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--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013).----------
--- Data: 31/05/2017 --------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. Dias Azedo.-----------------------------------------------------------------------------

Processo nº 394/2017
(Autos de recurso penal)

(Decisão sumária – art. 407°, n.° 6, al. b) do C.P.P.M.)

Relatório

1. A, arguido com os restantes sinais dos autos, respondeu no T.J.B., vindo a ser condenado como autor da prática de 1 crime de “ofensa grave à integridade física”, p. e p. pelo art. 138°, al. d) do C.P.M., na pena de 5 anos de prisão; (cfr., fls. 276 a 279 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Do assim decidido, vem o arguido recorrer, afirmando que excessiva é a pena aplicada, pedindo a sua redução, (atenuação especial), e que, a final, se decrete a suspensão da sua execução; (cfr., fls. 292 a 300).

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Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 302 a 307).

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Neste T.S.I., juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:

“Recorre A do acórdão de 28 de Março de 2017, proferido no âmbito do processo comum colectivo CR1-16-0325-PCC, que o condenou na pena de 5 anos de prisão, como autor material de um crime de ofensa grave à integridade física, da previsão do artigo 138.°, al. d), do Código Penal.
Na motivação e respectivas conclusões, traz o recorrente à consideração do tribunal de recurso a questão da medida da pena, considerando que o tribunal deveria nomeadamente ter lançado mão do mecanismo de atenuação especial da pena, por força do artigo 66.° do Código Penal, devido ao arrependimento demonstrado pelo recorrente.
Na resposta à motivação, já o Ministério Público demonstrou a falta de razão do recorrente, pouco mais havendo a acrescentar a quanto nessa linha vem dito.
Não procedem, com efeito, as razões aduzidas em via de recurso para justificar a aventada atenuação especial.
Desde logo, é de assinalar que o recorrente faz agora um enquadramento dos factos, assaz justificativo da sua actuação delituosa, que não coincide pouco mais ou menos com a matéria que ficou provada e que ele próprio aceitou genericamente em julgamento. Ao contrário do que agora diz, ele foi à procura da vítima, previamente munido de uma faca, instrumento de agressão letal, que utilizou para a molestar severamente na sua integridade física, assim fazendo perigar a vida dela, após a haver bamboleado pelos cabelos e arremessado ao chão, onde a socou e pontapeou, tudo apontando para um acentuado grau de ilicitude e para uma alta intensidade dolosa, como o tribunal fez questão de vincar.
Posto isto, a proclamação de arrependimento, que agora vem brandir baseada na confissão, não satisfaz a exigência da alínea c) do n.° 2 do artigo 66.° do Código Penal, em que presumive1mente pretende alicerçar a atenuação especial. Esta norma convoca actos demonstrativos de arrependimento sincero, não se bastando com meras intenções ou afirmações, mesmo quando produzidas em audiência. Acresce que a sua operatividade, enquanto causa de atenuação especial, está naturalmente subordinada à constatação da acentuada diminuição da ilicitude, da culpa ou da necessidade da pena, conforme exigência do n.° 1 do mesmo artigo, diminuição que não se verifica, tal como o Ministério Público nota na sua resposta.
Diga-se, até, que o proclamado arrependimento nem condiz muito bem com esta versão algo deturpada dos factos que o recorrente agora parece querer fazer vingar nas suas alegações de recurso.
Não estavam, pois, reunidas quaisquer circunstâncias que apontassem para uma acentuada diminuição da ilicitude, da culpa ou da necessidade da pena, pelo que não podia o tribunal fazer uso do mecanismo de atenuação previsto no referido artigo 66.°.
De resto, a medida concreta da pena, devidamente justificada e sustentada no douto acórdão recorrido, e situada no patamar inferior da respectiva moldura, não viola vinculações legais nem se revela desproporcionada, pelo que não merece reparo. E sendo assim, como cremos, fica afastada qualquer margem para diminuição da pena, o que inviabiliza liminarmente a hipótese da aventada suspensão da respectiva execução, cuja temática resulta, por isso, prejudicada.
Improcede manifestamente a argumentação do recorrente, pelo que, salvo melhor juízo, deverá o recurso ser rejeitado”; (cfr., fls. 355 a 356).

