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Processo nº 892/2016
(Autos de recurso contencioso)

Data: 18/Maio/2017

Assuntos: Resposta do Chefe do Executivo ao Tribunal Administrativo; acto irrecorrível

SUMÁRIO
- A resposta do Senhor Chefe do Executivo ao Tribunal Administrativo, dada no âmbito de um processo judicial, para o efeito previsto nos termos do artigo 4º da Lei nº 22/2009, não é um acto administrativo strictu sensu.
- Tendo o Chefe do Executivo respondido ao Tribunal Administrativo que não autorizava que as pessoas visadas prestassem depoimento na qualidade de testemunhas, por considerar que os factos que se pretendem apurar têm natureza confidencial ou reservada e foram conhecidos no exercício das respectivas funções, o Juiz do processo deveria tomar posição quanto ao pedido dos recorrentes no tocante à realização dos depoimentos solicitados. Mais precisamente, deveria dar despacho no sentido de julgar, ou não, como válida essa mesma “autorização”, cabendo aos interessados, se for caso disso, interpor recurso jurisdicional do despacho do juiz que aceitaria ou negaria a posição assumida e os fundamentos alegados pelo Chefe do Executivo no âmbito do respectivo processo judicial.
Nesta senda, o objecto do recurso deverá ser o próprio despacho do juiz que aprecie o pedido formulado pelos recorrentes, sendo irrecorrível a referida resposta do Chefe do Executivo ao Tribunal Administrativo.
       
