Processo nº 121/2017
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 18 de Maio de 2017
ASSUNTO:
- Validade do empréstimo
- Princípio da livre apreciação das provas
SUMÁRIO:
- Não obstante o concedente do crédito possuir a qualidade de promotor de jogo, isso não implica que este não possa conceder empréstimo a terceiro nas relações comerciais normais, mesmo ligadas com a actividade de casino. Desde que o empréstimo não seja concedido a terceiro para que este jogar ou apostar, o empréstimo é válido tal como qualquer outro empréstimo. A lei nº5/2004 permite excepcionalmente às entidades aí previstas a exercer actividade de concessão de crédito nos casinos mas não proíbem essas mesmas entidades a conceder a terceiro créditos que não se destinam para jogo de fortunoe azar ou apostar.
- Segundo o princípio da livre apreciação das provas previsto n° 1 do artigo 558.° do CPC, “O tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”.
- A reapreciação da matéria de facto por parte desta TSI tem um campo restrito, limitado, aos casos em que ocorre uma desconformidade entre a prova produzida e a decisão tomada, nomeadamente quando não exista qualquer sustentabilidade face à compatibilidade da resposta com a respectiva fundamentação.
O Relator
Ho Wai Neng
Processo nº 121/2017
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 18 de Maio de 2017
Recorrente: A (Embargante)
Recorrida: B International Sociedade Unipessoal Limitada (Embargada)
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – Relatório
Por despacho-saneador de 14/11/2012, julgou-se improcedentes as excepções de inexequibilidade suscitadas pela Embargante A.
Dessa decisão vem recorrer a Embargante, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1. Vem o presente recurso interposto do despacho saneador, na parte em que foram julgadas improcedentes as excepções de: i) inexequibilidade do título executivo e ii) inexequibilidade da obrigação exequenda deduzidas pela Embargante, ora Recorrente, nos seus Embargos de Executado;
2. É pois desta parte decisória do referido despacho que vem interposto o presente recurso, isto por, no modesto entendimento da ora Recorrente, aí se ter feito um incorrecto julgamento da matéria de facto alegada, assente e controvertida nos presentes autos, o que acarreta a incorrecta subsunção da matéria de facto consignada aos princípios jurídicos aplicáveis e a consequente ilegalidade, por violação das normas legais aplicáveis, da dita decisão, devendo, em consequência, a mesma ser revogada e substituída por outra nos termos requeridos pela Embargante, ora Recorrente, nos seus Embargos de Executado;
3. A Embargante, ora Recorrente, invocou nos Embargos de Executado que deduziu na Execução contra si instaurada pela aí Exequente, "B INTERNATIONAL SOCIEDADE UNIPESSOAL LIMITADA", ora Recorrida, além do mais, a excepção de inexequibilidade, com fundamento no facto dos seis cheques dados à execução pela Embargada, ora Recorrida, não terem sido apresentados a pagamento, no prazo de oito dias a que se refere o n.º 1 do artigo 1240.° do Código Comercial, e por ter decorrido o prazo de prescrição de seis meses, a contar da data da emissão dos referidos cheques, para ser intentada a presente execução, atento o disposto no artigo 1263.° do Código Comercial, tendo concluído que os cheques ora em apreço se encontram prescritos, não podendo, por isso, valer como títulos executivos;
4. No despacho ora recorrido a Meritíssima juiz a quo confirmou este entendimento ao decidir que "Não tendo observado as disposições especiais do direito cambiário, os cheques em causa não valem como título executivo, enquanto obrigação cambiária, à luz do disposto na alínea d) do art° 677° do CPC..";
5. Porém, a Embargante, ora Recorrente, também alegou que os referidos cheques não podem revestir a natureza de títulos executivos, nos termos do disposto na alínea c) do artigo 677.º do CPC, porque não se verificam, in casu, todos os pressupostos necessários para o efeito;
6. Porém, a Meritíssima Juiz a quo não concordou com tal entendimento, tendo considerado no despacho ora recorrido que a Embargada invocou suficientemente o negócio causal subjacente à emissão dos seis cheques pela Embargante, ora Recorrente, e que os factos alegados pela Embargada, ora Recorrida, não foram impugnados pela Embargante, ora Recorrente, pelo que os referidos cheques valem como título executivo, enquanto documentos particulares assinados pelo devedor em que se reconhece a existência da obrigação pecuniária, à luz do disposto na alínea c) do artigo 677.º do CPC;
7. Ainda para fundamentar a sua decisão, a Meritíssima Juiz a quo afirmou no despacho ora recorrido que o facto de os cheques terem sido emitidos pela Embargante, ora Recorrente, para garantia do reembolso de tal empréstimo não difere do facto de terem sido emitidos para pagamento e que isso não tem a virtualidade de pôr em causa a existência da obrigação fundamental e o reconhecimento da obrigação pecuniária pela Embargante;
8. Sucede que a decisão proferida no despacho ora recorrido assenta em pressupostos errados;
9. Com efeito, em primeiro lugar, a Meritíssima Juiz a quo andou mal ao concluir no despacho saneador ora recorrido que os cheques sub judice, podiam valer como documentos particulares assinados pelo devedor e, como tal, ser considerados como títulos executivos, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 677.º do CPC, com fundamento no facto de a Embargada, ora Recorrida, alegadamente não ter impugnado a relação causal alegada pela Embargada, ora Recorrida para a emissão pela Embargante, ora Recorrente, dos cheques sub judice;
10. Porque, na verdade, a Embargante, ora Recorrente, efectivamente impugnou esses factos, nomeadamente, nos artigos 19.º a 30.º dos seus Embargos de Executado;
11. Porquanto, ao alegar que a Embargada, ora Recorrida, não só não demonstrou minimamente a existência de qualquer empréstimo, como não demonstrou ter acordado com a Embargante, ora Recorrente, a restituição das quantias alegadamente mutuadas, a ora Recorrente efectivamente impugnou a existência do alegado empréstimo;
12. Acresce que, para a impugnação do alegado empréstimo, foram ainda carreados para os autos os factos alegados nos artigos 51.° a 58.º dos Embargos de Executado que, no modesto entendimento da ora Recorrente, os factos alegados nos artigos acima transcritos integram inequivocamente defesa por impugnação, na medida em que contradizem os factos alegados pela Embargada, ora Recorrida;
13. Concretamente, ao defender que, ao contrário do alegado pela aí Exequente no artigo 4.º do seu requerimento executivo, foi o Sr. C, irmão da ora Recorrente, que, em 15 de Dezembro de 2007, procedeu ao levantamento de fichas junto da tesouraria da B no entã.o denominado casino ..., no montante total de HKD$300.000.000,00 e que desse montante em fichas, apenas a quantia de HKD$200.000.000,00 se destinava a ser utilizada na Sala Vip D, dado que a quantia em fichas correspondente a HKD$100.000.000,00 se destinava a ser utilizada na denominada Sala VlP E, pela qual era responsável o Sr. F, não podem subsistir dúvidas de que a Recorrente impugnou a relação subjacente alegada pela aí Exequente nos artigos 1.º a 11.° do seu requerimento executivo, porquanto a Recorrente nunca aceitou que a dívida de que a Recorrida é alegadamente credora, foi contraída para utilização e em beneficio da própria ora Recorrente, ou que fosse de algum modo da sua responsabilidade proceder ao seu reembolso!
14. De resto, a Meritissima Juiz a quo já veio entretanto a reconhecer que a Embargante, ora Recorrente, efectivamente impugnou os factos alegados pela Embargada, ora Recorrida em relação ao empréstimo e à emissão e entrega dos cheques sub judice;
15. Com efeito, na sequência da Reclamação do despacho saneador, factos assentes e base instrutória apresentada pela Embargante, ora Recorrente, em 11 de Dezembro de 2012, nos termos e com os fundamentos que constam da respectiva Reclamação que ora se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais, foi proferido despacho de fls. 98 a 102 dos autos que decidiu a referida reclamação, tendo a Meritissima Juiz a quo aí concluido que a Embargante, ora Recorrente, efectivamente impugnou a alegação de que o empréstimo alegado pela Embargada foi feito a seu favor e em seu benefício, e a alegação de que os cheques sub judice foram emitidos para garantia do montante total do alegado empréstimo;
16. Tendo a Meritíssima Juiz a quo igualmente concluído no referido despacho de fls, 98 a 102 dos autos que, tendo a Embargante, ora Recorrente, impugnado tais factos, fica também impugnada a alegação de que os seis cheques juntos como "títulos executivos" na execução, tenham sido entregues pela ora Recorrente para alegada garantia do pagamento de um empréstimo de HKD$300.000.000.00 concedido no âmbito do contrato de colaboração celebrado em 18 de Outubro de 2007, entre a Embargada, ora Recorrida e a Embargante, ora Recorrente;
17. Porque se a Recorrente não aceita a existência do alegado empréstimo, evidentemente que também não aceita que os cheques tenham sido emitidos, nos termos e para os efeitos alegados pela Recorrida no seu requerimento executivo.
18. Atento o supra exposto o Tribunal a quo não devia ter dado como provados os factos atinentes à relação subjacente nos termos alegados pela Embargada, ora Recorrida, uma vez que - conforme acima se demonstrou - essa matéria foi de facto impugnada pela Embargante, ora Recorrente e, por esse motivo, consubstanciava e ainda consubstancia matéria de facto controvertida e, nessa medida, não podia, nem pode, servir de fundamento para a decisão proferida no despacho ora recorrido no qual foi julgada improcedente a excepção de inexequibilidade dos títulos dados à execução, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 677.° do CPC, violando-se assim esta norma legal.