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Em sede de exame preliminar constatou-se da “manifesta improcedência” do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), e tendo-se presente que a possibilidade de “rejeição do recurso por manifesta improcedência” destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, visando, também, moralizar o uso (abusivo) do recurso, passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. O Tribunal a quo deu como provada a factualidade seguinte:

“1) Em Meados de 2015, arguido e B do sexo feminino que veio também de Vietname, conheceram-se e desenvolveram-se em relação amorosa, em Abril de 2016, a ofendida por não conseguir suportar as várias agressões do arguido, pelo que separou-se dele.
2) O arguido posteriormente através de diversas formas pediu união à ofendida, que entretanto foi recusado, além disso, ele desconfiava que a ofendida tinha relação com outros homens, por isso, odiava a ofendida.
3) No dia 27/05/2016, cerca das 19H00, o arguido viu a ofendida nas escadarias do edf. XXX, sita na Rua XXXX nº XX, Macau, a qual saía da sua residência, pelo que, avançou da rua defronte em direcção à ofendida, ele aproveitou a ofendida desprevenida e sem poder reagir atempadamente, agarrou-a pelos cabelos na plataforma do 1° andar do edifício, fez com que ela caísse ao chão, em seguida, começou a agredi-la com socos e pontapés.
4) O arguido sacou uma faca que tinha no corpo para esfaquear a ofendida, ele depois de esfaquear os abdominais do lado esquerdo da ofendida, fugiu.
5) A ofendida foi conduzida pela ambulância ao CHCSJ, pelas 19H45, para ser tratada, tendo sido diagnosticada de ter sido esfaqueada no lado esquerdo inferior dos abdominais, os intestinos estavam expostos a um comprimento de 10 CM, a facada atingiu o sigmóide (com 2 CM de comprimento), a lesão causou perigo de vida à ofendida. (vide parecer clínico de medicina legal de fls. 35)
6) O arguido livre, consciente e com perfeito conhecimento que praticou actos de ofensas à ofendida, causando-a perigo de vida, ele praticou directamente ofensas graves à integridade física da ofendida.
7) O arguido bem sabia que a sua conduta é proibida e punida por lei.
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Mais se apurou:
O arguido afirmou que tem o 3º ano do curso universitário, é cabeleireiro, auferia o salário de MOP$4,500.00, tem a cargo os seus pais.
Conforme o CRC recente, é primário”; (cfr., fls. 277 a 277-v).

Do direito

3. Vem o arguido recorrer do Acórdão do T.J.B. que o condenou como autor de 1 crime de “ofensa grave à integridade física”, p. e p. pelo art. 138°, al. d) do C.P.M., na pena de 5 anos de prisão, afirmando que excessiva é a pena aplicada, pedindo a sua atenuação (especial), fixando-se-lhe uma pena inferior a 3 anos de prisão, e que, a final, se decrete a suspensão da sua execução.

Cremos, porém, que manifestamente improcedente é a pretensão apresentada, aliás, como de forma clara se expõe na Resposta e Parecer do Ministério Público, cujo teor aqui se dá como reproduzido para a solução que se apontou.

Seja como for, não se deixa de consignar o que segue.

Nos termos do art. 138° do C.P.M.:

“Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa de forma a
a) privá-la de importante órgão ou membro, ou desfigurá-la grave e permanentemente,
b) tirar-lhe ou afectar-lhe, de maneira grave, a capacidade de trabalho, as capacidades intelectuais ou de procriação, ou a possibilidade de utilizar o corpo, os sentidos ou a linguagem,
c) provocar-lhe doença particularmente dolorosa ou permanente, ou anomalia psíquica grave ou incurável, ou
d) provocar-lhe perigo para a vida, é punido com pena de prisão de 2 a 10 anos”.

No caso, diz o arguido que devia beneficiar de uma “atenuação especial da pena”, alegando que entregou-se voluntáriamente à Polícia, tendo confessado os factos, estando arrependido.

