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Processo n.º 614/2016 Data do acórdão: 2017-5-4 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– suspensão da execução da pena
– art.º 48.º, n.º 1, do Código Penal
S U M Á R I O
Se a experiência anterior do recorrente do cumprimento de uma longa pena de prisão já não o conseguiu prevenir da prática, nesta vez, dos crimes de furto qualificado e de reentrada ilegal, é inviável agora formar qualquer juízo de prognose favorável à pretensão dele de ver suspensa, nos termos do art.º 48.º, n.º 1, do Código Penal, a execução da pena única de prisão aplicada no acórdão recorrido.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 614/2016
(Autos de recurso penal)
Recorrente (arguido): A (A)



ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o acórdão proferido a fls. 474 a 486v dos autos de Processo Comum Colectivo n.° CR4-15-0446-PCC do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, que o condenou como autor material de um crime continuado consumado de falsidade de declaração, p. e p. pelo art.º 323.º, n.º 2, do Código Penal (CP), na pena de oito meses de prisão, de um crime consumado de reentrada ilegal, p. e p. pelo art.º 21.º da Lei n.º 6/2004, de 2 de Agosto, na pena de cinco meses de prisão, e de um crime consumado de furto qualificado, p. e p. pelos art.os 198.º, n.º 1, alíneas a) e f), e 201.º, n.º 2, do CP, na pena de um ano e seis meses de prisão, e, em cúmulo jurídico dessas três penas parcelares, finalmente na pena única de dois anos de prisão efectiva, com obrigação de pagar ao ofendido a quantia indemnizatória de MOP2.123,00 (duas mil cento e vinte e três patacas), veio o arguido recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para imputar, materialmente falando, a esse Tribunal sentenciador o excesso na medida da pena (devido à consideração incompleta de um conjunto de circunstâncias favoráveis a ele para efeitos da medida da pena), pretendendo assim a redução da sua pena do crime de furto qualificado a um ano de prisão, e a redução da sua pena única a (pelo menos) um ano e seis meses de prisão, para além de assacar o erro na decisão de não suspensão da pena, desejando, pois, a suspensão da execução da pena (ainda que por um período até cinco anos), sem deixar de pedir a revogação da decisão ínsita no dispositivo desse acórdão, por ele tida como ilegal à luz dos art.os 101.º e 102.º do CP, de determinação da remessa dos seus Passaporte Chinês e Bilhete de Identidade de Residente Chinês (apreendidos) ao Gabinete de Ligação do Governo Central na Região Administrativa Especial de Macau, rogando a devolução dos mesmos a ele próprio (cfr. com mais detalhes, a motivação do recurso apresentada a fls. 501 a 504v dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu a Digna Delegada do Procurador junto do Tribunal a quo no sentido de manifesta improcedência da argumentação do recorrente (cfr. a resposta de fls. 506 a 507).
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 526 a 527v), pugnando pela manutenção do julgado.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Como não vem impugnada a matéria de facto já descrita como provada nas páginas 8 a 15 do texto do acórdão ora recorrido (ora concretamente constante de fls. 477v a 481 dos autos, cujo teor se dá por aqui integralmente reproduzido), é de tomar essa factualidade provada como fundamentação fáctica da presente decisão de recurso, nos termos permitidos pelo art.º 631.º, n.º 6, do Código de Processo Civil, ex vi do art.º 4.º do Código de Processo Penal.
Dessa factualidade provada, sabe-se, em especial, o seguinte:
– o arguido ora recorrente chegou a cumprir em Macau, com saída prisional em Fevereiro de 2015, onze anos de prisão pela prática dos crimes de furto qualificado, resistência e homicídio qualificado tentado; após essa saída prisional, foi interditado de reentrar em Macau por um período de dez anos; em 19 de Julho de 2015, entrou em Macau, por natação; e em 22 de Julho de 2015, entrou na fracção autónoma dos autos, praticando aí o crime de furto contra o ofendido dos autos.
Na fundamentação probatória do acórdão ora recorrido, escreveu-se (na página 15 do respectivo texto, a fl. 481 dos autos) que o recorrente declarou ao Tribunal a quo que a sua verdadeira identidade é aquela que consta declarada nesta vez nos autos, segundo a qual ele se chama A (A).
Nos autos, encontram-se apreendidos um Passaporte Chinês e um Bilhete de Identidade de Residente Chinês, emitidos a favor de B (B) (cfr. o teor de fls. 60 a 61 e 64 a 65 dos autos).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Pois bem, quanto à questão do excesso na medida da pena, realiza o presente Tribunal ad quem que vistas todas as circunstâncias fácticas já apuradas pelo Tribunal a quo e descritas como provadas no texto da decisão recorrida, e à luz dos padrões da medida da pena vertidos nos art.os 40.º, n.os 1 e 2, 65.º, n.os 1 e 2, e 71.º, n.os 1 e 2, do CP, a pena de prisão do crime do furto qualificado e a pena única de prisão final, como tal já achadas pelo Tribunal a quo dentro das respectivas molduras penais aplicáveis não se mostram desequilibradas nem desproporcionais, pelo que têm que ser respeitadas nesta Instância ad quem.
E no tocante ao pedido de suspensão da pena, também se apresenta o recurso votado ao insucesso, porquanto se a experiência anterior do recorrente do cumprimento de uma longa pena de prisão já não o conseguiu prevenir da prática, nesta vez, dos crimes de furto qualificado e de reentrada ilegal, é inviável agora formar qualquer juízo de prognose favorável à pretensão dele de ver suspensa, nos termos do art.º 48.º, n.º 1, do CP, a execução da pena única de prisão aplicada no acórdão recorrido. Ou seja, a execução imediata da pena de prisão é a única via para realizar de modo adequado e suficiente as finalidades da punição, sobretudo na vertente de prevenção especial de delitos.
Por fim, o recorrente roga a restituição, para ele, dos Passaporte Chinês e Bilhete de Identidade de Residente Chinês apreendidos nos autos, alegando que esses dois documentos são da sua pertença.
Entretanto, se ele já declarou ao Tribunal a quo que o seu nome verdadeiro em chinês é “A”, aqueles dois documentos de identificação, como emitidos a favor do indivíduo chamado “B”, não podem ser restituídos a ele, mas sim devem ser remetidos, como tal já decidiu, correctamente, o Tribunal a quo no dispositivo do acórdão recorrido, ao Gabinete de Ligação do Governo Central na Região Administrativa Especial de Macau, para os efeitos tidos por convenientes.
Os tribunais não são locais para brincadeira do arguido. Se ele declarou ao Tribunal a quo uma identidade por si assumida como verdadeira, tem que suportar todas as consequências daí resultantes.
Há, pois, que naufragar o recurso in totum, sem mais indagação por ociosa.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com três UC de taxa de justiça e três mil patacas de honorários a favor do seu Ex.mo Defensor Oficioso.
O presente acórdão é irrecorrível nos termos do art.º 390.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal.
Comunique a presente decisão ao ofendido.
Macau, 4 de Maio de 2017.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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