Processo nº 275/2017 Data: 27.04.2017
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime de “burla”.
Elementos.
“Erro notório na apreciação da prova”.
”Contradição insanável da fundamentação”.
Reenvio.
SUMÁRIO
1. A construção do crime de “burla” supõe a concorrência de vários elementos típicos: (1) o uso de erro ou engano sobre os factos, astuciosamente provocado; (2) a fim de determinar outrem à prática de actos que lhe causam, ou a terceiro, prejuízo patrimonial – (elementos objectivos) – e, por fim, (3) a intenção do agente de obter para si ou terceiro um enriquecimento ilegítimo (elemento subjectivo).
Impõe-se, assim, num primeiro momento, a verificação de uma conduta (intencional) astuciosa que induza directamente em erro ou engano o lesado, e, num segundo momento, a verificação de um enriquecimento ilegítimo de que resulte prejuízo patrimonial do sujeito passivo ou de terceiro.
O que caracteriza o crime de “burla” é a acção do agente que, astuciosamente, provoca no sujeito passivo erro ou engano sobre quaisquer factos, e assim determina que o mesmo pratique actos que causem prejuízo a ele ou a outra pessoa.
Por erro deve entender-se a falsa (ou a nenhuma) representação da realidade concreta, a funcionar como vício influenciador do consentimento ou da aquiescência da vítima.
É usada astúcia quando os factos invocados dão a uma falsidade a aparência de verdade, ou quando o burlão altera ou dissimula factos verdadeiros, e (actuando com destreza) pretende enganar e surpreender a boa fé do burlado, de forma a convencê-lo a praticar actos em prejuízo do seu património ou de terceiro.
2. O “erro notório na apreciação da prova” apenas existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.
3. Existe “contradição insanável da fundamentação” quando se constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão.
Em síntese, quando analisada a decisão recorrida através de um raciocínio lógico se verifique que a mesma contém posições antagónicas ou inconciliáveis, que mutuamente se excluem e que não podem ser ultrapassadas.
O relator,
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Processo nº 275/2017
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Por Acórdão do T.J.B. de 08.02.2017 decidiu-se absolver os (1° e 2°) arguidos, A e B, da imputada prática, como co-autores materiais, de 1 crime de “burla de valor consideravelmente elevado”, p. e p. pelo art. 211°, n.° 4, al. a) do C.P.M.; (cfr., fls. 228 a 232-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformado com a decretada absolvição dos arguidos, o Ministério Público recorreu, imputando ao Acórdão recorrido o vício de “erro notório na apreciação da prova”; (cfr., fls. 239 a 243-v).
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Respondendo, consideram os arguidos que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 246 a 247-v).
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Neste T.S.I., juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:
“Na Motivação de fls.239 a 243 verso dos autos, a ilustre magistrada do Ministério Público assacou, ao douto aresto sob sindicância (vide. fls.228 a 232v.), O erro notório na apreciação de prova consagrado na alínea c) do n.°2 do art.400° do CPP.
Sem prejuízo do muito respeito pela opinião diferente, inclinamos a entender que o presente recurso interposto pela ilustre Colega merecerá o provimento.
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Antes de mais, convém ter presente a seguinte jurisprudência que é pacífica e consolidada no actual ordenamento jurídico de Macau (cfr. a título exemplificativo, acórdãos do Venerando TUI nos Processos n.°17/2000, n.°16/2003, n.°46/2008, n.°22/2009, n.°52/2010, n.°29/2013 e n.°4/2014):
O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta.
