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Processo nº 936/2016
(Autos de recurso civil)

Data: 15/Junho/2017

Assuntos: Inventário para partilha de bens do casal
Valor a indicar na relação de bens

SUMÁRIO
Estatui-se na alínea b) do nº 3 do artigo 983º do CPC que “são mencionados como bens ilíquidos as partes sociais em sociedades, comerciais ou civis, cuja dissolução seja determinada pela morte do inventariado, desde que a respectiva liquidação não esteja concluída, mencionando-se, entretanto, o valor que tinham segundo o último balanço.”
Assim, basta indicar na relação de bens o valor do último balanço, se estão em causa as partes sociais em sociedades comerciais, enquanto não estiver concluída a respectiva liquidação, e não há lugar, pelo menos nesta fase processual, a avaliação dos bens relacionados.
Uma vez determinados os bens a partilhar, compete aos interessados acordar, na conferência de interessados, por unanimidade, relativamente às verbas que hão-de compor, o quinhão de cada interessado e os valores por que devem ser adjudicados (artigo 990º, nº 1, alínea a) do CPC).
O tal valor atribuído na relação de bens é apenas provisório, e pode sempre, na conferência de interessados, através de reclamação contra o valor atribuído aos bens, ser rectificado por defeito ou por excesso, por unanimidade dos interessados presentes – artigos 990º, nº 5, alínea a) e 1000º, nº 1 e 2 do CPC.
Caso não tenham logrado alcançar à unanimidade quanto ao valor do bem relacionado, e se algum dos interessados declarar que aceita a coisa, será aceite o valor atribuído na relação de bens ou na reclamação apresentada, consoante esta se baseie no excessivo ou no insuficiente valor constante da relação de bens – artigo 1000º, nº 3 do CPC.
Se na apreciação da reclamação quanto ao valor do bem relacionado não se verificar essa unanimidade quanto à alteração do valor, nem ocorrer a situação prevista no nº 3 do artigo 1000º, já neste caso pode qualquer um dos interessados requerer a sua avaliação, que será efectuada por um único perito nomeado pelo tribunal, nos termos consagrados nos artigos 1000º, nº 4 e 1007º do CPC.
       
O Relator,

________________
Tong Hio Fong
       

Processo nº 936/2016
(Autos de recurso civil)

Data: 15/Junho/2017

Recorrentes:
- A
- B
- C

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
Correm no Tribunal Judicial de Base uns autos de inventário para partilha dos bens do casal, em que é cabeça-de-casal B e interessado A, seu ex-marido.
Foram interpostos, respectivamente, três recursos.
Primeiro recurso: o recorrente A interpôs recurso da decisão que determinou incluir as verbas 3-A e 3-B na relação de bens, bem como manter as verbas 3 e 36 do passivo dessa mesma relação, formulando as seguintes conclusões alegatórias:
“1. Vem o presente Recurso interposto do despacho de fls. 763 e ss., na parte em que decidiu da inclusão das verbas 3-A e 3-B, bem assim como na parte em que decidiu manter a verba 3 e a verba 36 do passivo da Relação de Bens, uma vez que o ora Recorrente está em crer que o mesmo se encontra inquinado dos vícios de contradição insanável e de erro na apreciação da prova.
2. A inclusão das verbas 3-A e 3-B na Relação de Bens organizada pelo douto tribunal a quo encontra-se em manifesta contradição com o anteriormente decidido no despacho de fls. 258-258v dos presentes autos. Com efeito,
3. Por despacho de fls. 258-258v, que não foi objecto de impugnação e como tal, transitou em julgado, o Tribunal a quo admitiu como comum do casal, a dívida no valor de MOP$76.640,23 (setenta e seis mil, seiscentos e quarenta patacas e vinte e três avos), ao Banco D, conta No. 0010XXXXXXX93, da qual é titular A, ora Recorrente, e fiadora B, ora Recorrida.
4. Não se compreendendo assim como pode o douto Tribunal a quo vir agora decidir em sentido inverso e considerar que a dívida ao D se trata de uma dívida exclusiva do ora Recorrente, ainda para mais quando, por diversas vezes invoca a decisão contida no referido despacho de fls. 258-258v.
