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Processo nº 441/2017 Data: 08.06.2017
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Indemnização.
Exequibilidade provisória; (art. 72° do C.P.P.M.).


SUMÁRIO

1. O pedido de “declaração de exequibilidade provisória” da decisão de condenação no pagamento de uma indemnização civil é um “mecanismo” que visa acautelar situações urgentes, merecedoras de especial protecção.

2. É um “incidente” a processar nos próprios autos onde foi proferida a decisão cuja exequibilidade provisória se pretende.

O relator,

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José Maria Dias Azedo

Processo nº 441/2017
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A e B, com os sinais dos autos, vem recorrer do despacho do Mmo Juiz do T.J.B. que indeferiu o pedido que deduziram de “declaração de exequibilidade provisória” e de “averiguação oficiosa de bens penhoráveis dos requeridos”, afirmando, em síntese, que o decidido viola o estatuído no art. 72° do C.P.P.M.; (cfr., fls. 92 a 112 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Responderam o arguido C e D, (1° e 2°) demandados cíveis, pugnando pela improcedência do recurso; (cfr., fls. 136 a 142 e 146 a 151).

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Admitido o recurso com efeito e modo de subida adequado, foram os autos remetidos a este T.S.I..

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Devidamente processados, e nada obstando, passa-se a decidir

Fundamentação

2. Vem os identificados requerentes recorrer do despacho que lhes indeferiu o pedido atrás aludido, imputando, ao mesmo, a violação do art. 72° do C.P.P.M..

Cremos que, em parte, tem os ora recorrentes razão.

De facto, o Mmo Juiz a quo indeferiu o pedido considerando que a “decisão judicial” apresentada como justificação para o peticionado ainda não tinha transitado em julgado, (por se encontrar em recurso), não constituindo assim “título executivo” para a pretensão apresentada.

Porém, não terá atentado no verdadeiro alcance do preceituado no invocado art. 72° do C.P.P.M..

Vejamos.

Nos termos do estatuído neste comando legal:

“A requerimento do lesado, o juiz pode declarar a condenação em indemnização civil, no todo ou em parte, provisoriamente executiva, nomeadamente sob a forma de pensão”.

E, para melhor compreensão do assim prescrito, vale a pena aqui transcrever a anotação e comentário ao mesmo efectuado por L. Henriques:

“1.– Este preceito veio resolver um problema delicado e bastante recorrente, que dantes vinha deixando sem protecção situações merecedoras de um especial cuidado.
Com efeito, a decisão condenatória em indemnização civil, a liquidar em execução de sentença ou já em quantia certa mas impugnada em recurso, atirava a respectiva execução para bem longe no tempo, quantas vezes volvidos vários anos, com evidentes e quase sempre irreparáveis prejuízos para os respectivos beneficiários.
Ora o dispositivo em apreço veio exactamente acudir a esses casos – e tantos eles são… –, em que o lesado, por exemplo impossibilitado de angariar meios de subsistência, ficava sem recursos para os seus gastos essenciais, nomeadamente quando, sendo ao mesmo tempo ofendido com a prática do crime, tinha que suportar, por efeito deste, despesas com medicamentos ou cuidados médicos ou hospitalares, para as quais não dispunha dos fundos necessários por não poder trabalhar e consequentemente obter um salário.
A resposta da lei a situações tais é, pois, a da possibilidade de execução provisória (total ou parcial) da sentença que haja condenado em indemnização civil, por exemplo sob a forma de pensão.
Assim, se o lesado, nessas circunstâncias, mostrar que está carecido de apoio financeiro para custear despesas correntes de subsistência que de outro modo não consegue satisfazer, só tem que requerer ao tribunal que lhe conceda o benefício de execução imediata, ainda que provisória, no todo ou em parte, da sentença condenatória, em moldes que achar mais convenientes e ajustados à sua situação, por exemplo através de prestações periódicas (pensão mensal), tudo por conta daquela condenação e a descontar na indemnização que em definitivo vier a fixar-se em momento posterior.
A lei põe assim como condição de fundo para que possa utilizar-se este mecanismo que haja já uma decisão condenatória em indemnização (repare-se no teor do preceito: “o tribunal pode declarar a condenação em indemnização civi1…”, fazendo assim pressupor que essa condenação já ocorreu), o que é mais do que óbvio, pois só é possível executar (ainda que provisoriamente) o que existe e não aquilo que não existe.
(…)
2.– Em lado algum a lei impõe que o requerimento a pedir a exequibilidade de sentença condenatória tenha que ser fundamentado.
Mas é de toda a conveniência que o seja, para que o juiz possa avaliar se a pretensão é ou não de deferir, tanto mais que a decisão a proferir, destinando-se a produzir efeitos na esfera jurídica do requerente/ lesado e/ ou na de terceiros, deverá justificar o seu sentido, necessariamente em função das motivações do requerente, para que, quem dela discordar, a possa impugna.
(…)
4.– Lembra MAIA GONÇALVES que a faculdade aberta por este artigo deve ser administrada com prudência e moderação, para não se correr o risco de, mais tarde, em caso de recurso da decisão condenatória com desfecho desfavorável ao requerente da providência, este não ter possibilidades de repor o que recebeu antecipadamente e a título meramente provisório (cfr. op. cit., em anotação ao art.° 83.°)”; (cfr., v.g., in “Anot. e Com. ao C.P.P.M.”, Vol. I, pág. 492, 493 e 494).

