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Processo nº 122/2017
(Recurso Laboral)

Relator: João Gil de Oliveira
Data: 11/Maio/2017

   
   Assuntos:

- Caracterização de acidente de trabalho; hipertensão arterial

    
    SUMÁRIO :
    Não obstante o autor sofrer de hipertensão artéria, se o tribunal se convence que foi devido ao trabalho e esforço físico prestado no dia do acidente (tendo o trabalhador transportado muitas vezes verduras e frutas, sendo o volume de trabalho maior do que nos dias normais) e que foi pelo cansaço causado pelo trabalho concretamente desenvolvido que se agravou o seu problema de hipertensão arterial, o que finalmente resultou na hemorragia cerebral, será de caracterizar o acidente como de trabalho.

              O Relator,
  João A. G. Gil de Oliveira



Processo n.º 122/2017
(Recurso Laboral)
Data : 11/Maio/2017

Recorrente : - A

Recorrido : - B

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    
    I – RELATÓRIO
    1. Companhia de Seguros Delta Asia, S.A., Ré nos autos à margem referenciados, tendo sido notificada da douta sentença contra si proferida, e não se podendo conformar com a mesma, vem dela interpor , alegando em síntese conclusiva:
I. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo douto Tribunal Judicial de Base em que julgou a acção procedente e, por entender que o acidente que atingiu a B é um acidente de trabalho, condenou a Ré, ora Recorrente, a pagar à mesma uma indemnização no valor global de MOP$506,396.00 acrescido dos respectivos juros.
    II. Resulta claramente que a decisão recorrida, interpretada de per si, com a experiência comum e com os elementos dos autos nela acolhidos, se encontra inquinada do vício de erro na apreciação da prova, tendo violado o disposto no art. 8° do Decreto-Lei n.º 40/95/M, de 14 de Agosto, e que após a reapreciação da prova por parte desse Venerando Tribunal da Segunda Instância, deverá ser proferido douto Acórdão que considere que a hemorragia cerebral súbita donde resultou a hemiplegia direita não derivou de acidente de trabalho, tendo antes sido provocada por males e patologias de origem endógena, e por tanto sem conexão com o trabalho, com a consequente absolvição da Recorrente relativamente aos pedidos de compensação formulados nos autos.
    III. O presente recurso versa assim sobre matéria de facto e sobre matéria de direito.
    IV. Realizada audiência de discussão e julgamento entendeu o douto Tribunal a quo dar por provado que em 2013.11.02 o Autor trabalhava como normal (carregar caixas com frutas e legumes). Naquela manhã, ele transportou cerca de 60 a 70 caixas de legumes e frutas, mais caixas e menos tempo para trabalhar do que o normal. E pelas 2 horas da tarde, o Autor voltou para o mercado abastecedor para trabalhar, e no momento em que ele empurrou uma padiola e entrou no armazém, de repente, sentiu desconforto e a seguir ele perdeu a consciência; que o Autor foi transferido imediatamente para o serviço de urgência do Hospital Kiang Wu; que as lesões são: hemorragia cerebral e hipertensão, há sinais correspondentes a sequelas de hemorragia cerebral, incluindo hemiplagia do corpo direito, dor no ombro direito, paralisia a flacidez da mão direita e da perna direita, há redução óbvia na memória, capacidade de auto-cuidado e competência linguística, que o Autor tem hipertensão, e como no dia do acidente o Autor efectuava um trabalho físico todo o dia, carregando legumes e frutas por diversas vezes e rapidamente, mais trabalho do que o normal, a pressão e o elemento de fadiga vindos do trabalho pioraram a hipertensão e causaram a hemorragia cerebral; que para as lesões que o Autor mencionou na sua resposta ao ponto 1 da Base Instrutória, a IPP causada é de 40% e a ITA foi de 315 dias; que o Autor nunca recebeu o valor das despesas médicas resultantes do presente acidente de trabalho no valor total de MOP$47,196.00; que o Autor tem sequelas devido às lesões causadas pela hemorragia cerebral e sofre de um IPP, não podendo cuidar propriamente da sua vida, precisando de um cuidado por parte de outrem na sua vida quotidiana; que o Autor nunca recebeu uma prestação suplementar por necessidade de cuidado permanente por parte de outrem; que o aparecimento da hemorragia cerebral tem uma relação com hipertensão, arteriosclerose, cardiopatia, nefrose, pressão do trabalho, cansaço por excesso de trabalho, factores neurológicos, idade avançada entre outros; que o Autor tinha perfeito conhecimento do seu historial de hipertensão, e irregularmente, tomava medicamentos e aceitava tratamentos, mas nunca tinha falado sobre a sua doença com qualquer colega de trabalho.
    V. Da prova produzida em sede de julgamento a resposta aos quesitos 4° e 9° teria necessariamente de ser diferente, pelo que estamos perante um claro erro de julgamento.
    VI. No vertente processo, foi determinada a documentação das declarações prestadas na audiência de julgamento, existindo por isso suporte de gravação, o que permitirá ao douto Tribunal de Segunda Instância melhor avaliar, e decidir, sobre o ora invocado erro na apreciação da prova, aqui expressamente se requerendo a reapreciação da matéria de facto, nos termos admitidos no art. 629° do Código de Processo Civil, aplicável ex vi art. 1° do Código de Processo do Trabalho.
    VII. A Recorrente, ao invocar no presente recurso o erro na apreciação da prova, que, na sua óptica, inquina a decisão proferida pelo douto Tribunal a quo, não pretende apresentar apenas uma simples discordância relativamente à interpretação dos factos feita por aquele douto Tribunal, tendo bem presente o dispositivo do art. 558° do Código de Processo Civil, e a natureza insindicável da livre convicção relativamente à apreciação da prova efectuada pelo Tribunal recorrido, e ainda estando bem ciente da jurisprudência afirmada nos Tribunais Superiores da RAEM, entendendo a Recorrente que tal se verifica na situação dos autos, e que o vicio apontado à decisão recorrida resulta dos próprios elementos constantes dos autos, por si só ou com recurso às regras da experiência comum.
    VIII. O relatório do exame por junta médica, constante de fls. 50 do apenso para a fixação da incapacidade é bastante claro quanto às respostas dadas pelos três médicos integrantes da mesma, as quais, só por si, são claras e levariam a que as respostas dadas aos quesitos 4° e 9° fossem diferentes daquelas que o Tribunal a quo entendeu, afastando assim a caracterização do acidente como de trabalho.
    IX. Os relatórios médicos existentes nos presentes autos, a título de exemplo o que consta de fls. 35 emitido pelo Hospital Kiang Wu, confirmam que a causa principal do acidente foi o facto de o Sinistrado sofrer de enrijecimento da veia cerebral (Arteriosclerose), hipertensão e idade avançada.
    X. No entanto, os peritos foram chamados ao tribunal para prestar esclarecimentos, e dos seus depoimentos resultou, na opinião da ora Recorrente, uma clarificação e reforço de que o acidente não pode ser considerado como de trabalho, tendo, no entanto, o entendimento do tribunal a quo sido diferente.
    XI. O Perito Médico Dr. Kei Pan Si, quando inquirido sobre quais as circunstâncias que propiciaram ou favoreceram o aparecimento do AVC, afirmou que foi da rigidez vascular, assim como da hipertensão, reforçando que este acidente podia ter acontecido em qualquer outra circunstância do quotidiano do sinistrado, fosse a andar, a conversar, a comer, no transito ou até mesmo no autocarro.
    XII. Ou seja, o Perito Médico afirmou, quando inquirido sobre quais as circunstâncias que propiciaram ou favoreceram o aparecimento do AVC, que foi da rigidez vascular, assim como da hipertensão, opinião que se encontra sustentada pelos relatórios médicos juntos aos autos, nomeadamente o constante de fls. 35 dos autos recorridos.
    XIII. Do depoimento prestado em audiência de julgamento pela Dra. Leong Wai I resulta que o acidente poderia ter ocorrido em qualquer lugar, fosse a andar, a conversar, a comer, no transito ou até mesmo no autocarro e que a actividade desenvolvida pelo Trabalhador, não tem relação com o acidente.
    XIV. Do depoimento prestado em audiência de julgamento pelo senhor C resulta que eram vários os dias em que ele e o sinistrado tinham de transportar 60 a 70 caixas de fruta por manhã, o que comprova de que tal facto não constituía uma excepção ou um facto extraordinário, mas sim algo normal, pelo que não se pode entender que naquele dia o sinistrado teve muito mais trabalho.
    XV. Mais, resulta ainda que, o acidente se dá às 14:00h, precisamente a hora a que o sinistrado tinha regressado de almoço, e portanto logo após o seu descanso, pelo que, não se pode dar como provado que a pressão e a fadiga vinda do trabalho pioraram a sua hipertensão, até porque, se provou também que no momento do acidente, o sinistrado transportava esferovite, o que não implicava grande esforço fisico por parte dele
    XVI. Não resulta da prova produzida em sede de audiência de julgamento qualquer nexo causal entre o trabalho e a hemorragia cerebral subida sofrida pelo Autor que resultou na hemiplegia direita, não resultando da natureza dos serviços que prestava nem das condições de trabalho qualquer contribuição para este tipo de evento (hemorragia cerebral),