5. Ademais, se a dívida ao D se trata de uma dívida comum do casal, não se compreende como pode agora o Tribunal a quo considerar que o ora Recorrente é devedor à E Equipamentos Médicos no valor de MOP$114.563,56, resultante da dedução que tal Banco fez directamente na conta da E Equipamentos Médicos por conta do crédito concedido ao ora Recorrente e que tem a Recorrida como fiadora e que, conforme despacho de fls. 258-258v foi considerado uma dívida comum do casal.
6. A E Equipamentos Médicos é um estabelecimento comercial, bem comum do casal e como tal está relacionado, e tratando-se o dinheiro da E Equipamentos Médicos e a dívida perante o Banco D de bens comuns do casal, não se vislumbra em que medida possa ser visto como crédito o valor mencionado no ponto 3º-A (novo, Adicionado) da relação de bens organizada pelo Tribunal a quo no despacho de que ora se recorre.
7. Assim sendo, por, nesta parte, padecer do vício nulidade decorrente da contradição insanável entre a fundamentação, que tantas vezes remete para o despacho de fls. 258-258v, e a decisão, donde resulta que a dívida é apenas do ora Recorrente, deve a decisão de inclusão das verbas 3-A e 3-B na relação de bens organizada pelo douto Tribunal ser revogada eliminando-se tais verbas, e substituída por uma outra que, tal como ordenado no despacho de fls. 258-258v, inclua na relação de bens do casal, enquanto passivo comum do casal a seguinte verba: “Dívida no valor de MOP$81.095,41 (oitenta e uma mil e noventa e cinco patacas e quarenta e um avos), ao Banco D, conta No. 0010XXXXXXX93, da qual é titular A, e fiadora B.”
8. Não obstante o ora Recorrente configurar como Réu no processo que correu termos com o número CV2-10-0019-CAO, o certo é não assumiu qualquer dívida perante a ali Autora, F, Lda., tendo aliás a sentença proferida no âmbito daqueles autos, expressamente disposto que: “Assim, sendo, ao abrigo do disposto no artigo 229º, alínea e) do CPC, julga-se extinta a instância em relação ao Réu A por inutilidade superveniente da lide.”
9. Se a Recorrida, estando já divorciada do ora Recorrente, escolheu assumir a referida dívida fê-lo em nome próprio, e não pode agora querer imputar ao Recorrente uma participação no pagamento de uma dívida que este não reconhece como sua.
10. Ademais, sempre se diga, que o Tribunal a quo à revelia dos seus poderes, considerou verdadeiros todos os factos alegados pela Autora da referida acção CV2-10-0019-CAO, porém, tais factos não foram sujeitos a qualquer julgamento e nem o ora Recorrente os confessou ou aceitou, pelo que, salvo devido respeito por melhor opinião, a dívida assumida pela Recorrida no âmbito daquele processo civil não pode assim ser considerada uma dívida comum do casal.
11. O ora Recorrente também nada tem que ver com o facto de a sociedade G, Lda. ter assumido o pagamento daquela dívida, tendo-se aliás oposto a que assim fosse, conforme resulta do documento de fls. 592 a 595, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido, pois que o pagamento por parte da G, Lda. da aludida dívida assumida pela Recorrida foge por completo ao escopo social da sociedade.
12. Donde se retira, uma vez mais que a cabeça-de-casal assumiu sozinha esta dívida e mediante a oposição manifesta do ora Recorrente, decidiu retirar da sociedade G, Lda. o dinheiro para fazer face à mesma.
13. Menos ainda se compreende em que medida o douto Tribunal a quo tenha aceitou que H seja credora do casal no montante de MOP$776.990,79, uma vez que a sociedade G, Lda., por deliberação dos sócios, embora com a oposição do ora Recorrente, nunca distribuiu lucros desde a sua constituição, muito menos se compreendendo assim a razão de ser dos juros no valor de MOP$154.613,79. Porém,
14. Mesmo que se aceite esta dívida como bem comum do casal, o que não se concede, sempre se diga que, se o pagamento de MOP$2.074.590,00 o foi através dos lucros da sociedade a serem distribuídos pelos sócios, tirando o valor desse lucro que caberia à referida H nenhum outro valor seria devido à sociedade, pois que, o remanescente dessa dívida terá sido retirada da parte dos lucros que caberia ao casal, o ora Recorrente e a Recorrida, os outros dois únicos sócios da G, Lda.