Aqui chegados, e – cremos – mais esclarecidos quanto à “ratio” do preceito em questão, vejamos.

Os ora recorrentes, pais de E, vítima mortal de um acidente de viação matéria dos Autos de Processo Colectivo Comum n.° CR1-15-0271-PCC, deduziram, (enxertaram), oportunamente, pedido de indemnização civil pelos danos que (aí) alegaram ter sofrido, tendo-se, a final, decidido:
- condenar a (4ª) demandada civil “COMPANHIA DE SEGUROS X, S.A.R.L.”, (X保險有限公司), a pagar aos demandantes A e B a quantia total de MOP$1.500.000,00, condenando-se, também, os (1° e 3°) demandados civis C e D no pagamento solidário aos mesmos demandantes da quantia de MOP$3.942.704,70 e juros.

Tendo-se do assim decidido interposto recurso para este T.S.I., (registado com o n.° 236/2017, que se encontra pendente), entenderam os demandantes requerer a “declaração de exequibilidade provisória” do decidido quanto ao pedido civil que deduziram, e que se procedesse a uma “averiguação oficiosa dos bens penhoráveis”, que, como se viu, não mereceu acolhimento por parte do Mmo Juiz do T.J.B..

Porém, atento o que se deixou até aqui consignado, e ponderando no teor do Acórdão prolatado nos Autos de Processo Comum Colectivo n.° CR1-15-0271-PCC, cremos que, em parte, se deve atender ao pretendido pelos ora recorrentes.

Com efeito, e no que toca ao “pedido de declaração de exequibilidade provisória”, o mesmo constitui um “mecanismo” para “situações” como a ora em causa, em que através de um (mero) “expediente”, e como “incidente” (prévio à execução e) a processar nos próprios autos (de declaração) se pode pedir ao Tribunal da condenação a “declaração de exequibilidade provisória” do decidido, mesmo antes do seu trânsito em julgado e, assim, de constituir “título executivo” para servir de base a uma execução.

É, por assim dizer, uma “excepção” ao estatuído no art. 677° do C.P.C.M., onde se tipificam as “espécies de títulos executivos”.

Dito isto, cabe agora dizer que no pedido que deduziram, não esclarecem os ora recorrentes as verdadeiras razões – o “estado de urgência e necessidade” – que os levaram a deduzir o pedido de “declaração de exequibilidade provisória”.

Mas retirando-se (claramente) do referido Acórdão condenatório que a filha dos ora recorrentes lhes entregava, com regularidade e mensalmente, cerca de MOP$5.000,00 para os seus gastos, e considerando a situação em que (certamente) se encontram – em sofrimento pela morte da sua filha – afigura-se-nos que razoável e adequado é tentar-se aliviar tal “situação” com a disponibilização de uma quantia pecuniária, em forma de “pensão mensal” que, no caso, (tratando-se dos pais da vítima, que faleceu com apenas 20 anos de idade), se considera dever ser assim (no valor total) de MOP$20.000,00, a fim de, entretanto, lhes permitir algum conforto.

Em relação ao restante, cremos que justificado não é.

Com efeito, provado, e nem sequer indiciado está que os ora recorrentes são “sujeitos passivos” de qualquer “execução” (para pagamento de quantias monetárias) para que se pudesse considerar que se encontram em situação (urgente) justificativa de uma declaração de exequibilidade provisória de todas as quantias indemnizatórias fixadas no Acórdão condenatório atrás referido, não se podendo nesta parte acolher a deduzida pretensão.

O mesmo sucede com a pretendida “averiguação oficiosa de bens”, pois que, como é bom de ver, é matéria a tratar, oportunamente, e não em acumulação com o pedido de “declaração de exequibilidade provisória” que se deixou apreciado.

Por fim, considerando que a demandada “COMPANHIA DE SEGUROS X, S.A.R.L.” foi condenada a pagar aos ora recorrentes uma indemnização de MOP$1.500.000,00, visto que se conformou com o decidido, do mesmo tendo não interposto recurso, e ponderando também que constitui sua vocação natural cobrir indemnizações a terceiros lesados em acidentes de viação, entende-se dever ser a mesma a suportar a quantia arbitrada – MOP$20.000,00 – a título de “pensão mensal” a pagar aos ora recorrentes no primeiro dia de cada mês, (notando-se que o quantum que entretanto vier a pagar será posteriormente descontado daquele montante no caso de não vir a sofrer qualquer alteração).

Tudo visto, resta decidir.

Decisão

3. Em face do exposto, concede-se parcial provimento ao recurso.

Custas nas proporções dos seus decaimentos pelos recorrentes e demandados que responderam ao recurso pugnando pela sua improcedência.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 8 de Junho de 2017
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 441/2017 Pág. 10

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