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Processo n.º 215/2017/A

Data: 25/Maio/2017


Assuntos:

- Suspensão de eficácia do acto
- Sanção disciplinar
- Lesão do interesse público


SUMÁRIO:
1. A suspensão de eficácia do acto, por se tratar de sanção disciplinar, depende apenas da verificação dos dois requisitos negativos das alíneas b) e c) do nº1 artigo 121º do C.P.A.C.: inexistência de grave lesão de interesse público pelo facto da suspensão e o não resultarem do processo fortes indícios da ilegalidade do recurso.
2. Na área disciplinar existe grave lesão do interesse público se a suspensão contende com a dignidade ou com o prestígio que o serviço deve manter perante o público em geral e perante os agentes membros das Forças de Segurança.
3. O interesse público é o interesse colectivo, que, embora de conteúdo variável, no tempo e no espaço, não deixa de ser o bem-comum.
4. Perante um acto punitivo há que apurar se a suspensão de eficácia viola de forma grave a imagem e funcionamento dos serviços.
5. Não será de suspender a eficácia do acto sancionatório se o requerente foi disciplinarmente punido com a pena de demissão, por ter entrado e jogado nos casinos, dezenas de vezes, jogando com valores que envolvem mais de vinte milhões de patacas.
6. Para mais quando, pela própria natureza das infracções cometidas, elas têm repercussão externa, afectando a imagem de credibilidade pessoal e institucional, quer no desempenho do funcionário em causa, quer no serviço que ele prestava, junto da comunidade, sendo factos que marcam bastante os cidadãos.

O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira








Processo n.º 215/2017/A
(Suspensão de Eficácia)

Data : 25 de Maio de 2017

Requerente: A

Entidade Requerida: Secretário para a Segurança

    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I - RELATÓRIO
  
  1. O requerente A, mais bem identificado nos autos, vem, ao abrigo do disposto no artigo 120.º e seguintes do Código de Processo Administrativo Contencioso, instaurar por apenso o seguinte procedimento cautelar de SUSPENSÃO DE EFICÁCIA relativamente ao despacho n.º 009/SS/2017 proferido pelo Exmo Senhor Secretário para a Segurança a 23 de Janeiro de 2017 que lhe aplicou a pena de demissão.
  
