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Processo n.º 821/2016
(Recurso Contencioso)

Data : 22 de Junho de 2017

Recorrente: A
          (Representado pela Companhia de Fomento Predial
X, Limited)

Entidade Recorrida: Secretário para os Transportes e Obras Públicas

    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I – 1. A, mais bem identificado nos autos, vem reclamar para a Conferência do despacho do relator que não admitiu o chamamento ao processo dos proprietários dos veículos aparcados no prédio despejando, o que faz nos seguintes termos:
    “Na decisão sobre a qual ora se pretende que recaia um acórdão da Conferência, o Exmo. Senhor Juiz relator fundamenta o indeferimento do pedido formulado relativamente ao chamamento dos assistentes pelas razões aduzidas no parecer de fls. 225 a 225v.
    Outro, no entanto, poderia, na perspectiva do recorrente, ter sido o sentido da decisão ora reclamada.
    Conforme o parecer de fls. 225 a 225v, "não creio que esteja caracterizado, relativamente aos aludidos proprietários, o interesse idêntico ao do recorrente legitimador da sua intervenção como assistentes, nos termos previstos no artigo 40.º do Código de Processo Administrativo Contencioso."
    No entanto, segundo o artigo 40/1 do CPAC «Podem intervir no recurso como assistentes as pessoas, singulares ou colectivas, que demonstrem possuir um interesse idêntico ao do recorrente, ao da entidade recorrida ou ao dos contra-interessados, ou com ele conexo.» (sublinhado nosso)
    Sucede que,
    « I - Em contencioso administrativo podem intervir como assistentes as partes que figurem principalmente no recurso as pessoas que demonstrem possuir um interesse legitimo idêntico ao da parte assistida ou com ele conexo.
    II - Mas se o assistente tem de possuir um interesse legitimo idêntico ao do assistido ou com ele conexo, torna-se necessário que esse interesse fique realizado com a decisão do pleito favorável aquele ou, por outras palavras, para que a assistência seja legitima torna-se necessário que o assistente retire uma vantagem da decisão do recurso que seja favorável a parte assistida, que a sua esfera jurídica seja desde logo atingida pela decisão do recurso»1
    Ora, a decisão do presente recurso atinge directamente a esfera jurídica dos proprietários dos veículos estacionados na parcela «...».
    Se a decisão for desfavorável ao recorrente, os proprietários dos veículos em causa deixarão de poder continuar a estacionar gratuitamente debaixo dos alpendres e na berma da via que atravessa a parcela «...» e incorrerão, pelo menos, nos custos relativos à sua remoção e depósito noutro local.
    Não há, pois, qualquer dúvida que os proprietários dos veículos estacionados na parcela «...» têm interesse que a decisão seja favorável ao recorrente, pelo que podem ser chamados a intervir no recurso como assistentes.
    Acresce que independentemente de a assistência configurar uma modalidade de intervenção espontânea, tal não significa que não possa também ser provocada pelo assistido se tal se justificar.
    E a sua justificação no caso ora em apreço decorre, desde logo, de o facto de no processo administrativo contencioso a relação jurídica, pela sua natureza público-privada, não se encontrar na inteira disponibilidade das partes, diferentemente do que, no mais das vezes, sucede no processo civil.
    Por isso a lei adjectiva não impede o recorrente de chamar ao recurso contencioso quem nele possa (e deva) também intervir como parte acessória e auxiliar da principal.
    É também esta a solução que, in casu, melhor se coaduna com princípios da celeridade e da economia processual que enformam o contencioso administrativo.
    Isto por se afigurar que a não intervenção dos "chamados" provocará a jusante mais problemas do que aqueles que ora parece resolver, uma vez que qualquer decisãoque, a final, possa afectardes favoravelmente os proprietários dos automóveis, não lhes será oponível.
    Assim, por terem legitimidade e a sua intervenção no recurso ser necessária a que decisão final constitua caso julgado em relação a eles, requereu-se a assistência dos proprietários dos veículos identificados na petição de recurso nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 40.° do CPAC, sem prejuízo da possibilidade de convolação oficiosa desta modalidade de intervenção de terceiros na que fosse tida por mais adequada.
    Nada obstava, pois, nesta perspectiva, à admissão do incidente ou à sua convolação por força do disposto no art°s 6/2, 7.° e 567.°, todos do CPC.
    NESTES TERMOS e com o mais que V. Exas., muito doutamente, não deixarão de suprir, deverá sobre o, aliás, douto despacho reclamado recair acórdão da Conferência que admita o incidente suscitado ou determine a sua convolação na modalidade de intervenção de terceiros que julgue mais adequada.
    2. O Exmo Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas (STOP) da Região Administrativa Especial de Macau, entidade recorrida nos autos de recurso contencioso à margem identificados, interposto por A (representado pela Companhia de Fomento Predial X, Limitada), notificado da reclamação para a Conferência por parte do Recorrente do douto despacho de fls 226, que indeferiu o chamamento dos assistentes vem, nos termos do artigo 15.° do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC) e n.º 1 do artigo 620.° do Código de Processo Civil (CPC), ex vi do artigo 1.º do CPAC, responder reiterando quanto já se pronunciou na contestação.
    