No caso sub iudice, o Tribunal a quo deu como provados, além de outros, os seguintes factos:
兩名嫌犯共同游說被害人到澳門賭博,並向被害人表示可透過 “配碼” 的方式將賭資加大。第一嫌犯表示,倘被害人出資人民幣20萬元現金,可提供港幣50萬元推廣籌碼進行賭博,被害人同意。
於是,第一、第二嫌犯相約被害人一同前往澳門,並着被害人先付港幣1萬元作 “訂金”。//2014年1月26日,第一、第二嫌犯與被害人一同從北京乘坐飛機到達澳門,並分別入住置地酒店1330、1333及1332號客房。
2014年1月27日下午約2點30分,被害人在其人住的置地酒店1332號客房內,在第二嫌犯在場的情況下,將港幣20萬元 (折合約人民幣16萬元) 及人民幣3萬元現金交給第一嫌犯。
第一嫌犯向被害人表示,稍後會將現金兌換成籌碼供其賭博,着被害人等候。//離開酒店後,兩名嫌犯到新葡京娛樂場 “金麟貴賓會”,第一嫌犯將被害人交出的上述所有現金,連同第一嫌犯提供的補充數額,帶到帳房兌換成港幣30萬元籌碼,並將籌碼交由第二嫌犯進行百家樂賭博。
當日下午3時53分,第二嫌犯以上述港幣30萬元籌碼在 “金麟貴賓會” 進行百家樂賭博,第一嫌犯在旁觀看賭局。//當晚約10時49分,第一嫌犯將籌碼全部輸清,兩名嫌犯一同離開新葡京娛樂場。
Em termos sintéticos, acontece que os dois arguidos conjuntamente induziram (遊說) o ofendido a vir Macau para praticar o jogo de fortuna e azar, depois convidaram e acompanharam este a chegar Macau, e na presença do 2° arguido, o 1° recebeu do ofendido a sobredita quantia.
À luz da regra de experiência comum, tais condutas conjuntas dos dois arguidos – a indução, o convite e o acompanhamento – revelam, de molde razoável e suficiente, que eles agiram com conluio e conjugação de esforço, e a propósito de conseguir dinheiro do ofendido.
Sucede ainda que acompanhado pelo 1° arguido, o 2° praticou o jogo de fortuna e azar e veio a perder aquela quantia do ofendido. Não está demonstrado, de todo em todo lado do aresto em escrutínio, que os dois arguidos restituíssem a referida ao ofendido.
Em esteira da jurisprudência atrás citada, colhemos que os factos considerados provados pelo tribunal a quo conduzem necessariamente a que os 3 factos não provados, elencados no aresto em causa, contradigam frontalmente com a regra de experiência, quais são:
未獲證明︰為了取得不正當利益,兩名嫌犯分工合作、共謀合力,向被害人謊稱可透過 “配碼” 的方法換取較大額的籌碼進行賭博,誘使被害人交出現金,實際上兩名嫌犯將被害人交出款項據為己有,對被害人造成相當巨額的金錢損失。//未獲證明︰兩名嫌犯在自由、自願及有意識的情況下,故意作出上述行為。//未獲證明︰兩名嫌犯清楚知道其行為違法。會受法律制裁。
Pois bem, a regra de experiência aconselha fortemente e, até, impõe que tais três factos devessem ser considerados por provados.
Nesta linha de consideração e ressalvado o elevado respeito pela melhor opinião em sentido contrário, afigura-se-nos que os três factos não provados enfermam o assacado erro notário na apreciação de prova consagrado na alínea c) do n.°2 do art.400° do CPP.
Por todo o expendido acima, propendemos pelo provimento do recurso em apreço”; (cfr., fls. 257 a 258-v).
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Nada parecendo obstar, passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 230 a 231, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.
Do direito
3. Vem o Ministério Público recorrer do Acórdão proferido pelo Colectivo do T.J.B. que absolveu os arguidos da prática como co-autores materiais de 1 crime de “burla de valor consideravelmente elevado”, p. e p. pelo art. 211°, n.° 4, al. a) do C.P.M. que lhes era imputado.
E, como se referiu, entende que incorreu o Colectivo a quo no vício de “erro notório na apreciação da prova”.
Vejamos.
Repetidamente tem este T.S.I. considerado que “O erro notório na apreciação da prova apenas existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 16.02.2017, Proc. n.° 341/2016, de 09.03.2017, Proc. n.° 947/2016 e de 23.03.2017, Proc. n.° 115/2017).
Como também já tivemos oportunidade de afirmar:
“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 26.01.2017, Proc. n.° 744/2016, de 23.02.2017, Proc. n.° 118/2017 e 16.03.2017, Proc. n.° 114/2017).
Clarificado que assim cremos ficar o sentido e alcance do assacado “vício”, que dizer?
Vejamos.