    XVII. A prova produzida em sede de julgamento, nomeadamente os depoimentos testemunhais supra transcritos, são bastantes para podermos concluir com clareza e exactidão que as predisposições patológicas do trabalhador foram determinantes para o acidente, em particular a tensão alta.
    XVIII. Após reapreciação da prova efectuada em juízo por parte desse Venerando Tribunal da Segunda Instância deverá ser proferido douto Acórdão que julgue procedente o invocado vício de erro de julgamento ao dar a resposta que foi dada pelo Tribunal a quo aos quesitos 4° e 9° da Douta Base Instrutória, devendo antes ser dado como provado que a lesão sofrida pelo Autor foi provocada por doença que padecia muito antes daquele evento, como seja a hipertensão, ou seja por males ou patologias de origem endógena, sem conexão com o trabalho desempenhado.
    XIX. E em consequência julgue que a hemorragia cerebral súbita não resultou de acidente de trabalho, não havendo qualquer relação entre a lesão e a actividade desenvolvida pelo trabalhador, assim se afastando a aplicação do disposto no art. 8° do Decreto-Lei n.º 40/95/M, e bem assim da presunção prevista no art. 10° do mesmo diploma legal.
    XX. Aliás, nesse sentido, vide o Acórdão proferido pelo Tribunal da Segunda Instância de Macau n.º 1022/2015 de 21 de Janeiro de 2016, no qual o Douto Tribunal da Segunda Instância, entendeu não haver lugar à reparação como acidente de trabalho, absolvendo a Ré seguradora no referido processo.
    XXI. Entende a Recorrente que nem atenta a matéria de facto tal como provada pelo douto Tribunal a quo estamos perante um acidente de trabalho.
    XXII. Acidente tem sido definido como todo acontecimento repentino, fortuito, inesperado, anormal, não intencional que pode originar consequências danosas.
    XXIII. O Decreto-lei n.º 40/95/M que estabelece o regime aplicável à reparação de danos emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais, define acidente de trabalho como o acidente que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza, directa ou indirectamente, lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte a morte ou incapacidade temporária ou permanente de trabalho ou de ganho.
    XXIV. Sendo o definido inserido na definição ("acidente de trabalho é o acidente ..."), a doutrina e a jurisprudência tem procurado fixar uma noção de acidente em sentido naturalístico, como qualquer acontecimento súbito, violento, ou seja, violador do equilíbrio orgânico, inesperado e de ordem exterior ao próprio lesado.
    XXV. O acidente de trabalho é constituído por uma cadeia de factos em que cada um dos respectivos elos tem de estar entre si sucessivamente interligados por um nexo causal: o evento naturalístico tem de estar relacionado com a relação do trabalho; a lesão, perturbação ou doença terão que resultar daquele evento; e finalmente a morte ou a incapacidade para trabalho deverão resultar da lesão, perturbação funcional ou doença. De tal forma que se esse elo causal se interromper em algum dos momentos do encadeado fáctico atrás descrito, não poderemos sequer falar - pelo menos em relação àquela morte ou àquela incapacidade em acidente de trabalho. (neste sentido conferir Vítor Ribeiro, Acidentes de trabalho, Reflexões e Notas Praticas, pag. 218)
    XXVI. Porém, no que se refere à prova do nexo causal entre as lesões e o acidente a lei estabelece presunções a favor do sinistrado e dos seus beneficiários legais.
    XXVII. Dispõe o artigo 8° do Decreto-lei n.º 40/95/M que a predisposição patológica da vitima de um acidente não exclui o direito à reparação integral, salvo quando tiver sido causa única da lesão ou doença ou tiver sido dolosamente ocultada e dispõe o artigo 10°, n.º 1 alínea a) do Decreto-lei n.º 40/95/M que a lesão (…) considera-se, até prova em contrário, consequência do acidente de trabalho quando se verificar no local e no tempo de trabalho.
    XXVIII. Não é posto em causa que, no caso "sub judice", a ocorrência se tenha verificado no local e no tempo de trabalho. Só que isso não basta para o preenchimento da definição legal de acidente de trabalho.
    XXIX. Poder-se-ia presumir, por força das citadas disposições legais, que essa hemorragia foi determinada por acidente de trabalho, no entanto esta presunção não é uma presunção iuris et de iure mas sim uma presunção iuris tantum e, como tal, pode ser ilidida, mediante prova em contrário (art. 343°, n.º 2 do Cód. Civil).
    XXX. Resulta dos presentes autos que no dia 2 de Novembro de 2013, B sentiu-se mal, e desmaiou, tendo sido transportado para o Hospital Kiang Wu, tendo vindo a receber tratamento.
    XXXI. Assim, apenas resultou que a vítima sofreu um desmaio no seu local e tempo de trabalho, mas não se vislumbra que tenha ocorrido um evento súbito, violento, inesperado de ordem exterior que tenha desencadeado ou que seja determinante no desencadeamento do referido desmaio nem tam pouco da hemorragia cerebral que veio a ser detectada.
    XXXII. Deste modo, somente através do funcionamento da presunção prevista no artigo 8° e 10° do Decreto-lei n.º 40/95/M seria possível estabelecer o nexo de causalidade, elo essencial para se falar em acidente de trabalho.
    XXXIII. Ficou provado que a infeliz vítima sofria de Hipertensão Arterial e Arteriosclerose, e que o Acidente Vascular Cerebral que veio a vitimar o trabalhador surgiu na sequência dessa mesma Hipertensão.
    XXXIV. Como explicado em sede de julgamento a Hipertensão trata-se de uma doença degenerativa que, não tratada, poderá ter efeitos nefastos, entre eles a ocorrência de hemorragias cerebrais, coincidentemente, aquilo que sucedeu ao ora Autor.
    XXXV. Mesmo dos factos provados resulta que o acidente e a hemorragia não tiveram qualquer relação de conexão com o trabalho desempenhado pela vítima, mas sim com uma doença degenerativa - a hipertensão - que, tal como provado, sofria antes do evento, não tendo resultado que o acidente sofrido pelo Autor no local de trabalho e a hemorragia cerebral súbita tenha sido desenvolvimento da actividade profissional do Autor.
    XXXVI. A hemorragia cerebral surgiu unicamente na sequência da hipertensão de que sofria, e isso resultou claro dos depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento, porquanto não se fez qualquer conexão entre a hipertensão, causador da hemorragia, e o trabalho.
    XXXVII. O Autor não demonstrou a ocorrência, no local e no tempo de trabalho, de qualquer evento súbito, de natureza exógena, que tivesse sido determinante para o desencadeamento da hemorragia, não obstante a existência da hipertensão.
    XXXVIII. Tão pouco consegui demonstrar que o trabalho prestado, naquele dia e nos dias anteriores, ou que as condições em que era prestado esse trabalho, tivessem causado a hipertensão, ou que a hemorragia tivesse sido determinada pelo trabalho e pelas condições em que esse trabalho era prestado ao longo da vigência do seu contrato de trabalho.
    XXXIX. E assim, mesmo que se entenda que a hemorragia cerebral ocorreu no local e no tempo de trabalho e que por esta razão se deva presumir (presunção iuris tantum) que a mesma foi determinada por acidente de trabalho, terá necessariamente de concluir que a prova obtida através da referida presunção foi destruída pela prova produzida em sede de audiência de julgamento, mostrando-se, assim, ilidida tal presunção.
    XL. A douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 8° e 10° do Decreto-lei n.º 40/95/M, devendo por isso ser substituída por outra que considere que a hemorragia cerebral súbita sofrido pelo Trabalhador não resultou de acidente de trabalho, mas da hipertensão que padecia, com a consequente absolvição da Recorrente relativamente aos pedidos de compensação formulados nos autos.
    XLI. Ora, a situação descrita Acórdão do Tribunal da Segunda Instância de Macau, proferido nos autos de recurso n.º 373/2011 em 29 de Setembro de 2011 é bastante similar com a ocorrida nos presentes autos, motivo pelo qual, se considera que a decisão deverá ser a mesma, ou seja, ser concedido provimento ao presente recurso, revogando a sentença recorrida e em consequência, julgando improcedente a acção a absolvendo a Ré "Companhia de Seguros Delta Asia SA" do pedido.
    XLII. No mesmo sentido, vide ainda os Acórdão da Segunda Instância de 29 de Setembro de 2011, produzido no âmbito do processo n.º 475/2011, assim como o Acórdão de 23 de Julho de 2009, produzido no âmbito do Processo n.º 348/2009.
    XLIII. A douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 8° e 10° do Decreto-lei n.º 40/95/M, devendo por isso ser substituída por outra que considere que a hemorragia cerebral súbita sofrido pele Trabalhador não resultou de acidente de trabalho, mas da hipertensão que padecia, com a consequente absolvição da Recorrente relativamente aos pedidos de compensação formulados nos autos.
    Pelas razões expostas
     V. Exas., alterando a sentença recorrida em conformidade com o alegado, farão inteira e sã JUSTIÇA.

