Processo nº 376/2017(I)
(Autos de recurso penal)
(Incidente)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. No âmbito dos presentes Autos de Recurso Penal proferiu o ora relator a seguinte “decisão sumária”:
“Relatório
1. A, (2°) arguido com os restantes sinais dos autos, respondeu em audiência Colectiva no T.J.B., vindo a ser condenado como co-autor da prática de 1 crime de “tráfico de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, na pena de 11 anos de prisão; (cfr., fls. 517 a 525 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformado, vem o arguido recorrer para dizer (apenas) que excessiva é a pena que devia ser reduzida para uma outra não superior a 10 anos de prisão; (cfr., fls. 551 a 553-v).
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Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls.569 a 573-v).
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Neste T.S.I., juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:
“A, devidamente identificado nos autos, recorre do acórdão condenatório de 28 de Fevereiro de 2017, que lhe impôs uma pena de prisão de 11 anos pela prática de um crime de tráfico ilícito de droga, da previsão do artigo 8.°, n.° 1, da Lei 17/2009.
Insurge-se contra a medida da pena, verberando a sua excessividade, conforme se vê da motivação do recurso e respectivas conclusões.
Cremos que não lhe assiste razão, tal como vem aliás demonstrado nas considerações que a Exm.a colega tece na sua resposta à motivação do recurso.
O recorrente entende que a pena é excessiva, dizendo que não observa os critérios dos artigos 40.° e 65.° do Código Penal, e argumentando essencialmente que é primário, confessou os factos, não assumiu posição de liderança na operação e actuou por motivo de dificuldades económicas.
Pois bem, a circunstância de se tratar de arguido primário e a particularidade de haver confessado os factos não deixaram de ser atendidas, conforme se depreende do acórdão.
Deve, não obstante, notar-se que a ausência de antecedentes criminais não integra uma circunstância que, no caso, deva ser especialmente enfatizada, porquanto o arguido tinha, ao tempo do cometimento dos factos, 26 anos de idade. O normal é as pessoas determinarem-se e adoptarem padrões de conduta de acordo com o quadro normativo vigente, nomeadamente em matéria penal. Quando essa normalidade perdura por um curto período de anos após a imputabilidade penal, não pode pretender-se que tal constitui um feito especialmente relevante.
De igual modo, também a confissão não pode ser especialmente realçada porquanto o recorrente foi surpreendido em flagrante e logo detectada, na sua posse, a grande quantidade de estupefacientes apreendida.
A questão da condição económica do recorrente e os seus encargos foram também objecto de ponderação no acórdão, mas é certo que, no caso, a sua influência em termos de abaixamento da pena nunca poderia ser relevante, porquanto a busca de ganho fácil, através do cometimento de ilícitos penais, ainda que para acorrer às normais necessidades da família, é sempre censurável.
O aspecto da liderança, também aflorado pelo recorrente, em nada influenciou negativamente a medida da pena, pela simples razão de que o tribunal não considerou, em nenhum passo do acórdão, que o recorrente haja assumido qualquer função de líder no âmbito da actividade de tráfico de droga em que se envolveu.
Por fim, há que não esquecer que o recorrente, apesar de tentar demarcar-se da rede de tráfico que seguramente está por detrás da sua actuação, realizou as coisas de forma profissional e à medida dos objectivos da rede. Veio previamente a Hong Kong, onde se encontrou com responsáveis da rede, para preparar a operação e tentar garantir o seu sucesso; trouxe mais de 2 kg de cocaína, o que constitui uma quantidade imensa de droga, a qual, vistas as coisas de um prisma objectivo e à luz do senso comum, não podia deixar de estar destinada a ser distribuída por um grande número de pessoas; transportou o produto por vários países até chegar a Macau, assim proporcionando a passagem e o alastramento transfronteiriço da droga. O que tudo revela um dolo intenso e uma conduta altamente censurável.
Posto isto, é sabido que a determinação da pena é comandada por finalidades de prevenção, balizadas pela culpa, naquelas avultando, nas palavras de Figueiredo Dias, o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, enquanto forma de tutela da confiança e das expectativas da comunidade, que, em Macau, são particularmente exigentes em matéria de tráfico de droga.
Crê-se, pois, que a impetrada redução da pena não encontra uma justificação ponderosa. Os parâmetros em que se move a determinação da pena, adentro da chamada teoria da margem de liberdade, não são matemáticos, devendo aceitar-se a solução encontrada pelo tribunal do julgamento, a menos que o resultado se apresente ostensivamente intolerável, por desajustado aos fins da pena e à culpa que a delimita, o que não é o caso, pelo que não se mostram violados o princípio da culpa, as finalidades da pena e os critérios da sua determinação.
Claudicam, pois, os fundamentos do recurso, pelo que deve ser-lhe negado provimento”; (cfr., fls. 666 a 667).