Na opinião do Exmo. Magistrado Recorrente, a questão é a seguinte: há “manifesta oposição entre a factualidade provada e não provada”, pois que tendo o Colectivo a quo dado como “provada” a matéria que como tal consta e vem elencada no Acórdão recorrido, não podia julgar simultaneamente como não provada a que igualmente como tal consta, incorrendo assim no imputado “erro” por “violação das regras de experiência”.
E, (não obstante o devido respeito por opinião em sentido diverso), cremos que o ora Recorrente tem razão, ainda que, em nossa opinião, o vício em questão seja o da “contradição insanável da fundamentação”, entendido como aquele que ocorre quando “se constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão”; (cfr., v.g. os recentes Acs. deste T.S.I. de 12.01.2017, Proc. n.° 142/2016, de 26.01.2017, Proc. n.° 776/2016 e de 16.02.2017, Proc. n.° 341/2016).
Em síntese, quando analisada a decisão recorrida através de um raciocínio lógico se verifique que a mesma contém posições antagónicas ou inconciliáveis, que mutuamente se excluem e que não podem ser ultrapassadas.
Passa-se a expor este nosso ponto de vista.
Pois bem, a matéria de facto dada como “provada”, dá-nos conta que os (1° e 2°) arguidos conheceram o ofendido em local não determinado do Continente, que sugeriram ao ofendido que viesse a Macau jogar, alegando que podiam efectuar a troca de RMB¥200.000,00 para fichas (“mortas”) no valor de HKD$500.000,00, necessitando o ofendido, se interessado, de pagar HKD$10.000,00 como “sinal”.
Tendo o ofendido concordado e pago o dito sinal, deslocaram-se os 3 de Beijing para Macau no dia 26.01.2014, instalando-se em 3 quartos de um estabelecimento hoteleiro local.
No dia seguinte, (27.01.2014), pelas 14:30, no mesmo hotel e na presença do 2° arguido, o ofendido entregou ao 1° arguido as quantias de HKD$200.000,00 e RMB¥30.000,00, tendo este dito que iria trocar o dinheiro em fichas de casino para que o ofendido pudesse jogar e para que esperasse pelo seu regresso.
Após troca do dinheiro no casino do “Hotel Grand Lisboa”, (e com a qual, o 1° arguido, adicionando algum dinheiro seu, obteve fichas “mortas” no valor de HKD$300.000,00), o 1° arguido, na companhia do 2° arguido, jogou com as fichas, acabando por perder a sua totalidade pelas 22:49 deste dia.
O ofendido ainda tentou contactar os arguidos, ligando para o telemóvel do 1° arguido, não o conseguindo porque aquele se mantinha desligado.
Pelas 23:00 horas, o 2° arguido encontrou-se com o ofendido, alegou que não sabia do 1° arguido, nada dizendo quanto ao sucedido em relação ao seu dinheiro.
No dia 28.01.2014, o 2° arguido acompanhou o ofendido na apresentação de uma queixa às autoridades policiais, na sequência da qual o 1° arguido veio a ser localizado.
Por sua vez, deu o Colectivo do T.J.B. como “não provado” que os arguidos, agindo em conjunção de esforços, induziram o ofendido em erro, fazendo com que este lhes entregasse quantias monetárias para delas se apoderarem, tendo agido livre e voluntáriamente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por Lei.
E, nesta conformidade, cremos que evidenciada está a “incompatibilidade” entre a factualidade “provada” e “não provada”.
Vejamos.
Como sabido é, nos termos do art. 211° do C.P.M.:
“1. Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
2. A tentativa é punível.
3. Se o prejuízo patrimonial resultante da burla for de valor elevado, o agente é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias.
4. A pena é a de prisão de 2 a 10 anos se:
a) O prejuízo patrimonial for de valor consideravelmente elevado;
b) O agente fizer da burla modo de vida; ou
c) A pessoa prejudicada ficar em difícil situação económica”.
Por Acórdão deste T.S.I. de 27.09.2012, Proc. n.° 681/2012, já se considerou que “a construção do crime de “burla” supõe a concorrência de vários elementos típicos: (1) o uso de erro ou engano sobre os factos, astuciosamente provocado; (2) a fim de determinar outrem à prática de actos que lhe causam, ou a terceiro, prejuízo patrimonial – (elementos objectivos) – e, por fim, (3) a intenção do agente de obter para si ou terceiro um enriquecimento ilegítimo (elemento subjectivo).