   2. B (B), autor no processo à margem referenciado, mais bem identificado nos autos, patrocinado oficiosamente pelo Ministério Público, tendo sido notificado do recurso interposto pela ré A e da sua motivação do recurso, veio apresentar a sua resposta, dizendo a final:

   A. Dos esclarecimentos prestados pelos peritos resultou que apenas hipertensão arterial não provocou a lesão, necessitava da verificação de uma série de factores provocadores: primeiro – o paciente padecia, ou não, de outras doenças tais como as doenças de rins, de coração, de coração e pulmão ou malformação vascular cerebral; segundo – existiam, ou não, outros factores ambientais externos tais como cansaço decorrente do trabalho, pressão repentina, estar nervoso, etc. Os factores indicados no segundo podem causar a flutuação da pressão arterial, por isso podem agravar e piorar a hipertensão arterial, o que resulta na hemorragia cerebral por os vasos arteriais cerebrais, que já estão duros e perderam elasticidade, não aguentarem a alta pressão arterial.
   B. Não podemos concordar com a recorrente que entende unilateralmente que a hipertensão arterial, em situação geral, provoca em qualquer momento a hemorragia cerebral, tais como no trabalho, no descanso ou quando estar a comer, e, por causa deste entendimento, concluiu imprudentemente que a lesão do trabalhador neste concreto caso não tem nada a ver com o seu trabalho.
   C. Ao contrário, devemos analisar o incidente interior: o recorrido padecia de hipertensão arterial (doença básica), mas não foi provado que o mesmo padecia, além de hipertensão arterial, de outras doenças (tais como doenças de rins, de coração, de coração e pulmão ou malformação vascular cerebral). No entanto, já foi confirmado que a hemorragia cerebral não é causada simplesmente pela hipertensão arterial (derrame cerebral). A hemorragia cerebral é provocada por um conjunto de factores e a hipertensão arterial é a causa principal, porém, a sua ocorrência necessita de verificação de outros factores que geram a flutuação da tensão arterial, tais como cansaço físico, stress e estar nervoso.
   D. Por outro lado, uma vez que os factores tais como cansaço físico, stress e estar nervoso podem surgir no ou fora do tempo de trabalho, isso pode justificar a eventualidade da ocorrência da hemorragia cerebral. De qualquer maneira, se os factores de cansaço físico, stress e estar nervoso são emergentes do trabalho, assim, a causa provocadora relativo ao trabalho agrava ou piorou, sem dúvida, a hipertensão arterial, contribuindo, em conjunto com os demais factores, para a ocorrência da hemorragia cerebral.
   E. Importa referir que a questão nº 7 do objecto da perícia, ou seja, o trabalho do autor (carregar e transportar legumes e frutas nos supermercados) podia causar hemorragia e hipertensão arterial ou não? A resposta dada pelo relatório da junta médica é negativa. A recorrente não pode, com base neste ponto, julgar que a lesão do recorrido não tem nada a ver com o seu trabalho. De facto, quer com base nos conhecimentos gerais em medicina, quer com base nas regras da experiência, qualquer tipo de trabalho (incluindo o trabalho do autor – carregar e transportar legumes e frutas para supermercados) não causa, com certeza, a uma pessoa normal hemorragia cerebral ou hipertensão arterial ou, por outras palavras, o acto de prestar um serviço não pode ser considerado como a causa directa da hemorragia cerebral ou hipertensão, cuja ocorrência depende de mais factores – sobretudo a doença padecia – isto é mesmo a ideia da resposta dada pelo relatório da junta médica.
   F. Assim, os dados constantes dos autos não conseguiram comprovar que a hipertensão arterial, que o recorrida tinha, era a causa única da sua lesão, para excluir absolutamente outras causas provocadoras, entre as quais o trabalho.
   G. Por outro lado, segundo o depoimento da testemunha D prestado em audiência, no dia do acidente, o recorrido prestou trabalho de esforço físico sem parar e a quantidade de trabalho foi um terço maior do que nos dias normais, tinha que completar as tarefas, trabalhando sem parar ou intervalo até à hora de almoço. A seguir, tinha que voltar a fazer a tarefa de carregar e transportar mercadorias depois de uma hora de descanso. Pela circunstância de trabalhar sem parar, conjugada com a idade do recorrido na altura (56 anos), o Tribunal a quo entendeu existir a causa de cansaço decorrente do trabalho que agravou ou piorou a doença de hipertensão arterial do recorrido. Este entendimento não violou qualquer regra legal para a apreciação da prova, nem as regras da experiência.
   H. Apesar de ter indicado que o recorrido tinha feito grandes quantidades de trabalho nos últimos cinco a seis anos, quais foram as quantidades concretas de trabalho? Qual foi o último dia em que tinha grande volume de trabalho antes deste acidente? Como estava o estado de saúde do recorrido e quantos anos tinha o mesmo naquela altura? Não se verificam nos autos os dados que comprovam estas circunstâncias. Portanto, não podemos fazer uma comparação significativa entre o facto ocorrido no passado com o acidente em causa.
   I. Pelo acima exposto, não verificamos erro na apreciação da prova na decisão do Tribunal a quo sobre a matéria de factos, nomeadamente os factos constantes dos quesitos 4º a 9º.
   J. Tal como a análise acima feita, não se conseguiu provar, neste caso, que a hemorragia cerebral do recorrido foi causada unicamente pela sua hipertensão arterial. Aquela era a doença básica e quando conjugada com outros factores, tais como arteriosclerose cerebral, idade, cansaço e pressão (estava com tempo apertado) decorrentes de trabalho, que agravaram a hipertensão arterial, o que resultou finalmente na hemorragia cerebral.
   K. Ademais, mesmo que seja comprovado o facto no quesito 10º - o facto de que o autor sabia bem ter hipertensão arterial e não tomava regularmente a medicação para tratar a doença, além disso, nunca revelou a qualquer colega que tinha hipertensão arterial - isso não significa que a doença foi dolosamente ocultada. Por exemplo, a entidade empregadora nunca perguntou ao recorrido pelo seu estado de saúde, ou o recorrido tinha-se recusado a fazer o exame médico exigido pela sua entidade empregadora, ou o recorrido tinha dado informação falsa sobre o seu estado de saúde. Dado que a informação de saúde pessoal é um assunto relacionado com a privacidade, era normal que o recorrido não contasse aos colegas que tinha hipertensão arterial, isso não pode provar que a doença foi dolosamente ocultada.
   L. Assim, como os dados constantes dos autos não revelam um facto que satisfaz as disposições do referido artº 8º (ressalva), ou seja, a hipertensão arterial era a causa única e o recorrido tinha ocultado dolosamente a doença, portanto, o Tribunal a quo não violou o artigo acima referido ao decidir que o recorrido tinha direito às indemnizações pelos danos causados pelo acidente de trabalho em causa.
   M. O legislador estabelece, através do artº 10º, nº 1, al. a) do DL nº 40/95/M, a presunção ilidível do nexo de causalidade entre a lesão ou doença contraída pelo trabalhador no local e no tempo de trabalho e o acidente. Igualmente, uma vez que não é aplicável o artº 8º (ressalva), nem foi provado outro facto que podia ilidir a presunção, não verificamos a violação do artº 10º, nº 1, al. a) por parte do Tribunal a quo.
   N. o recorrido estava a prestar trabalho que exigia esforço físico no tempo e local de trabalho e ficou cansado, este facto, conjugado com a hipertensão arterial que tinha, resultou na hemorragia cerebral, o que lhe causou a incapacidade temporária absoluta e incapacidade permanente parcial. Esta presente causa está em conformidade, sem dúvida, com a definição de acidente de trabalho estabelecida pelos artº 3º, al. a) do DL nº 40/95/M.
   O. Nos termos expostos, improcede o fundamento invocado pela recorrente de que a sentença recorrida violou os artºs 8º e 10º do DL nº 40/95/M.
   