       
O Relator,

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Tong Hio Fong

Processo nº 892/2016
(Autos de recurso contencioso) - Incidente

Data: 18/Maio/2017

Recorrentes:
- A e outros

Entidade Recorrida:
- Chefe do Executivo

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, K e L, com sinais nos autos, inconformados com o despacho do Chefe do Executivo que não autorizou que o Ex-Chefe do Executivo, Senhor Ho Hau Wah Edmond e o Exmº. Ex-Secretário para a Economia e Finanças, Senhor Tam Pak Yuen, fossem ouvidos como testemunhas no âmbito do processo nº 1241/15-ADM que corre termos no Tribunal Administrativo, interpõem recurso contencioso para este TSI.
Na contestação, a entidade recorrida suscita a excepção da irrecorribilidade do acto.
Notificados os recorrentes, pugnam pela improcedência da excepção invocada.
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Notificado o Ministério Público, foi emitido o seguinte douto parecer:
“Nos autos, os recorrentes põem em crise a decisão incorporada no ofício n.º 08384/GCE/2016 dirigido à MMª Juiz do Tribunal Administrativo (doc. de fls. 31 dos autos), decisão que consubstancia em «本人不許可前行政長官何厚鏵先生及前經濟財政司司長譚伯源先生以證人身份作證», ao abrigo do disposto no art. 4º da Lei n.º 22/2009 (Limitações impostas aos titulares do cargo de Chefe do Executivo dos principais cargos do Governo após cessação de funções).
Na contestação (vide. fls. 214 a 229 dos autos), a entidade recorrida deduziu a excepção da irrecorribilidade da decisão em escrutínio, que encontrou a impugnação dos recorrentes na réplica de fls. 234 a 242 dos autos.
*
À luz do prescrito no art. 115º do CPA, e em esteira das doutrinas autorizadas no que respeitem a conceito e elementos essenciais do acto administrativo (Lino Ribeiro, José Cândido de Pinho: Código do Procedimento Administrativo – Anotado e Comentado, pp. 554 a 566, Freitas do Amaral: Direito Administrativo, vol. III, Lisboa 1989, pp. 66 a 88), inclina-nos a entender que a sobredita decisão tomada pelo Exmo. Sr. Chefe do Executivo é substancialmente acto administrativo, visto que reúne todos os requisitos e elementos essenciais.
No actual ordenamento jurídico de Macau, para além dos actos do Estado (art. 19º, n.º 3, da Lei Básica) e das matérias consignadas no art. 19º da Lei n.º 9/1999, ficam também fora da jurisdição administrativa certa categoria de acto administrativo.
A título meramente exemplificativo, pode-se apontar aqueles actos de recusa previstos nos nº 2 do art. 220º do C.R. Civil aprovado pelo D.L. n.º 59/99/M, nº 2 do art. 220º do CR Predial aprovado pelo D.L. n.º 46/99M, nº 2 do art. 93º do CR Com. aprovado pelo D.L. n.º 56/99M, nº 2 do art. 186º do Código do Notariado aprovado pelo D.L. n.º 62/99M, e arts. 275º a 283º do RJPI aprovado pelo D.L. n.º 97/99M.
De outra banda, convém ainda não olvidar que os actos administrativos de recusa total ou parcial de pretensões particulares do exercício do direito à informação não podem ser objecto de recurso contencioso, mas objecto da acção para prestação de informação, consulta de processo ou passagem de certidão (arts. 108º e 109º do CPAC).
No caso sub iudice, recorde-se que sendo embora acto administrativo, a decisão objecto do recurso contencioso em apreço consiste apenas em não autorizar a inquirição do ex-Chefe do Executivo e do ex-SEF na qualidade de testemunha, alegando ao abrigo do disposto no art. 4º da Lei n.º 22/2009, normativo que prescreve claramente: Os ex-titulares do cargo de Chefe do Executivo e dos principais cargos têm o dever de guardar segredo sobre factos confidenciais ou reservados de que tenham tomado conhecimento no exercício das respectivas funções, enquanto não forem objecto de divulgação pública, salvo autorização do Chefe do Executivo.
Nos termos das disposições nos n.º 4 do art. 442º do CPC e arts. 122º a 124º do CPP aplicáveis de acordo com o art. 1º do CPAC, bem como no art. 67º do CPAC, afigura-se-nos que compete à MMª Juiz titular apreciar a decisão do Exmo. Sr. Chefe do Executivo supra aludida e, consoante a situação, ordenar as diligências de prova que entenda necessárias.
Daí decorre que tal decisão do Exmo. Senhor Chefe do Executivo não possui a virtude de definir autoritariamente a situação jurídica dos recorrentes, o que a mesma define é a situação processual do ex-Chefe do Executivo e do ex-SEF. Nisto se traduz, na nossa óptica, a razão de ser do douto despacho da MMª Juiz titular, no sentido de ordenar «通知訴訟雙方於10日期間內發表意見» (vide. fls.30 dos autos).
Nesta linha de consideração, opinamos que a referida decisão do Exmo. Senhor Chefe do Executivo impugnada nestes autos não pode ser objecto de recurso contencioso, e esta irrecorribilidade contenciosa não configura a infringir o princípio da tutela jurisdicional efectiva.
Por todo o expendido acima, propendemos pela procedência da excepção suscitada pela entidade recorrida.”
Cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
Para a decisão da excepção suscitada pela entidade recorrida, releva a seguinte matéria de facto:
No âmbito do processo de recurso contencioso que corre termos no Tribunal Administrativo sob o nº 1241/15-ADM, os ora recorrentes arrolaram como testemunhas, entre outros, o ex-Chefe do Executivo e o ex-Secretário para a Economia e Finanças.
