual de Formação de Direito Processual Administrativo Contencioso, CFJJ, 2015, página 315
2 Manuel Leal-Henriques, in Manual de Direito Disciplinar, CFJJ, 2005, pág. 223
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Suspensão de eficácia 331/2017/A Página 1