Proc. nº 760/2016
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 01 de Junho de 2017
Descritores:
-Confissão
-Imediação da prova
-Livre apreciação das provas
SUMÁRIO:
I. A confissão judicial espontânea, traduz-se no reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe seja desfavorável e favorece a parte contrária, tal como o instituto é definido nos arts. 345º e 349º, nº1, do CC.
II. O princípio da imediação e da livre apreciação das provas impossibilita, em regra, o tribunal de recurso de censurar a relevância e credibilidade que o tribunal recorrido tiver atribuído ao depoimento de testemunhas a cuja inquirição procedeu. A partir do momento em que o julgador respeita o espaço de liberdade que é próprio da sua livre convicção e não ultrapassa os limites processuais imanentes, a sindicância ao seu trabalho, no tocante à matéria de facto, só nos casos e moldes restritos dos arts. 599º e 629º do CPC pode ser feita.
Proc. nº 760/2016
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.
I - Relatório
B (B), solteiro, maior, de nacionalidade chinesa e residente em Macau na Rua de ...... n.º ...-... R/C, instaurou no TJB (Proc. nº CV2-11-0014-CAO) acção com processo ordinário contra:
1º Réu, C (C), casado com D (D) no regime da separação de bens, proprietário da fracção AC/V, na Rua do ......, n.º ... do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 2xxx, residente na Rua ...... n.º ...-..., ...... Plaza, ...º andar “...”, Macau;
2º Réu, F (F), casado, residente em Macau, na Avenida de ...... n.º ..., Jardim ......, Edf. ......, ... andar ..., Taipa, Macau;
3ª Ré, Companhia de Fomento Predial G, Lda. (G地產有限公司), registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis com n.º 2xxxx SO, com sede na Rua ...... n.º ...-... Loja-..., Macau;
4º Réu, H (H), titular da empresa “I Imobiliário (I地產), com sede na Rua ......, n.º ...-... R/C, Macau;
5ª Ré, J (J), com domicílio em Macau, na Rua ......, n.º ...-..., Loja ..., Macau, ---
Pedindo a sua procedência e em consequência:
1. Fosse anulado o contrato-promessa relativo à fracção AC/V, sita na Rua do ......, n.º ..., por erro sobre os motivos determinantes da vontade, com as legais consequências, designadamente a devolução ao Autor do valor do sinal em singelo, acrescido de juros à taxa legal desde a data da citação;
Ou, subsidiariamente,
2. Fosse anulado o contrato-promessa acima referido, por erro sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio, com as legais consequências, designadamente a devolução ao Autor do valor do sinal em singelo, acrescido de juros à taxa legal desde a data da citação;
Ou subsidiariamente,
3. Fosse anulado o contrato-promessa ao abrigo do regime do cumprimento defeituoso e, por conseguinte, arbitrada uma indemnização ao Autor pelo interesse contratual negativo no valor de MOP$5.500,00;
Ou subsidiariamente
4. Fosse o preço fixado no contrato-promessa acima referido modificado segundo juízos de equidade por erro sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio, através de uma redução não inferior a 10% do preço de mercado da fracção AC/V, sita na Rua do ......, nº ..., dado se tratar de um imóvel invendável pelo seu valor normal;
Ou subsidiariamente,
5. Fosse reduzido preço ao abrigo do regime do cumprimento defeituoso, em percentagem não inferior a 15% do preço inicialmente acordado no contrato-promessa celebrado em 18 de Dezembro de 2010.
*
Os 1 º e 2º Réus, C e F contestaram a acção com os fundamentos constantes de fls. 68 a 73 dos autos.
Os 3ª e 4º Réus, Companhia de Fomento Predial G, Lda. e H, contestaram a acção com os fundamentos constantes de fls. 75 a 80 dos autos.
A 5ª Ré, J, contestou a acção com os fundamentos constantes de fls. 100 a 108 dos autos.
Concluiu pedindo que fosse julgado improcedente o pedido do Autor.
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Em resposta à contestação apresentada pelos 1º e 2º Réus, pede o Autor, com os fundamentos constantes de fls. 190 a 199, a intervenção de K, o que por despacho de fls. 254 foi deferido.
Citado pessoalmente, o Interveniente, K, não apresentou contestação.
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Na réplica, em resposta à contestação apresentada pelos 1º e 2º Réus, pede o Autor a alteração dos pedidos, passando os mesmos a ser:
1. Fosse o 1º Réu ou, subsidiariamente, o 2º Réu, condenado por incumprimento definitivo do contrato-promessa relativo à fracção AC/V, sita na Rua do ......, n.º ..., a pagar, em dobro, o sinal recebido do Autor, no valor de HKD$800.000,00, acrescido dos juros vincendos desde a citação até efectivo e integral pagamento;
Ou, subsidiariamente,
2. Fosse anulado o contrato-promessa acima referido, por erro sobre os motivos determinantes da vontade, com as legais consequências, designadamente a devolução ao Autor do valor do sinal em singelo, acrescido de juros à taxa legal desde a data da citação;
Ou, subsidiariamente,
3. Fosse anulado o contrato-promessa acima referido, por erro sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio, com as legais consequências, designadamente a devolução ao Autor do valor do sinal em singelo, acrescido de juros à taxa legal desde a data da citação;
Ou subsidiariamente,
4. Fosse anulado o contrato-promessa celebrado em 18 de Dezembro de 2010, por dolo, com as legais consequências, designadamente a devolução ao Autor do valor do sinal em singelo, acrescido de juros à taxa legal desde a data da citação e a condenação do 1º Réu ou, subsidiariamente, do 2º condenado no pagamento de uma indemnização ao Autor pelo interesse contratual negativo no valor de MOP$5.500,00;
Ou subsidiariamente,
5. Fosse a 5ª Ré, solidariamente com a 3ª Ré ou o 4º Réu, condenada no pagamento de uma indemnização correspondente ao valor do sinal pago pelo Autor, por violação do dever de elucidação do Autor das circunstâncias relativas à avaliação do negócio susceptíveis de influir na sua celebração;
Ou subsidiariamente,
6. Fosse o Interveniente, K, condenado no pagamento de uma indemnização correspondente ao valor do sinal pago pelo Autor (HKD400.000,00), por violação do dever de elucidação das circunstâncias relativas à avaliação do negócio susceptíveis de influir na sua celebração.
Ou subsidiariamente,
7. Fosse o preço fixado no contrato-promessa acima referido modificado segundo juízos de equidade por erro sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio, através de uma redução não inferior a 10% do preço de mercado da fracção AC/V, sita na Rua do ......, nº ..., dado se tratar de um imóvel invendável pelo seu valor normal;
Ou subsidiariamente,
8. Fosse decretado o direito à redução do preço ao abrigo do regime do cumprimento defeituoso, em percentagem não inferior a 15% do preço inicialmente acordado no contrato-promessa celebrado em 18 de Dezembro de 2010.