   Pelos fundamentos expostos, requer-se a V.Exas. que julguem improcedente o recurso interposto e mantenham a sentença recorrida.
    3. Foram colhidos os vistos legais.
    
    II – FACTOS
    Vêm provados os factos seguintes:
  - O Autor foi contratado pela Supermercado XX Limitada, para exercer, sob as ordens e direcção da segunda, as funções de distribuidor de legumes e frutas, com retribuição-base mensal de MOP8.000,00, que incluía a salário básico no valor de MOP7.500,00 mais o subsídio de residência no valor de MOP500.00. (A)
  - O horário de trabalho do Autor era das 08h00 às 17h30 e o seu trabalho era ir com a carrinha de mercadorias ao Mercado Abastecedor e à zona de descarga de mercadorias no rés-do-chão do Edifício Kiu Kong para levantar legumes e frutas e transportá-los a seguir aos supermercados da XX em Macau e Taipa. (B)
  - A lesão do Autor indicada na resposta ao quesito 1º resultou na “incapacidade permanente parcial” de 40% e o período de “incapacidade temporária absoluta” era de 315 dias. (B-1)
  - O Autor nunca recebeu qualquer indemnização a título de incapacidade temporária absoluta. (C)
  - Nem o Autor recebeu qualquer indemnização a título de incapacidade permanente parcial. (D)
  - A empregadora do autor já lhe comprou seguro de acidentes de trabalho através da apólice nº DAI/EGI/2013/000157 (fls. 12 a 13 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). (E)
  - O autor nasceu em 19 de Julho de 1957, tinha 56 anos na altura do acidente. (F)
  - Naquele dia, ou seja, a 02 de Novembro de 2013, o autor prestou, como sempre, o serviço de carregar e transportar verduras e frutas. Na parte de manhã daquele mesmo dia, tinha carregado e transportado mais ou menos 120 a 130 caixas plásticas de verduras e frutas. O volume de trabalho era maior do que nos dias normais. No mesmo dia pelas 14h00, o autor deslocou-se de novo ao Mercado Abastecedor para fazer as suas tarefas. Na altura, o autor sentiu-se mal de repente enquanto empurrava um carrinho de mão carregado de caixas plásticas para transportar verduras e frutas em direcção ao armazém e, a seguir, perdeu a consciência (1º)
  - O autor foi transportado logo ao Hospital Kiang Wu. (2º)
  - A lesão do Autora: hemorragia cerebral (hemorragia cerebral no gânglio basal de esquerdo) e hipertensão arterial, tendo apresentado as sequelas da hemorragia cerebral, tais como paralisia do lado direito do corpo, dor no ombro direito, dormência e sem força na mão direita e membro inferior direito, perda de memória, incapacidade funcional e redução manifesta na capacidade de falar. (3º)
  - O autor padecia de hipertensão arterial e devido ao trabalho de esforço físico prestado no dia do acidente (tendo transportado muitas vezes verduras e frutas e o volume de trabalho era maior do que nos dias normais), o cansaço causado pelo trabalho prestado agravou o seu problema de hipertensão arterial, o que finalmente resultou na hemorragia cerebral. (4º)
  - Ao Autor nunca foram pagas as despesas de tratamento, no valor de MOP47.196,00, emergentes da lesão resultante do acidente de trabalho em causa. (6º)
  - O Autor apresenta as sequelas da hemorragia cerebral na sequência da sua lesão, o que resulta na sua incapacidade permanente parcial e esta expressa-se na incapacidade funcional de actividades básicas da vida diária, pelo que o autor não pode dispensar a assistência constante de terceira pessoa. (7º)
  - Ao Autor também nunca foi paga a prestação suplementar por não poder dispensar a assistência constante de terceira pessoa em consequência da lesão. (8º)
  
  - A hemorragia cerebral é associada à hipertensão arterial, arteriosclerose, doença cardíaca, doença de rins, pressão no trabalho, cansaço excessivo, factores associados ao nervo e idade avançada. (9º)
  - O Autor sabia bem ter hipertensão arterial e não tomava regularmente a medicação para tratar a doença, além disso, nunca revelou a qualquer colega que tinha hipertensão arterial. (10º)

III - FUNDAMENTOS
1. O objecto do presente recurso passa, no essencial, por saber se estamos ou não perante um acidente de trabalho, ou seja, se o colapso de saúde verificado do local e tempo de trabalho pelo Autor se ficou a dever a uma predisposição patológica para o acidente vascular ocorrido e se ele sempre se verificaria em qualquer momento e lugar, independentemente do trabalho, ou, se, ao invés, algo mais, como o cansaço físico, esforço ou stress, provocado pelo trabalho, o terá desencadeado.
Isto, face ao que dispõem os seguintes normativos:
  
   Dispõe o artº 2º, nº 1 do DL nº 40/95/M que “têm direito à reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais, prevista neste diploma, os trabalhadores que prestam serviço em qualquer sector de actividade, ...”
  
   De acordo com o artº 3º, al. a) do mesmo decreto-lei, “«acidente de trabalho» ou «Acidente» — o acidente que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza, directa ou indirectamente, lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte a morte ou incapacidade temporária ou permanente de trabalho ou de ganho.”

Por sua vez, o artº 8º do mesmo decreto-lei dispõe que “a predisposição patológica da vítima de um acidente não exclui o direito à reparação integral, salvo quando tiver sido causa única da lesão ou doença ou tiver sido dolosamente ocultada.”
2. Atentemos na fundamentação da decisão recorrida, no que concerne à caracterização do acidente, como sendo de trabalho:

