Processo n.º 177/2017
(Recurso Civil)
Relator: João Gil de Oliveira
Data : 8/Junho/2017
ASSUNTOS:
- Citação de pessoa colectiva; citação edital; citação por carta rogatória na pessoa dos administradores
SUMÁRIO :
Para as pessoas colectivas com sede em Macau, vigora o disposto nos artigos 182.º (citação por via postal), 183.º (citação na pessoa de representante na sua residência ou local de trabalho, por carta), 185.º (citação por funcionário de justiça) e 190.º (citação edital), todos do Código de Processo Civil, pelo que uma sociedade com sede em Macau não deverá nunca ser citada no exterior por carta rogatória na pessoa dos seus administradores.
O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira
Processo n.º 177/2017
(Recurso Civil)
Data : 8/Junho/2017
Recorrente : A
Objecto do Recurso : Despacho que ordenou a citação da Ré na pessoa dos
seus administradores por cartas rogatórias
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – RELATÓRIO
1. A, em chinês A有限公司 e em inglês A, LIMITED, Autora nos autos supra identificados, notificada que foi do despacho de fls. 175 e segs., que admitiu o recurso ordinário por si interposto, vem, ao abrigo do disposto no artigo 613.º do Código de Processo Civil (CPC), oferecer as suas alegações, alegando, em síntese:
A. Por despacho de fls. 170 foi ordenada a citação da Ré na pessoa dos seus administradores, residentes no exterior de Macau, por carta rogatória.
B. A citação por carta rogatória apenas tem lugar quando o réu reside no exterior de Macau.
C. O réu não se pode confundir com os seus administradores, que são apenas seus representantes.
D. Ao ordenar a citação da Ré por carta rogatória, na pessoa dos seus administradores, o despacho recorrido violou o disposto nos artigos 193.º e 194.º do Código de Processo Civil.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida e determinando-se a citação da Ré por éditos.
2. O Digno Magistrado do MP oferece o seguinte douto parecer:
No ordenamento jurídico de Macau, dispersos normativos legais formam-se o regime jurídico de que pelas dívidas duma sociedade comercial de responsabilidade limitada que sejam fiscais e parafiscais (impostos ou contribuições, ect.), ou sejam de multas administrativas, contravencionais ou penais, os respectivos administradores e gerentes assumem responsabilidade subsidiária para com a sociedade e solidária entre eles.
As obrigações contratuais, civis ou comerciais entre sociedades comerciais de responsabilidade limitada regem-se pela regra geral de que só o património da própria sociedade é responsável, não se estende aos bens dos seus sócios, administradores e gerentes.
No caso sub iudice, a Ré é uma sociedade comercial com sede na RAEM, e a causa de pedir configurada na petição inicial demonstra que a Autora pretende, na acção condenatória que corre seus termos no TJB sob o n.º CV2-15-0041-CAO-A, ressarcir seus prejuízos patrimoniais derivados do incumprimento do contrato celebrado entre as duas partes - alegadamente um contrato de cessão de direito ao uso da loja 3011 localizada no nível 5 do Grand Canal Shoppes at the Venetian Macau.
De acordo com a causa de pedir delineada na petição, afigura-se que os dois administradores da Ré não são responsáveis subsidiários ou solidários pela dívida incidente na própria Ré, cujo pagamento vê solicitado pela Autora na acção atrás referida.
Como a sua epígrafe indica, o art. 193° do CPC de Macau regula a citação do réu residente no exterior de Macau. E, em bom rigor, a carta rogatória é o instrumento para citar os réus que não sejam residentes da RAEM e aqui não tenham residência ou sede - esta para pessoa colectiva.
Ponderando tudo isto, e equilibrando os interesses processuais e substantivos da Autora com o direito à defesa da Ré, inclinamos a opinar que no vertente caso, não deve haver lugar à citação por carta rogatória do indivíduo de nome B na qualidade de um dos dois administradores da Ré, que reside nos EUA.
***
Por todo o expendido acima, propendemos pela procedência do recurso em apreço.
3. Foram colhidos os vistos legais.
II – FACTOS
Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes:
A recorrente propôs a presente acção contra uma sociedade de direito local, a B LIMITADA, em chinês : B有限公司e, em inglês, B LIMITED, sociedade com sede em 澳門北京街XXX, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o n.º XXX(SO) visando ressarcir seus prejuízos patrimoniais derivados do incumprimento do contrato celebrado entre as duas partes - alegadamente um contrato de cessão de direito ao uso da loja XXXX localizada no nível 5 do Grand Canal Shoppes at the Venetian Macau.
Frustrada a tentativa de citação por oficial de justiça na sede da sociedade (certidão negativa de fls. 141), a recorrente solicitou a citação da ré na pessoa de um dos seus administradores, residente nos Estados Unidos da América, ao abrigo do disposto no artigo 183.º do Código de Processo Civil, tentativa de citação que foi realizada por carta registada com aviso de recepção.
Esta tentativa de citação saiu, também ela, frustrada, razão pela qual a recorrente requereu a citação edital da Ré, ao abrigo do disposto no artigo 194.º do Código de Processo Civil.
Porém, por despacho de fls. 148, foi ordenado que se tentasse ainda a citação da Ré na pessoa do seu outro administrador.
Frustradas todas estas tentativas de citação a recorrente reiterou o pedido de citação da ré por éditos mas, por despacho de fls. 170, foi ordenada a citação da ré, na pessoa dos seus administradores, por carta rogatória, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 193.º do Código de Processo Civil, sendo esta a decisão recorrida.