*
Por despacho de fls 440, foi deferido o pedido de alteração dos pedidos e, por despacho de fls. 646, os 3º a 5º Réus e o Interveniente foram notificados do articulado donde consta este pedido de alteração dos pedidos.
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Realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou parcialmente a acção e em consequência:
1 - Condenou a 5ª ré, J, solidariamente com o 4º réu, H a pagar ao autor, B, a quantia a de HK$ 400.000,00: e
2 - Absolveu o 1º réu, C, o 2º réu, F, a 3ª ré, Companhia de Fomento Predial G, Lda, e o interveniente, K, dos restantes pedidos formulados pelo Autor.
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Contra essa sentença recorreu o autor, B, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
«A. O 2.º Réu, F, o Interveniente K ou a 5.ª Ré J não responderam aos novos factos da causa de pedir modificada, nem tomaram posição especificada ou impugnaram os “factos pessoais”.
B. Deviam, pois, ter ficado provados os factos constantes dos artigos 35.º, 38.º, 39.º, 40.º, 54.º, 55º, 59º, 60.º, 64.º, 71.º e 72.º da Réplica de fls. 190 e ss.).
C. Por confissão, deveriam ter sido dados como provados os factos contido nos artigos 18.º e 27.º da contestação de fls. 68 a 73.
D. Na resposta ao quesito 95º apenas deveria ter dado como provado que a reunião acabou porque o 2.º Réu F se recusou a assinar qualquer declaração dizendo que ninguém morreu na fracção, tendo o Autor respondido que esperava que os RR. lhe comunicassem outra solução.
E. Os quesitos 47.º e 93.º deveriam ter sido dados como dados como provados por não haverem sido impugnados especificadamente.
F. Os quesitos 91º e 103º da base instrutória respeitam à actuação pessoal da 5ª R e do Interveniente, tratam-se de factos pessoais não impugnados, pelo que deveriam ter ficado assentes.
G. O 2.º Réu, F e o Interveniente K não responderam ao facto pessoal que integrou a causa de pedir modificada na Réplica de fls. 190 e que foi alegado no artigo 72.º deste articulado, o que equivale ao seu reconhecimento, pelo que tal matéria deveria ter sido dada como assente.
H. Os quesitos 16.º e 17.º deveriam ter sido julgados provados, com base nos depoimento das testemunhas L e M transcritos na motivação.
I. O quesito 18.º deveria ter ficado provado, com base no depoimento da testemunha N transcrito na motivação, conjugado com as respostas dadas aos quesitos 55.º, 47.º e 93.º e 48º e 94.º.
J. De acordo com a testemunha N resulta claro que a 5ª R informou o Autor que tinha encontrado um cliente interessado em comprar a fracção, mas no fim este novo comprador nunca apareceu, pelo que o quesito 26.º deveria ter sido dado como provado.
K. O quesito 43.º deveria ter sido julgado provado com base no depoimento da testemunha O transcrito na motivação, conjugado com o certificado de fls. 468.
L. O quesito 63.º, contém matéria confessada no artigo 18.º da contestação, pelo que deveria ter ficado assente.
M. A resposta ao quesito 81.º deveria ter sido dada de forma explicativa, ficando provado com base no depoimento da testemunha O transcritos na motivação que o Autor foi avisado pelo “###, Escritório de Serviços jurídicos” para comparecer às 15h00 no escritório do notário privado P para a celebração da escritura pública e de que caso não comparecesse, seria considerado incumprimento contratual e que o Autor perderia o sinal pago.
N. Na resposta ao quesito 82.º deveria ter ficado provado que o Autor não compareceu às 15h00 no escritório do notário privado P, porque não qualquer solução apresentada pelos R.R.
O. Os quesitos 85.º e 96.º deveriam ter sido julgados provados, com base no depoimento da testemunha L transcrito na motivação.
P. O quesito 86º deveria ter ficado provado com base no depoimento das testemunhas N e O, transcritos na motivação.
Q. O erro em que incorreu o Autor não foi, portanto exclusivamente causado pela 5.ª Ré, tendo o 2.º Réu F e o seu agente imobiliário (o Interveniente K) contribuído para a sua formação por omissão do dever de elucidar o Autor.
R. Decorre do artigo 246/2 do C. Civil que a omissão de esclarecimento só constituirá dolo ilícito, quando exista um dever de elucidar o declarante por força da lei, de estipulação negocial ou das concepções dominantes no comércio jurídico.
S. A responsabilidade por culpa na formação dos contratos prevista no artigo 219/1 do C. Civil impõe às partes o dever de agir segundo as regras da boa fé quando negoceia os preliminares e o conteúdo do contrato.
T. A celebração do contrato ou a sua anulação (ou resolução), ou também a sua ineficácia não obstam à aplicação do artigo 219 do C. Civil, a qual tem lugar, tanto no caso de se interromperem as negociações, como na hipótese de o contrato chegar mesmo a consumar-se.
U. O 2.º Réu e o Interveniente (por dela ter sido ele a promover a venda por dei ter sido incumbido, em exclusivo, pelo 2.º Réu face ao alegado no artigo 18.º da Contestação de 68-73) encontravam-se vinculados, segundo os princípios do comércio jurídico, e, em particular, as exigências da boa fé na preparação do contrato promessa da fracção a esclarecer o Autor de que um jovem lá se suicidara por tal consistir numa circunstância relevante segundo as concepções dominantes no comércio jurídico.
V. A conduta ilícita que é imputada ao 2.º Réu e ao seu agente imobiliário, o Interveniente, sempre constituiria dolo ilícito (dolo omissivo ou negativo), relevando na fase pré-negocial e, portanto, em momento anterior à própria formalização do negócio em 18/12/2010 (Alínea A do Factos Assentes).
W. Na responsabilidade civil pré-contratual, a culpa (in contrahendo) presume-se como sucede na responsabilidade contratual (artigo 787/1 do CC).
X. Acresce que incumbe ao devedor a prova da falta da culpa dos auxiliares mas o 2.º Réu não o logrou demonstrar.
Y. Existe claramente recortada nos autos uma situação de dolo omissivo que é, à semelhança da reserva mental, um comportamento particularmente desleal.
Z. Face ao dever legal de elucidar o Autor na fase negociatória do contrato promessa de 18/12/2010 - designadamente os de informação ou esclarecimento, de protecção ou de cuidado - que impendia sobre o 2.º Réu (e o seu agente imobiliário), à presunção legal de que a inobservância desse dever de conduta procedeu de culpa sua (artigo 788/1 ex vi do artigo 337/1, do C. Civil e à factualidade apurada nos autos, nomeadamente a resultante do reconhecimento pelos RR. do alegado no artigo 64.º da Réplica de fls. 190 e ss. por falta de impugnação, nunca a não celebração do contrato definitivo podia ter sido causalmente imputada ao Autor.