“(…) In casu, segundo os factos provados, o Autor foi lesado no local e no tempo de trabalho enquanto estava a fazer as suas tarefas, o que lhe causou hemorragia cerebral (hemorragia cerebral no gânglio basal de esquerdo) e hipertensão arterial, tendo apresentado as sequelas da hemorragia cerebral, tais como paralisia do lado direito do corpo, dor no ombro direito, dormência e sem força na mão direita e membro inferior direito, perda de memória, incapacidade funcional e redução manifesta na capacidade de falar. Tal lesão resultou na incapacidade temperaria e permanente. Além disso, não se conseguiu provar, nesta causa, que a lesão sofrida pelo Autor foi causada pela sua doença primária ou esta era a causa única da lesão que foi dolosamente ocultada. Nesta conformidade, o acidente sofrido pelo Autor deve ser considerado acidente de trabalho.”
3. Comecemos pelo erro de julgamento, no que respeita à fixação da matéria de facto, pretendendo a recorrente Seguradora inverter a resposta aos quesitos 4º e 9º.
Vejamos o conteúdo de tais quesitos.
3.1. Quesito 4º:
“O autor já sofria de hipertensão arterial e devido ao trabalho de esforço físico prestado no dia do acidente (tendo transportado muitas vezes verduras e frutas e o volume de trabalho era maior do que nos dias normais), o cansaço causado pelo trabalho prestado agravou o seu problema de hipertensão arterial, o que finalmente resultou na hemorragia cerebral?
O Tribunal Colectivo respondeu:
Foi provado que “O autor tinha hipertensão arterial e devido ao trabalho de esforço físico prestado no dia do acidente (tendo transportado muitas vezes verduras e frutas e o volume de trabalho era maior do que nos dias normais), o cansaço causado pelo trabalho prestado agravou o seu problema de hipertensão arterial, o que finalmente resultou na hemorragia cerebral.”
3.2. Quesito 9.º:
“A hemorragia cerebral do Autor foi provocada por aterosclerose cerebral que tinha a ver com a sua hipertensão arterial e idade avançada?”
O Tribunal Colectivo respondeu:
“Apenas foi provado que a hemorragia cerebral á associada à hipertensão arterial, arterioscleroses, doença cardíaca, doença de rins, pressão no trabalho, cansaço excessivo, factores associados ao nervo e idade avançada.”
3.3. Na tese da Ré, ora recorrente, a reversão das respostas dadas tem como fundamento a reanálise dos seguintes elementos probatórios:
“Em primeiro lugar, a relatório do exame por junta médica é bastante claro quanto às respostas dadas pelos três médicos integrantes da mesma.
Tais respostas, só por si, são claras e levariam a que as respostas dadas aos quesitos 4° e 9° fossem diferentes daquelas que o Tribunal a quo entendeu.
Tal relatório consta de fls. 50 do processo para a fixação de incapacidade para o trabalho, que corre por apenso aos presentes autos.
Assim, entendemos que as seguintes perguntas/respostas dos peritos não foram devidamente valoradas:
3 - O queixoso sofre de pressão alta? Se sim quais as causas dessa hipertensão?
"O paciente sofre de pressão alta, as causas são arteriosclerose, doença cardiaca. doença renal, fadiga etc."
4 - Qual a relação entre a hipertensão e a hemorragia cerebral?
A hemorragia cerebral foi causada pela hipertensão.
7 - O trabalho do Autor poderá ter causado a hemorragia cerebral ou a hipertensão?
Não.
8 - Existe alguma relação entre as lesões acima mencionadas e o trabalho do Autor? Poderia o acidente ocorrer quando o Autor não estava a trabalhar?
Independentemente do tipo de trabalho, o acidente poderia ter acontecido em qualquer outra altura.
As referidas respostas constantes do relatório da junta médica, deveriam, no entender da ora Recorrente, só por si, ter afastado a caracterização do acidente como de trabalho.
De referir ainda que os relatórios médicos existentes nos presentes autos, a título de exemplo o que consta de fls. 35 emitido pelo Hospital Kiang Wu, confirmam que a causa principal do acidente foi o facto de o Sinistrado sofrer de enrijecimento da veia cerebral (Arteriosclerose), hipertensão e idade avançada.
No entanto, os peritos foram chamados ao tribunal para prestar esclarecimentos, e dos seus depoimentos resultou, na opinião da ora Recorrente, uma clarificação e reforço de que o acidente não pode ser considerado como de trabalho, tendo, no entanto, o entendimento do tribunal a quo sido diferente.
Do depoimento prestado em audiência de julgamento pelo Perito Médico Dr. Kei Pan Si resultaram as seguintes fundamentais declarações:
[passagem gravada em 28 de Outubro, aos 6 minutos e 16 segundos do cd 1 tradutor 1 excerto 10.35.29]
MP: No ponto 8 do questionário, este ferimento, não tem nada a ver com o trabalho dele. Quer dizer, supondo que não estando a trabalhar também pode acontecer aquela situação, e o questionário respondeu, não tem nada a ver com o tipo de trabalho que ele procede, em qualquer momento a uma pessoa pode acontecer isto, pode-me explicar?
P1: Quando nós fizemos a junta, não é necessariamente pelo trabalho que ele estava a efectuar a causar esta hemorragia, não é necessário que uma pessoa faça trabalhos árduos que origina esta hemorragia ( … ) uma pessoa sentada num escritório a trabalhar também pode causar.
[passagem gravada em 28 de Outubro, aos 10 minutos e 34 segundos do cd 1 tradutor 1 excerto 10.35.29]
P1: Mas para mim, eu entendo que a Arteriosclerose dentro do cérebro, esta pode ser a questão que origina mais este acidente vascular cerebral.
[passagem gravada em 28 de Outubro, aos 11 minutos e 03 segundos do cd 1 tradutor 1 excerto 10.35.29]
A: No caso, portanto, que vem aqui relatado de Arteriosclerose e da idade avançada, portanto, este acidente podia ter acontecido em qualquer situação do quotidiano do sinistrado, ou seja, podia ter acontecido, como disse há pouco, com ele sentado no sofá, em casa, a almoçar, no autocarro, na rua ou no trabalho, em qualquer lado?
P1: Sim, correcto.
Ou seja, mesmo o perito médico afirmou, quando inquirido sobre quais as circunstâncias que propiciaram ou favoreceram o aparecimento do AVC, que foi da rigidez vascular, assim como da hipertensão.
Reforçando que este acidente podia ter acontecido em qualquer outra circunstância do quotidiano do sinistrado.
Do depoimento prestado em audiência de julgamento pelo Dr. Kei Pan Si resulta que pela análise da documentação junta aos autos, o Trabalhador sofria de hipertensão, assim como de Arteriosclerose, sendo o acidente o resultado natural dessa hipertensão, doença que o acompanhava há já vários anos.
Afirmou ainda que dadas as doenças de que a vitima padecia, o acidente poderia ter ocorrido em qualquer lugar, fosse a andar, a conversar, a comer, no transito ou até mesmo no autocarro.
A testemunha afirmou que independentemente da actividade desenvolvida pelo Trabalhador, a predisposição patológica do mesmo foi a causa das lesões.
Do depoimento prestado em audiência de julgamento pela Dra. Leong Wai I resultaram as seguintes fundamentais declarações:
[passagem gravada em 28 de Outubro, aos 23 minutos e 02 segundos do cd 1 tradutor 1 excerto 10.35.29]
MP: No ponto 8 diz que os ferimentos acima descritos não têm nada a ver com a profissão e se essa situação, esse acidente podia ter surgido fora do horário de trabalho e a essa pergunta vocês responderam que não tem nada a ver com o tipo de trabalho, pode acontecer a qualquer altura, pode-me explicar essa resposta que deram?
P2: Sabe, a hemorragia cerebral não tem que aparecer forçosamente de dia. e aliás é até mais frequente de noite, quando uma pessoa está a dormir, o que quer dizer que uma pessoa se não mexer não sofra de AVC, quanto á parte que diz que não tem a ver com o trabalho, quer dizer que independentemente, da profissão ou do cargo. não tem uma relação directa.
Do depoimento prestado em audiência de julgamento pela Ora. Leong Wai I resulta que o acidente poderia ter ocorrido em qualquer lugar, fosse a andar, a conversar, a comer, no transito ou até mesmo no autocarro.
A testemunha afirmou que a actividade desenvolvida pelo Trabalhador, não tem relação com o acidente.
Do depoimento prestado em audiência de julgamento pelo senhor C, colega do sinistrado resultaram as seguintes fundamentais declarações:

[passagem gravada em 28 de Outubro, aos 39 minutos e 11 segundos do cd 1 tradutor 1 excerto 10.35.29]
A: Normalmente, por cada manhã, quantas caixas de fruta é que ambos transportavam, e portanto, carregavam e descarregavam em conjunto?
T1: Normalmente, 40 a 50 caixas e outros dias tinham que transportar 60.
A: Normalmente 40 a 50, e nos dias. se calhar, mais ocupados entre 60 e 70, é isso?
T1: sim, era entre 60 a 70 caixas.
A: Mas portanto, nesse dias mais atarefados em que transportavam entre 60 a 70 caixas por manhã, havia muitos dias desses durante o ano? Ou era só no dia 2 de Novembro que era o dia mais ocupado? Ou havia outros dias durante o ano que também costumavam transporta 60 a 70 caixas?
T1: De vez em quando havia mais caixas para ser transportadas, isso depende.
A: Portanto, nos 5 ou 6 anos em que trabalhou com, aliás nos 6 ou 7 anos em que trabalhou com o senhor a transportar as caixas, houve muitos dias em que transportaram, durante 6 ou 7 anos, houve muitos dias em que transportaram 60 ou 70 caixas numa manhã?
T1: Sim
[passagem gravada em 28 de Outubro, aos 42 minutos e 8 segundos do cd 1 tradutor 1 excerto 10.35.29]
T1. Eu regressei ao serviço à 1:40pm e ás 2pm regressou o senhor o para trabalhar
A: E portanto, quando se dá o problema que o senhor teve, há pouco o senhor referiu de que ele transportava esferovite, é verdade?
T1: Sim.
A: Portanto, no momento em que se dá o acidente, o senhor não estava a transportar nenhuma caixa de frutas, estava a transportar esferovite?
T1: Sim.
A: E diga-me uma coisa, sabe-me dizer qual é que seria o peso do objecto que ele estava a transportar de esferovite? Era mais leve que uma caixa de frutas?
T1: Sim, era menos pesado.
Do depoimento prestado em audiência de julgamento pelo senhor C resulta que eram vários os dias em que ele e o sinistrado tinham de transportar 60 a 70 caixas de fruta por manhã, o que comprova de que tal facto não constituía uma excepção ou um facto extraordinário, mas sim algo normal, pelo que não se pode entender que naquele dia o sinistrado teve muito mais trabalho.
Mais, resulta ainda que, o acidente se dá às 2pm, precisamente a hora a que o sinistrado eira regressado de almoço, e portanto logo após o seu descanso, pelo que, não se pode dar como provado que a pressão e a fadiga vinda do trabalho pioraram a sua hipertensão, até porque, se provou também que no momento do acidente, o sinistrado transportava esferovite, o que não implicava grande esforço físico por parte dele
Deste modo,
Não resulta da prova produzida em sede de audiência de julgamento qualquer nexo causal entre o trabalho e a hemorragia cerebral subida sofrida pelo Autor que resultou na hemiplegia direita.
Na verdade, não resulta da natureza dos serviços que prestava nem das condições de trabalho qualquer contribuição para este tipo de evento (hemorragia cerebral),
Sendo que a prova produzida em sede de julgamento, nomeadamente os depoimentos testemunhais supra transcritos, são bastantes para podermos concluir com clareza e exactidão que as predisposições patológicas do trabalhador foram determinantes para o acidente, em particular a tensão alta.”
    3.4. Contrapõe o Autor, trabalhador, ora recorrente, assinalando que os excertos transcritos são parcelares e pretendendo convencer que não foi apenas a predisposição patológica da hipertensão o único factor decisivo para o desenlace daquele acidente cardiovascular. Para tanto invoca os seguintes elementos probatórios:

“ (…) Responde-se às seguintes questões sobre o objecto pericial com base no relatório da junta médica (fls. 34 e verso e fls. 50 dos autos):
  “3. O Autor padecia de hipertensão arterial? Quais são as causas da hipertensão arterial?
  O Autor padecia de hipertensão arterial. As causas da hipertensão arterial são a arteriosclerose, doença cardíaca, doença de rins, cansaço excessivo, factores associados ao nervo, etc.”
  1. O perito Dr. Kei Pan Si prestou esclarecimentos sobre o relatório pericial:
  - extraído da gravação da audiência 54:17:
  “Magistrada do MºPº: Primeiro queria perguntar ao Dr. Kei que a hemorragia cerebral do autor nesta causa foi causada pela sua hipertensão arterial?
  Dr. Kei: Muitas pessoas sofrem de hipertensão arterial, mas não podemos dizer que esta doença provoca necessariamente hemorragia cerebral. Além da hipertensão arterial, há outras causas que provocam a hemorragia cerebral e a ruptura de vasos sanguíneos.
  Magistrada do MºPº: Então neste caso do autor, a sua hemorragia cerebral (vulgarmente chamada de derrame cerebral) podia ser provocada por outras causas provocadoras para além da hipertensão arterial?
  Dr. Kei: Tal como indicou o relatório da junta médica, para além da hipertensão arterial, a arteriosclerose, doença cardíaca, doença de rins, cansaço excessivo, factores associados ao nervo também podem provocar hemorragia cerebral. Uma pessoa, mesmo que não tenha hipertensão arterial, mas padeça de malformação vascular cerebral e arteriosclerose pode apresentar hemorragia cerebral se ao mesmo tempo sofra das causas acima indicadas. Por isso, não se pode dizer que quem tem hipertensão arterial tem hemorragia cerebral, quem não tem hipertensão arterial não tem hemorragia cerebral.”

- Gravação da audiência 50:33:
“Magistrada do MºPº: As causas indicadas, tais como cansaço excessivo, estar nervoso ou demais doenças podem provocar hemorragia cerebral. Será que estes factores elevam a pressão arterial do paciente e resulta, consequentemente, na ruptura de vasos sanguíneos?
Dr. Kei: É possível apresentar esta situação.
Magistrada do MºPº: Podia explicar a resposta nº 8 no relatório da junta médica?
Dr. Kei: Os três peritos entendem que a lesão do trabalhador não se prende necessariamente com o tipo de trabalho prestado, porquanto o trabalho que exige esforço físico pode provocar. Se o trabalho não exige esforço físico, a stress, por exemplo, trabalhar sentado também pode provocar. Portanto, não tem nada a ver com o tipo de trabalho.
Magistrada do MºPº: O quer dizer que é necessário ter em conta o estado de saúde do trabalhador naquele momento?
Dr. Kei: Sim, porque são causas conjugais [sic.], ou seja, não se pode dizer que um determinado trabalho causa hemorragia cerebral.”

- Gravação da audiência 58:58:
“Magistrada do MºPº: Podemos excluir completamente a causa relativa ao trabalho neste caso?
Dr. Kei: Não, porque o cansaço resultante de trabalho também pode provocar derrame cerebral.”

- Gravação da audiência 59:37:
“Advogado da Ré: No relatório médico de 17 de Março de 2014 emitido pelo Hospital Kiang Wu foram indicadas as causas principais da hemorragia cerebral do trabalhador. A minha pergunta é, analisando o caso do ponto de vista médica, pode confirmar, ou não, que, tal como diz o relatório da junta médica, o acidente em causa não tem nada a ver com o trabalho mas sim com as alterações patológicas da aterosclerose cerebral, a hipertensão arterial e idade avançada do paciente?
Dr. Kei: Antes de mais, o dito relatório não foi elaborado por mim. Mas na minha opinião, a hipertensão arterial e arteriosclerose agravam a doença do paciente, todavia, estas não resultam necessariamente na ruptura de vasos sanguíneos, porquanto muitas pessoas sofrem de hipertensão arterial ou arteriosclerose quando chegam a certa idade, nem cada destas pessoas apresenta ruptura de vasos sanguíneos.”

- Gravação da audiência 01:03:35:
“Juiz a quo: Foi indicado há bocado que não se pode excluir o trabalho como a causa da lesão e o paciente poderia apresentar hemorragia cerebral a todo o tempo. A lesão do trabalhador em causa foi ou não provocada pela hipertensão arterial que sofria? Ou tinha a ver com o trabalho prestado?
Dr. Kei: Em geral, hipertensão arterial e arteriosclerose são a base. Portanto, é muito raro uma pessoa apresenta hemorragia cerebral sem ter problema de vasos sanguíneos. Em maioria dos casos, existem outras causas provocadoras, tais como cansaço, pressão, não descansa bem. Mas esta tem que ocorrer no trabalho? Não tenho certeza.
Juiz a quo: Porque você disse que não se pode excluir a causa de trabalho neste caso?
Dr. Kei: É porque trabalho pode causar cansaço.
Juiz a quo: Conforme os autos, na altura o trabalhador estava a carregar e transportar objectos, este facto acrescido com a idade dele, era possível causar-lhe cansaço e a seguir a hemorragia cerebral?
Dr. Kei: Era possível.
Juiz a quo: Por outro lado, já foi dito que não tinha a ver com o tipo de trabalho, porque qualquer tipo de trabalho pode causar derrame cerebral. O que queria dizer trabalhos diferentes ou o trabalho do trabalhador em causa? (sic)
Dr. Kei: Queria dizer os tipos de trabalho, nomeadamente os trabalhos que exigem esforços físicos e mentais. Mesmo que o trabalho não exija esforço físico, o stress também pode elevar a pressão arterial.
Juiz a quo: O que quer dizer que qualquer trabalho, independentemente do tipo, pode provocar derrame cerebral desde que o trabalhador esteja fisicamente cansado e com stress?
Dr. Kei: Sim.”

