Processo nº 416/2017 Data: 08.06.2017
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime de “falsificação de documentos”.
Ne bis in idem.
Erro notório.
SUMÁRIO
1. Em conformidade com o “princípio ne bis in idem” ninguém pode ser duas vezes julgado pelos mesmos factos; (cfr., art. 14°, n.° 7 do P.I.D.C.P.).
2. Verificando-se que os documentos objecto de falsificação pelo arguido nos presentes autos não são os mesmos documentos apreendidos no âmbito de outro processo pelo qual já respondeu, não ocorre violação ao “princípio ne bis in idem”.
O relator,
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Processo nº 416/2017
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Por Acórdão do T.J.B. de 13.01.2017 decidiu-se absolver a arguida A, com os sinais dos autos, da imputada prática de 2 crimes de “falsificação de documento de especial valor”, p. e p. pelo art. 244°, n.°1, al. a) e 245° do C.P.M., condenando-se, porém, a mesma arguida como autora da prática 1 outro crime de “falsificação de documento de especial valor”, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos; (cfr., fls. 119 a 124-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformado com o segmento decisório que decidiu pela referida absolvição, o Ministério Público recorreu.
Assaca à decisão recorrida – na parte que decidiu pela dita absolvição – o vício de “erro na interpretação do princípio ne bis in idem”, “violação do princípio da livre apreciação da prova” e “erro notório na apreciação da prova”, pedindo o reenvio dos autos para novo julgamento; (cfr., fls. 127 a 133).
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Neste T.S.I., juntou o Ilustre Procurador Adjunto douto Parecer, pugnando pela procedência do recurso e consequente reenvio dos autos para novo julgamento; (cfr., fls. 183 a 184-v).
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Cumpre decidir.
Fundamentação
2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 120 a 122, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos para a decisão a proferir.
Do direito
3. Vem o Ministério Público recorrer do Acórdão que absolveu a arguida A da imputada prática de 2 crimes de “falsificação de documento de especial valor”, p. e p. pelo art. 244°, n.°1, al. a) e 245° do C.P.M..
Entende que está o decidido inquinado com o vício de “erro na interpretação do princípio ne bis in idem”, “violação do princípio da livre apreciação da prova” e “erro notório na apreciação da prova”.
E como – bem – nota o Ilustre Procurador Adjunto no seu douto Parecer que se aqui dá como integralmente reproduzido, evidente é que tem o Exmo. Magistrado recorrente razão, pouco havendo a acrescentar.
Com efeito, a absolvição em causa deveu-se ao facto de o Tribunal a quo ter considerado que os “documentos” cuja falsificação constituíam os 2 crimes em questão e pelos quais foi a arguida absolvida tinham já sido objecto de apreciação no âmbito de um outro processo, os Autos de Processo Comum Colectivo n.° CR4-14-0059-PCC.
Daí, considerando que se estava perante os “mesmos documentos”, e dando aplicação ao “princípio ne bis in idem” – segundo o qual, ninguém pode ser duas vezes julgado pelos mesmos factos; (cfr., art. 14°, n.° 7 do P.I.D.C.P., aplicável por força do art. 40° da L.B.R.A.E.M.) – decidiu pela atrás aludida absolvição.
Todavia, há manifesto equívoco, pois que os “documentos” não são os mesmos, pois que, embora neles figure o mesmo nome dos seus (alegados) titulares, a “data de emissão” é diferente: os documentos apreendidos no Proc. n.° CR4-14-0059-PCC, tem como data de emissão a de 23.09.2008 e 16.06.2007, e os apreendidos no âmbito dos presentes autos, a de 25.07.2009 e 13.06.2008, respectivamente.
Seja como for, e ainda que as referidas datas fossem as mesmas, não vemos motivos para considerar que em causa esteja o “princípio ne bis in idem”.
Com efeito, ainda que os “dados” fossem os mesmos, terão havido, “novos”, (outros), actos de viciação de (outros) documentos de identificação que, como tal, não terão sido objecto de apreciação no âmbito do referido processo.
Nesta conformidade, tendo o Tribunal a quo incorrido em “erro notório na apreciação da prova”, impõe-se o requerido reenvio dos autos para novo julgamento quanto à referida matéria nos termos do art. 418° do C.P.P.M., com a consequente procedência do recurso.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos que se deixaram expostos, acordam conceder provimento ao recurso, decretando-se o reenvio dos presentes autos para novo julgamento nos exactos termos consignados.
Custas pela arguida, com 4 UCs de taxa de justiça.
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 08 de Junho de 2017
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José Maria Dias Azedo
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Chan Kuong Seng
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Tam Hio Wa
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