19. Acresce que, salvo melhor opinião, ao contrârio do que defende a Meritíssima Juiz a quo no despacho ora recorrido, os cheques, por si só, não importam a constituição de uma dívida ou o reconhecimento da mesma.
20. Sendo o cheque um quirógrafo de crédito e título abstracto, por não conter nele a causa da obrigação que esteve na base da sua emissão, é requisito essencial do requerimento executivo a invocação expressa desta relação subjacente;
21. Requisito que não é exigido para as acções cambiárias, devido à sua literalidade e abstracção, mas que se torna necessário para as acções executivas, com base em documento particular;
22. In casu, foi alegado pela Recorrida, nos artigos 3.º a 11.º do seu requerimento executivo como causa da obrigação pecuniária a que se referem os seis cheques, que os mesmos terão sido entregues pela Embargante à Embargada para garantia do pagamento de um empréstimo de HKD$300,000,000.00, concedido no âmbito do contrato de colaboração celebrado em 18 de Outubro de 2007, entre Embargante e Embargada, junto como Documento n.º 2 ao requerimento executivo;
23. Sucede que, ao contrário do que sustenta a Meritíssima Juiz a quo no despacho ora recorrido, ao alegar que os cheques sub judice visam garantir o pagamento de uma dívida, a Embargada, ora Recorrida, está a admitir que os mesmos não consubstanciam qualquer constituição de dívida ou o reconhecimento da mesma;
24. Ainda que assim não se entendesse, como a Embargante, ora Recorrente, oportunamente alegou no âmbito dos seus Embargos de Executado, a Embargada, ora Recorrida, também não demonstrou que emprestou à Embargante, ora Recorrente, a supra alegada quantia de HKD$300.000.000,00;
25. Por sua vez, a Embargada, ora Recorrida, também não alegou nem demonstrou que a Embargante, ora Recorrente, se obrigou a restituir aquela ou qualquer outra quantia;
26. Com efeito, dos documentos juntos pela Embargada, ora Recorrida, com o seu requerimento executivo, não resulta a prova da existência de qualquer empréstimo ou mútuo entre a Embargada e a Embargante;
27. Diga-se, aliás, que a emissão e entrega dos cheques pela Embargada, ora Recorrida, à Embargante, ora Recorrente, não configura, por si só, a existência de um contrato de mútuo;
28. Para que emissão dos cheques configurassem um contrato de mútuo, tornava-se necessário que a Embargada, ora Recorrida, tivesse alegado e demonstrado que acordou com Embargante, ora Recorrente, a restituição das quantias alegadamente mutuadas, o que não se verificou;
29. Pelo que, tendo a Elnbargada, ora Recorrida, alegado apenas que os cheques foram entregues pela ora Recorrente à ora Recorrida em garantia do cumprimento de uma obrigação, tal alegação não é suficiente, em sede de. execução, para comprovar o reconhecimento ou constituição de uma dívida;
30. Assim, ao contrário do decidido pela Meritíssima Juiz a quo no despacho ora recorrido, não tendo a Embargada, ora Recorrida, logrado demonstrar a causa da obrigação que esteve na base da emissão dos cheques que servem de título aos autos de execução, salvo melhor opinião, não podia ter sido julgada improcedente, sem mais, a excepção de inexequibilidade do título deduzida pela Embargante, ora Recorrente;
31. Com efeito, só depois de realizada a audiência julgamento da causa e de analisadas as provas produzidas na mesma é que, no modesto entendimento da ora Recorrente, estarão reunidas as condições para se poder fazer uma correcta subsunção da matéria de facto provada aos princípios jurídicos aplicável, pelo que com a decisão precipitada no despacho recorrido sobre a exequibilidade dos títulos dados à execução, violou-se o disposto na alínea c) do artigo 677.° do CPC;
32. Nos Embargos de Executado que deduziu contra a Execução Ordinária instaurada pela Embargada, ora Recorrida, a Embargante, ora Recorrente, invocou ainda a inexequibilidade da alegada obrigação exequenda, nos termos do disposto na alínea e) do artigo 697.°, aplicável ex vi do n.º 1 do artigo 699.º, ambos do CPC;
33. Para tanto defendeu que do alegado pela Embargada, ora Recorrida, no seu requerimento executivo decorre que, a alegada obrigação pecuniária da Embargante, ora Recorrente, emergiria de um empréstimo, no montante de HKD$300.000.000,00, alegadamente concedido pela Embargada, ora Recorrida, à Embargante, ora Recorrente, no âmbito .do contrato de colaboração celebrado entre as mesmas, em 18 de Outubro de 2007, junto como Documento n.° 2 com o requerimento executivo e que de acordo com o alegado pela Embargada, ora Recorrida (cfr. artigo 4.° do seu requerimento executivo), a Embargante, ora Recorrente, usou na promoção das actividades de intermediária de jogos;
34. Porém, conforme a Embargante, ora Recorrente, oportunamente expôs nos seus Embargos de Executado, atento o disposto na Lei n.º 5/2004, publicada no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau, de 14 de Junho (doravante "Regime Jurídico da Concessão de Crédito para Jogo ou para Aposta em Casino" ou "RJCCJ") que regula a concessão de crédito para jogo ou para aposta em jogos de fortuna ou azar em casino na Região Administrativa Especial de Macau e, mais concretamente, o disposto nos n.º 1 e 2 do seu artigo 3.°, apenas estão habilitadas a conceder crédito nesses termos, as concessionárias e as subconcessionárias de exploração de jogos de fortuna ou azar em casino e os promotores de jogos de fortuna ou azar em casino, como tal licenciados nos termos do Regulamento Administrativo n.° 6/2002, com as alterações introduzidas pelo Regulamento Administrativo n.° 27/2009, ou por outras palavras, só o crédito concedido, nos termos ali previstos, gera obrigações civis e como tal é legalmente exigível;
35. Daí que, conforme a Embargante, ora Recorrente, alegou, cabia à Embargada, ora Recorrida, em primeiro lugar, alegar e provar que, na qualidade de promotora de jogo devidamente licenciada, estava habilitada a exercer a actividade de concessão de crédito ao abrigo de um contrato celebrado com uma concessionária ou subconcessionária, o que não fez;
36. Por seu turno, considerando que a relação entre a Embargada, ora Recorrida, e a Embargante, ora Recorrente, era, conforme alegado pela Embargada, ora Recorrida, nos artigos 3.° e 4.° do seu requerimento executivo, respectivamente, de promotora de jogo, licenciada ao abrigo do Regulamento Administrativo n.º 6/2002 e de colaboradora desta, ao abrigo do artigo 17.º do mesmo Regulamento Administrativo e que o alegado empréstimo foi concedido no âmbito dessa relação promotor de jogo/colaborador, então dever-se-ia ter concluído - como a Embargante, ora Recorrente defendeu nos Embargos de Executado - que a alegada concessão de crédito para jogo por parte da Embargada, ora Recorrida (promotora de jogo) a favor da Embargante, ora Recorrente (colaboradora) foi exercida em violação do supra mencionado RJCCJ, por ter sido efectuada a favor de um colaborador e não de um jogador ou apostador;
37. Nos termos do parágrafo 2) do supra mencionado n.º 6 do artigo 3.º da RJCCJ, um promotor de jogo apenas pode conceder crédito para jogo a um jogador ou apostador e nunca a um seu colaborador ou a qualquer outro promotor de jogo;
38. Donde resulta que, in casu - como acima se referiu - a alegada concessão de crédito para jogo por parte da Embargada, ora Recorrida (promotora de jogo) a favor da Embargante, ora Recorrente (colaboradora) foi exercida em violação do supra mencionado RJCCJ, não gerando assim uma obrigação legalmente válida;
39. Ora, não sendo - como não é - a obrigação exequenda judicialmente exigível, esta é inexequível, nos termos e para os efeitos do disposto na. alínea e) do artigo 697.º, aplicável ex vi, do n.º 1 do artigo 699.º, ambos do CPC, ao contrário do que foi decidido no despacho ora posto em crise;
40. Na sua Contestação a Embargada, ora Recorrida, alegou que o regime jurídico da concessão de crédito para jogo ou para aposta em casino, regulado pela Lei n.º 5/2004. de 14 de Junho só se aplica à concessão de crédito para jogo ou aposta no casino e não na actividade de empréstimo entre o promotor de jogo e o seu colaborador;
41. Mas, na verdade, como a ora Recorrente também alegou nos seus Embargos de Executado, atento o disposto no artigo 2.° do RJCCJ, ao contrário do alegado pela Embargada, ora Recorrida, estamos perante a concessão de crédito para jogo;
42. Porquanto, a alegada concessão de crédito terá sido efectuada por um promotor de jogo a um seu colaborador mediante a transmissão de fichas de jogo sem que houvesse lugar ao seu pagamento imediato, tal como resulta do Documento n.º 13 (originalmente redigido em língua chinesa e aqui traduzido para língua portuguesa pela Embargante) donde consta que a concessão de crédito a favor da Sala VIP D, ora Embargante, terá sido efectuada a título de "Marker" (o qual, como se sabe, consiste num título que consubstancia o quantitativo do crédito para jogo em casino);
43. Pelo que, da interpretação conjugada do disposto no n.º 1 do artigo 2.°, dos n.ºs 1, 2 e 6 do artigo 3.° e do artigo 4.° do RJCCJ e do Regulamento Administrativo n.º 6/2002, mormente o seu artigo 17.º, a considerar-se lícita a concessão de crédito pela Embargada a favor da Embargante, esta jamais seria fonte de obrigações civis;
44. Sobre esta matéria pronunciou-se a Meritíssima Juiz a quo no despacho saneador no sentido de que: ''(...) No caso em apreço, conforme os factos alegados pela embargada e admitidos pela embargante, o crédito exequendo foi concedido pela primeira, na qualidade de promotora de jogo, à segunda, na qualidade da sua colaboradora. E esse crédito foi concedido à embargante para que esta promova as actividades de intermediária de jogo, e não para esta jogar ou apostar no casino como jogadora." referindo ainda que "(...) No fundo, não obstante o cencedente do crédito possuir a qualidade de promotor de jogo, isso não implica que este não possa conceder empréstimo a terceiro nas relações comerciais normais, mesmo ligadas com a actividade de casino. Desde que o empréstimo não seja concedido a terceiro para que este jogar ou apostar, o empréstimo é válido tal como qualquer outro empréstimo. A Lei nº 5/2004 permite excepcionalmente às entidades aí previstas a exercer actividade de concessão de crédito nos casinos mas não proíbem essas mesmas entidades a conceder a terceiro créditos que não se destinam para jogo de fortuna e azar ou apostar. Não sendo empréstimo para jogo, cai por terra os argumentes da embargante de que os créditos são obrigações naturais e não são judicialmente exigíveis."