2. A perita Drª. Leong Wai I prestou esclarecimentos sobre o relatório pericial:
- Gravação da audiência 01:08:52:
“Magistrada do MºPº: A hemorragia cerebral (derrame cerebral) do trabalhador em causa foi provocada por hipertensão arterial ou outras causas?
Drª Leong: A causa principal da sua hemorragia cerebral foi hipertensão arterial.
Magistrada do MºPº: A hipertensão arterial resulta necessariamente em derrame cerebral?
Drª Leong: Não.
Magistrada do MºPº: Porque?
Drª Leong: Caso a hipertensão arterial seja bem controlada e não há outras causas, tais como flutuação repentina de pressão arterial, se a pressão arterial seja bem controlada, normalmente não ocorre derrame cerebral.
Magistrada do MºPº: Há bocado a doutora falou das causas, quais são as causas do derrame cerebral do lesado?
Drª Leong: A flutuação de pressão arterial, que é causada por diversos factores tais como, doenças de rins, de coração, doenças de coração e pulmão e factores ambientais, tais como stress, falta de sono, pressão repentina, também contribuem para a flutuação de pressão arterial.
Magistrada do MºPº: O nº 3 do relatório da junta médica indica que as causas eram a arteriosclerose, doença cardíaca, doença de rins, cansaço excessivo, factores associados ao nervo, isso significa que os peritos médicos entendem que os factores indicados são, do ponto de vista médica, as causas provocadoras da doença?
Drª Leong: Sim.
Magistrada do MºPº: Nesta causa, os Srs. Doutores podem excluir o trabalho da lista das causas?
Drª Leong: Trabalho não resulta necessariamente em derrame cerebral, mas não se pode excluir a possibilidade, porque além de doenças que sofria a pessoa ainda pode ser influenciada por factores ambientais.
Magistrada do MºPº: O que quer dizer, não se pode excluir a causa de trabalho neste caso. Isto significa que a hipertensão arterial não é a causa única neste caso?
Drª Leong: Não, não se pode. O derrame cerebral é causado por um conjunto de factores e a hipertensão arterial é a causa principal. Mas verificam-se outros factores neste caso.”

- Gravação da audiência 01:15:15:
“Magistrada do MºPº: Os dados neste caso revelam que o trabalhador apresentou derrame cerebral enquanto transportava objectos no tempo de trabalho. Podemos dizer que o cansaço por trabalho é um factor mais relevante?
Drª Leong: Claro que sim. A hipertensão arterial é a causa principal e o cansaço decorrente do trabalho e o stress causado por inaptidão para o trabalho podem causar flutuação da pressão arterial, o que provoca a hemorragia cerebral se o paciente sofria da hipertensão arterial.”

- Gravação da audiência 01:17:25:
“Magistrada do MºPº: Neste caso, foi encontrada malformação vascular cerebral ou malformação congénita no trabalhador?
Drª Leong: O relatório do exame CT não disse que o trabalhador padece destas doenças.”

- Gravação da audiência 01:18:06:
“Magistrada do MºPº: As sequelas da hemorragia cerebral, tal como se indicou que o trabalhador apresenta a redução na capacidade de memória, na capacidade funcional e de falar, será que estas podem resultar na incapacidade funcional de actividades básicas da vida diária?
Drª Leong: A perda é parcial, como existe paralisia do lado direito do corpo, dormência, portanto, necessita de apoio de terceira pessoa para a satisfação de uma parte das necessidades básicas.
Magistrada do MºPº: Necessita de apoio de terceira pessoa na vida diária, tais como comer, tomar banho, comprar?
Drª Leong: Sim.”

(…)
3. A testemunha D (o colega de trabalho do recorrido que trabalhou com ele no dia do acidente) prestou o seguinte depoimento:

- Gravação da audiência 01:22:20:
“Magistrada do MºPº: Qual era o horário de trabalho do trabalhador B?
Testemunha: Das 8h30 às 17h30.
Magistrada do MºPº: Tinham trabalho na manhã daquele dia? Começaram a rabalhar às 8h30?
Testemunha: Sim.
Magistrada do MºPº: Podia indicar a quantidade de trabalho naquela manhã?
Testemunha: De manhã transportámos legumes e frutas com a carrinha por duas ou três vezes. A quantidade de verduras e frutas para transportar foi maior, havia mais ou menos 60 a 70 caixas de legumes e frutas.
Magistrada do MºPº: A quantidade foi maior do que nos dias normais?
Testemunha: Sim. A quantidade é maior nos dias de festivais tradicionais ou feriados e a quantidade naquele dia foi maior do que nos dias normais.
Magistrada do MºPº: Podia contar o trabalho de transporte naquele dia?
Testemunha: Chegámos de carrinha ao mercado de manhã e carregámos as caixas de verduras e frutas até à carrinha, digo, carregámos as caixas de uma prateleira de mercadorias e, a seguir, pegámos na carrinha e dirigimo-nos aos supermercados. Depois, tirámos as verduras e frutas da carrinha e transportámo-las para o interior dos supermercados.
Magistrada do MºPº: À que horas começaram a trabalhar à tarde?
Testemunha: Às 14h00.
Magistrada do MºPº: Depois de chegarem ao local de trabalho, como estava B?
Testemunha: Depois de chegarmos ao local de trabalho, B começou a carregar e transportar as mercadorias e, a seguir, apresentou um ar inexpressivo, tonturas, boca torta, mãos trementes. Depois, eu chamei a polícia.
Magistrada do MºPº: B já começou a tarefa de transporte naquela altura?
Testemunha: Sim, estava a transportar as caixas de esferovite para legumes e frutas.”

- Gravação da audiência 01:27:14:
“Magistrada do MºPº: Naquele dia, vocês estavam com o tempo apertado ou foram apressados para acabar o trabalho?
Testemunha: Nós tínhamos um tempo relativamente apertado naquele dia. Recebemos mais ordens de entrega de verduras e frutas, algumas eram para a Taipa.
Magistrada do MºPº: A empregadora fixou o intervalo de descanso depois de algum tempo de trabalho?
Testemunha: Não. Quando acabámos o trabalho já era uma da tarde. Depois do almoço tínhamos que fazer o trabalho da parte da tarde com pressa. Não descansámos depois do almoço, voltámos a trabalhar e entregar mercadorias.”
- Gravação da audiência 01:28:50:
“Advogado da Ré: Em situação normal, qual é a quantidade de trabalho?
Testemunha: Normalmente são 40 a 50 caixas de verduras e frutas e nos dias que há mais quantidade são 60 a 70 caixas.”

- Gravação da audiência 01:34:30:
“Juiz a quo: Quanto pesavam as verduras e frutas transportadas naquele dia?
Testemunha: Normalmente não se carrega caixa a caixa. Nós transportamos várias caixas de uma vez. Normalmente usamos carrinho para puxar os legumes e frutas para a carrinha, necessitamos de usar força.
Juiz a quo: Quantos pesavam os legumes e frutas que puxaram?
Testemunha: Correspondiam a alguns sacos de arroz, talvez mais do que 25 kilos.
Juiz a quo: Além disso, o Sr. O precisava de carregar outras mercadorias para a carrinha?
Testemunha: Sim.
Juiz a quo: Qual foi o tamanho da mercadoria, quanto pesava?
Testemunha: Às vezes, tinha que carregar ao mesmo tempo três caixas, cada caixa pesava igual ao saca de arroz de 10 kilos, ou seja, 30 kilos.”

