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Processo n.º 392/2017 Data do acórdão: 2017-5-25 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– julgamento à revelia
– não conhecimento pessoal da acusação pública
– não levantamento da carta de notificação
– direito de defesa
– erro notório na apreciação da prova

S U M Á R I O
1. Não se pode sindicar a decisão do tribunal a quo pelo emprego do processo de julgamento à revelia, se estiveram reunidos todos os pressupostos legais para o efeito.
2. Se a própria arguida não tomou conhecimento de que veio a ser arguida num processo-crime pela passagem de moeda falsa, isto tudo era devida, a montante, a que ela não foi levantar, dentro do prazo para o efeito, a carta registada da notificação da acusação pública, então enviada para a morada por ela própria declarada à polícia aquando do inquérito dos autos, daí que cai por terra a falada impossibilidade dela do exercício do seu direito de defesa ou de contraditório.
3. Como após vistos crítica e globalmente todos os elementos de prova referidos na fundamentação probatória do acórdão recorrido, não se mostra patente que o tribunal a quo, ao julgar todos os factos objecto do processo, tenha violado quaisquer normas jurídicas sobre o valor da prova, quaisquer regras da experiência da vida humana em normalidade de situações, ou quaisquer leges artis a observar no julgamento dos factos, não pode ter existido, no aresto recorrido, o vício de erro notório na apreciação da prova previsto no art.º 400.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Penal.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 392/2017
(Autos de recurso penal)
Arguida recorrente: A



ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformada com o acórdão proferido a fls. 125 a 128v do Processo Comum Colectivo n.° CR2-15-0456-PCC do 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB), que a condenou como autora material de um crime consumado de passagem de moeda falsa, p. e p. pelo art.º 255.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal (CP), na pena de nove meses de prisão efectiva, veio a arguida desse processo chamada A recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para opinar e rogar, na sua motivação de recurso apresentada a fls. 154 a 165 dos presentes autos correspondentes, que:
– tendo ela utilizado, para jogar no Hotel …, as notas de mil dólares de Hong Kong (em causa nos autos) previamente obtidas de um dos cambistas de rua no Interior da China, com quem tinha trocado os seus renminbis para dólares de Hong Kong, nunca imaginou ela que pudesse vir a ser arguida de um processo-crime de passagem de moeda falsa e ser julgada pelo Tribunal Judicial de Macau, com a agravante de que o facto de ser julgada à revelia a impediu de exercer o direito de defesa ou de contraditório;
– existindo assim dúvida sobre o dolo dela na prática do dito crime acusado, sendo-lhe possível, pelo menos, ter agido com erro sobre as circunstâncias do facto (cfr. o art.º 15.º do CP), a matéria de facto provada é manifestamente insuficiente para a decisão condenatória ora recorrida (cfr. o vício aludido no art.º 400.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal (CPP)), porquanto era preciso provar que ela conhecia que a nota de mil dólares de Hong Kong em causa era falsa, já que dos depoimentos das testemunhas na audiência de julgamento e da prova carreada aos autos se apercebe de que ela não sabia o que estava a acontecer, pelo que se retira que ela não tinha conhecimento de que essa nota era falsa ou falsificada, não se verificando, pois, o elemento subjectivo do crime;
– há também erro notório na apreciação da prova (referido no art.º 400.º, n.º 2, alínea c), do CPP), visto que o Tribunal recorrido retirou de um facto tido como provado (do facto de a ora recorrente se ter mostrado impassível (calma), quando foi descoberto que uma das notas de mil dólares de Hong Kong era falsa) uma conclusão logicamente inaceitável (de que ela era responsável pelo crime de passagem de moeda falsa);
– assim, na dúvida sobre os factos, em cumprimento do princípio de in dubio pro reo, deve ela ser absolvida, ou, pelo menos, ser-lhe aplicada a pena constante do art.º 255.º, n.º 2, alínea a), do CP;
– e fosse como fosse, sempre deveria ser suspensa a execução da pena de prisão nos termos do art.º 48.º do CP, tendo em consideração o circunstancialismo dos factos, a inexistência de antecedentes criminais, o baixo valor da transacção e a condição social humilde dela, etc.
Ao recurso, respondeu o Ministério Público a fls. 167 a 172 no sentido de improcedência da argumentação da recorrente.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 185 a 186v, pugnando pela procedência apenas do pedido de suspensão da execução da pena de prisão.