45. Sucede que, ao decidir nestes termos, salvo melhor opinão o Tribunal a quo não teve em consideração o alegado pela Embargante, ora Recorrente, nos seus Embargos de Executado, em particular, o alegado no artigos 43.º do referido articulado onde expressamente se afirmou que "No presente caso, a alegada concessão de crédito terá sido efectuada por um promotor de jogo a um seu colaborador mediante a transmissão de fichas de jogo sem que houvesse lugar ao seu pagamento imediato, tal como resulta do Documento n.º 13 junto com o requerimento executivo (originalmente redigido em língua chinesa e aqui traduzido para língua portuguesa pela Embargante) donde consta que a concessão de crédito a favor da Sala VIP D (Sra. A), ora Embargante, terá sido efectuada a titulo de "Marker" (o qual, como se sabe, consiste num título que consubstancia o quantitativo do crédito para jogo em casino).";
46. Com efeito, conforme a aí Embargante alegou e demonstrou através do documento n.º 13 junto pela Embargada com o seu requerimento executivo - no caso concreto -, só podemos estar perante a concessão de crédito para jogo através da transmissão de fichas de jogo;
47. Na verdade, tendo sido o alegado crédito concedido através da transmissão de fichas de jogo, é evidente que as mesmas terão sido disponibilizadas para a realização de apostas em jogos de fortuna e azar e não para qualquer outra finalidade comercial, como por exemplo, a aquisição de bens e/ou equipamentos, pagamentos de salários e/ou de impostos relacionados com o exercício da actividade de colaboradora de jogo;
48. Acresce que, salvo o devido respeito, a Embargada, ora Recorrida não alegou, nem por qualquer forma sugeriu que o alegado empréstimo havia sido concedido para qualquer outra finalidadem;
49. De qualquer modo, atento o supra exposto, o Tribunal a quo também não devia ter dado como provados os factos atinentes à finalidade do alegado empréstimo sub judice nos termos alegados pela Embargada, ora Recorrida, uma vez que - conforme acima se demonstrou - essa matéria foi impugnada pela Embargante, ora Recorrente e consubstancia ainda matéria de facto controvertida (que de resto foi levada aos artigos 1.º, 2.º, 3.° da Base Instrutória) e, nessa medida, não podia, nem pode, servir de fundamento para a decisão proferida no despacho ora recorrido no qual foi julgada improcedente a excepção de Inexequibilidade da alegada obrigação exequenda, nos termos do disposto na alínea e) do artigo 697.°, aplicável ex vi do n.° 1 do artigo 699.° ambos do CPC;
*
Por sentença de 14/07/2016, julgou-se parcialmente procedentes os embargos e, em consequência, decidiu:
1. Declarar que do valor total constante dos títulos executivos, HK100.000.000,00 não estão abrangidos pela execução intentada pela Embargada, B International Sociedade Unipessoal Limitada, contra a Embargante, A;
2. Absolver a Embargada dos pedidos restantes formulados pela Embargante.
Dessa decisão vem recorrer a Embargante, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1. O presente recurso tem por objecto:
- o acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo sobre a matéria de facto, no que se refere somente às respostas dadas aos artigos 7.° a 12.°, 14.°, 15.°, 16.°, 18.°, 19.°, 21.°, 23.°, 24.°, 25.° e 28.° da base instrutória; e
- a douta sentença de fls. 251 na parte que declarou "que do valor total constante dos títulos executivos, HK100.000.000,00 não estão abrangidos pela execução intentada pela Embargada, B Internacional Sociedade Unipessoal Limitada, contra a Embargante, A".
2. Acresce que, a Recorrente mantém e dá por integralmente reiterado o recurso que interpôs do despacho saneador, mais propriamente na parte em que foram julgadas improcedentes as excepções de inexequibilidade do título executivo e inexequibilidade da obrigação exequenda deduzidas nos embargos.
3. Começando pelo recurso que incide sobre a matéria de facto vem a Recorrente em cumprimento do ónus previsto no artigo 599.° do CPC declarar que a impugnação dessa decisão incide sobre as respostas dadas pelo Tribunal Colectivo aos seguintes artigos da base instrutória:
a) 7.°: na parte em que não se deu como assente que na reunião aí referida, as partes não só discutiram, como acordaram verbalmente que o montante referido no quesito 1.º A seria restituído na forma prevista nos quesitos 8.° a 12.°, 18.°, 19.° e 21.°;
b) 8.° a 12.°, 14.°, 15.°, 16.°, 18.°, 19.°, 21.°, 23.°, 24.°, 25.° e 28.°, os quais foram considerados não provados.
4. Conforme resulta claro da base instrutória, a questão fulcral nos presentes autos é a de saber se o montante de HKD$200.000.000,00 entregue à Embargante pela Embargada através do irmão da primeira e que está na origem do crédito exequendo deve ou não considerar-se saldada.
5. Nos artigos da base instrutória sobre que incide o recurso sobra a matéria de facto é descrita uma factualidade que, dando-se por assente, apenas permite uma conclusão: a de que a Embargante nada deve à Embargada.
6. No entender da Embargante, e salvo o devido e enorme respeito pelo Tribunal a quo, está-se em crer que este incorreu num erro de julgamento ao considerar como não provada a matéria de facto alegada pela Recorrente e donde se retira que, efectivamente, a dívida que esta tinha para com a Recorrida foi considerada liquidada por ambas as partes.
7. A fim de provar os artigos 7.° a 12.°, 14.°, 15.°, 16.°, 18.°, 19.°, 21.°, 23.°, 24.°, 25.° e 28.° da base instrutória a Embargante lançou mão dos seguintes meios probatórios que, no seu entender, impunham um julgamento distinto daquele que foi proferido pelo Tribunal Colectivo:
a) prova documental; e
b) prova testemunhal.
8. Aos aludidos meios probatórios concretos constantes do processo existem outros elementos no mesmo que permitem concluir sem margem para dúvidas pela falta de credibilidade da posição da Embargada ou, dito de outro modo, elementos que, segundo uma análise de razoabilidade de um bonus pater familias, permitem concluir que assiste razão à Embargante na presente demanda.
9. Quanto à prova documental há que realçar desde já os documentos 11 e 12 juntos com o requerimento executivo.
10. O documento n.º 11 junto com o requerimento executivo constitui um recibo emitido pela Embargada relativo ao pagamento do montante a que alude o artigo 22.° da base instrutória.
11. Na data em que foi feito o referido pagamento, precisamente 3 dias após a realização da reunião a que alude o artigo 7.° da base instrutória, e conforme consta do respectivo recibo, relativamente ao montante inicial de HKD$300.000.000,00 em fichas de jogo levantadas pelo Sr. C em 15/12/2007 caberia ainda reembolsar a quantia de HKD$283.320.000,00.
12. Ora, o integral reembolso do referido montante de HKD$283.320.000,00, nos termos acordados entre a Embargante e a Embargada na reunião supra referida (em que, nomeadamente, o reembolso da quantia de HKD$100.000.000,00 ficaria a cargo do responsável da Sala VIP E, F) é demonstrado à saciedade pelo recibo que constitui o documento n.º 12 junto com o requerimento executivo.
13. Efectivamente, com a entrega à Embargada pela Embargante do valor em numerário obtido com a venda das participações sociais da H Holdings (H), conforme expressamente consta do mencionado recibo, os efeitos das compensações e formas de reembolso acordadas na reunião de 29/11/2009 produziram todos os seus efeitos.
14. Foi por causa do pagamento da dívida assim acordado que no documento n.º 12 junto pela Embargada no seu requerimento executivo se fez expressa referência à venda das acções da H, cotada na Bolsa de Hong Kong sob o n.º 959.
15. Acresce que do documento n.º 12 ressalta um outro importante dado que foi tal e erradamente ignorado pelo Tribunal Colectivo: é que, tal recibo, ao contrário do que sucedeu com o recibo que constitui o documento n.º 11, não contém qualquer menção ao montante que ainda estava por saldar por parte da Embargante.
16. Com efeito, aquando do pagamento do montante de HKD$16.800.000,00 em fichas vivas que o Tribunal a quo deu como assente no quesito 22.°, as partes tiveram o cuidado e a preocupação de fazer constar no respectivo recibo, emitido em 3/12/2009, o valor que ainda estaria por reembolsar depois do desconto relativo ao pagamento dos referidos HKD$16.800.000,00.
17. Ora, isso já não sucedeu aquando da emissão do recibo a que o documento n.º 12 se refere. Aí, como acima já se referiu, o que consta é a declaração da Embargada de (i) ter recebido da Sala VIP D o montante de HKD$19.463.257,68; (ii) a quantia em apreço se refere à aquisição, repita-se à aquisição, de acções da H a partir de Julho de 2007; (iii) que os cashier orders em apreço se referem ao produto da venda de 52.860.000 e 43.612.000 (cuja soma é 96.472.000, conforme o sempre alegado pela Embargante).