   Para tanto alega:
   “São fundamentos da instauração do presente procedimento cautelar:
   1) O requerente é o verificador alfandegário mecânico n.º 6XXXX da RAEM.
   2) Em 3 de Fevereiro de 2017, o requerente recebeu a notificação dos Serviços de Alfândega de Macau (anexo 2 – o original encontra-se junto aos autos do recurso contencioso), que lhe comunicou a decisão do Secretário para a Segurança de aplicar-lhe a pena de demissão (vide anexo 1).
   3) Em 28 de Fevereiro de 2017, do referido despacho veio o requerente interpor recurso contencioso, com o número 215/2017.
   4) Ao abrigo do disposto no artigo 120.º, al. a) do CPAC, A eficácia de actos administrativos pode ser suspensa quando os actos tenham conteúdo positivo.
   5) Nos termos do artigo 122.º, n.º 1 do mesmo Código, A execução do acto não impede a suspensão da sua eficácia quando dela possa advir para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso utilidade relevante no que respeita aos efeitos que o acto ainda produza ou venha a produzir.
   6) O despacho em causa aplicou ao requerente a pena de demissão e já foi executado.
   7) Ao abrigo do disposto no artigo 224.º do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau (doravante designado por EMFSM), A pena de demissão consiste no afastamento definitivo do serviço do militarizado punido, cessando o vínculo funcional. E o artigo 228.º regula que A pena de demissão importa a perda de todos os direitos inerentes à condição de militarizado.
   8) De facto, a execução do despacho em causa causou, imediata e directamente, a cessação definitiva do exercício funcional pelo requerente e a perda dos seus direitos inerentes, produzindo alteração desfavorável de conteúdo positivo na sua situação jurídica.
   9) Portanto, o presente procedimento cautelar de suspensão de eficácia pode ser instaurado por o respectivo despacho, sendo um acto de conteúdo positivo, preencher o disposto no artigo 120.º, al. a) do CPAC.
   10) E a suspensão da eficácia do referido despacho com vista a reinício das funções do requerente mostra-se favorável à garantia, na pendência do recurso, dos direitos do requerente e dos interesses que este defenda no recurso. Pelo que é preenchido o disposto no artigo 122.º, n.º 1 do mesmo Código.
   11) Ao abrigo do disposto no artigo 121.º do CPAC,
   1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
   a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
   b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
   c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
   2. ...
   3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
   4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
   12) De acordo com o n.º 3 acima referido, por o despacho em causa ser um acto com a natureza de sanção disciplinar, a suspensão da sua eficácia deve ser concedida quando se verifiquem os requisitos previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1 do mesmo artigo.
   13) Segundo Manuel Leal-Henriques, a finalidade directa e primeira da medida disciplinar é a de constituir “um meio de que a Administração se serve para repor o equilíbrio momentaneamente abalado” (Manual de Direito Disciplinar, versão chinesa, pág. 64).
   14) Isto quer dizer que a decisão da aplicação da sanção disciplinar aos funcionários públicos visa a prossecução do interesse público de proteger o funcionamento estável dos serviços públicos e cumprir as funções destes.
   15) Cumpre salientar que, há mais de 17 anos desde o ingresso no serviço do requerente em 1999, e deste então este tem mantido um bom desempenho profissional (consulte fls. 35, 36, 70 e 71v dos autos do procedimento disciplinar, onde se encontra a avaliação do desempenho de 2012 a 2015), que lhe granjeou elevados elogios dos colegas e superiores hierárquicos. O seu superior hierárquico directo tem altos apreços e estimas relativamente à sua atitude de trabalho, capacidade profissional e obediência e cumprimento das ordens superiores e das tarefas que lhe foram confiadas, dando-lhe a classificação de “elevado” relativamente ao grau de confiança (vide “memorando” constante da última folha dos autos do procedimento disciplinar).
   16) Além disso, o requerente também obteve louvores várias vezes (vide fls. 33 e 73v dos autos do procedimento disciplinar).
   17) Acresce que, a partir de Maio de 2015, o requerente deixou de entrar em quaisquer estabelecimentos de jogos a jogar; continuou, como sempre, a trabalhar arduamente e a dedicar-se ao seu serviço, não sendo o funcionamento estável do seu Serviço afectado de forma alguma.
   18) Cumpre ainda mencionar que, apesar de o requerente ter jogado em estabelecimentos de casino, a sua conduta não danificou de forma manifesta e substantiva a imagem e a reputação das forças disciplinares.
   19) Face ao exposto, a suspensão da eficácia do despacho em causa a fim do reinício das funções do requerente não prejudica o funcionamento estável do seu Serviço e o exercício das funções pela Autoridade Pública, nem determina grave lesão do interesse público prosseguido.
   20) Razão pela qual, a situação do requerente preenche o requisito previsto no artigo 121.º, n.º 1, al. b) do CPAC.
   21) Caso assim se não entenda, o requerente ainda precisa de indicar que a execução do mencionado despacho realmente causa prejuízo grave, desproporcionado e de difícil reparação relativamente ao requerente.
   22) Com efeito, antes da sua demissão, a maioria das despesas familiares era da responsabilidade do requerente, que por seu lado havia de pagar, mensalmente, HKD$11.000,00 a título de renda da fracção em que reside (anexo 3), uma quantia não inferior a MOP$18.000,00 como prestação do empréstimo bancário relativamente à habitação em que residem os pais (anexos 4 a 6), bem como o montante de MOP$5.827,99 a título de prestação do empréstimo bancário relativamente ao veículo automóvel (anexo 7, vide partes assinaladas na caderneta de depósito bancário).
   23) E o requerente e o cônjuge B (anexo 8) têm duas filhas C e D (anexos 9 e 10), que frequentam, respectivamente, o 4º ano e o 2º ano de escolaridade do ensino primário no Colégio de Santa Rosa de Lima (Secção Chinesa) (anexos 11 e 12).
   24) E a maioria das despesas decorrentes da frequência escolar e dos cursos extracurriculares e da vida quotidiana das filhas também era da responsabilidade do requerente, sendo as respectivas despesas mensais de cerca de MOP$6.000,00.
   25) A execução do despacho em causa fez com que o requerente perdesse subitamente o rendimento de trabalho, de forma que deixasse de conseguir assumir os respectivos encargos familiares, já que não tinha muita poupança. E todas as despesas familiares precisam de ser suportadas com o salário do cônjuge.
   26) O cônjuge do requerente é empregada de escritório de hotel, com rendimento mensal de apenas MOP$25.000,00 (anexo 13), salário esse muito insuficiente para suportar as despesas familiares tão elevadas.
   27) Acresce que, por o requerente ter vindo, desde sempre, a exercer o trabalho de manutenção de lanchas nos Serviços de Alfândega, ele não tem outra experiência profissional e pois não consegue, desde a cessação da sua função, procurar outro emprego adequado que possa suportar as despesas familiares.
   28) É evidente que a continuação da execução do despacho em causa na pendência do recurso vai determinar um grave declínio da qualidade de vida do requerente e da sua família, até causando a perda das garantias básicas.
   29) Em face da situação, o requerente e os familiares sentem enormes pressões mentais e perturbações, e frequentemente se sentem inseguros relativamente à vida futura.
   30) O requerente sente pena e culpa-se pelo facto de a mulher ter que assumir todos os encargos da vida familiar. Acresce que, ele de vez em quando precisava de pedir dinheiro emprestado aos parentes e amigos para cobrir as despesas quotidianas, o que fazia com que ele sentisse vergonha e até orgulho ferido.
   31) Razão pela qual, ainda que se entenda que não se verifica o requisito previsto no artigo 121.º, n.º 1, al. b) do CPAC, deve ser concedida a suspensão de eficácia ao abrigo do disposto no artigo 121.º, n.º 4 do mesmo Código conforme a situação real do requerente.
   32) Por outro lado, dos pontos 2) e 3) anteriores resulta que o requerente recebeu o despacho em causa em 3 de Fevereiro do ano corrente e interpôs recurso contencioso do mesmo no prazo legalmente fixado. O processo do recurso já foi distribuído de acordo com a lei, com o número 215/2017.
   33) O requerente tem interesse directo, pessoal e legítimo relativamente ao despacho, pelo que tem legitimidade para interpor recurso contencioso ao abrigo do disposto no artigo 33.º, al. a) do CPAC.
   34) Nestes termos, por do processo não resultar indícios ou factos de ilegalidade do respectivo recurso, verifica-se o requisito previsto no artigo 121.º, n.º 1, al. c) do CPAC.
   35) Face ao exposto, já que se verificam completamente os requisitos elencados no artigo 121.º do CPAC, o Tribunal deve conceder a suspensão da eficácia do referido despacho do Secretário para a Segurança que aplicou a pena de demissão ao requerente.
   