Feito o exame preliminar, corridos os vistos e realizada a audiência de julgamento neste TSI (em sede da qual a Digna Procuradora-Adjunta e o Ex.mo Defensor da arguida declararam manter a posição assumida respectivamente no parecer e na motivação do recurso, e o Ex.mo Patrono da assistente opinou pela suspensão da execução da pena), cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
– em 18 de Novembro de 2015, o Ministério Público enviou, por carta registada (dirigida à morada em chinês então declarada pela ora própria recorrente à Polícia aquando do inquérito subjacente aos autos), a notificação da acusação deduzida contra a ora recorrente (cfr. o processado de fls. 22, 26, 83 a 83v e 92 dos autos), carta registada essa que veio devolvida por não ter sido levantada pela pessoa destinatária dentro do prazo para o efeito;
– em nome da arguida, julgada à revelia, não chegou a ser apresentada contestação escrita à factualidade imputada na acusação pública;
– a fundamentação fáctica e probatória do acórdão recorrido encontra-se escrita a fls. 126 a 127v dos autos, cujo teor se dá por aqui integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Pois bem, desde já, estando reunidos todos os pressupostos legais para o efeito, não se pode sindicar a decisão do Tribunal recorrido pelo emprego do processo de julgamento à revelia, ao que acresce a consideração de que se a própria arguida não tomou conhecimento de que veio a ser arguida num processo-crime pela passagem de moeda falsa, isto tudo era devida, a montante, a que ela não foi levantar, dentro do prazo para o efeito, a carta registada da notificação da acusação pública, então enviada para a morada por ela própria declarada à Polícia aquando do inquérito dos autos. Daí que cai por terra toda a argumentação tecida na motivação do recurso acerca da falada impossibilidade do exercício do direito de defesa ou de contraditório.
E agora do vício do art.º 400.º, n.º 2, alínea a), do CPP: não tendo sido apresentada contestação à factualidade descrita na acusação, todo o objecto probando dos autos fica constituído por essa factualidade acusada, e como da fundamentação fáctica do acórdão recorrido se vê que o Tribunal recorrido já investigou, sem lacuna alguma, sobre toda essa factualidade acusada, não pode ter ocorrido esse arguido vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
E sobre o vício do art.º 400.º, n.º 2, alínea c), do CPP: após vistos todos os elementos de prova indicados na fundamentação probatória do acórdão recorrido, realiza o presente Tribunal de recurso que não se mostra patente que o Tribunal de recurso, ao ter julgado a matéria de facto como julgou concretamente no caso dos autos, tenha violado quaisquer normas jurídicas sobre o valor legal da prova, ou quaisquer regras da experiência da vida humana em normalidade de situações, ou quaisquer legis artis a observar no julgamento da matéria de facto, sendo, pois, razoável a explicação dada pelo Tribunal recorrido no aresto impugnado sobre o processo de formação da sua livre convicção sobre os factos, explicação essa que dá para afastar qualquer “dúvida razoável sobre a culpabilidade criminal”, pelo que não pode a recorrente vir tentar fazer sindicar o resultado do julgamento de factos, ao arrepio do princípio da livre apreciação da prova consagrado no art.º 114.º do CPP.
E no tangente à falada falta de demonstração do dolo na prática do crime: esta tese da recorrente bem como a conexa tese subsidiária da existência de erro, por parte dela, sobre as circunstâncias do facto contrariam frontalmente a matéria de facto já dada por provada pelo Tribunal recorrido, pelo que concluída a inverificação do vício de erro notório na apreciação da prova nos termos acima vistos, há que naufragar também esta parte do recurso.
Resta, pois, ver se é de suspender a execução da pena de prisão.
Nesta parte, já procede o recurso, em virtude de que sendo a recorrente uma delinquente primária em Macau e estando em causa tão-só uma nota de mil dólares de Hong Kong, crê-se que a simples censura dos factos e a ameaça da execução da prisão já bastem para realizar de forma adequada e suficiente as finalidades de punição (art.º 48.º, n.º 1, do CP), pelo que se decide pela suspensão, por dois anos, da execução da pena de prisão dela.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em conceder parcial provimento ao recurso, suspendendo, por dois anos, a execução a pena de prisão da recorrente.
Pagará a recorrente 2/3 das custas do recurso e quatro UC de taxa de justiça pelo decaimento parcial do recurso.
Macau, 25 de Maio de 2017.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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