18. Este pormenor, da omissão no documento n.º 12 ao facto de estar ainda por pagar qualquer quantia à Embargada pela Embargante, em contraste como com o sucedido no recibo emitido em 3/12/2009 (vide doc. n.º 11), aliado à circunstância de ter ficado claro que a ora Recorrente ficaria exonerada do reembolso da quantia HKD$100.000.000,00, é sintomático e demonstra a veracidade da tese que trouxe a juízo.
19. Neste particular, as referências que o acórdão sobre matéria de facto faz sobre uma eventual contradição entre o teor do documento n.º 11 (fls. 26 dos autos de execução) e as declarações do contabilista da sala VIP D são falhas de lógica e de certo modo incoerentes.
20. Em primeiro lugar, aquilo que a Embargante sempre afirmou e a referida testemunha confirmou foi que, para além do valor em fichas de jogo entregues em 3/12/2009, o único valor que ainda teria de ser entregue seria o respeitante à venda das acções que se processo em data posterior.
21. Doutro passo, aquilo que se afigura ilógico e, de certo modo, incoerente é a circunstância de, na formação da sua convicção, o Tribunal a quo atribuir valor especial ao facto de o recibo de fls. 26 mencionar o montante que a Embargante ainda teria que pagar à Embargada e, ao invés e ao arrepio do que ditaria a mesma linha de raciocínio, não atribuir o mínimo relevo à circunstância de no recibo de fls. 27 já não ser feita qualquer referência a quantias ainda por saldar, como o atesta a omissão de qualquer menção a este facto.
22. Acresce que, a interpretação que o Tribunal recorrido faz do documento de fls. 26 e sua pretensa faculdade de infirmar a tese da Embargante cai totalmente por terra quando se tem presente que dos HKD$283.320.000,00 que aí são referidos, HKD$100.000.000,00 nem sequer ficariam a cargo da Recorrente mas sim do responsável da sala VIP E, conforme a Embargada expressamente confessa a fls. 51 dos autos de execução.
23. Também não se percebe como é que perante o teor do documento n.º 12 o Tribunal a quo pode ter considerado como não provados os artigos 14.° e 16.° da base instrutória.
24. Com efeito, é a própria Embargada, que no recibo a que se vem fazendo menção, confessa que o valor por si recibo se refere à "aquisição" de acções da H desde 2007, o ano em que, conforme resulta do quesito 13.°, foram precisamente colocadas à venda as acções daquela sociedade cotada na Bolsa de Valores de Hong Kong com o objectivo de angariar fundos para, entre outros, financiar a actividade da Embargada enquanto promotora de jogo do então denominado casino ....
25. Destarte, constando expressamente do documento n.º 12 a declaração da Embargada de que o valor por si recebido da Embargante diz respeito à venda dessas mesmas acções da H a única conclusão possível é que essas acções tinham sido adquiridas pela Recorrente e/ou pelo seu irmão.
26. Na prova documental há ainda que destacar o requerimento de fls. 51 dos autos de execução em que a Embargada vem confessar que o Sr. F assumiu perante si a obrigação de proceder ao pagamento da dívida de HKD$100.000.000,00 relativos ao montante inicial de HKD$300.000.000,00 adiantados à Embargante e que, inclusive, assinou um cheque a título de garantia do reembolso da referida quantia.
27. Perante a referida afirmação, que constitui uma confissão da Embargada nos termos dos artigos 349.°, n.º 1 do Código Civil (CC) e artigo 80.° do CPC, é incompreensível que o Tribunal a quo tenha dado o artigo 23.° da base instrutória como não provado.
28. No mínimo exigir-se-ia ao Tribunal a quo, perante a espontânea afirmação da Embargada no requerimento de fls. 51 dos autos de execução, que não foi retirada, nem rectificada, que tivesse dado como assente que ficou acordado, independentemente de o ter sido na reunião de 29/11/2009, que o Sr. F assumiu o reembolso por inteiro da quantia de HKD$100.000.000,00 mencionada no artigo 3.° da base instrutória.
29. A referida declaração de fls. 51 constitui também uma demonstração cabal da veracidade dos factos alegados pela Embargante pois caso esta matéria não tivesse discutida e acordada entre as partes na reunião que para tal mantiveram em 29/11/2009, não teria lógica alguma a Embargada admitir que o reembolso da quantia de HKD$100.000.000,00 mencionada no artigo 3.° da base instrutória ficaria a cargo do Sr. F.
30. No que concerne à prova testemunhal importa realçar em primeiro lugar que, na fundamentação que faz das respostas aos quesitos, o acórdão proferido sobre a matéria de facto reconhece que as testemunhas da Embargante confirmaram na íntegra a sua versão dos factos.
31. Não obstante, e por uma razão ou outra o Tribunal Colectivo desvaloriza o depoimento de tais testemunhas.
32. Com efeito, se em relação à testemunha C a justificação para tal desvalor é a sua relação de parentesco (irmão) da Embargante e o papel que desempenhou na sala VIP D, em relação às restantes o motivo invocado é o facto de, apesar de duas dessas testemunhas, terem afirmado que o Sr. G (que o Tribunal considerou na resposta ao quesito 7.° ter actuado na reunião de 29/11/2009 como representante da Embargada e da H) lhes referiu pessoalmente que todas as contas com a Embargante estava acertadas, desconhecerem os pormenores desse acerto.
33. Ora, salvo o devido respeito, a referida fundamentação volta, na opinião da Recorrente, a pecar por falta de coerência e também alguma falta de rigor.
34. Em primeiro lugar, não se percebe como é que as testemunhas da Embargante têm credibilidade para a prova de alguns factos mas já o não têm para a prova de outros.
35. Com efeito, importa recordar que na contestação aos embargos a Recorrida negou terminantemente não só que tivesse havido qualquer reunião entre o Sr. C e o Sr. G para discutir a forma da restituição do montante dos HKD$200.000.000,00 (vide artigos 25.º e 34.º da contestação), mas também que o Sr. G tivesse actuado nas negociações com o irmão da Embargante como representante da Recorrida e da H (artigo 49.º da contestação ).
36. Ora, no quesito 7.º o Tribunal deu como assente o contrário daquilo que era clamado pela Embargada e deu-o exclusivamente com base na prova testemunhal apresentada pela Embargante.
37. Numa situação em que uma parte afirma um determinado facto e a outra parte afirma precisamente o inverso, as testemunhas ou são credíveis para a prova de uma das versões em confronto ou não o são. Aquilo que não se entende e não se pode aceitar é esta opção do Tribunal a quo por uma credibilidade a meio gás ou mitigada quando se está perante duas versões perfeitamente antagónicas.
38. Logo, tendo as testemunhas da Embargante, nomeadamente o seu irmão, merecido credibilidade para provar aquilo que a Embargada sempre negou - a existência da referida reunião para discussão e acerto das contas e o facto de o Sr. G ter intervindo na mesma na qualidade de representante das duas sociedades - ficando demonstrado que aquela faltou à verdade, as mesmas devem merecer igual crédito para a prova dos detalhes que saíram dessa reunião, crédito que em nada fica abalado pela relação de parentesco entre a Recorrida e a testemunha C.
39. Por outro lado, a afirmação do Tribunal recorrido de que as testemunhas que afirmaram ter ouvido do Sr. G, em pessoa, confirmar que as contas entre a Embargada e a Embargante já haviam sido acertadas, não foram capazes de dar pormenores sobre esse acerto, para assim desvalorizar o seu depoimento, não é inteiramente rigorosa.
40. Efectivamente, não só a testemunha ... foi capaz de fornecer, com rigor apreciável, esses detalhes insistindo na questão das acções, como esta matéria das participações sociais da H foi confirmada pelas outras testemunhas da Embargante.
41. Dito isto e independentemente de as testemunhas em apreço terem ou não fornecido com o maior dos detalhes todos os dados relativos ao acerto de contas, a afirmação peremptória e sem hesitação das mencionadas testemunhas de que o Sr. G confirmou finda a reunião com a Embargante de que tudo estava acertado com esta relativamente ao empréstimo inicial de HKD$200.000.000,00 em fichas merecia uma valoração distinta da que foi dada pelo Tribunal a quo, que pouco relevo deu este facto, pois o mesmo constitui a mais pura confirmação dos factos que a Embargante alegou em juízo.
42. Está-se, com efeito, perante o depoimento de testemunhas oculares, presenciais que ouviram em primeira mão da boca do representante da Embargada e da H que todas as contas relativas ao montante de HKD$200.000.000,00 em fichas disponibilizados para a sala VIP D já tinham sido acertadas com a Embargante.
43. Neste particular há que destacar o depoimento da testemunha ..., antigo administrador e sócio único da Embargada, que novamente chamado a colaborar com esta sociedade em 2009 para ajudar na cobrança dos créditos que a mesma era detentora relativamente aos seus colaboradores, confirmou que o Sr. G lhe disse que as dívidas da D estavam saldadas, afirmando também que esta sala VIP não constava da lista de devedores que lhe foi entregue em finais de 2009 quando, como se disse, foi chamado novamente a cooperar com a Embargada.
44. A credibilidade dos referidos testemunhos, mormente aquele a que supra se fez menção, sai reforçada quando posta em confronto pela única testemunha que a Embargada apresentou nestes autos, um anterior administrador da H e que procurou esconder a especial posição que o Sr. G detinha na H, insinuando também que a manutenção das dívidas da sala VIP D perante a Embargada lhe havia sido confirmada pela testemunha ... algo que este negou veementemente.