   Conclusão
   a) Conjugados todos os factos expostos, a execução do despacho causou a cessação definitiva do exercício funcional pelo requerente bem como a dissolução do vínculo funcional, produzindo alteração desfavorável de conteúdo positivo na sua situação jurídica. Pelo que é preenchido o disposto no artigo 120.º, al. a) do CPAC.
   b) E a suspensão da eficácia do referido despacho com vista a reinício das funções do requerente mostra-se favorável à garantia, na pendência do recurso, dos direitos do requerente e dos interesses que este defenda no recurso. Pois é preenchido o disposto no artigo 122.º, n.º 1 do mesmo Código.
   c) Acresce que, há mais de 17 anos desde o ingresso no serviço do requerente em 1999, e deste então este tem mantido um bom desempenho profissional, que lhe granjeou elevados elogios dos colegas e superiores hierárquicos. O seu superior hierárquico directo tem altos apreços e estimas relativamente à sua atitude de trabalho, capacidade profissional e obediência e cumprimento das ordens superiores e das tarefas que lhe foram confiadas, dando-lhe a classificação de “elevado” relativamente ao grau de confiança. E o requerente também obteve louvores por várias vezes.
   d) Apesar de o requerente ter jogado em estabelecimentos de casino, a sua conduta não danificou de forma manifesta e substantiva a imagem e a reputação das forças disciplinares. Acresce que, a partir de Maio de 2015, o requerente deixou de entrar em quaisquer estabelecimentos de jogos a jogar; continuou, como sempre, a trabalhar arduamente e a dedicar-se ao serviço, não sendo o funcionamento estável do seu Serviço afectado de forma alguma.
   e) Daí que a suspensão da eficácia do despacho em causa a fim do reinício das funções do requerente não prejudica o funcionamento estável do Serviço e o exercício das funções da Autoridade Pública, nem determina grave lesão do interesse público prosseguido. Pois é preenchido o requisito previsto no artigo 121.º, n.º 1, al. b) do CPAC.
   f) Caso assim se não entenda, o requerente ainda precisa de indicar que a execução do mencionado despacho realmente causa prejuízo grave, desproporcionado e de difícil reparação relativamente ao requerente.
   g) Com efeito, antes da sua demissão, a maioria das despesas familiares era da responsabilidade do requerente, que por seu lado havia de pagar, mensalmente, HKD$11.000,00 a título de renda da fracção em que reside, uma quantia não inferior a MOP$18.000,00 como prestação do empréstimo bancário relativamente à habitação em que residem os pais, e o montante de MOP$5.827,99 a título de prestação do empréstimo bancário relativamente ao veículo automóvel, bem como as despesas quotidianas das duas filhas no valor de cerca de MOP$6.000,00.
   h) A execução do despacho em causa fez com que o requerente perdesse subitamente o rendimento de trabalho. Não tendo outra experiência profissional, o requerente após a cessação da função tem dificuldade em procurar outro emprego adequado que possa suportar as despesas familiares. E o salário mensal do seu cônjuge é muito insuficiente para suportar as despesas familiares tão elevadas.
   i) É evidente que a continuação da execução do despacho em causa na pendência do recurso vai determinar um grave declínio da qualidade de vida do requerente e da sua família, até causando a perda das garantias básicas. Portanto, o requerente e os familiares sentem enormes pressões mentais e perturbações, e frequentemente se sentem inseguros relativamente à vida futura.
   j) Acresce que, o requerente sente pena, culpa e até orgulho ferido pelo facto de a mulher ter que assumir todos os encargos da vida familiar e de precisar de pedir dinheiro emprestado aos parentes e amigos para cobrir as despesas quotidianas.
   k) Razão pela qual, ainda que se entenda que não se verifica o requisito previsto no artigo 121.º, n.º 1, al. b) do CPAC, deve ser concedida a suspensão de eficácia ao abrigo do disposto no artigo 121.º, n.º 4 do mesmo Código tendo em conta a situação real do requerente.
   l) Ultimamente, o requerente recebeu o despacho em causa em 3 de Fevereiro do ano corrente e interpôs recurso contencioso do mesmo no prazo legalmente fixado (processo distribuído de acordo com a lei, com o número 215/2017). E o requerente tem legitimidade para interpor recurso contencioso e não há quaisquer indícios ou factos de ilegalidade do respectivo recurso. Pelo que se verifica o requisito previsto no artigo 121.º, n.º 1, al. c) do CPAC.
   
   Nestes termos, peço aos Exm.os Juízes que julguem procedente o presente procedimento cautelar de suspensão de eficácia e, em consequência, ordenem a suspensão da eficácia do despacho da entidade requerida de 23 de Janeiro de 2017 que aplicou a pena de demissão ao requerente e, ao abrigo do disposto no artigo 125.º, n.º 7 do CPAC, notifiquem imediatamente a entidade requerida

2. Relativamente ao requerimento da aludida providência, vem o Exmo Senhor Secretário para a Segurança da RAEM apresentar a seguinte CONTESTAÇÃO:

“1.
De acordo com a comunicação feita pelo Ministério Público aos Serviços de Alfândega, no período de 20 de Agosto a 12 de Setembro de 2012, o requerente, por várias vezes, entrou em casinos para praticar jogos de fortuna ou azar.
2.
Tendo tido conhecimento da respectiva situação, os Serviços de Alfândega instauraram um processo disciplinar contra o requerente, e o instrutor ouviu o requerente a respeito dos factos em causa.
3.
O requerente reconheceu ter entrado várias vezes em salas VIP de casinos para praticar jogos.
4.
O requerente sabia perfeitamente que, sendo agente alfandegário, lhe era proibido por lei entrar e praticar jogos nos casinos.
5.
Com a referida conduta, o requerente infringiu o disposto no art.º 2.º, n.º 1, al. 4) e n.º 2 da Lei n.º 10/2012, e desrespeitou o dever de obediência previsto no art.º 6.º, n.º 2, al. a) do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau e o dever de aprumo imposto pelo art.º 12.º, n.º 2, al.s f) e i) do mesmo Estatuto.
6.
No entanto, o requerente não sentiu remorso ou aprendeu a lição.
7.
Dos documentos fornecidos pelo Gabinete de Informação Financeira decorre que, durante Abril e Maio de 2015, o requerente efectuou 27 transacções financeiras nas salas VIP dos casinos, no valor total de HKD$27.403.000.
8.
Perante o instrutor do processo disciplinar, o requerente reconheceu que no referido período entrou várias vezes nas salas VIP dos casinos para praticar jogos, e que realizou as transacções financeiras supramencionadas.
9.
A infracção praticada pelo requerente atentou gravemente contra a dignidade funcional dos agentes da autoridade alfandegária e o prestígio dos Serviços de Alfândega. A lesão tornou-se ainda mais grave considerando que a infracção disciplinar por ele cometida foi detectada pelo Ministério Público e outros serviços públicos.
10.
Nos serviços de polícia, exigem-se rigorosamente o cumprimento e a obediência à disciplina e ordens, por serem estes essenciais para unir as forças internas com vista ao exercício eficiente de funções.
11.
O requerente actuou, com pleno conhecimento e com dolo, ao praticar repetidamente a aludida infracção disciplinar, o que demonstra a sua indiferença às leis relacionadas com as funções que desempenhava. Assim, violou gravemente a disciplina funcional a que estava vinculado enquanto agente alfandegário.
12.
Caso o requerente seja autorizado a regressar ao trabalho, mesmo por um curto período de tempo, isso fará pensar que a disciplina não foi implementada, gerando influências bastante negativas ao cumprimento da disciplina pelo pessoal dos Serviços de Alfândega.
13.
Cita-se aqui o entendimento do Venerando TUI no acórdão proferido no processo n.º 4/2011: “O interesse público concretamente prosseguido por qualquer acto disciplinar punitivo releva dos fins das penas disciplinares. Destinam-se estas, “como quaisquer outras, a corrigir e a prevenir: corrigem fazendo sentir ao autor do facto punido a incorrecção do seu procedimento e a necessidade de melhorar a sua conduta; e previnem, pois não só procuram evitar que o agente castigado volte a prevaricar, como servem de exemplo a todos os outros, mostrando-lhes as consequências de má conduta. Desta forma, através da acção imediata sobre os agentes, a aplicação das penas disciplinares tem por fim defender o serviço da indisciplina e melhorar o seu funcionamento e eficiência, mantendo-o fiel aos seus fins”.
Concretamente, o interesse público prosseguido por acto que pune um agente policial com a pena de demissão é o de afastar definitivamente “... do serviço o agente cuja presença se revelou inconveniente aos seus interesses, dignidade e prestígio”, por ter praticado infracção que, pela sua gravidade, inviabiliza a manutenção da relação funcional.”
14.
Por isso, a suspensão da eficácia do respectivo acto sancionatório determinará grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto.
15.
Assim sendo, não está verificado o requisito consagrado na al. b) do n.º 1 do art.º 121.º do Código de Processo Administrativo Contencioso.
16.
Ainda alegou o requerente que a execução imediata do acto sancionatório em questão causará para ele prejuízo dificilmente reparável, mais grave e desproporcionado.
17.
Como se referiu acima, a sanção disciplinar em causa tem por finalidade realçar a autoridade das ordens e da disciplina nos serviços de polícia, assegurar a obediência à disciplina, assim como salvaguardar a dignidade funcional dos agentes da autoridade alfandegária e o prestígio dos Serviços de Alfândega.
18.
Face ao interesse público prosseguido pela punição da conduta violadora de deveres funcionais do requerente, não se pode acolher a alegação de que a execução imediata da respectiva sanção disciplinar causará ao requerente prejuízo mais grave e desproporcionado.
Conclusão
1) De acordo com a comunicação feita pelo Ministério Público aos Serviços de Alfândega, no período de 20 de Agosto a 12 de Setembro de 2012, o requerente, por várias vezes, entrou em casinos para praticar jogos de fortuna ou azar.
2) O requerente sabia perfeitamente que, sendo agente alfandegário, lhe era proibido por lei entrar e praticar jogos nos casinos.
3) Com a referida conduta, o requerente infringiu o disposto no art.º 2.º, n.º 1, al. 4) e n.º 2 da Lei n.º 10/2012, e desrespeitou o dever de obediência previsto no art.º 6.º, n.º 2, al. a) do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau e o dever de aprumo imposto pelo art.º 12.º, n.º 2, al.s f) e i) do mesmo Estatuto.
4) Depois de ter sido instaurado processo disciplinar contra ele, o requerente não sentiu remorso ou aprendeu a lição.
5) Dos documentos fornecidos pelo Gabinete de Informação Financeira decorre que, durante Abril e Maio de 2015, o requerente efectuou 27 transacções financeiras nas salas VIP dos casinos, no valor total de HKD$27.403.000.
6) A infracção praticada pelo requerente atentou gravemente contra a dignidade funcional dos agentes da autoridade alfandegária e o prestígio dos Serviços de Alfândega. A lesão tornou-se ainda mais grave considerando que a infracção disciplinar por ele cometida foi detectada pelo Ministério Público e outros serviços públicos.
7) Nos serviços de polícia, exigem-se rigorosamente o cumprimento e a obediência à disciplina e ordens, por serem estes essenciais para unir as forças internas com vista ao exercício eficiente de funções.
8) O requerente actuou, com pleno conhecimento e com dolo, ao praticar repetidamente a aludida infracção disciplinar, o que demonstra a sua indiferença às leis relacionadas com as funções que desempenhava. Assim, violou gravemente a disciplina funcional a que estava vinculado enquanto agente alfandegário.
9) Caso o requerente seja autorizado a regressar ao trabalho, mesmo por um curto período de tempo, isso fará pensar que a disciplina não foi implementada, gerando influências bastante negativas ao cumprimento da disciplina pelo pessoal dos Serviços de Alfândega.
10) Por isso, a suspensão da eficácia do respectivo acto sancionatório determinará grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto.
11) Assim sendo, não está verificado o requisito consagrado na al. b) do n.º 1 do art.º 121.º do Código de Processo Administrativo Contencioso.
12) Alegou o requerente que a execução imediata do acto sancionatório em questão causará para ele prejuízo dificilmente reparável, mais grave e desproporcionado.
3) A sanção disciplinar em causa tem por finalidade realçar a autoridade das ordens e da disciplina nos serviços de polícia, assegurar a obediência à disciplina, assim como salvaguardar a dignidade funcional dos agentes da autoridade alfandegária e o prestígio dos Serviços de Alfândega.
14) Face ao interesse público prosseguido pela punição da conduta violadora de deveres funcionais do requerente, não se pode acolher a alegação de que a execução imediata da respectiva sanção disciplinar causará ao requerente prejuízo mais grave e desproporcionado.

Pelo exposto, solicita-se ao Mm.º Juiz que seja indeferida a suspensão da eficácia do Despacho do Secretário para a Segurança n.º 099/SS/2017 pretendida pelo requerente.”