15. Em qualquer caso, uma vez que, por deliberação dos sócios, embora com oposição do ora Requerente, nunca foram distribuídos os lucros da sociedade desde a sua constituição, não se aceita de forma alguma que a esta alegada dívida comum ascendam juros de mora, e nem se compreende de que forma e a que taxa foram tais juros calculados.
16. Sendo certo que, a sociedade G, Lda tem um lucro acumulado de MOP$17.353.062,54 (dezassete milhões, trezentas e cinquenta e três mil, sessenta e duas patacas e cinquenta e quatro avos), pelo que, o pagamento da referida dívida em nada impossibilitou a distribuição atempada dos lucros – cfr. documento que ora se junta como (DOC. 1) e cuja junção apenas se tornou necessária na sequência da decisão sob recurso.
17. Assim sendo, por manifesto erro na apreciação da prova, deve a decisão nesta ser revogada e consequentemente devem ser eliminadas as verbas 3 e 36 da Relação de bens organizada pelo Tribunal a quo, ou, caso assim não se entenda, o que por mera cautela de patrocínio se concede, ser apenas mantida a verba 3 e eliminada e verba 36.”
Devidamente notificada, não respondeu ao recurso a cabeça-de-casal B.
*
Segundo recurso: a cabeça-de-casal B, inconformada com o despacho do Tribunal a quo que fixou o valor da verba 25 e que ordenou a cabeça-de-casal para indicar o valor de avaliação da verba 26 da relação de bens, recorreu jurisdicionalmente para este TSI, formulando as seguintes conclusões:
“1. O capital social da sociedade comercial “G Limitada” no valor de MOP$60.000,00 é representado por três quotas de MOP$24.000,00, MOP$18.000,00 e MOP$18.000,00 pertencentes, respectivamente, a A, B e I, conforme consta da certidão comercial de fls. 512 a 514.
2. Por isso, o que se encontra descrito sob a verba 25 da relação de bens é o valor das quotas dos sócios A e B para efeitos de inventário para partilha dos bens do casal tal como figuram no balanço aprovado pelos sócios da sociedade comercial “G Limitada” em assembleia geral (fls. 804).
3. E não o valor que a sociedade comercial “G Limitada” poderia hipoteticamente ter atingido, em 31/12/2013, para efeitos de “trespasse” ou de qualquer outro negócio de alienação de empresa comercial se o valor do aviamento da empresa fosse de MOP$31.249.246,00 e nessa data houvesse quem o estivesse estado disposto a pagar.
4. Logo, a opinião de fls. 803 de nada serve no presente caso por se reportar ao valor das quotas descritas na verba 25 da relação de bens majorado em função do valor conjectural que a sociedade comercial “G Limitada” poderia ter atingido no mercado, num dado momento do passado, se porventura tivesse havido alguém que estivesse estado disposto a pagar MOP$31.249.246,00 pelo suposto “J” da empresa e a quisesse ter comprado por MOP$46.873.869,00.
5. Tal opinião não serve, pois, para alterar o valor das 2 quotas indicado na relação de bens que lhes que foi atribuído pelos sócios no balanço da sociedade.
6. Ora, foi justamente o valor conjectural de MOP$46.873.869,00 referido nessa opinião que o Tribunal a quo multiplicou por 70% para fixar em MOP$32.811.708,30 o valor das quotas do A e da B para efeitos da sua relacionação no presente processo de inventário.
7. Sucede que o valor (conjectural) que a sociedade comercial “G Limitada” poderia ter atingido no dado momento do passado se tivesse sido vendida nos termos do disposto no artigo 105/1 do Código Comercial nada ter a ver com o valor pelo qual a lei adjectiva manda relacionar as participações sociais em processo de inventário para partilha dos bens do casal.