AA. A interpelação admonitória pressupõe a mora do devedor (artigo 797/1, do C. Civil), logo, era preciso que o Autor já estivesse em mora aquando do aviso do “###, Escritório de Serviços Jurídicos”.
BB. O devedor só se considera constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido (artigo 793/2 do CCivil).
CC. Não ficou provado o pressuposto essencial da interpelação admonitória a que se refere o artigo 797/1, alínea b) do C. Civil, ou seja, que o Autor já estivesse em mora aquando do aviso a que refere resposta do quesito 81 da Base Instrutória.
DD. A escritura pública tinha de ser marcada num cartório público e não num cartório privado da escolha do “###, Escritório de Serviços Jurídicos”, conforme expressamente acordado no n.º 2 do artigo 2 do contrato-promessa de fls. 20-22 (alínea D) dos Factos Assentes), não podendo o teor desta obrigação ser alterado unilateralmente por qualquer das partes e, muito menos por um terceiro a essa relação contratual.
EE. Não podia o Tribunal a quo ter retirado qualquer conclusão do silêncio do Autor nem do facto de na petição inicial (artigos 47.º e 48.º) ter dado conta do que lhe foi dito pelo “###, Escritório de Serviços Jurídicos”.
FF. Para que se possa aferir se um prazo suplementar de horas é ou não razoável é necessário que se saiba o seu termo inicial para efeitos do disposto no artigo 272. Alínea b) elo C. Civil.
GG. A conclusão de que o prazo fixado pelo “###, Escritório de Serviço Jurídicos” foi razoável conflitua, não só com as respostas aos quesitos 7, 8, 50, 51, 53, 54, 55, 63, 64, 92 e 99 da Base Instrutória, mas também com os factos relativos ao dolo omissivo imputado, tanto ao 2.º Réu, como ao seu agente imobiliário e procurador substabelecido, o Interveniente K.
HH. A razoabilidade do prazo exigida por lei trata-se de facto constitutivo d direito de conversão da mora em incumprimento definitivo.
II. Prazo razoável é aquele em que um devedor, normalmente diligente, nas circunstâncias concretas, possa cumprir - e não um prazo punitivo de tal forma curto que com toda a probabilidade não possa ser cumprido - variando em função da natureza da prestação.
JJ. Deve, portanto, ser um prazo suficiente para que o devedor cumpra e, simultaneamente, que não prejudique ou importe o desaparecimento do interesse do credor na prestação.
KK. Um prazo suplementar de horas, nunca poderia ser considerado “uma dilação razoável” mesmo que, na perspectiva do Tribunal a quo, não houvesse qualquer obstáculo objectivo que impedisse a celebração do contrato definitivo por parte do Autor nesse mesmo dia às 15h00.
LL. Só se o Autor já estivesse em mora na manhã do dia 28/02/2011 (e tal não foi alegado nem ficou provado) poderia o vendedor ter convertido essa mora preexistente em incumprimento definitivo mediante o envio ao Autor de uma interpelação admonitória.
MM. Para a mora se ter convertido em incumprimento definitivo: o Autor teria que já se encontrar em mora em relação a uma data anteriormente marcada nos termos acordados pelas partes no n.º 2 do artigo 2.º do contrato promessa de fls. 20-22 (e não se encontrava); o novo prazo adicional para cumprir que lhe tivesse sido concedido pelo 2.º Réu teria de ser razoável (e não era) e a interpelação admonitória teria de ser feita pelo titular do direito, ou seja, pelo contraente não faltoso ou por quem por ele tivesse sido mandatado para o efeito (e não foi).
NN. Tampouco se pode dizer que, a haver “mora” do Autor, a mesma teria sido convertida em incumprimento definitivo por perda do interesse do 1.º Réu na prestação.
OO. A perda do interesse do credor tem de ser apreciada objectivamente, aferindo-se em função da utilidade que a prestação para ele teria, embora atendendo a elementos susceptíveis de valoração pela generalidade da comunidade, justificada por um critério de razoabilidade própria do comum das pessoas - n.º 2 do artigo 797.º do CCivil.
PP. Sendo o 2.º Réu responsável pelos actos do interveniente K como se tais actos tivessem sido praticados por si próprio, por força do disposto no artigo 789/1 do Código Civil, tal faculta ao Autor o direito de lhe exigir o sinal em dobro (artigo 436/2 do Código Civil).
NESTES TERMOS, e nos demais de direito aplicáveis, deverá o presente recurso ser julgado procedente, a sentença recorrida substituída por outra que julgue procedente o pedido de condenação do 2.º Réu na devolução ao Autor do valor do sinal em dobro, por incumprimento definitivo do contrato-promessa, com as legais consequências.».
*
A 5ª ré, J, apresentou resposta ao recurso, concluindo as suas contra-alegações da seguinte maneira:
«A. O presente recurso é prejudicial face o recurso interposto pela 5.ª Ré, devendo o presente recurso ser conhecido com precedência face ao recurso interposto pela 5.ª Ré.
B. A consequência imediata da procedência do recurso interposto pelo Autor é a absolvição da 5.ª Ré, ora Recorrida, do pedido contra ela deduzido nos presentes autos e pela qual a mesma foi condenada pela sentença do tribunal a quo.
C. O pedido deduzido contra a 5.ª Ré é subsidiário em relação ao pedido cuja procedência o Autor ora requer, pelo que a procedência do pedido principal tem como consequência imediata a não apreciação dos seguintes e, consequentemente, a absolvição da 5.ª Ré do pedido contra ela deduzido
D. A procedência do recurso do Autor tem como consequência directa e necessária a inexistência de qualquer dano no património do Autor, pois o Autor passará a ter um direito de crédito sobre o 2.º Réu traduzido no direito de exigir o pagamento do sinal em dobro (HKD $ 800.000,00), com o que deixa de existir o pressuposto genético da responsabilização da 5.ª Ré
E. A existir qualquer dano no património do Autor para além da perda do sinal, o que não se concebe e apenas por dever de exaustão de patrocínio se cogita, não só o mesmo não foi alegado ou provado como, a existir, tal apenas pode originar de uma conduta imputável ao 2.º Réu.
F. Não existe qualquer nexo causal entre a alegada omissão por parte da 5.ª Ré e o dano de perda de sinal sofrido pelo Autor (o único dano alegado e reivindicado pelo Autor nos presentes autos).
G. O facto alegado no 64.º da Réplica, na parte em que permite concluir que a 5.ª Ré sabia do que alguém se tinha suicidado no imóvel, é contraditada, desde logo, pelo artigo 34.º da Contestação apresentada, estando, de igual modo, em oposição com a defesa apresentada pela ora Recorrida considerada no seu conjunto.
H. Razão porque deve ser julgada improcedente o pedido de assentar o facto alegado no artigo 64.º da Réplica, pelo menos na parte em que a mesma se refere à 5.ª Ré.