Testemunho que foi aceite pelo Tribunal Administrativo.
O Tribunal Administrativo, através do ofício nº 535, de 13.10.2016, solicitou à entidade recorrida que esclarecesse se autorizava as supra testemunhas a prestar depoimento no âmbito do referido Processo nº 1241/15-ADM.
Em 20 de Outubro de 2016, a entidade recorrida, em resposta a tal solicitação, informou o Tribunal Administrativo de que, nos termos do artigo 4º da Lei nº 22/2009 (Limitações impostas aos titulares do cargo de Chefe do Executivo e dos principais cargos do Governo após cessação de funções), não autorizava o ex-Chefe do Executivo, Senhor Ho Hau Wah, e o ex-Secretário para a Economia e Finanças, Senhor Tam Pak Yuen, a prestar depoimento na qualidade de testemunhas, por considerar que os factos que se pretendem apurar têm natureza confidencial ou reservada e foram conhecidos no exercício das respectivas funções.
A notificação do despacho acima referido foi recebida pelos recorrentes em 28.10.2016.
*
Coloca-se a questão da (ir)recorribilidade do acto, invocando a entidade recorrida que o acto recorrido não reveste a natureza de acto administrativo, por estar em causa uma resposta a uma solicitação judicial, não havendo lugar, portanto, a qualquer procedimento administrativo que tenha culminado na prática de um acto administrativo.
Mesmo que assim não se entenda, sustenta a entidade recorrida que os recorrentes não o podem atacar por via de recurso contencioso, por que a lei não prevê qualquer mecanismo de impugnação de tal decisão.
Vejamos rapidamente a situação dos autos.
Inconformados com o despacho do Exmº. Secretário para a Economia e Finanças que lhes aplicou multas no âmbito de um processo de infracção administrativa, interpuseram os recorrentes recurso contencioso para o Tribunal Administrativo.
No âmbito desse processo, os ora recorrentes arrolaram como testemunhas, entre outros, o ex-Chefe do Executivo e o ex-Secretário para a Economia e Finanças, testemunho que foi aceite pelo Tribunal Administrativo.
Posteriormente, o Tribunal Administrativo solicitou à entidade recorrida que esclarecesse se autorizava as supra testemunhas a prestar depoimento no âmbito daquele mesmo processo, mas a entidade recorrida informou o Tribunal Administrativo de que, nos termos do artigo 4º da Lei nº 22/2009 (Limitações impostas aos titulares do cargo de Chefe do Executivo e dos principais cargos do Governo após cessação de funções), não autorizava que os referidos indivíduos prestassem depoimento na qualidade de testemunhas, por considerar que os factos que se pretendem apurar têm natureza confidencial ou reservada e foram conhecidos no exercício das respectivas funções.
Em nossa modesta opinião, somos a entender que o acto em si não é contenciosamente recorrível.
De facto, trata-se apenas de uma resposta a uma solicitação judicial prevista nos termos do artigo 4º da Lei nº 22/2009, uma vez que a diligência de inquirição só poderá ter lugar se for obtido a autorização do Chefe do Executivo para os mesmos efeitos.
E não custa admitir que não houve lugar a qualquer procedimento administrativo que tenha culminado com a prática do referido acto, pois tratando-se de uma mera resposta ao Tribunal Administrativo sobre um pedido por este formulado, a decisão tomada nessa circunstância não deixaria de valer apenas no respectivo processo judicial, ou seja, não é um acto com eficácia externa, na medida em que não é, por si só, susceptível de afectar a esfera jurídica de terceiros.
E não se diga que o direito a tutela jurisdicional efectiva dos recorrentes ficou infringido.
Na verdade, perante a tal resposta do Chefe do Executivo, o Juiz do processo deveria tomar posição quanto ao pedido dos recorrentes no tocante à realização dos depoimentos solicitados. Mais precisamente, deveria dar despacho no sentido de julgar, ou não, como válida essa mesma “autorização”, cabendo aos interessados, se for caso disso, interpor recurso jurisdicional do despacho do juiz que aceitaria ou negaria a posição assumida e os fundamentos alegados pelo Chefe do Executivo no âmbito do respectivo processo judicial.
Isto posto, o objecto do recurso deverá ser o próprio despacho do juiz que aprecia o pedido formulado pelos recorrentes, e não a resposta do Chefe do Executivo ao Tribunal Administrativo, por não ser esta um acto administrativo stricto sensu, a qual não pode ser objecto de recurso hierárquico ou contencioso, nos termos do nº 1 do artigo 28º do CPAC, a contrario.
Pelo que, há-de julgar procedente a excepção da irrecorribilidade do acto.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em julgar procedente a excepção da irrecorribilidade do acto que obste ao conhecimento de mérito do recurso contencioso, com a consequente absolvição da entidade recorrida da instância.
Custas pelos recorrentes, com taxa de justiça em 5 U.C.
Registe e notifique.
***
RAEM, 18 de Maio de 2017
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira

 Fui presente
 Joaquim Teixeira de Sousa



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