8. As duas quotas descritas sob a verba 25 da relação de bens pertencentes, respectivamente, a A e a B, deveriam, portanto, terem-se mantido descritas na relação de bens pelo valor com que figuram na certidão comercial de fls. 512 a 514 (MOP$18.000,00 + MOP$24.000,00) e no último balanço da sociedade comercial “G Limitada” junto aos autos a fls. 804, sob a rubrica “Capital”, ou seja, pelo valor total de MOP$42.000,00.
9. Isto por assim o impor o disposto no artigo 983/2, alínea b) aplicável ao caso concreto com as necessárias adaptações por força do art.º 1028/4 do CPC.
10. Deverá, pois, revogar-se a decisão recorrida na parte relativa à verba 25 da relação de bens.
11. Por outro lado, o valor de qualquer estabelecimento comercial ou industrial determina-se, em princípio, pelo do último balanço e não por avaliação.
12. Daí, sendo o balanço é a expressão da relação existente entre o activo, o passivo e a situação líquida num dado exercício, sempre, in casu, se teria de aguardar pelo termo do ano civil em curso, se se quisesse juntar aos autos o último balanço do estabelecimento “E Equipamentos Médicos” em conformidade com o princípio da anualidade das contas.
13. Assim, salvo melhor entendimento, deverá, na parte relativa à verba 26 da relação de bens, ser revogada a decisão recorrida.”
Devidamente notificado, respondeu ao recurso o interessado A, formulando as seguintes conclusões:
“1. Vem o recurso a que ora se responde interposto da decisão de fls. 969 a 972, no que respeita às verbas 25 e 26 da relação de bens de fls., 776 a 777v.
2. A recorrente insurge-se contra a decisão do tribunal a quo que aceitou que o valor a atribuir à verba 25 da relação de bens deve ser MOP$32,811,708.30, com base na avaliação apresentada pelo ora Recorrido e constante de fls. 803 a 806.
3. A avaliação de fls. 803 a 806 foi realizada por um Auditor devidamente acreditado e reporta-se ao valor de mercado das quotas detidas em comunhão pelos Recorrente e Recorrido na sociedade comercial por quotas “G Limitada”.
4. Relacionar quotas sociais atribuindo-se o valor que consta da certidão comercial, conforme pretende a Recorrente, não resulta nem da lei, nem se coaduna com a finalidade dos autos de partilha.
5. Certamente a Recorrente não estará na disposição de abrir mão de tal verba, ou de a ver sorteada ou de a ver vendida a terceiros pelo valor que consta da certidão comercial.
6. Para se preparar a operação de partilha e se poder chegar à conferência de interessados em condições se chegar a um acordo quanto à composição dos quinhões dos ex-cônjuges, resulta óbvio que o valor a ter em conta no que respeita às quotas que constituem a verba 25 da relação de bens terá que ser o seu real valor de mercado, só assim se podendo, aliás, alcançar uma justa composição dos quinhões.
7. Esta foi também a lógica usada e não contestada para o valor atribuído às verbas da relação de bens que dizem respeito aos bens imóveis do casal e cujo valor acordado não é o valor matricial, mas sim o valor de mercado, segundo avaliação por empresa especializada no ramo.
8. O J ou aviamento é um dos parâmetros comummente utilizados para se avaliar o real valor de uma sociedade, tratando-se de um bem intangível que compõe uma parcela de direitos dos componentes da sociedade, motivos pelo qual deve integrar a avaliação da riqueza patrimonial da mesma.
9. O J deve ser contabilizado em caso de alienação da empresa, liquidação do activo em caso de falência ou dissolução parcial da sociedade, o que se compreende dado que tendo os sócios intervindo no decurso da vida societária no âmbito dos negócios estabelecidos e correndo os seus riscos e perdas inerentes à actividade desenvolvida e tendo em suma contribuído para a criação da respectiva imagem da mesma, com a respectiva freguesia e clientela, com o indicado aviamento, é por demais evidente que este valor, seja ele positivo ou negativo, tem um reflexo económico no valor da sociedade.