I. O facto alegado no 39.º da Réplica é expressamente contraditada pelo alegado no artigo 16.º e no artigo 34 da Contestação apresentada estando, bem assim, em oposição com a defesa da 5.ª Ré quando considerada no seu conjunto.
J. Não pode tal facto ser dado como assente na parte relativa à 5.ª Ré, apenas podendo dar-se como assente que “O Sr. K sabe muito bem que alguém aí morreu, e o K também disse que era impossível para os 1.º ou 2.º Réus assinar uma declaração assim”.
K. Razão porque deve ser julgada improcedente o pedido de assentar o facto alegado no artigo 39.º da Réplica, pelo menos na parte em que a mesma se refere à 5.ª Ré.
L. A confissão dos 1.º e 2.º Réus de que (i) o 2.º Réu incumbiu, em exclusivo, o Sr. K de vender a fracção em momento anterior ao suicídio e que (ii) a morte de um ser humano não se trata de uma informação que deva ser revelado numa transacção imobiliária apenas servem para reforçar a posição defendida pela ora Recorrida de que o erro em que incorreu o Autor foi causado pelo 2.º Réu e pelo Interveniente, e não pela ora Recorrida.
M. O facto alegado no artigo 72.º da Réplica não pode ser dado como assente pois a mesma é contraditada pelo alegado artigo 3.º da sua Contestação e está contradição com a defesa da 5.ª Ré quando considerada no seu conjunto, razão pela qual o recurso do Recorrente deve ser improcedente nesta parte.
N. Tal como tem sido recorrentemente afirmado por este tribunal, quando o tribunal a quo dá como não provado um determinado quesito, tendo formado a sua livre convicção no julgamento de facto, é impossível para o Tribunal de Segunda Instância sindicar esta convicção, enquanto não for demonstrada a existência de erro manifesto na apreciação da prova.
O. Os depoimentos transcritos pelo Recorrente não demonstram a existência de qualquer erro manifesto na apreciação dos factos constantes dos quesitos 16.º, 17.º, 18.º, 26.º,43.º, 81.º, 85.º, 86.º e 96.º na base instrutória, razão porque a decisão do douto tribunal a quo quanto a estes quesitos da base instrutória deverá ser mantida, devendo o presente recurso ser improcedente nesta parte
P. Os elementos de prova constantes dos autos, em especial os depoimentos da testemunhas do Autor, não permitem dar como provado os factos constantes dos quesitos 18.º e 26.º da base instrutória muito menos demonstram a existência de qualquer erro manifesto no julgamento destes quesitos, pelo que não há qualquer reparo a ser feita à decisão do tribunal a quo quanto a este ponto, devendo o recurso do Recorrente ser improcedente nesta parte.
Q. Sendo procedentes as impugnações do ora Recorrente quanto à matéria de facto constante dos quesitos 43.º, 81.º, 82.º, 85.º, 86.º e 96.º, forçoso é de concluir que (i) o Autor não incumpriu definitivamente o contrato promessa e, atendendo a que está provado por certidão da conservatória do registo predial e por confissão dos 1.º e 2.º Réus que o imóvel objecto do referido contrato já foi alienado a um terceiro, que (ii) o 2.º Réu incumpriu definitivamente o contrato promessa por causa que lhe é integralmente imputável, in casu a alienação do imóvel a terceiro sem que o contrato estivesse resolvido ou definitivamente incumprido pelo Autor, com o que o Autor tem o direito de exigir ao 2.º Réu o dobro do sinal prestado, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 436.º do Código Civil.
R. Foram o 2.º Réu e o Interveniente que deram causa ao erro em que incorreu o Autor, e que os mesmos actuaram com dolo, pois sabiam da ocorrência de um falecimento no imóvel e consciente e intencionalmente omitiram e mentiram sobre tal facto à ora Recorrida, à 2.a testemunha do Autor e ao Autor, tendo a ora Recorrida sido também induzida em erro pelas declarações e informações a que teve acesso, pelo que esteve mal o tribunal a quo em não retirar as consequências devidas do dolo com que actuaram o 2.º Réu e o Interveniente no erro em que incorreu o Autor.
S. Só quando urna das partes desiste do contrato ou origina culposamente urna situação de não cumprimento definitivo, é que o outro contraente deve poder exercer, em relação ao sinal, o direito de o fazer seu ou de exigir a respectiva restituição em dobro, conforme se trate do accipiens ou do tradens.
T. Tanto a doutrina corno jurisprudência dominante têm entendido que são pressupostos cumulativos da aplicação das sanções prevista nos n.ºs 2 e 3 do artigo 436.º do Código Civil (i) o não cumprimento definitivo do contrato e (ii) a imputação (em termos de culpa e causalidade) ao contraente faltoso do referido incumprimento, isto é, só se aplicará a sanção de perda do sinal ou a obrigação de pagamento do sinal em dobro se o incumprimento definitivo foi imputável ao tradens ou ao accipiens.
U. Caso V. Exas. entendam que o incumprimento definitivo do contrato promessa não é imputável a nenhum dos contraentes, deverão revogar a integralmente a sentença recorrida e substitui-la por outra que condene o 2.º Réu a devolver o sinal pago por não estarem verificados os pressupostos legais da aplicação da sanção de perda de sinal determinado no artigo 436.º, n.º 2, do Código Civil e absolva a ora Recorrida do pedido de indemnização contra ela deduzido pelo Autor por não verificação de qualquer dano sofrido pelo Autor ou, a existir algum dano, o mesmo não está alegado, provado ou peticionado, nem é imputável a qualquer conduta da 5.ª Ré.
V. Caso V. Exas. entendam que o incumprimento é imputável ao Autor, ora Recorrente, i.e., caso V. Exas. entendam manter a decisão do tribunal a quo que entende existir um incumprimento definitivo por facto imputável ao Autor e, como tal confirmarem o direito do 2.º Réu fazer seu o sinal pago, deverá a sentença recorrida ser revogada na parte condenatória e substituída por outra que absolva a ora Recorrida do pedido contra ela deduzido com os fundamentos indicados nas suas alegações de recurso interposto a fls. [...], em especial, com fundamento de que o dano de perda de sinal constitui uma sanção legal pelo incumprimento definitivo imputável a uma conduta do Autor e não à ora Recorrida, com o que deve a mesma ser absolvida do pedido contra ela deduzido.