3.5. Perante isto, há que apurar se o Mmo Juiz errou ao considerar que terá sido o trabalho desenvolvido, associado à hipertensão pré-existente, que despoletou o referido acidente.
Não se sufraga a tese da recorrente que entende que a hipertensão arterial, em situação normal é susceptível de provocar em qualquer momento a hemorragia cerebral, seja no trabalho, no descanso ou quando estar se está a comer, e, assim, conclui que a lesão do trabalhador neste concreto caso não tem nada a ver com o seu trabalho.
Inclinamo-nos no sentido de sufragar o julgamento produzido, considerando que o acidente cardiovascular está associado a algo mais para além da hipertensão causadora da arteriosclerose, tal como resulta dos depoimentos acima transcritos.
O acidente verificado no local e lugar de trabalho presume-se como sendo de trabalho, a não ser que haja predisposição patológica a esse acidente. Em princípio, seria esse o caso; só que, no caso, comprova-se algo mais, um excesso de peso e de trabalho desenvolvido nesse dia, factor que, abstractamente, pode desencadear aquele acidente cardiovascular e aí voltar-se-á à situação inicial que faz presumir o acidente de trabalho, razão por que não custa aceitar que aquele quid conjuntural e laboral passe a ser o elemento caracterizador do acidente de trabalho.
Na verdade, dos esclarecimentos prestados pelos Senhores Peritos resultou que apenas a hipertensão arterial não provoca a lesão, necessitando que se verifiquem uma série de factores, internos, como padecimento de outras doenças tais como as doenças de rins, de coração, de coração e pulmão ou malformação vascular cerebral, factores que desconhecemos existirem e, nesse contexto, a presunção é favorável ao trabalhador.
No que tange aos factores externos - factores ambientais, cansaço decorrente do trabalho, pressão repentina, nervosismo, stress, etc. - prova-se o desenvolvimento de um esforço extra, o que inculca também no sentido, já não apenas de uma presunção favor laboratoris, mas da comprovação de um factor despoletador, de natureza laboral, que vai desencadear o acidente. Este, por norma, decorre de uma conjugação de factores, que não apenas da hipertensão arterial. O que se verifica muitas vezes é que se desconhece o íntimo da vítima, não se sabe o que o incomoda, por que sofre, o que pensa, o que o tortura, tudo factores que também podem concorrer para aquele desenlace.
É evidente que esta posição causa algumas dificuldades ao mercado de trabalho e às seguradoras, em particular, havendo um maior risco na contratação de pessoas hipertensas ou com uma predisposição patológica a que ocorra um acidente, susceptível de ocorrer durante o período de trabalho, situação que, numa visão redutora, redundará na não contratação. Essa, contudo, é uma razão que se situa a montante, se não noutra sede e não pode afastar o julgador de aplicar a lei em conformidade e contornar os escolhos de uma prova difícil na busca de eventual elemento integrante do nexo causal entre o evento e o trabalho.
Somos assim a entender, pelo conjunto dos factos aqui apurados – cada caso é um caso – do depoimento da testemunha que trabalhou em conjunto com o recorrido naquele dia resultou que o recorrido começou a trabalhar das 8h00 naquele dia, exercendo trabalho de esforço físico sem parar e, ainda por cima, a quantidade de mercadorias a transportar era maior do que nos dias normais. Além disso, a testemunha relatou de forma detalhada o trabalho do recorrido, puxando e descarregando as mercadorias para/e da carrinha, de 25 a 30 kilos cada vez, sendo o peso total de verduras e frutas transportadas naquela manhã superior ao normal, (60 a 70 caixas de verduras e frutas), tendo ficado a trabalhar sem intervalo por ter tempo apertado, trabalhando até à uma da tarde para almoçar, voltando a trabalhar às duas da tarde e tendo apresentado os sintomas da hemorragia cerebral enquanto transportava as caixas, ainda que de esferovite, para verduras e frutas, que este circunstancialismos concreto terá integrado aquele quid a que o acidente vascular terá estado associado.

Foi essa a convicção do julgador e não há razões para a desacreditar. No dia do acidente, o recorrido desenvolveu esforço físico sem parar e a quantidade de trabalho foi um terço maior do que nos dias normais, tinha que completar as tarefas, trabalhando sem parar ou intervalo até à hora de almoço. A seguir, tinha que voltar a carregar e a transportar mercadorias depois de uma hora de descanso. Pela circunstância de trabalhar sem parar, conjugada com a idade do recorrido na altura (56 anos), o Tribunal a quo entendeu existir a causa de cansaço decorrente do trabalho que agravou ou piorou a doença de hipertensão arterial do recorrido.
Este entendimento é aceitável e não choca manifestamente as regras da experiência comum, razão por que se entende não ter havido erro de julgamento.

4. Se analisarmos a jurisprudência deste tribunal, citada nas alegações da recorrente, verificamos que no Proc. 348/2009, de 23/7/2009, no Proc. 475/2011, de 29/11/2011, no Proc.1022/2015, de 21/1/2016, a base factual era algo diferente da dos presentes autos.

4.1. No Proc.1022/2015, de 21/1/2016, com o seguinte sumário,
- “Tendo sido demonstrada e verificada a situação excepcional a que se refere o artº 8º, in fine, do Decreto-Lei nº 40/95/M, à luz do qual “a predisposição patológica da vítima de um acidente não exclui o direito à reparação integral, salvo quando tiver sido causa única da lesão ou doença ou tiver sido dolosamente ocultada”, não há lugar ao direito à reparação.”-
provou-se tão somente que numa sala de jogo a trabalhadora teve uma síncope, mais nada se tendo comprovado para além de que à A. foi-lhe diagnosticado um "acidente vascular cerebral" e hipertensão. Para além desta doença nada acrescia a essa predisposição patológica à sobrevivência do acidente vascular.
4.2. No Proc. 348/2009, de 23/7/2009, sumariado como
- “1. Face ao regime dos acidentes de trabalho, em princípio, o acidente ocorrido no tempo e lugar de trabalho presume-se como de trabalho.
2. Para o descaracterizar como tal, importa provar que ele se ficou a dever, exclusivamente, a causas que nada têm que ver com o trabalho prestado.
3. Não se afastando a concausalidade na produção do acidente por circunstância relacionadas com a actividade laboral, fica erecta aquela primeira presunção.
4. Assim, se um dado trabalhador tem um enfarte do miocárdio, enquanto está a desenvolver esforço físico de transporte de mercadorias, embora portador de uma predisposição para tal doença, não provando o empregador que o enfarte se ficou devendo, exclusivamente, a essa doença, tendo-se até comprovado que o esforço físico pode contribuir para a efusão da doença em causa, o acidente de trabalho não se mostra descaracterizado.
5. Pelo que a Seguradora deve pagar a compensação respectiva com os limites decorrentes da lei.”
– a base factual é mais próxima da do presente caso e aí se decidiu no sentido para que ora propendemos.
4.3. No Proc. 475/2011, de 29/11/2011, sumariado como
- “I - Mesmo que um ataque cardíaco que vitime um trabalhador tenha ocorrido no local e no tempo de trabalho (que faz presumir ser de trabalho o acidente, nos termos do art. 10º, nº1, al. a), do DL nº 40/95/M de 14/08), não haverá lugar a reparação se a efectiva prestação de trabalho não tiver concorrido, de acordo com os factos provados, para a produção do acidente vascular fatal.

II- E se, em vez da prova da concorrência de causas, tiver ficado demonstrado que apenas à doença de que o trabalhador padecia (aterosclerose da coronária, em virtude de acumulação de colesterol) se ficou a dever o ataque cardíaco, então nem ao abrigo do art. 8º do citado diploma haverá lugar a reparação” - , tratava-se de um caso em que o sinistrado “estava a rebocar as paredes na loja n.º 2426A em Venetian Macau Resort, ficando num lugar com altura de cerca de 1,2 metros na escada de madeira. Durante o trabalho, o sinistrado sentiu-se mal e os seus colegas apoiaram-no a descer a escada e deitar-se nº chão. (…)
Mais tarde o sinistrado foi transportado na ambulância ao Centro Hospitalar Conde de S. Januário para tratamento, mas foi verificada a sua morte a caminho. (…)” e de acordo com o parecer médico-legal clínico a morte ficou-se a dever a “ causa da insuficiência cardíaca causada por aterosclerose coronária e enfarte agudo do miocárdio. Além de doenças cardíacas, o morto também sofreu de tuberculose no pulmão direito e uma extensa aderência pleural.” -

   4.4. Na verdade, como se observa, cada caso é um caso, e estamos em condições de observar que as situações são muito diferentes entre si.
No nosso caso, o Mmo Juiz, perante uma prova difícil, inclinou-se no sentido de entender que terá sido o acréscimo e o esforço de trabalho que constituiu a espoleta do acidente cardiovascular, se bem que associado a uma situação de hipertensão, havendo uma situação de concausalidade que não exclui a caracterização do acidente de trabalho.
Razão por que não desmereceremos do juízo efectuado na 1.ª Instância.
Assim sendo, sendo estas as questões a apreciar e de que dependeria o desfecho do recurso, sermos a manter o doutamente decidido.

    IV – DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
    Custas pela recorrente.
Macau, 11 de Maio de 2017,
  João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho

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