10. O método utilizado pelo Auditor que realizou a avaliação em que se baseou o douto Tribunal a quo para fixar o valor da verba 25 foi devidamente fundamentado e estruturado em termos técnico-contabilísticos, e não vemos razões para se poder contrariar ou colocar em causa tal entendimento.
11. Tendo tido a oportunidade de apresentar avaliação diferente, realizada por técnico da sua confiança, a Recorrente nada fez, limitando-se a defender que à verba 25 deveria ser atribuído o valor nominal das quotas que a compõe.
12. O valor das quotas a sociais da “G Limitada” a partilhar no âmbito dos presentes autos não pode ser o seu valor nominal, pois que isso certamente seria mais tarde um entrave a que se chegasse a um desejado acordo em sede de conferência de interessados, e, por outro lado, foi devidamente utilizado o critério adequado para a avaliação de tais quotas ou seja, tomando por base o justo valor dos activos e passivos, incluindo o eventual J.
13. Insurge-se a Recorrente contra a decisão que ordenou à Recorrente a junção de uma avaliação para efeitos de atribuição de um valor à verba n.º 26 da relação de bens, porém, o recurso é nesta parte também infundado.
14. No Recurso a que ora se responde, a Recorrente reconhece a necessidade de se atribuir um valor ao bem constante da verba n.º 26, designadamente, através da junção do último balanço do estabelecimento em causa – com o que não se concorda.
15. À semelhança do que sucedeu com a atribuição de valor aos bens relacionados na verba 25 da Relação de Bens, também ao bem da verba n.º 26, como muito bem entendeu o douto tribunal a quo, deve ser atribuído um valor que se coadune com o valor de mercado do mesmo, o que, só alcança de uma avaliação.
16. Conforme se defendeu supra, é essencial que o bem da verba n.º 26 seja avaliado segundo critérios técnico-contabilísticos comummente aceites, por forma a possibilitar uma partilha com uma justa composição dos quinhões que a cada uma das partes compete.
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser negado provimento ao Recurso a que ora se responde e ser mantida na íntegra a decisão sub judice.
Termos em que farão V. Exas. a constumada JUSTIÇA!”
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Terceiro recurso: C, alegando ser credor de A, inconformado com o despacho que decidiu remeter o apuramento do valor do seu crédito para os meios comuns e, por conseguinte, indeferiu a sua participação, como credor, na conferência de interessados, também interpôs recurso ordinário para este TSI, formulando as seguintes conclusões alegatórias:
“1. A presença do C na conferência de interessados trata-se de uma questão já resolvida no despacho de fls. 766, sendo, portanto, impossível contrariá-la ou decidi-la de novo, por força do caso julgado formal (art.º 575º e 580º, n.º 2, ambos do CPC).
2. Por outro lado, não se coloca a hipótese prevista no artigo 971/2 do CPC quanto à parte do crédito do C já coberto pela sentença transitada em julgado de fls. 582-589.
3. Isto porque a sentença transitada em julgado de fls. 582-589 fixou o montante do crédito do C em MOP$1.677.945,97, ficando a liquidação dos respectivos juros legais apenas a depender de simples cálculo aritmético.
4. A decisão, violou, portanto, na parte recorrida, o disposto nos artigos 575º e 580º, n.º 2, ambos do CPC ao indeferir a participação do ora Recorrente como credor na conferência de interessados, e o disposto no artigo 971/2 do mesmo diploma, quando remeteu para os meios comuns a decisão quanto ao valor já definitivo de MOP$1.677.945,97 (acrescido de juros até integral pagamento), a que foi condenado o A por sentença de fls. 582-589.
5. Nada obstava, pois, que o valor do crédito do C já coberto pela sentença de fls. 582-589 tivesse ficado consignado na relação de bens e que, em consequência disso, o ora Recorrente tivesse sido admitido, como credor de pleno direito, a participar na conferência de interessados.”
Devidamente notificados, nenhum dos interessados responderam ao recurso.
*
Corridos os vistos, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
Vejamos por partes.
Começamos pelo primeiro recurso.
