Processo n.º 584/2016 Data do acórdão: 2017-6-8 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– auxílio à imigração clandestina
– art.º 14.º, n.º 2, da Lei n.º 6/2004
– obtenção da vantagem patrimonial como recompensa
– co-autoria
– número de crimes
S U M Á R I O
1. No caso, os dois arguidos foram recrutados respectivamente por dois indivíduos de identidade desconhecida para transportarem, em sampana, imigrantes clandestinos para Macau, e antes de serem transportados para Macau, os sete imigrantes clandestinos em causa já pagaram despesas dessa transportação a tais indivíduos de identidade desconhecida, tendo os dois arguidos agido em conjugação de esforços e divisão de tarefas com tais indivíduos de identidade desconhecida.
2. Assim sendo, está preenchido o elemento “obtenção da vantagem patrimonial como recompensa” da conduta de auxílio à imigração clandestina. O facto de os dois arguidos não terem recebido pelas suas próprias mãos a recompensa patrimonial em mira não impede a verificação desse elemento constitutivo do tipo legal do art.º 14.º, n.º 2, da Lei n.º 6/2004, visto que eles agiram em co-autoria com aqueles dois indivíduos de identidade desconhecida que já receberam dos sete imigrantes clandestinos as “despesas de transportação”.
3. São tantos crimes de auxílio quantos os imigrantes ilegais transportados.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 584/2016
(Autos de recurso penal)
Recorrentes: 1.º arguido A
2.º arguido B
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformados com o acórdão proferido a fls. 166 a 171 do Processo Comum Colectivo n.° CR3-15-0451-PCC do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB), que os condenou como co-autores materiais de um crime consumado de auxílio, p. e p. pelo art.º 14.º, n.º 2, da Lei n.º 6/2004, de 2 de Agosto, na idêntica pena de seis anos de prisão, vieram os dois arguidos desse processo chamados A e B recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI).
O 1.º arguido A, na sua motivação de recurso apresentada a fls. 215 a 220 dos presentes autos correspondentes, opina que a sua conduta não integra o tipo legal previsto no n.º 2 do art.º 14.º da Lei n.º 6/2004, mas sim tão-só o referido no n.º 1 deste preceito incriminador, padecendo, pois, o acórdão recorrido do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a que alude o art.º 400.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal (CPP), e que, seja como for, a pena a ele aplicada pelo Tribunal a quo é excessiva, ao arrepio dos critérios dos art.os 40.º e 65.º do Código Penal (CP), pelo que pretende que passe a ser condenado em cinco meses de prisão.
Enquanto o 2.º arguido B, na motivação de recurso de fls. 205 a 208, assaca à decisão recorrida apenas o excesso na medida da sua pena, rogando a sua redução para somente cinco anos de prisão.
Aos recursos, respondeu o Digno Delegado do Procurador a fls. 222 a 224v e a fls. 225 a 227 no sentido de improcedência da argumentação dos recorrentes.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 252 a 253v, pugnando também pela manutenção do julgado.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, e depois de notificados os dois recorrentes da eventual alteração oficiosa, mas sem prejuízo do princípio da proibição da reforma para pior (plasmado no art.º 399.º, n.º 1, do CPP), da qualificação jurídico-penal dos factos para o sentido de passarem ambos os recorrentes a ser condenados como co-autores materiais de sete (e não apenas um) crimes consumados de auxílio do art.º 14.º, n.º 2, da Lei n.º 6/2004 , cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
– a fundamentação fáctica e jurídica do acórdão recorrido encontra-se escrita a fls. 167v a 170v dos autos, cujo teor se dá por aqui integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
– da factualidade provada em primeira instância, resulta que foram sete os imigrantes ilegais transportados todos eles em conjunto na sampana conduzida pelo 1.º arguido.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Pois bem, quanto à questão principal do recurso do 1.º arguido de alegada existência da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, é de observar que a argumentação por ele tecida para sustentar este vício aludido no art.º 400.º, n.º 2, alínea a), do CPP tem a ver apenas com a pretendida convolação jurídica do crime de auxílio qualificado (à imigração clandestina) para o de auxílio simples (à imigração clandestina).
Dos factos descritos como provados sob os n.os 2 a 7 e 12 no aresto impugnado, sabe-se que os dois arguidos foram recrutados respectivamente por dois indivíduos de identidade desconhecida para transportarem, em sampana, imigrantes clandestinos para Macau, e antes de serem transportados para Macau, os sete imigrantes clandestinos em causa já pagaram despesas dessa transportação a tais indivíduos de identidade desconhecida, tendo os dois arguidos agido em conjugação de esforços e divisão de tarefas com tais indivíduos de identidade desconhecida.
Assim sendo, está preenchido o elemento “obtenção da vantagem patrimonial como recompensa” da conduta de auxílio à imigração clandestina. O facto de os dois arguidos não terem recebido pelas suas próprias mãos a recompensa patrimonial em mira não impede a verificação desse elemento constitutivo do tipo legal do art.º 14.º, n.º 2, da Lei n.º 6/2004, visto que eles agiram em co-autoria com aqueles dois indivíduos de identidade desconhecida que já receberam dos sete imigrantes clandestinos (transportados por acção conjunta dos dois arguidos) as “despesas de transportação”.
Improcede, sem mais, o pedido do 1.º recorrente da convolação do tipo legal do crime.
Não obstante, há que proceder oficiosamente à alteração da qualificação jurídico-penal dos factos provados para o sentido de passarem ambos os recorrentes a ser condenados como co-autores materiais de sete (e não apenas um) crimes consumados de auxílio do art.º 14.º, n.º 2, da Lei n.º 6/2004 (por serem tantos crimes de auxílio quantos os imigrantes ilegais transportados), na idêntica pena de cinco anos e um mês de prisão para cada um desses sete crimes, e, em cúmulo jurídico, na idêntica pena única de nove anos de prisão. Entretanto, essa igual pena única de nove anos de prisão fica reduzida a seis anos de prisão, por força do princípio da proibição da reforma para pior plasmado no art.º 399.º, n.º 1, do CPP.
O acima acabado de ser decidido prejudica logicamente a questão, posta por ambos os arguidos recorrentes, do excesso na medida da pena.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em negar provimento aos recursos, passando entretanto a condenar os 1.º e 2.º arguidos como co-autores materiais de sete crimes consumados de auxílio do art.º 14.º, n.º 2, da Lei n.º 6/2004, de 2 de Agosto, na idêntica pena de cinco anos e um mês de prisão para cada um dos sete crimes, e, em cúmulo jurídico, na idêntica pena única de nove anos de prisão, pena única essa que fica reduzida a seis anos de prisão, por força do art.º 399.º, n.º 1, do CPP.
Pagarão o 1.º arguido e o 2.º arguido as custas do correspondente recurso. E pagarão o 1.º arguido duas UC de taxa de justiça e duas mil patacas de honorários a favor da sua Ex.ma Defensora Oficiosa, e o 2.º arguido uma UC de taxa de justiça e mil e quinhentas patacas de honorários a favor do seu Ex.mo Defensor Oficioso.
O presente acórdão é irrecorrível nos termos do art.º 390.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal.
Macau, 8 de Junho de 2017.
_______________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
_______________________
Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
_______________________
Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)
Processo n.º 584/2016 Pág. 1/8