45. Por fim, não se pode deixar passar em claro a ligeireza com que o Tribunal recorrido se refere à redução do pedido feito pela Embargada em que esta reconhece que o valor exequendo pecava afinal por excesso em HKD$100.000.000,00, ou seja 1/3 do valor inicial.
46. Com efeito, ao invés do que se afirma no acórdão sobre a matéria de facto, as partes não estão de acordo quanto a essa redução. A prova-lo está o facto de a referida redução ter surgido apenas na sequência dos embargos.
47. O depoimento da testemunha C (track (1JO7%Y(W06111270).wa (quesitos 1.° a 35.°), que se dá qui por integralmente reproduzido e que acima se transcreveu, confirma na íntegra a matéria dos quesitos 7.°, a 12.°, 14.°, 15.°, 16.°, 18.°, 19.°, 21.°, 23.°, 24.°, 25.° e 28.° da base instrutória, ou seja: a existência de um acordo entre a Embargante e a Embargada, e os respectivos termos, para o reembolso do montante inicial de HKD$200.000.000,00, com particular enfâse na questão das acções da H, bem como o expresso pedido de devolução dos cheques dados à execução e os motivos invocados pela Recorrida para não prosseguir com essa restituição.
48. Por outro lado, face ao que acima já se mencionou, não há razões para duvidar da credibilidade da testemunha em apreço, mormente quando o seu depoimento foi suficiente para afastar a tese da Embargada que, como já se disse, não só sempre negou a realização da reunião de 29/11/2009, bem como sempre se recusou a admitir que o Sr. G actuou como seu representante.
49. O depoimento da testemunha ...: track (1JO7%Y(W06111270).wa que se dá qui por integralmente reproduzido e que acima se transcreveu, é relevante pois o mesmo confirmou, tanto a instâncias do mandatário da Embargante, como a instâncias da Meritíssima Juíza Presidente ter falado com o Sr. G sobre esta matéria e que este lhe referiu pessoalmente no dia 29/11/2009 (dia em que teve lugar a reunião entre o representante da Embargante e aquele em representação da Embargada) que todas as contas com a Embargante estavam acertadas.
50. Este depoimento ganha ainda maior relevo quando a testemunha que o proferiu afirmou conhecer pessoalmente as partes em litígio e não ter qualquer interesse no caso, sendo, por outro lado, uma profunda conhecedora do modus operandi dos casinos.
51. Doutro passo, conforme se comprova pelas passagens da gravação acima transcritas, a testemunha Wu foi capaz de fornecer pormenores sobre os termos do acordo, tendo afirmado peremptoriamente que a aquisição das acções da H pela Embargante foi feita a pedido do Sr. G de forma a manter a cotação daquelas participações sociais elevada e, assim, beneficiar a angariação de fundos para os negócios no casino ....
52. A mesma disse também que o Sr. G deu garantia de que a cotação das acções se manteria elevada mas que caso assim não viesse a suceder o mesmo assumiria as perdas, ficando a Embargante exonerada das mesmas, confirmando em suma toda a matéria de facto que é objecto da impugnação via presente recurso.
53. O depoimento da testemunha ... (track (1JO7%Y(W06111270).wa, acima igualmente transcrito e que aqui se dá por reproduzido), é importante pois embora desconhecedor dos termos do acordo, o mesmo reiterou a realização da reunião entre as partes e que o Sr. C confirmou a existência de um acordo quanto ao acerto de contas com a revelação do pormenor de ter fornecido uma máquina calculadora precisamente para a realização dos cálculos relativos a esse acerto de contas.
54. O depoimento da testemunha ... (track 1K57074W05011270; quesitos 1.° a 35.°, acima igualmente transcrito e que aqui se dá por reproduzido) merece também ser destacado.
55. Efectivamente, o contabilista da Embargante (i) foi capaz de dar todos os pormenores relativos ao acerto de contas; (ii) confirmou ter falado pessoalmente com os responsáveis da tesouraria da Embargada e que estes lhe referiram que a dívida que a Embargante tinha para com esta se encontrava integralmente saldada e (iii) referiu expressamente ter pessoalmente pedido aos responsáveis da Embargada a devolução dos cheques dados à execução.
56. O depoimento da testemunha ... (track 1K57074W05011270, quesitos 1.° a 28.° acima igualmente transcrito e que aqui se dá por reproduzido) é esmagador na demonstração da prova dos quesitos em análise e sem que se perceba porquê foi praticamente ignorado pelo Tribunal a quo.
57. Com efeito, trata-se do depoimento de alguém que era o anterior sócio e administrador da Embargada, detentor dessas qualidades na altura em esta concedeu à Embargante os HKD$200.000.000,00 em fichas de jogo.
58. Ora, esta testemunha, que conhecia todas as partes envolvidas (Embargante, o seu irmão, o Sr. G e o responsável a sala VIP E), confirmou que:
(i) o Sr. G "era o verdadeiro patrão da sociedade B" e que era quem, na prática, mandava na H;
(ii) quem lidou directamente com as dívidas da sala I foi o "Sr. G" e que as partes "chegaram a um acordo e confrontaram com algumas dívidas entre eles e por fim acharam saldadas as contas";
(iii) "Depois de eles terem encontrado e combinado, o próprio G tinha falado comigo e disse que já tinha saldado as contas com o I";
(iv) esse acerto de contas foi feito através da compensação de dívidas de "Alguns valores, a maior parte dos valores foi confrontado com a compra de stock de Hong Kong", ou se de acções da H que pertenciam ao irmão da Embargante;
(v) no acerto de contas também foram tidos em consideração os empréstimos no valor de 30 milhões da sala I à Embargada para pagar dividendos das acções;
(vi) que nunca disse aos representantes da H, ao contrário do que a testemunha da Embargada insinuou em Tribunal, que a dívida da sala VIP D ainda estava por pagar;
(vii) que, para além do Sr. G, também os contabilistas da Embargada … e …, lhe confirmaram que a Embargante já nada devia à Recorrida e que, por isso, ou seja por força do acerto de contas aquela já não constava da lista de dívidas da B;
(viii) que "em 2011" foi "abordado por uma senhora de apelido Lei", responsável da Embargada e da H, "a perguntar se os cheques que estavam depositados na sociedade B tinham validade para a acção cível" e que disse "que tinha dito que não podiam porque as contas já foram confrontadas e saldadas".
59. Em suma, a testemunha em questão confirmou na íntegra a matéria de facto alegada pela Embargante.
60. O depoimento da testemunha da Embargada ... (track 1IUSX04W05011270) tem relevo naquilo que procurou ocultar e naquilo que tentou dar a entender e que, simplesmente, não corresponde à verdade.
61. Ao invés do que esta testemunha afirmou o Sr. G tinha uma especial ligação com a H pois, conforme tinha o dever de ter revelado, aquele já em 2012, precisa e curiosamente o ano em que os cheques em apreço foram dados à execução, foi nomeado membro do Conselho de Administração da H, tendo assumido posição cimeira nesse órgão.
62. Doutro passo, a insinuação de que a pessoa que lhe reportava os assuntos da Embargada - o seu anterior sócio e administrador ... - lhe terá dito que a dívida da Embargante continuava por saldar B foi totalmente negada por este antigo responsável da Embargada.
63. Para além dos referidos meios probatórios que o Tribunal a quo valorou indevidamente, existem outros indícios no processo que devidamente ponderados constituem manifestações de demonstração da veracidade da tese da Embargante.
64. A redução do pedido exequendo em HKD$100.000.000,00, ou seja de mais de 1/3 do valor inicial, constitui o primeiro desses indícios.
65. Recorde-se que esta redução operou-se já depois da entrada em juízo dos embargos, o que é sintomático.
66. Efectivamente, a desistência parcial do pedido formulado pela Embargada constitui a confissão de que esta deduziu uma pretensão notoriamente infundada, com recurso a uma alteração da verdade dos factos, algo que não poderia ter deixado de ter sido valorado para efeitos de apreciação da prova no âmbito dos presentes embargos.
67. Ou seja, como a Recorrida confessou no seu requerimento de 24 de Maio de 2012 juntos aos autos de execução, a Recorrente nunca foi devedora da referida quantia de HKD$100.000.000,00, mas, mesmo assim, aquela não se inibiu de lhe exigir o pagamento da mesma.
68. Ora, a desistência ou redução parcial do pedido formulado no âmbito da presente execução, mais não é do que a confissão da própria Recorrida, de que deduziu uma pretensão notoriamente infundada contra a Recorrente.
69. A verdade é que, se a Recorrente não tivesse deduzido oposição à presente execução estaria a reconhecer a suposta dívida exequenda e corria o risco de vir a ser executada pela totalidade da quantia peticionada pela Recorrida no seu requerimento inicial de execução, o que determinaria um enriquecimento ilegítimo da Embargada à custa do correspondente sacrifício patrimonial da Recorrente.
70. Outro indício que não mereceu qualquer consideração pelo Tribunal foi a data em que a Recorrida procurou cobrar esta pretensa dívida da Embargante.
71. É que, como bem salientou uma das testemunhas (Wu), é completamente anormal e fora de quaisquer padrões de razoabilidade que alguém sabendo-se credor de tão avultadas quantias e tendo em seu poder o respectivo suposto meio de pagamento (os cheques) apenas os apresente a pagamento praticamente 4 anos após a sua emissão.
72. Durante o período que mediou entre a emissão dos cheques dados à execução (Março de 2008) e a sua apresentação a pagamento e respectivo accionamento em juízo distaram 4 longos anos, isto sem que a Embargada tivesse logrado sequer fazer de prova de quaisquer diligências que tenha levado a cabo no sentido de obter a cobrança desta pretensa dívida.