Foi decidido aditar à relação de bens as verbas 3-A e 3-B, nos seguintes termos:
Verba 3-A
“Como o D deduziu directamente uma quantia de valor de MOP$114.563,56 da conta aberta em nome da E EQUIPAMENTOS MÉDICOS no D, a fim de reembolsar parcialmente a dívida que A devia ao D (o A devia ao Banco o total de MOP$185.637,93). Por causa disso, o A ainda deve à E EQUIPAMENTOS MÉDICOS MOP$114.563,56 (cfr. doc. nº 1 a fls. 452 do processo).”

Verba 3-B
“Para além disso, como exposto acima, o A ainda deve ao D uma dívida de MOP$76.640,23, depois de adicionar os juros, a quantia total é de MOP$81.095,41 (cfr. o artigo 17 da reclamação a fls. 159 do processo e o doc. nº 7 de fls. 195).”
No que toca a esta última verba, verifica-se que por despacho de 27.5.2016, no seu ponto c) (fls. 33 verso do apenso 936/2016/A), foi determinada a sua eliminação da relação de bens, e quanto a essa decisão não houve recurso. Uma vez transitada em julgado a tal decisão, torna-se supervenientemente inútil esta parte do recurso.
Já em relação à verba 3-A, julgamos assistir razão ao recorrente A.
É verdade que foi descontado na conta do Banco D, aberta em nome de E EQUIPAMENTOS MÉDICOS, um montante de MOP$114.563,56.
Mas constata-se que tal estabelecimento comercial (E EQUIPAMENTOS MÉDICOS) é um bem comum do casal, e que aquela quantia abatida perante o Banco D é também uma dívida comum do casal, pelo que não se vislumbra em que termos possa tal valor ser visto como dívida da exclusiva responsabilidade do recorrente A.
Nestes termos, há-de eliminar a verba 3-A da relação de bens.
*
O recorrente insurge-se ainda contra as verbas 3 e 36, com fundamento no manifesto erro na apreciação da prova.
Estão em causa as seguintes duas verbas:
Verba 3
“O valor do dividendo que a sócia da G Limitada, a senhora H obteve, aqui abaixo vai a fonte:
     Como a B e A foram demandados pela F, LDA. numa acção de cobrança de dívida, cujo número de processo é CV2-10-0019-CAO, finalmente, a conta da G Limitada pagou £200.000,00 (Euros) para chegar à transacção extrajudicial entre as duas partes, o valor equivalente foi de MOP$2.074.590,00 (cfr. documentos nºs 33-35), e acordo com a assembleia geral da G Limitada, utilizando o dinheiro referenciado aos lucros da sociedade e distribuindo-se aos três sócios como dividendos, e a sócia H possui uma quota do capital social de MOP$18.000,00, portanto, pela distribuição proporcional, ela obteria um dividendo de MOP$622.377,00 (34.576,50*18) (cfr. os documentos nº 33-35 a fls. 542 e ss do processo)- essa importância foi calculada de acordo com as quotas dos sócios da sociedade, MOP$2.074.590,00/60*18, ao A, então *24”
Verba 36
“A B e o A foram demandados pela F, LDA. numa acção de condenação, cujo número de processo é CV2-10-0019-CAO, finalmente, a conta da G Limitada pagou £200.000,00 (Euros) para chegar a um acordo extrajudicial entre as partes, o valor equivale a MOP$2.074.590,00 (cfr. documentos nºs 33-35), e acordo com a assembleia geral da G Limitada, utilizando o dinheiro relevante dos lucros da sociedade e que se destina a ser distribuído aos três sócios como dividendos. Não calculando a parte da sócia K, os dois ainda devem à G Lda., a dívida de MOP$1.452.213,00 (cfr. docs. Nºs 33-35 a fls. 542-551).”
Salvo o devido respeito por melhor opinião, julgamos igualmente ter razão o recorrente.
Em primeiro lugar, no tocante à dívida de £200.000,00 (Euros), equivalente a MOP$2.074.590,00, a mesma resulta do acordo firmado entre B e a sociedade F, LDA (cfr. termo de transacção exarado no processo CV2-10-0019-CAO e constante de fls. 104 dos autos).
Não obstante o recorrente A ser um dos réus na referida acção, mas não interveio na transacção judicialmente homologada, daí que não está vinculado ao tal acordo.