III – FUNDAMENTOS
O objecto do presente recurso passa fundamentalmente por saber se no caso de uma pessoa colectiva que encerrou as suas portas em Macau é possível proceder a uma citação por carta rogatória nos EUA na pessoa dos seus administradores em vez de proceder à citação edital da sociedade em Macau.
A recorrente propôs a presente acção contra uma sociedade de direito local, a B LIMITADA, em chinês : B有限公司e, em inglês, B LIMITED, sociedade com sede em 澳門北京街XXX, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o n.º XXX(SO).
Frustrada a tentativa de citação por oficial de justiça na sede da sociedade (certidão negativa de fls. 141), a recorrente solicitou a citação da ré na pessoa de um dos seus administradores, residente nos Estados Unidos da América, ao abrigo do disposto no artigo 183.º do Código de Processo Civil, tentativa de citação que foi realizada por carta registada com aviso de recepção, conforme determina o referido preceito legal.
Esta tentativa de citação saiu, também ela, frustrada, razão pela qual a recorrente requereu a citação edital da ré, ao abrigo do disposto no artigo 194.º do Código de Processo Civil.
Porém, por despacho de fls. 148, foi ordenado que se tentasse ainda a citação da ré na pessoa do seu outro administrador.
Frustradas todas estas tentativas de citação a recorrente reiterou o pedido de citação da ré por éditos mas, por despacho de fls. 170, foi ordenada a citação da ré, na pessoa dos seus administradores, por carta rogatória, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 193.º do Código de Processo Civil, nos termos da decisão acima transcrita.
Acompanha-se aqui argumentação da recorrente.
À rRé, que é uma sociedade com sede em Macau, onde foi constituída, não se aplicam as normas previstas no artigo 193.º do Código de Processo Civil, designadamente no seu n.º 5, que prevê a possibilidade de citação por carta rogatória apenas para réus (não os seus administradores) residentes no exterior de Macau, mesmo quando os seus administradores tenham residência fora de Macau.
Para as pessoas colectivas com sede em Macau, vigora o disposto nos artigos 182.º (citação por via postal), 183.º (citação na pessoa de representante na sua residência ou local de trabalho, por carta), 185.º (citação por funcionário de justiça) e 190.º (citação edital), todos do Código de Processo Civil, pelo que uma sociedade com sede em Macau não deverá nunca ser citada no exterior por carta rogatória na pessoa dos seus administradores.
As sociedades locais, com sede em Macau, deverão sempre manter uma ligação efectiva com a sua sede, assim garantindo a atempada recepção de todas as comunicações que à sociedade são dirigidas, como é o caso das citações judiciais.
Conforme resulta expressamente do n.º 1 do artigo 193.º do Código de Processo Civil, as formas de citação previstas naquele artigo, designadamente a carta rogatória, apenas se aplicam quando o réu resida no exterior de Macau.
Aqui a ré é a sociedade, não os seus administradores, não havendo razão alguma que permita estender o âmbito de aplicação do preceito.
Uma vez esgotas as tentativas de citação da ré, por via pessoal, na sede da sociedade por funcionário judicial e na pessoa dos seus administradores, nas moradas constantes do registo comercial, por carta registada com aviso de recepção, será de proceder à citação edital, conforme resulta do disposto no artigo 194.º do Código de Processo Civil.
Esta argumentação acima exposta, que parece ser a mais consentânea com os textos legais, não deixa de reclamar uma justificação substantiva que vai no sentido da citação edital mais conforme com a realidade societária.
A sociedade fechou portas em Macau, mas o seu objecto, actividade e património não deixa de se ligar a Macau. Empreender uma citação, insistindo na rogatória dirigida aos Estados Unidos para citação de um dos administradores, não se sabendo sequer se o são de facto – não fazendo sentido que o sejam a partir do momento do encerramento da sociedade – faz menos sentido do que proceder à própria citação edital da sociedade, dando conhecimento público da acção no ordenamento interno a quem quer que esteja interessado na efectivação de qualquer interesse jurídico ou comercial com essa sociedade.
Acresce que, como destaca o Digno Magistrado do MP no seu douto parecer, os administradores não são responsáveis pelas dívidas da sociedade que se pretendem reclamar – ressarcimento dos prejuízos patrimoniais derivados do incumprimento do contrato celebrado entre as duas partes, alegadamente um contrato de cessão de direito ao uso da loja XXXX localizada no nível 5 do Grand Canal Shoppes at the Venetian Macau – e a sua representação da sociedade é em Macau que se exerce, devendo ser aqui exercida, confrontada e responsabilizada, enquanto tal. Se a sociedade fecha aqui portas, não é por esse facto que deixa de ter aqui a sua sede e a citação rogatória destina-se a quem não seja aqui residente ou aqui não tenha a sua sede.
Se os administradores abandonam o barco poderão eventualmente ser responsabilizados por isso e aí sim justificar-se-á que sejam citados onde quer que se encontrem.
Estando em causa a sociedade, ainda que de portas fechadas, é no local da sua sede que devem correr as diligências da sua citação e os seus administradores não poderão invocar desconhecimento dos meios publicitados na citação edital, pois que tinham o dever de ligação ao local onde implantada a sociedade e onde é suposto que se desenvolva a sua actividade.
Nesta conformidade o recurso não deixará de proceder.
IV – DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em conceder provimento ao recurso, e, em consequência, revoga-se a decisão proferida, devendo prosseguir os autos com citação edital se verificados os condicionamentos e formalidades respectivas.
Sem custas por não serem devidas.
Macau, 8 de Junho de 2017,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
177/2017 9/9