W. Caso V. Exas. entendam ser procedente o presente recurso então deverão condenar o 2.º Réu à restituição do sinal em dobro, nos termos do artigo 436.º, n.º 2, 2.a parte, do Código Civil e revogar a sentença, também, na parte condenatória e substituir por outra que absolva a ora Recorrida do pedido de indemnização contra ela deduzido pelo Autor com fundamento (i) no facto de o pedido deduzido contra a 5.ª Ré ser subsidiário ao pedido cuja procedência o Autor ora requer, pelo que a procedência do pedido principal tem como consequência imediata a não apreciação dos seguintes e, consequentemente, a absolvição da 5.ª Ré do pedido contra ela deduzido e (ii) no facto de a procedência do recurso do Autor ter como consequência directa e necessária a inexistência de qualquer dano no património do Autor, pois o Autor passará a ter um direito de crédito sobre o 2.º Réu, traduzido no direito de exigir o pagamento do sinal em dobro (HKD $ 800.000,00), com o que deixa de existir o pressuposto genético da condenação da 5.ª Ré que é o dano.
Nestes termos, e nos mais em Direito consentidos que V. Exas. mui doutamente suprirão requer-se que:
a) Seja o presente recurso julgado com precedência face ao recurso interposto pela 5.ª Ré;
b) Seja julgado improcedente o pedido de assentamento dos factos alegados nos artigos 39.º, 64.º e 79.º da Réplica, pelo menos na parte em que os mesmos fazem referência à 5.ª Ré, ora Recorrida;
c) Seja julgado improcedente a impugnação da matéria de facto, julgada como não provada, constante dos quesitos 16.º, 17.º, 18.º, 26.º, 43.º, 81.º, 85.º, 86.º e 96.º da base instrutória;
E, em caso de procedência, total ou parcial, do presente recurso,
d) Seja a parte condenatória da sentença recorrida revogada e substituída por outra que absolva a 5.ª Ré, ora Recorrida, de todos os pedidos contra ela deduzidos.
Assim sendo dado cumprimento à consueta e esperada JUSTIÇA!».
*
Contra a sentença recorreu igualmente a 5ª ré, J, cujas alegações terminou da seguinte maneira conclusiva:
«1. A decisão proferida pelo Douto Tribunal Judicial de Base é consequência de (i) uma série de juízos errados sobre a matéria de facto constante dos autos, em especial, relativamente prova produzida sobre a matéria de facto constante da base instrutória e (ii) de uma errada aplicação do direito ao caso, mesmo perante a matéria de facto, erradamente, dada como provada no acórdão constante de fls. 589 ss. dos autos.
2. Ao contrário do que consta da decisão recorrida, perante a prova produzida nos autos, não se poderia ter dado como provado os quesitos 54.º e 55.º da Base Instrutória.
3. Dos depoimentos das 3.ª e 4.ª testemunhas do Autor não se retira qualquer referência quanto ao conhecimento pela 5.ª Ré, ora Recorrente, de que alguém morrera no imóvel.
4. Muito pelo contrário, retira-se dos depoimentos da 3.ª e 4.ª testemunhas do Autor que (i) a 5.ª Ré não estava presente no momento em que o 2.º Réu e o Interveniente confessaram saber que morrera alguém no imóvel, (ii) que nenhum dos presentes expressamente referiu ter informado a 5.ª Ré e, bem assim, (iii) que nenhuma das testemunhas declarou ter ouvido a 5.ª Ré afirmar que sabia que morrera alguém no imóvel tendo resultado sim que a mesma não se pronunciou sobre a ocorrência de tal facto.
5. Não resulta da prova produzida que (i) o 2.º Réu e/ou o Interveniente tenham informado a ora Recorrente de que tivesse morrido alguém na fracção sub judice nem, muito menos, que (ii) a ora Recorrente sabia de tal facto.
6. Do mesmo modo, do depoimento da 4.ª testemunha resulta, em especial, que (i) a ora Recorrente chegou mais tarde na reunião do dia 28 de Fevereiro de 2011 e que a questão de saber se a ora Recorrente sabia se teria falecido alguém no imóvel, não foi abordada, bem como (ii) que o 2.º Réu e o Interveniente não disseram a quem tinham informado sobre a morte de alguém no imóvel.
7. Resultou do depoimento (directo) da 2.ª testemunha do Autor e, bem assim, do depoimento (indirecto) da 3.ª testemunha, que o 2.º Réu (F) e o Interveniente (K) quando directamente questionados no dia 18 de Dezembro de 2010 pela 2.a testemunha do Autor sobre se a fracção tinha algum problema disseram claramente que não.
8. Na reposta ao quesito 54.º da base instrutória o tribunal a quo apenas poderia ter dado como provado que o 2.º Réu, F, o Interveniente, K, sabiam que um jovem se tinha suicidado na fracção AC/V, sita na Rua do ......, n.º ....
9. Não podendo, perante a prova produzida nos autos, dar-se como provado que a 5.ª Ré, ora Recorrente sabia daquele facto.
10. A reposta ao quesito 54.º da base instrutória deve ser modificado para: “PROVADO que o 2.º Réu, F, o Interveniente, K, sabiam que um jovem se tinha suicidado na fracção A C/V, sita na Rua do ......, n.º ....”
11. Não tendo sido provado que a ora Recorrente sabia daquele facto, não pode ficar provado que a ora Recorrente “prestou informações falsas ao Autor para não perder a comissão ou comissões do negócio”.
12. Face à prova produzida nos autos o quesito 55.º deverá ser dado como não provado.
13. Dispõe o n.º 2 do artigo 468.º do C.C. que “a obrigação de indemnizar existe, porém, (…) quando havia um dever jurídico de dar o conselho, recomendação ou informação e se tenha procedido com negligência ou intenção de prejudicar (…)”.
14. Resulta do artigo 713.º do Código Comercial que o mediador apenas tem a obrigação legal de comunicar as circunstâncias que sejam dele conhecidas, não já as circunstâncias que, ainda que possam ser de molde a influir sobre a celebração do contrato, não sejam dele conhecidas.
15. Apenas constitui facto ilícito susceptível de gerar obrigação de indemnizar nos termos resultantes da conjugação dos artigos 468.º do C.C. e 713.º do Código Comercial a violação pelo mediador do dever legal de comunicar as circunstâncias que sejam dele conhecidas.
16. Perante a matéria de facto que deveria ter sido dada como provada, segundo a qual não ficou provada que a 5.ª Ré, ora Recorrente, sabia que tinha morrido alguém no imóvel, a ora Recorrente não violou a sua obrigação, prevista no artigo 713.º do Código Comercial, de comunicar às partes as circunstâncias dela conhecidas relativas à avaliação e à segurança do negócio, que possam ser de molde a influir sobre a celebração do mesmo e, como tal, não está verificada o requisito da ilicitude prevista no n.º 2 do artigo 478.º do Código Civil.
17. Mesmo perante a matéria de facto considerada provada nos autos a decisão do tribunal a quo (i) não poderia ter imputado à conduta da ora Recorrente os danos em que o Autor incorreu com o incumprimento, ilícito, consciente e culposo da obrigação de celebração da escritura pública de compra e venda, nem (ii) desconsiderar em absoluto, como fez, a culpa do Autor na produção do dano em que incorreu.