A isto acresce o facto de que ainda não foi feito o julgamento nem apreciado o mérito daquela acção, isso significa que o Tribunal a quo não pode dar como provados os factos articulados por uma das partes (sociedade F, LDA.), salvo havendo confissão do recorrente.
Em segundo lugar, também não se vislumbram elementos nos autos que permitam provar a existência de alguma deliberação dos sócios da G Limitada quanto à distribuição de lucros da sociedade.
Desta sorte, por não se ter logrado a prova da existência das dívidas descritas nas verbas 3 e 36 da relação de bens, as mesmas terão que ser eliminadas, sem prejuízo de as partes interessadas recorrerem aos meios comuns caso assim o entendam.
*
Em relação ao segundo recurso, a recorrente B insurge-se contra a decisão do Tribunal a quo que aceitou o valor a atribuir à verba 25 da relação de bens, na quantia de MOP$32.811.708,30.
Entende a recorrente que o valor atribuído à verba 25 da relação de bens é um hipotético valor do “J” ou do aviamento da sociedade comercial G Limitada no exercício de 2013, o que nada tem a ver com o valor pelo qual se devem relacionar as duas quotas dos sócios em inventário judicial, antes devendo as mesmas ser descritas pelo valor correspondente com que figuram na certidão de fls. 512 a 514 e no último balanço da respectiva sociedade comercial junto a fls. 804.
Ora bem, não temos grandes dúvidas de que o valor do estabelecimento comercial não deve cingir-se apenas às várias coisas ou relações nele integradas, mas devendo ainda abranger a capacidade lucrativa ou do aviamento da empresa.
Como observa o Professor Ferrer Correia, o estabelecimento é uma universalidade que não compreende só as mercadorias, matérias-primas, máquinas, os instrumentos produtivos, mas abrange ainda bens imateriais (créditos, marcas, patentes de invenção, o nome comercial, etc.) e certas situações ou relações de facto com relevo económico (o crédito de que goza o estabelecimento, a clientela que possui), chamando-se este do aviamento da empresa1.
Nestes termos, não assiste razão à recorrente B quanto ao seu argumento.
Defende ainda a recorrente que as duas quotas descritas sob a verba 25 da relação de bens deveriam ser descritas pelo valor correspondente com que figuram na certidão de fls. 512 a 514 e no último balanço da respectiva sociedade comercial junto a fls. 804.
Vejamos.
Estatui-se na alínea b) do nº 3 do artigo 983º do CPC que “são mencionados como bens ilíquidos as partes sociais em sociedades, comerciais ou civis, cuja dissolução seja determinada pela morte do inventariado, desde que a respectiva liquidação não esteja concluída, mencionando-se, entretanto, o valor que tinham segundo o último balanço.”
Em nossa modesta opinião, é verdade que basta indicar na relação de bens o valor do último balanço, se estão em causa as partes sociais em sociedades comerciais, enquanto não estiver concluída a respectiva liquidação, e não há lugar, pelo menos nesta fase processual, a avaliação dos bens relacionados, pela seguinte razão.
Uma vez determinados os bens a partilhar, compete aos interessados acordar, na conferência de interessados, por unanimidade, relativamente às verbas que hão-de compor, o quinhão de cada interessado e os valores por que devem ser adjudicados (artigo 990º, nº 1, alínea a) do CPC).
Em boa verdade, o tal valor atribuído na relação de bens é apenas provisório, e pode sempre, na conferência de interessados, através de reclamação contra o valor atribuído aos bens, ser rectificado por defeito ou por excesso, por unanimidade dos interessados presentes – artigos 990º, nº 5, alínea a) e 1000º, nº 1 e 2 do CPC.
Caso não tenham logrado alcançar à unanimidade quanto ao valor do bem relacionado, e se algum dos interessados declarar que aceita a coisa, será aceite o valor atribuído na relação de bens ou na reclamação apresentada, consoante esta se baseie no excessivo ou no insuficiente valor constante da relação de bens – artigo 1000º, nº 3 do CPC.