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Em sede de exame preliminar constatou-se da “manifesta improcedência” do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), e tendo-se presente que a possibilidade de “rejeição do recurso por manifesta improcedência” destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, visando, também, moralizar o uso (abusivo) do recurso, passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão “provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 520 a 522, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.
Do direito
3. Vem o arguido recorrer do Acórdão que o condenou como co-autor da prática de 1 crime de “tráfico de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, na pena de 11 anos de prisão.
Pede (apenas) a redução da pena que lhe foi aplicada, não impugnando a decisão da matéria de facto e sua qualificação jurídico-criminal que, por não merecer qualquer censura, se tem aqui como definitivamente fixada.
Vejamos, então da peticionada redução da pena de 11 anos de prisão para uma não superior a 10 anos de prisão.
Como se deixou adiantado, evidente é que não se pode acolher a pretensão apresentada, sendo antes de se sufragar o entendimento pelo Ministério Público assumido na Resposta e Parecer que atrás se deixou transcrito e que aqui se mostra de dar como reproduzido.
Seja como for, não se deixa de consignar o que segue.
Pois bem, ao crime de “tráfico” pelo arguido cometido cabe a pena de 3 a 15 anos de prisão; (cfr., art. 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, não se tendo aplicado a pena prevista na nova redacção da Lei n.° 10/2016, que entrou em vigou em 28.01.2017, por se ter considerado “menos favorável”).
Como sabido é, a “determinação da medida concreta da pena”, é tarefa que implica a ponderação de vários aspectos.
Desde logo, há que ter presente que nos termos do art. 40° do C.P.M.:
“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.
Por sua vez, e atento o teor art. 65° do mesmo código, onde se fixam os “critérios para a determinação da pena”, tem este T.S.I. entendido que “Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 19.01.2017, Proc. n.° 530/2016, de 09.03.2017, Proc. n.° 180/2017 e 23.03.2017, Proc. n.° 241/2017).
Acompanhando o Tribunal da Relação de Évora temos igualmente considerado:
“I - Também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico, pelo que o tribunal de recurso deve intervir na pena (alterando-a) apenas e só quando detectar incorrecções ou distorções no processo de determinação da sanção.
II - Por isso, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de apreciação livre reconhecida ao tribunal de 1ª instância nesse âmbito.
III - Revelando-se, pela sentença, a selecção dos elementos factuais elegíveis, a identificação das normas aplicáveis, o cumprimento dos passos a seguir no iter aplicativo e a ponderação devida dos critérios legalmente atendíveis, justifica-se a confirmação da pena proferida”; (cfr., o Ac. de 22.04.2014, Proc. n.° 291/13, in “www.dgsi.pt”, aqui citado como mera referência, e Acórdão do ora relator de 12.01.2017, Proc. n.° 795/2016, 09.03.2017, Proc. n.° 180/2017 e 23.03.2017, Proc. n.° 241/2017).
Recentemente, e no mesmo sentido decidiu este T.S.I. que: “Não havendo injustiça notória na medida da pena achada pelo Tribunal a quo ao arguido recorrente, é de respeitar a respectiva decisão judicial ora recorrida”; (cfr., o Ac. de 24.11.2016, Proc. n.° 817/2016).
No caso alega o arguido que é “primário”, “confessou os factos” e que “agiu por necessidades económicas”.
Porém, como é sabido, tendo sido detido em flagrante delito, pouco valor atenuativo se pode atribuir à alegada “confissão”, (que, mesmo assim, já foi tida em conta pelo Tribunal a quo na graduação da pena ao ora recorrente), sendo de se notar também que provado não está que agiu por “necessidades económicas”.
Por sua vez, e como – bem – se nota no douto Parecer, pouca relevância tem igualmente a sua “primo-delinquência”, já que é ainda um jovem de 25 anos, sendo porém de se consignar que, no caso dos autos, importa ter presente que agiu o arguido com dolo directo e intenso, sendo muito elevado o grau de ilicitude da sua conduta, pois que não sendo residente de Macau, para aqui se deslocou, em conformidade com um plano préviamente traçado, (e que a factualidade provada revela tratar-se de uma “organização com contactos a nível internacional”), transportando e introduzindo estupefaciente, tendo sido detido em flagrante delito, com – note-se – 2.398,00 gramas de “Cocaína”.
Por sua vez, atenta a natureza de “crime transfronteiriço”, e face aos malefícios e prejuízos para a saúde pública que o crime dos autos provoca, evidentes se mostram as fortes razões de prevenção criminal.
E então, aqui chegados, quid iuris?
Pois bem, como se deixou adiantado, é sabido que com os recursos não se visa eliminar a margem de livre apreciação reconhecida ao Tribunal de 1ª Instância em matéria de determinação da pena, e que esta deve ser confirmada se verificado estiver que no seu doseamento foram observados os critérios legais legalmente atendíveis; (cfr., v.g., os Acs. do Vdo T.U.I. de 03.12.2014, Proc. n.° 119/2014 e de 04.03.2015, Proc. n.° 9/2015).