18. O tribunal a quo não aplicou correctamente as regras do nexo de causalidade estabelecidas no artigo 557.º do C.C.
19. O regime legal do artigo 557.º do C.C. levaria à conclusão de que o dano incorrido pelo Autor, ora Recorrido, não decorre da conduta, alegadamente, adoptada pela ora Recorrente.
20. Para que o dano sofrido pelo ora Recorrido fosse imputável à conduta da ora Recorrente é necessário não só que o facto tenha sido, em concreto, condição «sine qua non» do dano, mas também que constitua, em abstracto, segundo o curso normal das coisas, causa adequada à sua produção.
21. Em abstracto ou em geral, o facto de um agente imobiliário omitir a informação de que num determinado imóvel faleceu alguém não leva a que o promitente-comprador venha a perder o sinal pago, sendo tal conduta é, inapta, inadequada e insusceptível de, de per se e em abstracto, originar aquele dano.
22. No decurso normal das coisas, o promitente-comprador, em cumprimento dos seus deveres legais e contratuais, celebraria o contrato definitivo a que está obrigado e verificando-se a existência de um dano actuaria no sentido de ver reparado o dano por ele sofrido com a conduta ilícita e danosa do mediador imobiliário.
23. Segundo o curso normal das coisas, do facto da ora Recorrente não ter prestado a informação de que falecera alguém no imóvel levaria a que o promitente-comprador, face ao seu dever legal e contratual de celebrar o contrato definitivo, e perante a interpelação recebida do promitente-vendedor que caso o ora Recorrido não celebrasse o contrato definitivo na data e hora marcada daria o contrato promessa por definitivamente incumprido e faria sua o sinal pago, celebrasse o contrato definitivo.
24. O ora Recorrido, perante a confirmação da ocorrência de um suicídio no imóvel, tentou obter uma redução do preço de compra do imóvel.
25. A omissão de informação apenas poderá ser causa adequada ao dano resultante da aquisição de um imóvel por um preço superior ao seu preço real/ de mercado (o que, como facilmente se conclui, não é o dano sub judice), mas já não o é, em caso algum, ao dano resultante da perda do sinal.
26. O ora Recorrido, na sua petição inicial, não peticionou que a ora Recorrente fosse condenada a pagar-lhe uma indemnização por qualquer dano sofrido, muito menos pelo dano da perda do sinal.
27. Tendo, ao invés, peticionado a redução do preço fixado no contrato-promessa.
28. A causa legal da perda do sinal prevista no n.º 2 do artigo 436.º do C.C. é o incumprimento por parte do promitente-comprador da obrigação de celebração do contrato definitivo por causa que lhe seja imputável.
29. A causa da perda do sinal é sempre, tão só e apenas, que o promitente-comprador incumpra ilícita e culposamente a obrigação de celebrar o contrato definitivo.
30. Para o nexo causal do dano da perda de sinal, é de todo em todo indiferente que o promitente-comprador não tivesse sido informado em momento anterior de um determinado “defeito” da coisa.
31. Não se pode imputar o dano da perda de sinal a um facto que apenas devido a circunstâncias anormais, excepcionais, extraordinárias, indirectamente, o originou.
32. A omissão de tal informação não desvincula o promitente-comprador da sua obrigação de celebrar o contrato definitivo.
33. A omissão de tal informação não serve nem de fundamento da exclusão da ilicitude da conduta do lesado, nem de causa de exclusão da imputação da conduta ao lesado, nem, muito menos, de causa desculpante da conduta do promitente-comprador.
34. Não só o facto praticado pela ora Recorrente não é, em abstracto e segundo o curso normal das coisas, causa adequada ao dano de perda de sinal, como, segundo o n.º 2 do artigo 436.º do C.C., a causa real e directa do dano de perda de sinal pago foi o facto de o ora Recorrido não ter cumprido o seu dever legal e contratual de celebração do contrato definitivo, mesmo depois de para tal ter sido interpelado pelo promitente-vendedor.
35. Pelo que não é imputável à ora Recorrente, a título de causalidade adequada, o dano sofrido pelo ora Recorrido.
36. O ora Recorrido (i) procurou aconselhamento jurídico em data anterior à data de celebração da escritura de compra e venda; (ii) foi informado na data da celebração do contrato definitivo de que a sua recusa de celebrar o mesmo constituiria um incumprimento do contrato-promessa, com a consequente perda do sinal; (iii) foi interpelado pelo promitente-vendedor para comparecer no escritório do notário P às 15:00 horas para celebrar o contrato definitivo sob pena de se ter o contrato promessa por definitivamente incumprido com a perda do sinal a favor do promitente-vendedor; (iv) e, de forma livre e consciente das consequências de tal opção, decidiu não comparecer no escritório do notário para celebrar o contrato definitivo.
37. O tribunal a quo considerou não existir qualquer incumprimento do contrato-promessa por parte do promitente-vendedor, 2.º Réu nos presentes autos, tendo declarado o sinal pago pelo ora Recorrido perdido a favor daquele.
38. Ainda que a conduta da ora Recorrente fosse em abstracto adequada à produção do dano da perda do sinal, o facto a que o n.º 2 do artigo 436.º do C.C. atribui, de per se, o efeito/consequência directa de perda de sinal é incumprimento ilícito e culposo por parte do promitente-comprador, ora Recorrido, do dever de celebrar o contrato definitivo. Isto é, é a este facto, e não a qualquer outro, que a norma do n.º 2 do artigo 436.º imputa o dano da perda do sinal.
39. O incumprimento do dever de celebração do contrato definitivo por parte do ora Recorrido é a causa real do dano sofrido e interrompe do nexo causal entre facto praticado pela ora Recorrente e dano da perda do sinal.
40. A causa hipotética ou virtual não constitui fundamento de uma obrigação de indemnização, devendo considerar-se o dano como causa do facto interruptivo - causa real do dano.
41. A prática por parte do lesado, ora Recorrido, de um acto ilícito e doloso não pode ser considerado como constituindo um efeito adequado da conduta da ora Recorrente.
42. A conduta ilícita praticada por um lesado que seja a causa real do dano nunca poderá ser considerada como integrando o nexo de causalidade de qualquer causa virtual do mesmo nem, muito menos, como um efeito/causa adequada daquela.
43. Atendendo a que nos termos do n.º 2 do artigo 436 do C.C. a causa directa e real do dano da perda do sinal foi a conduta ilícita do promitente-comprador, que estando obrigado a celebrar o contrato definitivo o não fez por causa a si imputável, forçoso é concluir-se que o nexo causal do facto ilícito praticado pela ora Recorrente foi interrompido.
44. Sendo o dano sofrido imputável, em termos de causalidade adequada, não a qualquer conduta da ora Recorrente mas sim à conduta autónoma, ilícita, danosa e culposa do ora Recorrido.
45. O tribunal a quo não valorou a conduta do lesado para efeitos de fixação do valor da indemnização, nos termos constantes do artigo 564.º C.C.