    3. O Digno Magistrado do MP emitiu o seguinte douto parecer:
    “A, devidamente identificado nos autos, requer a suspensão da eficácia do acto de 23 de Janeiro de 2017, do Exm.º Secretário para a Segurança, que lhe aplicou a pena disciplinar de demissão.
    Alega, em essência, que o acto reveste conteúdo positivo e que a suspensão não acarreta grave lesão do interesse público, não havendo também indícios de ilegalidade do recurso. Diz ainda que, se porventura se entender que há lesão grave do interesse público, no confronto entre os prejuízos advindos ao interesse público e aqueles que se produzirão na esfera jurídica do requerente, haverá que sobrelevar estes últimos, porquanto se apresentam desproporcionadamente superiores.
    A suspensão de eficácia dos actos administrativos de conteúdo positivo ou que, sendo de conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão a esta se circunscreva, está, em regra, dependente da verificação cumulativa dos três requisitos, um positivo e dois negativos, enunciados nas alíneas a) a c) do artigo 121.°, n.º 1, do Código de Processo Administrativo Contencioso, a saber:
    - a previsibilidade de que a execução provoque prejuízo de dificil reparação para o requerente ou para os interesses que ele defenda ou venha a defender no recurso;
    - não acarretar a suspensão grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto;
    - não resultarem do processo fortes indícios de ilegalidade do recurso.
    A primeira questão que se coloca é a de saber se estamos ou não perante acto de conteúdo positivo, o que passa por indagar se o acto é ou não susceptível de provocar alteração na esfera jurídica do requerente.
    Cremos que a alteração na esfera jurídica do requerente se apresenta óbvia, tal como ele sustenta. O requerente estava provido em lugar do funcionalismo público, nos Serviços de Alfândega, como verificador alfandegário, e, por via do acto suspendendo, foi demitido do lugar e cargo que ocupava, perdendo o direito à carreira alfandegária, que deixou de integrar. Tanto basta para concluir pelo conteúdo positivo do acto.
    Porque assim, vejamos se estão preenchidos aqueles requisitos, que, no caso vertente, acabam por se reduzir a dois, ou seja, os das alíneas b) e c), do n.º 1 do artigo 121.° do Código de Processo Administrativo Contencioso, por força da norma do n.° 3 do mesmo artigo, que, nas hipóteses de actos com a natureza de sanção disciplinar, como ora sucede, dispensa a demonstração da verificação do requisito da alínea a).
    Como se disse e é sabido, os requisitos necessários à suspensão são de verificação cumulativa, pelo que bastará a falta de um deles para conduzir ao insucesso da providência.
    Não se afigura, tal como sustenta o requerente, que o processo aponte para a existência de fortes indícios de ilegalidade do recurso (artigo 121.°, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Administrativo Contencioso). Ao falar de fortes indícios de ilegalidade do recurso, a lei pretende aludir a uma situação de inviabilidade manifesta, notória e evidente do recurso contencioso - neste sentido, cf., v.g., o acórdão de 30 de Maio de 2002, do TSI, processo n.º 92/2002 -, o que nos remete para a sindicância de pressupostos essencialmente formais, tais como a legitimidade, a tempestividade e a recorribilidade. Não se vislumbra, como dissemos, que haja indícios fortes dessa ilegalidade, e a autoridade requerida também o não aventa, pelo que temos, assim, preenchido o requisito da alínea c).
    No que toca ao requisito da alínea b), o requerente invoca essencialmente o seu bom desempenho profissional ao longo dos 17 anos de serviço, com vários louvores, bem como a circunstância de ter posto termo, em Maio de 2015, à situação que originou o procedimento disciplinar, rematando que a sua conduta não danificou consideravelmente a imagem e a reputação das forças de segurança, para concluir pela inexistência de grave lesão do interesse público, no caso de ser decretada a suspensão de eficácia.
    Por seu turno, a entidade requerida, assevera que a suspensão da execução do acto iria acarretar grave lesão do interesse público. Nesse sentido, invoca os factos disciplinares e a sua gravidade, bem como o atentado que eles representam contra a dignidade funcional dos agentes da autoridade alfandegária e o prestígio dos Serviços de Alfândega, tanto mais que outros serviços públicos tomaram conhecimento da prática das infracções. Além disso, o regresso do requerente ao serviço, após a punição com a pena de demissão, iria colocar em xeque a ideia de disciplina e influenciar negativamente a sua observância pelo pessoal dos Serviços de Alfândega. Temos por boas e fundadas as razões invocadas pela autoridade requerida para caracterizar a grave lesão do interesse público que a suspensão iria provocar. Na verdade, a demissão é uma pena que tem aplicação a factos infraccionais susceptíveis de comprometer a manutenção da relação ou vínculo jurídico-funcional. Segundo a avaliação feita por quem tem competência para exercer o poder disciplinar, a manutenção da situação jurídico-funcional ficou inviabilizada pela prática dos factos em que se traduziu a violação dos deveres de obediência e aprumo que impendiam sobre o requerente. E tendo essa violação de deveres conduzido à demissão - e não está aqui em causa saber se foi bem ou mal demitido e se o acto enferma de qualquer vício, isso é tarefa do recurso contencioso - a readmissão em funções enquanto decorre o processo de recurso contencioso, para além do embaraço que traria ao serviço e à cadeia de comando, representaria um volte-face dificilmente explicável à instituição onde serviu e à comunidade em geral. Como diz Leal-Henriques, a propósito da inconveniência funcional em manter os arguidos em funções durante a própria instrução dos processos disciplinares, e referindo-se à incompatibilidade entre a conduta disciplinarmente censurável e o decoro exigível de quem serve uma instituição pública, ... a comunidade é normalmente muito sensível a tais situações e mostra-se pouco tolerante na aceitação da continuidade funcional de alguém que se não revelou cumpridor dos seus deveres - Manual de Direito Disciplinar, Centro de Formação Jurídica e Judiciária, 2005, a páginas 223.
    Crê-se, pois, que a suspensão iria causar lesão grave ao interesse público concretamente prosseguido pelo acto, tal como vem sustentado pelo requerido, pelo que não está preenchido o requisito da alínea b) do n.° 1 do artigo 121.° do Código de Processo Administrativo Contencioso.
    Resta acrescentar que, no confronto com o interesse particular do requerente - a propósito do qual este invoca o prejuízo resultante do declínio da qualidade de vida do agregado familiar, derivado da diminuição de rendimento - esse interesse público revela-se superior e reclama primazia, pelo que, também não pode, a nosso ver, sustentar-se a suspensão na norma do artigo 121.°, n.º 4, do Código de Processo Administrativo Contencioso.
Nestes termos, o nosso parecer vai no sentido de ser negada a peticionada suspensão de eficácia.”

    II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito.
    