Como repetidamente temos vindo a considerar, “a atenuação especial só pode ter lugar em casos “extraordinários” ou “excepcionais”, ou seja, quando a conduta em causa “se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo”, (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 13.12.2016, Proc. n.° 258/2016, de 19.01.2017, Proc. n.° 530/2016 e de 26.01.2017, Proc. n.° 840/2016).

No caso dos presentes autos, não nos parece que possa haver lugar a uma “atenuação especial”, pois que não se vislumbra a “excepcionalidade da situação” de forma a justificar a pretendida atenuação.

Com efeito, e como bem se nota no Parecer que atrás se deixou transcrito, o arguido apenas confessou “parcialmente” os factos, (negando que tenha agredido a soco e pontapé a vítima antes de a esfaquear), não se podendo assim dar como verificado o seu arrependimento.

Por sua vez, a sua entrega, (vários) dias depois do cometimento do crime, tem também, no caso, menor valor atenuativo, pois que com base nas investigações entretanto desenvolvidas, já estava perfeitamente identificado, estando já as autoridades policiais em diligências tendentes a sua localização e detenção.

E, por fim, atento o seu “modus operandi”, verificando-se que agrediu a ofendida enquanto esta se encontrava desprevenida, (e sem poder reagir), agarrando-a pelo cabelo, fazendo-a cair ao chão, agredindo-a a soco e pontapé, e depois, com uma faca que já trazia consigo, e causando as lesões descritas na facticidade provada, (deixando-lhe com os intestinos à mostra), afastada se nos apresenta a pretendida “atenuação especial”, sendo caso para dizer também que nenhuma censura – por excesso – merece a pena fixada de 5 anos de prisão, (que se situa a 3 anos do mínimo legal e a 5 anos do máximo), sendo de notar que a mesma se encontra em total harmonia com os critérios do art. 40° e 65° do C.P.M..

Cabe aqui consignar também que como decidiu o Tribunal da Relação de Évora:

“I - Também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico, pelo que o tribunal de recurso deve intervir na pena (alterando-a) apenas e só quando detectar incorrecções ou distorções no processo de determinação da sanção.
II - Por isso, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de apreciação livre reconhecida ao tribunal de 1ª instância nesse âmbito.
III - Revelando-se, pela sentença, a selecção dos elementos factuais elegíveis, a identificação das normas aplicáveis, o cumprimento dos passos a seguir no iter aplicativo e a ponderação devida dos critérios legalmente atendíveis, justifica-se a confirmação da pena proferida”; (cfr., o Ac. de 22.04.2014, Proc. n.° 291/13, in “www.dgsi.pt”, aqui citado como mera referência, e Acórdão do ora relator de 12.01.2017, Proc. n.° 795/2016, 09.03.2017, Proc. n.° 180/2017 e 23.03.2017, Proc. n.° 241/2017).

Também, decidiu este T.S.I. que:“Não havendo injustiça notória na medida da pena achada pelo Tribunal a quo ao arguido recorrente, é de respeitar a respectiva decisão judicial ora recorrida”; (cfr., o Ac. de 24.11.2016, Proc. n.° 817/2016).

No caso dos autos, a “violência” pelo arguido exercida sobre a ofendida, e as lesões a esta causadas, denotam um dolo (directo) muito intenso e uma elevada ilicitude, (muito) fortes sendo as necessidades de prevenção criminal, a reclamar alguma “dureza” na reacção penal, a justificar, em nossa opinião, cabalmente, a pena aplicada, nenhuma censura merecendo a decisão recorrida.

Daí, e em causa não estando uma pena de prisão “não superior a 3 anos”, inviável sendo também assim a pretendida suspensão da sua execução, (cfr., art. 48° do C.P.M.), imperativa se nos apresenta a decisão que segue.

Decisão

4. Em face do exposto, decide-se rejeitar o presente recurso.

Pagará o recorrente a taxa de justiça que se fixa em 4 UCs, e como sanção pela rejeição do recurso o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 31 de Maio de 2017
José Maria Dias Azedo
Proc. 394/2017 Pág. 14

Proc. 394/2017 Pág. 13