Impõe-se, assim, num primeiro momento, a verificação de uma conduta (intencional) astuciosa que induza directamente em erro ou engano o lesado, e, num segundo momento, a verificação de um enriquecimento ilegítimo de que resulte prejuízo patrimonial do sujeito passivo ou de terceiro”; (sobre o tema, v.d., também o recente Ac. do Vdo T.U.I. de 02.03.2017, Proc. n.° 73/2015).
O que caracteriza o crime de “burla” é a acção do agente que, astuciosamente, provoca no sujeito passivo erro ou engano sobre quaisquer factos, e assim determina que o mesmo pratique actos que causem prejuízo a ele ou a outra pessoa.
Por erro deve entender-se a falsa (ou a nenhuma) representação da realidade concreta, a funcionar como vício influenciador do consentimento ou da aquiescência da vítima.
É usada astúcia quando os factos invocados dão a uma falsidade a aparência de verdade, ou quando o burlão altera ou dissimula factos verdadeiros, e (actuando com destreza) pretende enganar e surpreender a boa fé do burlado, de forma a convencê-lo a praticar actos em prejuízo do seu património ou de terceiro.
Por sua vez, e apesar da imoralidade que pode acompanhar a celebração de certos negócios, (pelo empolar de qualidades que o objecto negocial não preenche, ou o seu preço não justifica ou as circunstâncias negociais não legitimam), o acto pode ser analisado à luz de um “dolo civil”, afastando-se o criminal.
Este só se ajusta à fattispecie penal quando o burlão, pelo recurso à mentira, à maquinação, no intuito de prejudicar o burlado ou terceiro, usa de “astúcia”, enquanto “instrumento de deslocação patrimonial indevida”.
A astúcia é, materialmente, algo mais que aquela mentira; é um plus que lhe acresce e que lhe empresta, sob a forma de cenário criado, uma mise-en-scène, que tem por fim dar crédito à mentira e enganar.
As regras da experiência comum e os ditames da boa fé constituem elementos de suma importância para se concluir pela tipicidade e ilicitude da “burla”; (neste sentido, cfr., v.g., o Ac. do S.T.J. de 17.01.2007, Proc. n.° 3152, in “www.dgsi.pt”).
No caso dos autos, a “prometida troca de fichas”, (como qualquer outra proposta naqueles termos), apresenta-se “demasiado vantajosa”, para (poder) ser tida como “séria” e “leal”, constituindo, segundo as regras de experiência e da normalidade das coisas, um meio ou “forma (típica)” para induzir (quem ambicione tal vantagem) em erro, e, assim, a disponibilizar quantias monetárias como, no caso, sucedeu.
E, nesta conformidade, sendo ainda de notar que a restante factualidade dada como “provada”, onde se descreve a conduta dos arguidos, nomeadamente, o jogo com as fichas “logo após a sua troca”, a “incomunicabilidade dos arguidos por várias horas”, o alegado “desconhecimento do paradeiro do 1° arguido” e o “silêncio” do 2° arguido após a perda das fichas, não se mostra em harmonia com a assinalada factualidade dada como “não provada”.
Por sua vez, (seja como for, e independentemente do demais), provado não está que com a sua conduta, e agindo de “forma concertada”, deram os arguidos “outro fim” ao dinheiro que lhes foi entregue?
E, a ser assim, da mesma forma não se compreende, (nem da fundamentação exposta no Acórdão recorrido se consegue alcançar), a verdadeira razão para o decidido quanto à factualidade “não provada”, havendo assim em face da assinalada incompatibilidade que se reenviar o processo para, em relação a toda a matéria, se proceder a novo julgamento, nos termos do art. 418° do C.P.P.M., proferindo-se, seguidamente, nova decisão.
Decisão
4. Em face do exposto, acordam julgar procedente o recurso, decretando-se o reenvio do processo para novo julgamento nos termos do art. 418° do C.P.P.M..
Custas pelos arguidos recorridos com taxa de justiça individual que se fixa em 6 UCs.
Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, devolvam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 27 de Abril de 2017
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 275/2017 Pág. 22
Proc. 275/2017 Pág. 23