    III - FACTOS
    Resulta dos autos a factualidade seguinte, extraída do respectivo processo disciplinar:
    O requerente foi notificado do despacho objecto da suspensão nos seguintes termos:

“Notificação
Processo disciplinar n.º 08/2016-2.4-DIS
----- Em 3 de Fevereiro de 2017, no Edifício dos Serviços de Alfândega, eu, E, subinspector alfandegário n.º 1XXXX, funcionário na Divisão de Disciplina e Apoio Jurídico, notifico, nos termos do artigo 285.º, n.º 1 do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau, o suspeito A, verificador alfandegário mecânico n.º 6XXXX, do seguinte:
----- Por despacho n.º 009/SS/2017 do Sr. Secretário para a Segurança de 23 de Janeiro de 2017, exarado no processo n.º 08/2016-2.4-DIS, decide-se aplicar a pena de demissão ao verificador alfandegário mecânico A, n.º 6XXXX.
----- De acordo com a lei vigente, da decisão do Sr. Secretário para a Segurança pode o notificado recorrer para o TSI no prazo de 30 dias contados a partir do dia seguinte à recepção da notificação.
----- Depois de lido e explicado o teor, o notificado conheceu tudo. Ao mesmo foram entregues uma cópia do despacho n.º 009/SS/2017 e uma cópia da tradução chinesa deste. Depois, a presente notificação foi feita em duplicado para a assinatura do notificado, ficando uma cópia guardada nos respectivos autos e sendo a outra entregue ao verificador alfandegário mecânico A, n.º 6XXXX para os efeitos da notificação.”
    É do seguinte teor o despacho punitivo:
“Despacho N.º 009/SS/2017
Assunto: Processo Disciplinar n.º 0812016-2.4, dos SA
Arguido: Verificador Alfandegário (mecânico), n.º 6XXXX, A
    Nos autos de processo disciplinar acima identificados, em que é arguido, o Verificador Alfandegário (mecânico), n.º 6XXXX, A, dos Serviços de Alfândega constam, como melhor se circunstancia na Acusação que aqui se dá por reproduzida, suficientemente provados os seguintes factos:
    1) Entre 20 de Agosto e 12 de Setembro de 2012, como o próprio admite, o arguido entrou por várias vezes na Sala de Jogo VIP do Casino XXX, da Sociedade XXX, onde participou em jogos de fortuna e azar ali praticados, o que voltou a acontecer no período de Abril a Maio de 2015.
    2) Com base em documentação junta aos autos, oriunda do Gabinete de Informação Financeira (GIF), o arguido procedeu a 27 transacções financeiras na referida Sala de Jogo VIP, através de uma empresa promotora do jogo, a "XXX Limitada", que somam um valor elevado, no total de total de vinte e sete milhões e quatrocentos e trinta mil dólares de Hong Kong.
    Com a descrita conduta, o arguido violou de forma reiterada a proibição de entrada nos casinos dos trabalhadores da administração pública e, em particular, dos agentes das forças de segurança, como lhe impõe a alínea 4) do n.º 1 do artigo 2.° da Lei n.º 10/2012 e o n.º 2 do mesmo normativo, sendo que, simultaneamente, a referida conduta infringiu os deveres inscritos na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.° do Estatuto dos Militarizados das Forças de Segurança de Macau (EMFSM), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 66/94/M, de 30 de Dezembro, bem como alíneas f) e i) do n.º 2 do artigo 12.°, daquele mesmo Estatuto.
    A conduta infractora plúrima do arguido A, não obstante as atenuantes que o favorecem das alíneas b), h) e i) do n.º 2 do artigo 200.° do EMFSM, caracteriza-se pela incompatibilidade com o exercício de funções numa corporação onde, por um lado, a rigorosa observância dos deveres fundamentais de um agente policial são factor de coesão interna e de prossecução da missão e, por outro, a respectiva violação é susceptível de causar desconfiança geral por parte da sociedade, externando uma imagem de indignidade profissional, o que afecta o decoro e o prestígio das forças de segurança, as quais devem, na pessoa dos seus agentes, constituir em permanência um exemplo de cumprimento da lei.
    Foi ouvido o Conselho de Justiça e Disciplina.
    Nestes termos, ponderadas a gravidade das faltas, a culpa e a responsabilidade do arguido, Verificador Alfandegário (mecânico), n.º 6XXXX, A, dos Serviços de Alfândega, o Secretário para a Segurança, no uso da competência que lhe advém do disposto no Anexo G ao artigo 211.° do EMFSM e, bem assim, da Ordem Executiva n.º 111/2014, pune-o com a pena única de DEMISSÃO, nos termos da alínea n) do n.º 2 do artigo 238.° daquele diploma estatutário.
    Notifique-se o presente despacho nos termos do artigo 285.° do EMFSM e, bem assim, de que do mesmo cabe, no prazo de 30 (trinta) dias a contar da notificação, recurso contencioso para o Tribunal de Segunda Instância. “
    IV – FUNDAMENTOS
    1. Vem A requerer a suspensão de eficácia do despacho do Secretário para a Segurança da RAEM datado de 23/1/17 que, na sequência de processo disciplinar, lhe aplicou pena disciplinar de demissão.
  Trata-se de suspensão de eficácia de acto impositivo de sanção disciplinar.
  Este instituto traduz-se numa medida de natureza cautelar, cujo principal objectivo é atribuir ao recurso, de que é instrumental, o efeito suspensivo. Isto porque, como regra, o recurso contencioso de anulação tem sempre efeito meramente devolutivo, já que o acto administrativo a impugnar goza de presunção de legalidade e do privilégio da executoriedade, entendida esta como “a força que o acto possui de se impor pela execução imediata, independentemente de nova definição de direitos”.1
    Não estará em causa a análise dos fundamentos e pressupostos da sanção aplicada, havendo que partir, no âmbito do presente procedimento preventivo e conservatório, da presunção da legalidade do acto e da veracidade dos respectivos pressupostos e que serão analisados no recurso contencioso de que aquele depende.