46. O facto praticado pelo promitente-comprador, ora Recorrido, concorreu para a produção e/ou agravamento do dano, podendo-se dizer que ambos os factos constituem causa real do dano, como concretamente teve lugar.
47. Dispõe o n.º 1 do artigo 564.º do C.C. que “quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.”
48. Mesmo perante os factos contantes dos autos, resulta que a conduta do lesado, Autor e Recorrido nos presentes autos, contribuiu para a produção do dano sofrido.
49. Sem o incumprimento do dever legal de celebração do contrato definitivo por causa imputável ao ora Recorrido nunca se teria produzido o dano de perda de sinal.
50. Resulta do n.º 1 do artigo 564.º do C.C. que na fixação da indemnização a pagar ao lesado deverá o tribunal (i) analisar a gravidade da culpa de ambas as partes e (ii) a consequências delas resultantes.
51. No caso sub judice, não só o lesado não adoptou a conduta que, in casu, lhe permitiria evitar a produção do dano de perda de sinal - com o que estaria já verificada a culpa exigida pela presente norma - como, livre e conscientemente, praticou um facto que, de per se e em abstracto, levaria à produção daquele dano. Isto é, o lesado actuou dolosamente na produção do dano de perda de sinal.
52. Não tivesse o lesado, ora Recorrido, concorrido para o dano sofrido, o mesmo teria adquirido a fracção pelo preço de MOP 1.596.500,00, pelo que o dano que o mesmo poderia sofrer e a que a ora Recorrente estaria obrigada a reparar consistiria na diferença entre a situação em que o lesado estaria se não se tivesse verificado o evento lesivo e a situação em que ele está, em consequência do evento lesivo.
53. Resulta dos autos que, não só o ora Recorrido não pagou um preço superior ao preço que o imóvel no mercado naquela altura, como, muito pelo contrário, que o preço do imóvel no mercado seria até superior ao preço pelo qual o mesmo estaria a ser adquirido pelo lesado e que o mesmo foi alienado 4 meses depois por um preço superior ao preço; pelo qual o ora Recorrido iria comprar.
54. Resulta da norma do n.º 2 do artigo 436.º do C.C. que para que o promitente-comprador perca o sinal pago o mesmo tem de, ilícita e culposamente, deixar de celebrar o contrato definitivo ao qual se obrigou a celebrar. “.
55. Não fosse o concurso do facto do lesado na produção do dano, não teria ocorrido qualquer dano a que a ora Recorrida teria de reparar.
56. Com o que, deve a sentença ora recorrida ser revogada e substituída por outra que, em cumprimento da norma do 564.º C.C., exclua a indemnização a pagar pela ora Recorrente.
Normas jurídicas violadas pela decisão recorrida (indicação feita nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do Artigo 598.º do Código de Processo Civil): Artigo 713.º do Código Comercial e Artigos 436.º, 478.º/2, 557.º e 564.º do Código Civil.
Nestes termos, e nos mais em Direito consentidos que V.Exas. mui doutamente suprirão requer-se que:
a) Sejam as repostas aos quesitos 54.º e 55.º alterados nos termos supra indicados; E
b) Seja a ora Recorrente absolvida do pedido indemnizatório contra ela deduzida, por não estar verificado o requisito da ilicitude da conduta;
Ou, no caso em que assim não se entenda,
c) Seja a sentença recorrida revogada e substituída por outra que absolva a ora Recorrente do pedido indemnizatório contra ela deduzida com fundamento na não verificação do nexo de causalidade entre o facto por ela praticado e o dano sofrido;
Ou, ainda para o caso em que assim não se entenda,
d) Seja a sentença recorrida revogada e substituída por outra que exclua a obrigação de indemnização do ora Recorrido pela ora Recorrente com fundamento na culpa do lesado.
Ou, ainda para o caso em que assim não se entenda,
e) Seja a sentença recorrida revogada e substituída por outra que reduza a obrigação de indemnização da ora Recorrente para um valor não superior a MOP 5.000, correspondente à comissão recebida pela ora Recorrente, com fundamento na culpa do lesado.
Assim sendo dado cumprimento à consueta e esperada JUSTIÇA!».
*
A este 2 º recurso respondeu a autora, B, que sintetizou da seguinte maneira as suas alegações:
«A. As transcrições parcelares de determinados segmentos da prova gravada de que se prevalece a Recorrente não impõem decisão diversa da recorrida - art.º 599.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 do Código de Processo Civil, antes concorrendo para a confirmar.
B. Acresce que as passagens da gravação transcritas pelo Recorrido (aos minutos de 27:05 a 28:21, 29:07 a 30:07, 54:49 a 55:06 e 57:22 a 57:53 da Gravação - Translator 2 - Recorded on 08-Apr-2015 at 10.38.13 (1C3T168G05911270)) infirmam as conclusões da Recorrente, nada havendo por isso a censurar à avaliação da matéria de facto, tal como a fez o Tribunal “a quo” em relação aos quesitos 54 e 55 da Base Instrutória.
C. E de nada adianta dizer que não se logrou provar tal conduta ilícita da Recorrente porque se tal prova não tivesse sido feita - e foi - aplicar-se-lhe-ia a presunção legal do artigo 788/1 do Código Civil.
D. Competia, pois, à Recorrente fazer prova de que a falta de cumprimento da obrigação prevista no artigo 713.º do Código Comercial não procedeu de culpa sua, ilidindo a presunção de culpa do artigo 788.º, n.º 1 do C.Civil, designadamente, demonstrando que procurou inteirar-se do que lhe foi perguntado pelo Autor (e também pela 2.ª testemunha), mas que foi enganada pelo 2.º Réu e/ou pelo Interveniente.
E. Assim, beneficiando o Autor, face ao disposto no artigo 337.º, n.º 1 ex vi do art.º 788.º, n.º 1 do Código Civil, de dispensa ou liberação do ónus da prova do incumprimento da obrigação da Recorrente, por um lado, e não tendo ficado provado de que o seu incumprimento não procedeu de culpa dela, por outro, prevalece, a final, essa presunção legal de culpa.
F. Nos números 17 a 35, 36 a 44 e 45 a 56 das suas conclusões a Recorrente defende (i) que o Tribunal não aplicou correctamente as regras do nexo de causalidade estabelecidas no artigo 557.º do Código Civil, (ii) que o dano da perda do sinal não resultou da sua actuação, mas do incumprimento do contrato-promessa imputável ao Autor que teria assim interrompido o nexo causal entre o facto por ela praticado e o dano e (iii) de que nada há a indemnizar por se verificar conculpabilidade do lesado.
G. Mas considerando a matéria de facto dada como provada nas respostas aos quesitos 4, 5, 6, 7, 8, e 55 da Base Instrutória é fácil concluir que in casu a Recorrente não omitiu uma informação, tendo ido mais além do isso: emitiu uma informação falsa, que sabia condicionar a decisão do Recorrido em celebrar o negócio, com a intenção de o enganar e de não perder a sua comissão.