    Assim, “reitera-se quanto foi dito em sede de contestação nos números 32.° a 38.°, 42.° a 45.°, 52.° a 54.° e 57.° a 60.°.
    Efectivamente os proprietários das viaturas identificados no quadro gráfico de fls 34 a 35 não têm um interesse idêntico ao do recorrente, como exige o n.º 1 do artigo 40.° do CPAC.
    Desde logo porque o interesse do Recorrente se delimita pela cláusula terceira do contrato de concessão, dedicada ao aproveitamento e finalidade do terreno, segundo a qual o mesmo deveria ter sido aproveitado pela construção da rede viária, rede geral de esgotos, rede geral de abastecimento e distribuição de água, redes gerais de energia e iluminação pública, incluindo os postos de transformação considerados necessários, 14 moradias unifamiliares de 3 pisos cada, 7 moradias unifamiliares de 2 pisos cada; piscina, campo de ténis e instalações de apoio.
    O interesse do Recorrente delimita-se pela cláusula terceira do contrato de concessão, não é um qualquer interesse que actualmente lhe convenha ou qualquer alteração contratual unilateralmente imposta pelo mesmo, sem a necessária modificação do aproveitamento precedida de autorização prévia do Chefe do Executivo, conforme previsto no artigo 139.º da Lei de terras, que se impunha no presente procedimento.
    Ademais os estacionamentos foram construídos em local destinado a zona verde.
    Assim se demonstra que o interesse do Recorrente e o dos proprietários dos veículos não é idêntico, pois mesmo que este viesse a ter vencimento na causa, o que apenas como hipótese de raciocínio de coloca, o seu interesse no terreno encontrava-se adstrito ao determinado pelo aproveitamento do mesmo, construção de uma zona verde, e nada mais! Por outro lado o interesse dos proprietários das viaturas é estacionarem gratuitamente na berma da estrada, nos estacionamentos construídos para o efeito.
    Acresce que, como refere o douto parecer do Ministério Público de fls. 225 e 225v a figura da assistência configura uma modalidade de intervenção espontânea, deve ser despoletada pelos que abstractamente se podem tomar assistentes e não através do chamamento por parte dos Recorrentes.
    Por último, cabe referir que os proprietários dos automóveis estacionados na parcela ... não têm qualquer direito de uso sobre o terreno.
    
    Nestes termos e nos melhores de direito, com o Douto suprimento de Vossas Excelências, deve o douto despacho reclamado ser mantido nos seus precisos termos, não devendo os proprietários dos veículos estacionados na parcela “...” ser chamados a intervir no recurso como assistentes.”
    