73. Conforme acima já se foi se disse, a versão que a Embargada apresentou na contestação aos embargos não só no que se refere aos HKD$100.000.000,00 objecto da desistência parcial do pedido, mas também na sua acirrada negação da existência de uma reunião entre as partes para discutir e acertar as contas entre ambas e da circunstância do Sr. G ter qualidade de seu representante, algo que o Tribunal deu como assente, deveriam ter sido valorados pelo Tribunal Colectivo.
74. Quem falta à verdade, como a Recorrida faltou quanto aos factos supra mencionados e que se encontram plasmados no artigo 7.° da base instrutória certamente falta também à verdade em toda a restante factualidade o que permite concluir pela veracidade da versão que a Embargante apresentou em juízo.
75. Em suma, dúvidas não podem restar de que os elementos de prova acima referidos - prova documental, prova testemunhal e estes últimos indícios confirmam tudo aquilo que a Embargante alegou nos artigos da petição inicial de embargos e que foram transcritos para os quesitos 7.° a 12.°, 14.°, 15.°, 16.°, 18.°, 19.°, 21.°, 23.°, 24.°, 25.° e 28.° da base instrutória, os quais terão, por isso, de passar a considerar-se integralmente provados na sua redacção original.
76. Dando-se provimento, como legitimamente se espera, ao recurso interposto pela Recorrente sobre a matéria de facto, a consequência jurídica imediata é a de o Tribunal passar a ser confrontado com um quadro factual que demonstra que a dívida reclamada pela Recorrida estar, por força do acerto de contas e regime das compensações, integralmente saldada e, como tal, ser inexistente o crédito exequendo.
77. No caso de se entender que a dívida exequenda existe e é exigível hipótese que só por mera cautela de patrocínio se concede - ainda assim, sobre o capital em dívida nunca poderiam acrescer juros no montante peticionado e que o Tribunal a quo ao declarar os embargos improcedentes sancionou.
78. Efectivamente, no requerimento inicial executivo a Exequente, aqui Recorrida, reclamou o pagamento de juros sobre a quantia exequenda à taxa legal de 11,75%.
79. Sucede que, a concessão de crédito para jogo não tem natureza comercial, pelo que, in casu, nunca se aplicaria o acréscimo de 2% previsto nos termos 569.° do Código Comercial de Macau, como requerido pela Exequente.
80. Pelo que, salvo melhor opinião, a taxa de juro aplicável sobre o capital alegadamente em dívida nunca poderia ser superior a 9.75%.
*
Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
- 被異議人以下列所述的六張支票,異議人提起執行之訴: (alínea A) dos factos assentes)
* XX銀行支票編號…,金額為HK$50,000,000.00元,到期日為2008年03月17日,受款人為被異議人;
* XX銀行支票編號…,金額為HK$50,000,000.00元,到期日為2008年03月17日,受款人為被異議人;
* XX銀行支票編號…,金額為HK$50,000,000.00元,到期日為2008年03月17日,受款人為被異議人;
* XX銀行支票編號…,金額為HK$50,000,000.00元,到期日為2008年03月17日,受款人為被異議人;
* XX銀行支票編號…,金額為HK$50,000,000.00元,到期日為2008年03月17日,受款人為被異議人;
* XX銀行支票編號…,金額為HK$50,000,000.00元,到期日為2008年03月17日,受款人為被異議人。
- 於2012年03月13日,被異人持上述六張支票向XX銀行要求付款,但被XX銀行拒絶付款,理由是異議的帳戶存款不足 (INSUFFICIENT FUNDS)。(alínea B) dos factos assentes)
- 被異議人為推動自身的博彩中介人活動業務,於2007年10月18日,與簽異議人簽署了一份有效期為3年的合作協議,相關內容載於執行卷宗第15頁至第17頁,在此視為全部轉錄。(alínea C) dos factos assentes)
- 異議人於2007年12月14日簽發了一張金額為港幣300,000,000.00元的支票交予被異議人。(alínea E) dos factos assentes)
- 其後異議人以另一張2008年01月31日簽發的相同金額的支票替代E)項所指的支票。(alínea F) dos factos assentes)
- 於2008年03月17日,提出異議人簽發了A)項所指的六張支票,交給被異議人以取代F)項所指的支票。(alínea G) dos factos assentes)
- 在1º-A所指的款項中,異議人向被異議人支付了HK$36,143,257.68元。(alínea H) dos factos assentes)
- Por requerimento de 24 de Maio de 2010, a embargada veio pedir a redução do montante de HKD$100.000.000,00 à quantia exequenda, o qual foi deferido por despacho de 12 de Setembro de 2012, transitado em julgado, sendo a quantia exequenda reduzida para MOP$169.018.229,71 (alínea I) dos factos assentes).
- A quantia de HK$300,000,000.00 referida na resposta ao quesito 1º-A foi entregue à Embargante através de levantamento, em fichas junto da tesouraria da B no então denominado casino ..., no montante total de HK$300.000.000,00, pelo C, irmão da Embargante, em finais de 2007 (resposta ao quesito 1º da base instrutória).
- Após a celebração do acordo referido em C) dos factos assentes, a Embargada entregou à Embargante, foi feita a entrega dos HK$300.000.000,00 em fichas dos quais HK$200.000.000,00 a título de empréstimo à Embargante para esta desenvolver a actividade de promoção de jogo (resposta ao quesito 1ºA da base instrutória).
- 為保證償還1º-A所指的款項,異議人將E)項的支票交予被異議人。(resposta ao quesito 1ºB da base instrutória).
- Dos HK$300.000.000,00 em fichas referidos na resposta ao quesito 1º, HK$200.000.000,00 se destinavam a ser utilizados na Sala VIP D explorada pela Embargante (resposta ao quesito 2º da base instrutória).
- A quantia em fichas correspondente a HK$100.000.000,00 foi utilizada na denominada Sala VIP E (resposta ao quesito 3º da base instrutória).
- A Sala VIP E localizava-se na mesma área de jogo designada para as actividades da Sala VIP D, pela qual era responsável o F (resposta ao quesito 4º da base instrutória).
- Por essa razão, a quantia de HK$100.000.000,00 foi entregue por C a F, com o conhecimento e com o acordo da Embargada (resposta ao quesito 5º da base instrutória).
- A Sala VIP D e a Sala VIP E eram salas independentes entre si, tendo cada uma a sua própria tesouraria (resposta ao quesito 6º da base instrutória) .
- Em 29 de Novembro de 2009, foi realizada uma reunião entre o C, na qualidade de representante da Sala VIP D e da Embargante, o G, também conhecido por ..., na qualidade de representante da Embargada e da sociedade H, em que as partes discutiram sobre a forma de restituição da quantia de HK$200.000.000,00 (resposta ao quesito 7º da base instrutória).
- Em 2007, a H Holdings Limited procurou angariar junto de investidores privados (“private placement”) o montante de HK$2.000.000.000,00 através da venda das novas acções a emitir, por forma a financiar, entre outros, a actividade da Embargada enquanto de promotora de jogo do então denominado casino ... (resposta ao quesito 13º da base instrutória).
- As participações sociais da H Holdings Limited sofreram forte desvalorização (resposta ao quesito 17º da base instrutória).
- Por volta de Dezembro de 2009, C vendeu pelo montante de HK$19.463.257,68 as acções da H Holdings Limited que comprara anteriormente e procedeu à entrega deste montante à Embargada (resposta ao quesito 20º da base instrutória).
- Em 03 de Dezembro de 2009, um representante de Sala VIP D procedeu ao depósito em fichas “vivas” no valor de HK$16.680.000,00 junto da tesouraria da Embargada, no então denominado casino ... (resposta ao quesito 22º da base instrutória).
- A Embargada tem uma dívida perante a H Holdings Limited (resposta ao quesito 26º da base instrutória).
- A Embargada está a ser pressionada pela H Holdings Limited para proceder ao pagamento dessa dívida (resposta ao quesito 27º da base instrutória).
- A Embargante irá despender despesas, a título de honorários dos seus mandatários, com respeito à preparação dos presentes Embargos de Execução (resposta ao quesito 29º da base instrutória).
- Em resultado da sua actividade de promoção de jogo junto do casino …, as comissões que a embargante tinha direito a receber durante o mês de Março de 2012 atingia ao montante de HK$71.654.323,00 (resposta ao quesito 34º da base instrutória).
*
III – Fundamentação
A) Do Recurso Interlocutório:
Entente a Embargante, ora Recorrente, que o Tribunal a quo andou mal ao decidir no despacho saneador que os cheques em causa podiam valer como título executivo ao abrigo da al. c) do artº 677º do CPCM com fundamento na falta de impugnação da relação causal alegada pela Embargada.
Na realidade, impugnou expressamente tal relação causal, como resulta de forma clara dos artºs 19º a 30º dos seus Embargos de Executado.
É verdade que a Embargante impugnou de forma expressa a relação causal da emissão dos cheques em causa nos embargos deduzidos, daí que é incorrecta a decisão recorrida ao afirmar que tal relação causal não foi impugnada (cfr. fls. 43v dos autos).
Será que esta errada conclusão implica a revogação da decisão recorrida?
A resposta, para nós, não deixa de ser negativa para o caso sub justice.
Vejamos a sua razão de ser.
Não obstante o Tribunal a quo afirmou na decisão recorrida que a relação causal da emissão dos cheques em causa alegada pela Exequente não foi impugnada, o certo é que não considerou desde logo tal relação causal como assente.
Pelo contrário, levou tais factos para a Base Instrutória, sob os quesitos 1º, 1º-A e 1º-B, a saber:
1º
O empréstimo referido em D) dos Factos Assentes foi entregue à embargante através de levantamento, em fichas junto da tesouraria da B no então denominado casino ..., no montante total de HK$300.000.000,00, pelo C, irmão da ora Embargante, em 15 de Dezembro de 2007?