   2. Prevê o art. 121º do CPAC:
   “1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
  a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
  b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
  c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
  2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
  3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
  4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
  5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.”
    Da observação desta norma é fácil verificar que não importa nesta sede a análise de eventuais erros nos pressupostos de facto e de direito subjacentes à decisão punitiva, tendo, no âmbito do presente procedimento preventivo e conservatório, que se partir da presunção da legalidade do acto e da veracidade dos respectivos pressupostos.
    A suspensão dessa eficácia depende aqui, por se tratar de sanção disciplinar, apenas da verificação dos dois requisitos negativos das alíneas b) e c) do nº1 artigo 121º do C.P.A.C.: inexistência de grave lesão de interesse público pelo facto da suspensão e o não resultarem do processo fortes indícios da ilegalidade do recurso.
    3. Lesão de interesse público
3.1. Sobre a lesão do interesse público já se decidiu neste Tribunal que, ressalvando situações manifestas, patentes ou ostensivos a grave lesão de interesse público não é de presumir, antes devendo ser afirmada pelo autor do acto. Trata-se de um requisito que se prende com o interesse que, face ao artigo 4º do C.P.A., todo o acto administrativo deve prosseguir.2
    Relativamente a este requisito, na área disciplinar existe grave lesão desse interesse se a suspensão contende com a dignidade ou com o prestígio que o serviço deve manter perante o público em geral e perante os agentes membros das Forças de Segurança.
    Só o interesse público definido por lei pode constituir motivo principalmente determinante de qualquer acto administrativo. Assim se um órgão da Administração praticar um acto administrativo que não tenha por motivo principalmente determinante o interesse público posto por lei a seu cargo, esse acto estará viciado por desvio de poder, e por isso será um acto ilegal, como tal anulável contenciosamente. E o interesse público é o interesse colectivo, que, embora de conteúdo variável, no tempo e no espaço, não deixa de ser o bem-comum.3
Ora, tratando-se de lesão grave – séria, notória, relevante – a execução não pode ser suspensa.
Perante um acto punitivo há que apurar se a suspensão de eficácia viola de forma grave a imagem e funcionamento dos serviços.
Tem-se entendido que preenche tal previsão a suspensão que “põe em causa a confiança dos utentes e de público em geral” no serviço em causa ou ofende “a boa imagem da Administração e a própria disciplina da função”. 4 Veja-se ainda o Acórdão deste T.S.I. de 17 de Fevereiro de 2000 – Pº30/A/2000 – e a jurisprudência aí citada”.
    3.2. Na situação em apreço o requerente foi disciplinarmente punido com a pena de demissão, por ter entrado por várias vezes na Sala de Jogo VIP do Casino XXX, da Sociedade XXX, onde participou em jogos de fortuna e azar ali praticados, o que voltou a acontecer no período de Abril a Maio de 2015, observando-se que procedeu a 27 transacções financeiras na referida Sala de Jogo VIP, através de uma empresa promotora do jogo, a "XXX Limitada", que somam um valor elevado, no total de total de vinte e sete milhões e quatrocentos e trinta mil dólares de Hong Kong.
Pela própria natureza das infracções cometidas, elas tiveram repercussão externa, afectando a imagem de credibilidade pessoal e institucional, quer no desempenho do funcionário em causa, quer no serviço que ele prestava, junto da Comunidade, sendo factos que marcam bastante os cidadãos, para mais quando os cidadãos estão tão próximos das diferentes Forças de Segurança.
    3.3. Ainda sobre este requisito respeitante à lesão do interesse público, deferir-se o pedido que é formulado pelo requerente, isso significaria que o agente disciplinarmente punido com a pena de demissão teria de continuar ao serviço.
    Como se observou já no incidente da suspensão provisória do acto, actualizamos aqui a nossa posição já ali expressa nos seguintes termos:
    “Daí resultaria um confronto pouco saudável com colegas e superiores que não é fácil compaginar com uma ideia de hierarquia e princípios de obediência, disciplina e aprumo que, a par dos mais deveres, são um apanágio exponenciado nas Forças de Segurança.
    Depois do ente máximo do Serviço se ter pronunciado, escrutinados procedimentalmente os actos praticados pelo agente, tendo intervindo até um organismo como o Conselho de Disciplina, permitir a continuação em funções deste agente, face até à gravidade dos actos praticados - repare-se que não se tratou de uma entrada ocasional ou fortuita num casino, haja em vista o número e valores das transacções registadas - passaria a imagem de complacência e tolerância para com uma conduta, à partida muito censurável, o que não se compagina com uma ideia de rigor, exigência e verticalidade que deve revestir a actuação das Forças de Segurança, em geral, e, particularmente, das suas chefias.
    A não se deferir a imediata execução do acto, teríamos um confronto, em cada momento e a cada passo, com os chefes e com os colegas, causando uma situação de desconforto e instabilidade, não se adivinhando um relacionamento funcional salutar na continuação do referido agente em funções, dessa manutenção resultando um escrutínio permanente sobre a validade da medida tomada, muito provavelmente contagiante da relação de comando e de confiança entre superiores e subordinados e mesmo no próprio seio da corporação, desde logo com mais incidência sobre os que tivessem de lidar de perto com o dito agente.
    Isto, para já não falar na repercussão da medida - continuação em funções, ainda que provisória - junto da população, não compreendendo a comunidade que um agente demitido por prática de actos à partida bastante graves pudesse continuar a exercer funções, enquanto agente de autoridade, no seio de uma corporação que deve estar na linha da frente no zelo pelo cumprimento e fiscalização da lei.
    Claro que se avança com o argumento de que essa tem sido a situação desde há algum tempo, não tendo o agente deixado de se ter mantido em funções; só que esse argumento desde logo esbarra com o facto de não ser comparável uma situação sem que a decisão disciplinar tenha sido tomada em relação àqueloutra em que passa a haver uma decisão de afastamento. Ali, ainda não houve pronúncia de quem de direito; aqui, a partir do momento em que o processo disciplinar foi desencadeado e chegou ao seu termo, com intervenção de várias entidades, culminando na aplicação pelo superior máximo numa pena de demissão, as coisas mudam de figura e é toda a Corporação que passa a estar comprometida com esse novo estatuto jurídico funcional, ou sua cessação, ainda que provisória.
    Também é evidente que completamente diferentes serão as coisas se, judicialmente escrutinado o acto, o recorrente vier a ter ganho de causa; então, aí, a reposição da relação jurídico-funcional pré-existente mais não resulta do que da aplicação da lei, facilmente se compreendendo que esta se imponha à observância de tudo e de todos. O que só reforça a ideia que a questão que se equaciona não tem nada de pessoal e os critérios de apreciação que ora se jogam são apenas os critérios objectivos que dimanam da análise e perspectiva da defesa dos superiores interesses da comunidade, sob o ponto de vista da estabilidade, da confiança, da legalidade, da ordem, rigor e aprumo, princípios que devem ser apanágio dos Serviços de Segurança.
Uma palavra ainda sobre um argumento que é avançado pelo requerente da suspensão de eficácia, relativo ao seu bom comportamento e desempenho. Com todo o respeito pelo seu bom serviço, esse desempenho não constitui factor anulatório da decisão proferida, isto é, não tem a virtualidade de abalar as considerações acima proferidas, no que tange à desconsideração da gravidade que resultaria para o interesse público da manutenção funcional provisória, na medida em que, se relevasse, isso significaria que por essa via se estava a pôr em causa a correcção da actuação da entidade disciplinadora, tanto assim que teria andado mal na punição adoptada por não ter levado em conta esse factor atenuante.”

