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Processo nº 335/2017 Data: 15.06.2017
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Liberdade condicional.
Pressupostos.


SUMÁRIO

1. A liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão.

2. É de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social.

O relator,

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José Maria Dias Azedo


Processo nº 335/2017
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, com os restantes sinais dos autos e ora presa no Estabelecimento Prisional de Coloane (E.P.C.), vem recorrer da decisão do Mmo Juiz de Instrução Criminal que lhe negou a concessão de liberdade condicional, motivando para, a final, concluir, imputando à decisão recorrida o vício de violação do disposto no art. 56° do C.P.M.; (cfr., fls. 87 a 93 que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).

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Em Resposta, e posterior Parecer, considera o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 95 a 98 e 150 a 151).

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Adequadamente processados os autos, cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):

– por acórdão do T.J.B. de 10.07.2015, (Proc. n.° CR2-15-0035-PCC), foi, A, ora recorrente, condenada como autora de 3 crimes de “furto qualificado” e outros 2 de “burla”, na pena única de 3 anos e 3 meses de prisão;
– a mesma recorrente, deu entrada no E.P.C. em 27.12.2014, e em 26.02.2017, cumpriu dois terços da referida pena, vindo a expiar totalmente a mesma pena em 26.03.2018;
– por sentença de 05.04.2017, ditada no Proc. n.° CR2-17-0008-PCS, e já transitada em julgado, foi a recorrente condenada por um outro crime de “burla”, na pena de 5 meses de prisão, (decretando-se nesta sentença a comunicação do assim decidido ao aludido Proc. n.° CR2-15-0035-PCC para efeitos de aí se efectuar novo cúmulo jurídico, que entretanto foi efectuado, aguardando o decidido o seu trânsito em julgado);
– se vier a ser libertada, irá viver com a sua família, em Cantão, de onde é natural.

Do direito

3. Insurge-se a ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão todos os pressupostos do art. 56° do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida.

Vejamos.

— Preceitua o citado art. 56° do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:

“1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).

Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr. n.° 1).

“In casu”, atenta a pena única que à recorrente foi fixada, e visto que se encontra ininterruptamente presa desde 27.12.2014, expiados estão já dois terços de tal pena, pelo que preenchidos estão os ditos pressupostos formais.

Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do n.° 1 do referido art. 56°.

Com efeito, importa ter em conta que a liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão; (cfr., v.g., J. L. Morais Rocha e A. C. Sá Gomes in “Entre a Reclusão e a Liberdade – Estudos Penitenciários”, Vol. I, em concreto, “Algumas notas sobre o direito penitenciário”, IV cap., pág. 41 e segs.).

Na esteira do repetidamente decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 23.03.2017, Proc. n.° 210/2017, de 11.05.2017, Proc. n.° 321/2017 e de 18.05.2017, Proc. n.° 373/2017).

Assim, detenhamo-nos na apreciação de tais pressupostos de natureza material.

Ponderando na factualidade atrás retratada, poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?

O Tribunal a quo considerou verificado o pressuposto da alínea a) do n.° 1 do art. 56° do C.P.M., considerando viável um juízo de prognose favorável à ora recorrente, dando porém como inverificado o requisito a que alude a alínea b) do citado preceito legal, afirmando ser a pretendida libertação antecipada incompatível com a defesa da ordem jurídica e paz social.

Mostra-se-nos que adequado foi o decidido.

De facto, no caso dos autos, (e independentemente do demais), atento os tipos de crimes pela ora recorrente cometidos, e tendo em conta as suas circunstâncias, e ponderando outrossim, na pena aplicada, na expiada e no período de pena que falta cumprir, importa pois acautelar a sua repercussão na sociedade, o que equivale a dizer que, pelo menos, por ora, não podem ser postergadas as exigências de tutela do ordenamento jurídico; (cfr., F. Dias in “Dto Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 528 e segs.), havendo igualmente que salvaguardar a confiança e as expectativas da comunidade no que toca à validade da norma violada através do “restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada”; (cfr., F. Dias in “Temas Básicos da Doutrina Penal”, pág. 106).

Como se nota no douto Parecer do Exmo. Representante do Ministério Público, “Os ilícitos que levaram à condenação (furtos e burlas), levados a cabo por uma não residente, ocorreram num quadro de conexão com a actividade do jogo e de negócios que lhe andam intimamente ligados, tais como os de joalharia e de penhores. Pois bem, numa região com área territorial muito limitada como é Macau, onde a economia é dominada pelo jogo e pelo turismo, que se desenvolvem num espaço concentrado e de permanente actividade, o circunstancialismo em que se desenrolaram aqueles ilícitos tem impacto e consequências perniciosas na segurança e na confiança indispensáveis ao bom funcionamento do modelo económico de Macau. (…)”.

Assim, em face das expostas considerações, e verificados não se mostrando o pressuposto estatuído no art. 56°, n.° 1, al. b) do C.P.M., há que confirmar a decisão recorrida.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 4 UCs.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 15 de Junho de 2017
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa

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