1º-A
在簽署上述協議之後,被異議人將HK$300,000,000.00借給異議人,以用於推動博彩中介業務,並已將該筆借款交予異議人?
1º-B
為保證償還1º-A所指的款項,異議人將E)項的支票交予被異議人?
As respostas dos referidos quesitos são os seguintes:
Quesito 1º:
“Provado que a quantia de HK$300,000,000.00 referida na resposta ao quesito 1º-A foi entrega à Embargante através de levantamento, em fichas junto da tesouraria da B no então denominado casino ..., no montante total de HK$300,000,000.00, pelo C, irmão da Embargante, em finais de 2007.”
Quesito 1º-A
“Provado que após a celebração do acordo referido em C) dos factos assentes, a Embargada entregou à Embargante, foi feita a entrega dos HK$300,000,000.00 em fichas do quais HK$200,000,000.00 a título de empréstimo à Embargante para esta desenvolver a actividade de promoção de jogo.”
Quesito 1º-B:
“Provado”
A Embargante não impugnou a decisão da matéria de facto em relação a esses quesitos.
Nesta conformidade, a referida errada conclusão na decisão recorrida deixa de ser relevante, uma vez que a Embargante acabou por aceitar a existência do mútuo e que os cheques em causa foram emitidos para garantir o reembolso do mesmo.
Face ao expendido, não se verifica a necessidade de revogar a decisão recorrida nesta parte.
No que respeita à excepção da inexequilibilidade da obrigação exequenda, esta foi julgada improcedente nos seguintes termos:
“…
Inexequibilidade da obrigação exequenda
No entendimento da embargante, o crédito alegado pela embargada provem do empréstimo feito pela esta, na qualidade de promotora de jogo, àquela, na qualidade da sua colaboradora. Trata-se de empréstimo para jogo a que está sujeito às disposições do regime jurídico da concessão de crédito para jogo ou para aposta em casino, regulado pela Lei nº5/2004 de 14 de Junho.
De acordo com o disposto do nº6 do art°3 do referido diploma, o empréstimo para jogo no casino só é permitido se for feito por promotor de jogo a um jogador ou apostador e não a um colaborador. Assim, o empréstimo para jogo concedido na inobservação desse preceito não emerge obrigações civis mas meramente naturais, pelo que o crédito invocado pela embargante não é judicialmente exigível.
A embargada respondeu que aquele regime só se aplica à concessão de crédito para jogo ou aposta no casino e não a actividade de empréstimo entre o promotor de jogo e o seu colaborador.
Como se sabe, a autorização de exploração dos casinos para jogo e aposta em Macau urge-se a controlar a actividade de concessão de empréstimo para jogo, o que levou a criminalizar o acto de concessão de dinheiro a uma pessoa dinheiro ou outro meio para jogar ou apostar, o qual é tipificado como crime de usura para jogo nos termos do nº1 do art°13° do Lei 8/96/M de 22 de Julho.
Porém, com a introdução da Lei nº5/2004 e a abertura de concessão de licenciamento para exploração dos casinos para jogo e aposta de um concessionária para três concessionárias e mais três subconcessionárias, o legislador pretende atenuar os actos de empréstimo para o jogo, excluindo do tipo ilícito do crime de usura para o jogo certos actos de concessão de crédito nos casinos.
Assim, o empréstimo para jogo ou para aposta em jogos de fortuna ou azar em casino deixou de ser considerado ilícito se o crédito for concedido através da transmissão da titularidade de fichas de jogos de fortuna ou azar em casino sem que haja lugar ao pagamento imediato, em dinheiro, dessa transmissão e que o crédito for estabelecido: i) entre uma concessionária ou subconcessionária e um jogador ou apostador; ii) entre um promotor de jogo e um jogador ou apostador; iii) entre uma concessionária ou subconcessionária e um promotor de jogo. (artº1º, art°3°, nº6° e art°16°)
Assim, segundo a definição tipificada no artº13° da Lei nº8/96/M, é considerado como crime de usura para o jogo, o empréstimo concedido a outra pessoa para jogar ou apostar. Fora desse caso, os actos de concessão de crédito não são considerados como actos ilícitos.
No caso em apreço, conforme os factos alegados pela embargada e admitidos pela embargante, o crédito exequendo foi concedido pela primeira, na qualidade de promotora de jogo, à segunda, na qualidade da sua colaboradora. E esse crédito foi concedido à embargante para que esta promova as actividades de intermediária de jogo, e não para esta jogar ou apostar no casino como jogadora.
Não sendo o empréstimo destinado a outro para jogar ou apostar, logo, não se mostram reunidos os elementos essenciais do crime de usura para jogo.
A Lei nº5/2004 visa-se a excepcionar os certos actos que devem ser considerados como crime de empréstimo para jogo sob alçada da Lei nº8/96/M. Assim, se o crédito, à partida, não fosse considerado ilícito de acordo com essa lei, deixaria de ter sentido em saber se o crédito foi feito em conformidade com a Lei nº5/2004.
No fundo, não obstante o concedente do crédito possuir a qualidade de promotor de jogo, isso não implica que este não possa conceder empréstimo a terceiro nas relações comerciais normais, mesmo ligadas com a actividade de casino. Desde que o empréstimo não seja concedido a terceiro para que este jogar ou apostar, o empréstimo é válido tal como qualquer outro empréstimo. A lei nº5/2004 permite excepcionalmente às entidades aí previstas a exercer actividade de concessão de crédito nos casinos mas não proíbem essas mesmas entidades a conceder a terceiro créditos que não se destinam para jogo de fortunoe azar ou apostar.
Não sendo empréstimo para jogo, cai por terra os argumentos da embargante de que os créditos são obrigações naturais e não são judicialmente exigíveis.
Nestes termos, julga-se improcedente a excepção da inexequibilidade da obrigação exequenda.”.
Trata-se duma decisão que aponta para a boa solução do caso com a qual concordamos na sua íntegra.
Assim, nos termos do nº 5 do artº 631º do CPCM, negamos provimento ao recurso nesta parte com os fundamentos invocados na decisão impugnada.
B) Do recurso final:
Vem a Embargante impugnar a decisão da matéria de facto quanto aos quesitos 7º (na parte em que não se deu como assente na reunião aí referida, as partes não só discutiram, como acordaram verbalmente que o montante referido no quesito 1º-A seria restituído na forma prevista nos quesitos 8º a 12º, 18º, 19º e 21º), 8º a 12º, 14º a 16º, 18º, 19º, 21º, 23º a 25º e 28º.
Na sua óptica, os quesitos em referência deveriam ser considerados como provados.
Quid iuris?
O Tribunal a quo justificou a sua convicção pela forma seguinte:
“…A convicção do Tribunal baseou-se nos documentos juntos aos autos e no depoimento das testemunhas que depuseram sobre os quesitos da base instrutória, cujo teor se dá por reproduzido aqui para todos os efeitos legais, o que permitiu formar uma síntese quanto aos apontados factos.
No que se refere à entrega de HK$300.000.000,00 à Embargante da dos quais HK$100.000.000,00 entregues por esta a F as partes estão de acordo, tendo em conta a redução do pedido formulado pela Embargada feita a fls 39 e 51 dos autos de execução de que os presentes de embargos são apenso.
Apesar de a Embargante ter impugnado os factos alegados pela Embargada, da versão apresentada por aquela relativamente à forma como foi alegadamente considerada paga a quantia de HK$200.000.000,00 por si recebida resulta que a mesma reconhece que esta quantia foi entregue à Embargante a título de empréstimo para o desenvolvimento da sua actividade de promoção de jogo através da Sala VIP D.
No que se refere à compensação parcial e à restituição parcial da totalidade do empréstimo de HK$200.000.000,00, todas as testemunhas da Embargante fizeram referência à reunião de 29 de Novembro de 2009.
No que se refere ao teor da reunião, as 2ª, 3ª e 5ª testemunhas da Embargante estiveram nas redondezas da reunião sem ter participado na mesma e ouviram depois do irmão da Embargante que as partes tinham concluído que tudo estava pago mas sem indicação dos pormenores. Duas dessas testemunhas ouviram também do próprio G que as contas estavam acertadas, mas novamente sem indicação dos termos.
Uma outra testemunha da Embargante, sua ex-contabilista, também esteve nas imediações do local da reunião mas sem participar na mesma, ouviu posteriormente do G de que as contas estavam acertadas e do irmão da Embargante os pormenores do acordo de compensação e pagamento. Essa testemunha fez a entrega de HK$16.680.000,00 à Embargada, recebeu o documento junto a fls 26 dos autos de execução como comprovativo mas já não os cheques juntos como título executivo porque lhe foi dito que os mesmos estavam em Hong Kong e seriam devolvidos mais tarde. No entanto, essa testemunha, na qualidade de contabilista, não tinha registo dos montantes envolvidos na compensação que são relacionados com a actividade de promoção do jogo da Embargante.
O irmão da Embargante relatou toda a relação estabelecida entre as partes e a forma como acordou com G o pagamento da quantia de HK$200.000.000,00. O seu depoimento coincide com o alegado pela Embargante.
Em termos de prova documental, estão apenas juntos a fls 26 e 27 aos autos de execução os documentos donde consta a entrega de HK$16.680.000,00 à Embargada em 3 de Dezembro de 2009, entrega esta referida pela testemunha contabilista, e a entrega de HK$19.463.257,68 em 23 de Dezembro de 2009, entrega esta feita pelo irmão da Embargante.
A Embargada reconhece que houve esses pagamentos.