3.4. A lesão do interesse público resulta neste caso da desconfiança generalizada dos cidadãos na manutenção, ainda que provisória, em funções de alguém em que sentem não poder confiar. Poder-se-á argumentar que as pessoas e instituições não poderão deixar de lidar com uma situação de manutenção em funções se se vier a decidir não haver lugar à punição disciplinar. Só que nesse caso, a decisão não deixará de estar depurada com uma decisão judicial, onde não se deixarão de evidenciar, se for esse o caso, as razões justificativas da bondade da sanção ou da sua não aplicação.
Entende-se, neste caso, pelas indicadas razões, de confiança dos cidadãos, dignidade das instituições, bom funcionamento dos serviços, transparência de actuação que não ocorre o requisito negativo da alínea b) do nº1 do citado artigo 121º, antes, pelo contrário, está bem patenteada a lesão do interesse público neste caso em concreto.
4. Ilegalidade do recurso
Impõe o preceito acima citado que não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso contencioso.
A instrumentalidade desta medida cautelar, implica uma não inviabilidade manifesta do recurso contencioso a interpor.
Só ocorre a acenada manifesta ilegalidade, quando se mostrar patente, notório ou evidente que, segura e inequivocamente, o recurso não pode ter êxito (v.g. por se tratar de acto irrecorrível; por ter decorrido o prazo de interposição de recurso de acto anulável) e não quando a questão seja debatida na doutrina ou na jurisprudência.5
Não se está, pois, perante uma situação de manifesta ilegalidade do recurso, mostrando-se ainda aqui verificado o requisito negativo da alínea c) do artigo 121º do citado C.P.A.C..

    Este tem sido o entendimento unânime deste Tribunal, como resulta aliás, do recente acórdão de 25/1/07, n.º 649/2006/A.
    
    No entanto, a verificação deste requisito, por si só, não obsta à denegação da suspensão, já que para esta se verificar os requisitos do art. 121º, n.º 1, do CPAC, têm de ser cumulativos.
    5. Prejuízo para o requerente
    Nem sequer vale a pena entrar na análise da matéria alegado, sendo patente a perda de salário e os encargos pesados que o requerente tem de suportar na sua vida pessoal e familiar, haja em vista as despesas decorrentes com as meninas, suas filhas, que frequentam o Colégio de santa Rosa de Lima, a renda significativa de MOP 18.000,00 que tem de suportar e que o vencimento de sua esposa, empreg ada de escritório, auferindo MOP 25.000,00 não é suficiente para enfrentar todas as despesas.
    Estamos cientes dessa realidade, sendo certo que independentemente desta verificação, é a própria lei que dispensa a comprovação deste requisito quando da imposição de sanções disciplinares – art. 121º/3 do CPAC.
    
    6. Da desproporcionalidade
    A questão precedente só relevará na análise de eventual desproporcionalidade entre o sacrifício imposto ao requerente e o que resulte para o interesse público.
     Não tem razão o recorrente ao pretender a verificação do requisito do n.º 4 do art. 121º do CPAC, como obstáculo à não verificação do requisito da al. b) do art. 121º, porquanto, em bom rigor, não esquecendo os efeitos traumáticos, negativos e prejudiciais, materiais e psíquicos para o modus vivendi do requerente, o certo é que, a sua alegação esbarra com a dificuldade ou até impossibilidade que decorreria de não executar imediata e provisoriamente uma pena disciplinar expulsiva, pois que os prejuízos alegados se enquadram na normalidade das situações em que seja aplicada tal sanção.Nada se releva aqui de extraordinário ou diferente em relação ao comum das demais situações.
    Para além das dificuldades que a situação naturalmente arrasta consigo, ainda que perspectivadas à luz da situação concreta, o que importa é balancear os prejuízos que se contrapõem: os prejuízos particulares do recorrente e os prejuízos advenientes para o serviço público com a sua manutenção em funções.
    Dir-se-á que se não houve problema até ao presente e durante todos este tempo também não haverá em que se prolongue por mais algum tempo a situação. Mas o facto de não se ter actuado mais cedo, tal não justifica que se continue a contemporizar com a manutenção de uma situação gravosa e prejudicial para o interesse público. Tanto mais que agora algo mudou e essa circunstância resulta exactamente da aplicação da dita sanção disciplinar.
    No cotejo a fazer entre as incidências de ambos os prejuízos em jogo, analisados os factos, tal como acima visto, a propósito da lesão do interesse público, vista a natureza das funções, o cargo exercido, a seriedade e confiança expectáveis no exercício do cargo, a imagem e dignidade dos Serviços e seus agentes, entende-se ter de ceder o interesse particular quanto à pretensa manutenção da situação funcional.
    Nesta conformidade a providência não será concedida.
    
    V - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em indeferir o pedido formulado por A da suspensão de eficácia do acto integrado pelo despacho do Exmo Senhor Secretário para a Segurança, de 23/01/17, que o puniu disciplinarmente com a pena de demissão.
    Custas pelo requerente.
                Macau, 25 de Maio de 2017
                João A. G. Gil de Oliveira
                Ho Wai Neng
                José Cândido de Pinho
Fui presente
Joaquim Teixeira de Sousa

               
1 - Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo”, 8º ed., 409

2 - Ac. do T.S.I. de 22 de Novembro de 2001 – Pº205/01/A ; ac. do T.S.I. de 18 de Outubro de 2001 - Proc.191/01
3 - Freitas do Amaral, Direito Administrativo”, 1988, II, 36 e 38
4 - Acs do S.T.A. de Portugal de 28/03/00 – Pº45931 – e de 16/04/96 – Pº39593); de 14/02/95 – Pº36790 – e de 9/01/92, AD. 376-384; de 6/09/89 – Pº27446

5 - Ac. do TSI de 30/5/02, Poc. 92/02
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215/2017/A 35/35