Nesta conformidade, evidente sendo que motivos não existem para qualquer “atenuação especial da pena” ao abrigo do art. 18° da Lei n.° 17/2009 ou 66° do C.P.M., já que inverificados estão os necessários pressupostos legais para tal, (cfr., v.g., o Ac. do Vdo T.U.I. de 30.07.2015, Proc. n.° 39/2015), e atenta a moldura penal prevista para o crime em questão, a conduta provada, da qual se destaca a “quantidade” e “tipo” de estupefaciente e as fortes necessidade de prevenção criminal, especialmente geral, mostra-se-nos que se impõe confirmar a pena fixada, apresentando-se o presente recurso “manifestamente improcedente”.
Não se olvida que em causa está uma pena de “11 anos de prisão”.
Porém, em conformidade com o que se deixou exposto, e tendo presente o que recentemente se tem decidido em relação à matéria aqui em questão, imperativa é a decisão que segue.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, decide-se rejeitar o recurso.
Pagará o arguido a taxa de justiça de 4 UCs, e como sanção pela rejeição, o equivalente a 3 UCs.
Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
(…)”; (cfr., fls. 669 a 675 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Oportunamente, veio o arguido reclamar do decidido, insistindo no entendimento que em sede do seu recurso tinha deixado exposto; (cfr., fls. 690 a 696-v).
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Pronunciando-se sobre a pretensão pelo arguido apresentada diz o Exmo. Representante do Ministério Público:
“O recorrente A reclama para a conferência da decisão sumária de fls. 669 e seguintes, que rejeitou o seu recurso por manifesta improcedência.
Entende que não era caso de rejeição do seu recurso porquanto a sua improcedência não era manifesta. E, no desenvolvimento desta conclusão, procura reafirmar e reforçar os argumentos expendidos na sua alegação de recurso, na tentativa de persuadir que a pena de 11 anos de prisão, que lhe foi aplicada, se mostra excessiva, e que haveria espaço para a baixar para os 10 anos de prisão.
Cremos que não lhe assiste razão.
Seja-nos permitido remeter para o nosso parecer de fls. 666 a 667, onde deixámos expressos os motivos da nossa discordância quanto ao pretendido abaixamento da pena concreta.
Na verdade, as circunstâncias em que ocorre o crime de tráfico de droga pelo qual o reclamante foi condenado, com percurso por diversos países, previamente preparado com intervenção do próprio reclamante que, para o efeito, se deslocou propositadamente a Hong Kong, o tipo e a quantidade de droga de droga em causa, seguramente destinada a distribuição por inúmeras pessoas, sobrepõem-se acentuadamente ao escasso valor das atenuantes invocadas e, aliás, tidas em devida conta na decisão de primeira instância.
Em tal contexto, a medida concreta da pena não se pode considerar desfasada da prática jurisprudencial dos tribunais da Região Administrativa Especial de Macau, não padecendo de erro intolerável, nem se mostrando desajustada aos fins da pena e à culpa que a delimita.
Estas coordenadas, ora sinteticamente elencadas, apontavam, de forma acentuada, para a improcedência do recurso, tal como foi considerado a fls. 668, e, consequentemente, para a sua rejeição mediante decisão sumária, tudo conforme as disposições conjugadas dos artigos 410.°, n.° 1, e 407.°, n.° 6, alínea b), do Código de Processo Penal.
Em suma, afigura-se que não há reparo de relevo a dirigir à decisão reclamada, pelo que a reclamação deve ser indeferida”; (cfr., fls. 698 a 698-v).
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Colhidos os vistos legais dos Mmos Juízes-Adjuntos, passa-se a decidir.
Fundamentação
2. No uso da faculdade que lhe é legalmente reconhecida pelo art. 407°, n°. 8 do C.P.P.M., vem o arguido reclamar da decisão sumária nos presente autos proferida.
Porém, em resultado de uma análise aos autos efectuada, mostra-se de concluir que evidente é que não se pode reconhecer mérito à sua pretensão, muito não se mostrando necessário aqui consignar para o demonstrar.
Com efeito, a decisão sumária agora reclamada apresenta-se clara e lógica na sua fundamentação – nela se tendo efectuado correcta identificação e tratamento das questões colocadas – e acertada na solução.
Na verdade, e pelos motivos que se deixaram expostos, patente se mostra que justo e adequado foi o decidido no Acórdão do T.J.B. objecto do recurso pelo ora reclamante trazido a este T.S.I., o que, por sua vez, implica, a necessária e natural conclusão de que deve ser totalmente confirmado, o mesmo sucedendo com a decisão sumária que neste sentido decidiu.
Dest’arte, inevitável é a improcedência da reclamação apresentada.
Decisão
3. Nos termos que se deixam expostos, em conferência, acordam julgar improcedente a reclamação apresentada.
Custas pelo reclamante com taxa de justiça que se fixa em 3 UCs.
Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$800,00.
Macau, aos 15 de Junho de 2017
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José Maria Dias Azedo
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Chan Kuong Seng
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Tam Hio Wa
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