Do documento junto a fls 26 consta que com o pagamento de HK$16.680.000,00 o remanescente da dívida em 3 de Dezembro de 2009 ficou reduzido a HK$283.320.000,00. Confrontada a testemunha contabilista, a mesma disse que não deu conta desse último valor mas que os empregados da Embargada disseram que a dívida da Embargante estava toda paga. Ora, o dado constante desse documento vai contra o declarado pela testemunha acerca do que fora dito pelos empregados da Embargada.
O documento junto a fls 27 dos autos de execução faz referência à aquisição de acções da H Holdings Limited nos valores desde Julho de 2007, valores estes coincidentes com a versão apresentada pela Embargante. Os documentos juntos a fls 207 a 225 são recortes de notícias, entre outras informações, da emissão de novas acções por parte da H Holdings Limited em 2007, da desvalorização das acções desta sociedade e das relações desta com a Embargada.
Por força desses recortes, o tribunal deu como provado que houve emissão de novas acções e desvalorização das acções da H Holdings Limited. No entanto, nada mais demonstra o alegado acordo entre o G, a Embargante e o seu irmão sobre a aquisição das acções da H Holdings Limited. É que, o documento junto a fls 27 dos autos de execução não permite excluir a possibilidade do alegado pela Embargada de que as aquisições foram feitas pelo irmão da Embargante por sua conta e risco face à opinião de G de que as acções iriam valorizar.
Foi na ponderação de todos esses aspectos que o tribunal considerou que a prova era insuficiente para dar como provado que houve compensação da dívida nos termos indicados pela Embargante e a exigência de devolução dos cheques. É que, a prova documental é totalmente omisso relativamente a muitos aspectos referidos pelas testemunhas e manifestamente insuficiente em relação a outros aspectos para acolher sem reservas o depoimento das testemunhas da Embargante cuja maioria não tem conhecimento directo dos termos do acerto de contas, quer no que ficou acordado quer no que diz respeito a efectiva concretização do acordado. As declarações do irmão da Embargante, dada a relação existente entre ela e a Embargante bem como os seus eventuais interesses no desfecho dos embargos por ter sido o mesmo quem sempre interveio na gestão dos assuntos discutidos nos presentes autos, foram avaliadas com muita reserva razão por que não conseguiram suprir as deficiências acima referidas.
No que à ligação entre o pedido de pagamento da dívida exequenda e a cessação da exploração da actividade de promoção de jogo por parte da Embargante no antigo Casino ..., foi junto o acordo de cessação e as testemunhas fizeram referência à mesma cessação ligando-a ao pedido de pagamento feito pela Embargada. Novamente, mais nada demonstra que o pedido foi a causa da cessação tendo especialmente em conta que a Embargante concordou com a cessação.
Pelo que, o tribunal não deu como provada essa relação causa-efeito.”
Esta decisão da matéria de facto merecerá alguma censura? Isto é, o Tribunal a quo cometeu algum erro na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efectivamente, no caso, foram produzidos?
Ora, tendo inteirado na justificação da convicção formada pelo Tribunal a quo, não nos se afigura que este tenha cometido algum erro na apreciação das provas produzidas e existentes nos autos.
Como é sabido, segundo o princípio da livre apreciação das provas previsto n° 1 do artigo 558.° do CPC, “O tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”.
A justificar tal princípio e aquilo que permite a existência do mesmo, temos que o Tribunal a quo beneficia não só do seu prudente juízo e experiência, como da mais-valia de um contacto directo com a prova, nomeadamente, a prova testemunhal, o qual se traduz no princípio da imediação e da oralidade.
Sobre o principio da imediação ensina o Ilustre Professor Anselmo de Castro (in Direito Processual Civil, I, 175), que “é consequencial dos princípios da verdade material e da livre apreciação da prova, na medida em que uma e outra necessariamente requerem a imediação, ou seja, o contacto directo do tribunal com os intervenientes no processo, a fim de assegurar ao julgador de modo mais perfeito o juízo sobre a veracidade ou falsidade de uma alegação”.
Já Eurico Lopes Cardoso escreve que “os depoimentos não são só palavras, nem o seu valor pode ser medido apenas pelo tom em que foram proferidas. Todos sabemos que a palavra é só um meio de exprimir o pensamento e que, por vezes, é um meio de ocultar. A mímica e todo o aspecto exterior do depoente influem, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhe.” (in BMJ n.º 80, a fIs. 220 e 221)
Por sua vez Alberto dos Reis dizia, que “Prova livre quer dizer prova apreciada pelo julgador seguindo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei. Daí até à afirmação de que o juiz pode decidir como lhe apetecer, passando arbitrariamente por cima das provas produzidas, vai uma distância infinita. (...) A interpretação correcta do texto é, portanto, esta: para resolver a questão posta em cada questão, para proferir decisão sobre cada facto, o tribunal aprecia livremente as provas produzidas, forma sua convicção como resultado de tal apreciação e exprime-a na resposta. Em face deste entendimento, é evidente que, se nenhuma prova se produziu sobre determinado facto, cumpre ao tribunal responder que não está provado, pouco importando que esse facto seja essencial para a procedência da acção” (in Código de Processo Civil anotado, Coimbra Editora IV, pago 570-571.)
É assim que “(...) nem mesmo as amarras processuais concernentes à prova são constritoras de um campo de acção que é característico de todo o acto de julgar o comportamento alheio: a livre convicção. A convicção do julgador é o farol de uma luz que vem de dentro, do íntimo do homem que aprecia as acções e omissões do outro. Nesse sentido, princípios como os da imediação, da aquisição processual (art. 436º do CPC), do ónus da prova (art. 335º do CC), da dúvida sobre a realidade de umfacto (art. 437º do CPC), da plenitude da assistência dos juízes (art. 557º do CPC), da livre apreciação das provas (art. 558º do CPC), conferem lógica e legitimação à convicção. Isto é, se a prova só é "livre" até certo ponto, a partir do momento em que o julgador respeita esse espaço de liberdade sem ultrapassar os limites processuais imanentes, a sindicância ao seu trabalho no tocante à matéria de facto só nos casos restritos no âmbito do arts. 599º e 629º do CPC pode ser levada a cabo. Só assim se compreende a tarefa do julgador, que, se não pode soltar os demónios da prova livre na acepção estudada, também não pode hipotecar o santuário da sua consciência perante os dados que desfilam à sua frente. Trata-se de fazer um tratamento de dados segundo a sua experiência, o seu sentido de justiça, a sua sensatez, a sua ideia de lógica, etc. É por isso que dois cidadãos que vestem a beca, necessariamente diferentes no seu percurso de vida, perante o mesmo quadro de facto, podem alcançar diferentes convicções acerca do modo como se passaram as coisas. Não há muito afazer quanto a isso.” (Ac. do TSI de 20/09/2012, proferido no Processo n° 551/2012)
Deste modo, “A reapreciação da matéria de facto por parte desta Relação tem um campo muito restrito, limitado, tão só, aos casos em que ocorre flagrantemente uma desconformidade entre a prova produzida e a decisão tomada, nomeadamente quando não exista qualquer sustentabilidade face à compatibilidade da resposta com a respectiva fundamentação” (Ac. do STJ de 21/01/2003, in www.dgsi.pt)
Com efeito, “não se trata de um segundo julgamento até porque as circunstâncias não são as mesmas, nas respectivas instâncias, não bastando que não se concorde com a decisão dada, antes se exige da parte que pretende usar desta faculdade a demonstração da existência de erro na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efectivamente, no caso, foram produzidos.(...).” (Ac. do RL de 10/08/2009, in www.dgsi.pt.)
No caso em apreço, os elementos probatórios, bem como os “indícios”, invocados pela Embargante para sustentar a sua pretensão, apesar serem pertinentes, não são suficientes para abalar, sem qualquer margem de dúvida, a livre convicção do Tribunal a quo.
Na verdade, a prova documental (os documentos nºs 11 e 12) indicada não permite demonstrar de forma inequívoca que houve as alegadas compensações de créditos.
Em relação à prova testemunhal, a justificação dada pelo Tribunal a quo em não colher integralmente os respectivos depoimentos é perfeitamente defensável, não violando portanto qualquer regra legal nem experiência comum da vida para efeitos da valoração das provas.
Quanto aos “indícios”, como a própria Embargante reconhece, são meros indícios e não provas directas.
Ora, se existem indícios suspeitosos para o lado da Embargada, também os existem para o lado da Embargante.
Pois também é legítimo questionar o seguinte:
Tendo em conta a quantia avultada em jogo, caso tivesse acordado a forma de pagamento nos termos alegados pela Embargante na reunião de 29/11/2009, porque as partes, especialmente a Embargante, não o reduziriam a escrito? No último pagamento, porque a Embargante não exigiu um documento escrito que atestava expressamente a quitação integral da dívida?
Face ao expendido, é de negar provimento ao recurso quanto à impugnação da decisão da matéria de facto.
Inalterada a decisão da matéria de facto impugnada, nada a censurar a decisão de mérito do Tribunal a quo quanto à questão de fundo.
No que respeita à taxa de juros de mora, entende a Embargante que deveria ser simplesmente a taxa legal de 9.75%, sem acréscimo de 2%, uma vez que a dívida em causa não tem natureza comercial.
Não se compreende porque razão a Embargante levantou esta questão no âmbito do presente recurso jurisdicional, visto que da sentença recorrida não consta a condenação do pagamento de juros de mora à taxa de 11.75%.
Aliás, o Tribunal a quo já decidiu, no despacho saneador (fls. 46 dos autos), a sua absolvição desse pedido, decisão essa que já transitou em julgado.
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Tudo visto, resta decidir.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento aos recursos interpostos, confirmando as decisões recorridas.
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Custas pela Recorrente.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 18 de Maio de 2017.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
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121/2017