3. O Digno Magistrado do MP oferece o seguinte douto parecer:
    “Quanto à reclamação para a conferência:
    Crê-se que o recorrente, ora reclamante, não tem razão.
    Na verdade, tal como expressámos a fls. 225 e foi acolhido a fls. 226, e pese embora o esforço do reclamante em tentar demonstrar o contrário, não está caracterizada, relativamente àqueles que o reclamante pretende chamar a intervir nos autos como assistentes, uma situação de "interesse idêntico", ou mesmo de interesse legítimo "com ele conexo", avalizador da sua admissão nessa veste, tal como bem explica a entidade recorrida a fls. 247 e seguintes.
    Por outro lado, configurando a assistência uma modalidade de intervenção espontânea, tal como o próprio reclamante admite, está naturalmente na disponibilidade daqueles que se podem tomar assistentes a faculdade de requererem ou impulsionarem a sua intervenção. Não se entende como pode, congruentemente, defender-se que tal não significa que [a assistência] não possa também ser provocada pelo assistido. Neste caso, aqueles que abstractamente se podem tomar assistentes, mediante intervenção espontânea, seriam coagidos a assumir essa posição por requerimento do próprio assistido ... Não tem lógica.
    Ante o sucintamente exposto, mantemos a posição manifestada sobre questão a fls. 225, pronunciando-nos pela improcedência reclamação.”

     II - Cumpre apreciar.
    
    Com todo o respeito afigura-se que o reclamante não tem razão.
    O recorrente, ora reclamante, pediu que fossem chamados ao processo, como assistentes, os proprietários de viaturas identificados no quadro gráfico de fls. 34 a 35, desiderato contra o qual a entidade recorrida se manifesta na sua contestação.
    Esse pedido foi formulado ao abrigo do artigo 40º do CPAC que prevê:
“1. Podem intervir no recurso como assistentes as pessoas, singulares ou colectivas, que demonstrem possuir um interesse idêntico ao do recorrente, ao da entidade recorrida ou ao dos contra-interessados, ou com ele conexo.
2. O assistente pode intervir até à fase de alegações, deve aceitar o processo no estado em que se encontre e a sua posição subordina-se à do assistido, não modificando os direitos deste para livremente confessar ou desistir com as legais consequências.”
O interesse do concessionário do terreno é manifestamente diferente dos possuidores precários que ele autorizou a fazerem uma dada ocupação do terreno à revelia dos fins e propósitos prosseguidos com a outorga da concessão.
    Não se mostra caracterizado, relativamente aos aludidos proprietários, qualquer interesse idêntico ao do recorrente que legitime a sua intervenção como assistentes, nos termos previstos no artigo 40.º do Código de Processo Administrativo Contencioso.
    Que haverá um interesse desses proprietários em ali continuarem com os carros parece não haver sobre isso qualquer dúvida. Só que esse interesse é um interesse egoísta, material, que não se funda em motivo válido e relevante justificativo da sua intervenção pela razão simples de que não se exibe qualquer direito oponível contra a entidade administrativa.
    Para além de que o instituto da assistência, se justifica uma intervenção espontânea do interessado, não legitima o seu chamamento por uma das partes no processo, não estando na disponibilidade destas o decidirem sobre a intervenção processual, mesmo de quem tenha um interesse idêntico ao seu, tal como decorre do regime estabelecido no art. 276º do CPC.
    Nem se diga, como pretende o requerente, que no âmbito do direito público se visa a prossecução dos diferentes interesses, o que legitimaria aquela intervenção, pois importa não confundir os interesses privados, mesmo de um número significativo de pessoas, com o interesse público, geral da comunidade no seu todo.
    III - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento à reclamação, mantendo a decisão que não admitiu o requerido chamamento.
    Custas pela recorrente, com 2 UC de taxa de justiça.
                Macau, 22 de Junho de 2017
               João A. G. Gil de Oliveira
               Ho Wai Neng
               José Cândido de Pinho
Fui presente
Joaquim Teixeira de Sousa
1 Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo apud VIRIATO LIMA e ÁLVARO DANTAS, "Código de Processo Administrativo Contencioso Anotado", Centro de Formação Jurídica e Judiciária, Macau, 2015, p. 160.

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