Se na apreciação da reclamação quanto ao valor do bem relacionado não se verificar essa unanimidade quanto à alteração do valor, nem ocorrer a situação prevista no nº 3 do artigo 1000º, já neste caso pode qualquer um dos interessados requerer a sua avaliação, que será efectuada por um único perito nomeado pelo tribunal, nos termos consagrados nos artigos 1000º, nº 4 e 1007º do CPC.
Isto posto, procedem as razões aduzidas pela recorrente B, na medida em que a avaliação só será requerida e efectuada na conferência de interessados, sendo assim, devendo às duas quotas descritas sob a verba 25 da relação de bens ser atribuído o valor constante do último balanço da respectiva sociedade comercial.
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Relativamente à verba 26, o que releva é o próprio estabelecimento “E Equipamentos Médicos”, por estar em causa uma empresa comercial explorada por empresário comercial.
Conforme dito acima, basta indicar na relação de bens o valor do último balanço, e não há lugar a avaliação nesta fase processual, sem prejuízo de qualquer um dos interessados, na conferência de interessados, verificados determinados pressupostos legais, requerer a respectiva avaliação, nos termos previstos nos artigos 1000º, nº 4 e 1007º do CPC.
Aqui chegados, há-de julgar provido o recurso nesta parte.
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Em relação ao terceiro recurso, o recorrente C alega ser credor do A, pedindo que seja levado em consideração o seu crédito no valor de MOP$1.677.945,97, acrescido de juros legais.
O Tribunal recorrido considerou não ser adequado resolver o assunto do valor do crédito do recorrente no inventário para não diminuir as garantias das partes devido à complexidade dos factos, tendo decidido remeter o assunto para os meios comuns, e ao mesmo tempo, julgou o recorrente não ter legitimidade para participar na conferência de interessados.
Salvo o devido respeito, julgamos assistir razão ao recorrente C.
Sem dúvida que quando a complexidade da matéria de facto subjacente às questões suscitadas tornar inconveniente a decisão incidental no inventário, por implicar redução das garantias das partes, pode o juiz remeter os interessados para os meios comuns (artigo 987º, nº 1 do CPC).
Mas tomando em consideração os elementos constantes dos autos, podemos verificar que por sentença já transitada em julgado, A foi condenado a pagar ao recorrente C a quantia de MOP$1.677.945,97, acrescida de juros à taxa legal de 9,75% contados desde a citação até integral e efectivo pagamento, cuja liquidação depende de simples cálculo aritmético, assim, afigura-se-nos que não se coloca o problema de complexidade quanto a essa dívida.
Pelo que deve ser incluída na relação de bens a tal dívida, acrescida dos juros legais.
Já em relação a outros eventuais créditos reclamados pelo recorrente C, nada impede que o assunto seja remetido para os meios comuns.
Nesta medida, podendo o recorrente C agir na qualidade de credor, nada obsta a que o mesmo seja admitido a participar na conferência de interessados.
Nestes termos, há-de dar provimento ao recurso.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em:
- Primeiro recurso: Conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo recorrente A, deferindo a eliminação das verbas 3-A, 3 e 36 da relação de bens;
- Segundo recurso: Conceder provimento ao recurso interposto pela recorrente B, devendo às duas quotas descritas sob a verba 25 e à verba 26 da relação de bens ser atribuído o valor constante do último balanço.
- Terceiro recurso: Conceder provimento ao recurso interposto pelo recorrente C, deferindo a inclusão na relação de bens a dívida devida pelo A, no montante de MOP$1.677.945,97, acrescido de juros à taxa legal de 9,75% contados desde a citação até integral e efectivo pagamento, cuja liquidação depende de simples cálculo aritmético. Em consequência, deve o recorrente C ser admitido a participar na respectiva conferência de interessados.
Custas, quanto ao primeiro recurso, pela B; quanto ao segundo, pelo A; e em relação ao terceiro recurso, pelos B e A, em partes iguais.
Registe e notifique.
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 RAEM, 15 de Junho de 2017
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Tong Hio Fong
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Lai Kin Hong
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João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
 
1 Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, Vol. I, 1973, pág. 230 e 231
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Recurso Civil 936/2016 Página 24