H. Desta forma, e bem, o Tribunal considerou verificar-se uma situação de “dolo intencional” e não de “dolo por omissão”, pois a Recorrente mais do que esconder do Recorrido a ocorrência de um facto que o levaria a desistir do negócio, quando questionada sobre o facto, por várias vezes negou a sua verificação.
I. De sorte que todas as lucubrações da Recorrente em tomo da causalidade adequada falecem quando caracteriza a sua conduta para efeitos sancionatórios em sede de responsabilidade civil como omissiva, algo que o Tribunal a quo não fez.
J. Mais adiante na impugnação da sentença a Recorrente quer convencer o Tribunal ad quem de que no caso concreto o dano causado ao Recorrido, consistente na perda do sinal por incumprimento do contrato, se ficou a dever a conduta do lesado, por, alegadamente, este ter dado azo ao incumprimento do contrato - o que, na perspectiva da Recorrente, afastaria o nexo causal entre a sua conduta e o dano.
K. Mas, resultando a responsabilidade da Recorrente pela reparação do dano do disposto no disposto no art.º 485.º, n.º 2, do Código Civil, e que, conforme resulta da matéria provada, aquela interveio no negócio como intermediária (resposta ao quesito 70 da Base Instrutória), levando o Recorrido a celebrar um contrato-promessa de compra e venda que nunca teria sido formalizado se aquela não tivesse enganado o Recorrido (respostas aos quesitos 7 e 8 da Base Instrutória), o dano causado pela Recorrente não resulta directamente do incumprimento contratual, mas da conduta enganosa daquela.
L. Com efeito, a perda do sinal só foi possível porque ocorreu a entrega desse sinal no âmbito do contrato-promessa de compra e venda, mas foi a conduta da Recorrente que levou à celebração do mesmo contrato.
M. Logo existe um nexo causal entre a entrega do sinal e a conduta da Recorrente.
N. Sendo, por isso, o prejuízo do Recorrido, causado pela conduta ilícita da Recorrente, equivalente ao montante que aquele entregou a título de sinal, o qual só foi entregue porque foi celebrado o contrato-promessa.
O. Estamos, assim, perante uma situação de causalidade indirecta, não configurando a actuação ilícita da Recorrente uma causa virtual ou hipotética do dano justamente porque o Recorrido apenas celebrou o contrato e entregou o sinal em consequência dessa actuação.
P. Tal como resulta da matéria dada como provada e da aplicação da teoria da causalidade indirecta, o dano, consistente na perda do valor do sinal, só ocorre com a não celebração do contrato prometido, mas a causa desse dano, pelas razões sobejamente explicadas na sentença recorrida, é anterior à celebração do contrato-promessa, por força de uma actuação, ilícita e culposa, da Recorrente, que leva o Recorrido a celebrar um contrato-promessa que não teria celebrado não fosse aquela conduta.
Q. Em síntese, se o contrato-promessa não tivesse sido celebrado nada existiria para incumprir, não fazendo por isso qualquer sentido percutir a tecla, como faz a Recorrente, da interrupção do nexo de causalidade.
R. Finalmente, pelos motivos expostos, também improcede o argumento da co-responsabilização do lesado ou do seu concurso para a produção do dano, como forma de obter a diminuição da culpabilidade da Recorrente.
S. De resto, o Tribunal a quo, lançando mão da matéria dada como provada, atalhou no último parágrafo da página 42 da sentença recorrida (desde “É que” até “definitivo com o 2º Réu”) a possibilidade de ocorrência de qualquer interrupção de nexo causal ou de um concurso do lesado para a produção do dano.
T. Ou seja, o Tribunal a quo, e bem, perante a matéria dada como provada, entendeu que a actuação do Recorrido era justificada no quadro de opacidade criado pela Recorrente, facto que por si também permitia ver que não ocorreu um concurso do Recorrido para a verificação dano ou para o seu agravamento.
U. Termos em que, no tocante à condenação da Recorrente no pagamento de uma indemnização ao Recorrido nada há a apontar à decisão impugnada.
NESTES TERMOS e com o mais que V. Exas., muito doutamente, não deixarão de suprir, deve ser negado provimento ao recurso interposto, com as legais consequências.
Assim, mais uma vez, farão V. Exas. JUSTIÇA!».
*
Cumpre decidir.
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II - Os Factos
A sentença deu por assente e provada a seguinte factualidade:
«Da Matéria de Facto Assente:
- Em 18 de Dezembro de 2010, o Autor celebrou, por escrito, o acordo cuja cópia consta de fls. 20 a 22 com C (C) representado pelo seu procurador, F (F), no “###, Escritório de Serviços Jurídicos” (alínea A) dos factos assentes).
- Através de tal acordo, pelo preço de MOP1.596.500,00, o Autor prometeu comprar e C (C), através de F, prometeu vender a fracção AC/V do prédio situado na Rua do ...... n.º ..., descrito sob o n.º 2xxx na Conservatória do Registo Predial e inscrita a favor do Réu C. (alínea B) dos factos assentes).
- No mesmo dia, o Autor pagou a F (F) HKD400.000,00 (Quatrocentos mil Dólares de Hong Kong), equivalente a MOP412.000,00 (Quatrocentos e doze mil patacas), através de ordem de caixa do Banco da China com n.º H4XXXXX, como sinal (alínea C) dos factos assentes).
- O n.º 2 do artigo 2.º do contrato-promessa prevê a marcação da escritura num cartório notarial público (alínea D) dos factos assentes).
- Em 14/04/2011 e 12/04/2011, respectivamente, os RR. C e o F foram citados para a acção e desde aquelas datas que ambos têm conhecimento da pretensão do autor formulada na Petição Inicial (alínea E) dos factos assentes).
- A 5a Ré J era empregada do 4.º Réu H (alínea F) dos factos assentes).
Da Base Instrutória:
- Em data não apurada mas anterior a 18 de Dezembro de 2010, o Autor tomou conhecimento de que foi publicado um anúncio num jornal em nome do estabelecimento “I Imobiliário I地產” para a venda de uma loja situada na Rua do ...... (resposta ao quesito da 1º da base instrutória).
- Como o Autor tinha interesse em comprar uma fracção autónoma naquela zona, entrou em contacto com o estabelecimento “I Imobiliário I地產”, tendo falado com a 5a Ré, J (resposta ao quesito da 2º da base instrutória).
- A 5a Ré, J, disse ao Autor que se tratava da loja AC/V do prédio situado na Rua do ...... n.º ..., cujo portão se encontrava pintado o graffiti (resposta ao quesito da 3º da base instrutória).
- Posteriormente, o Autor falou pessoalmente com a 5a Ré, J, sobre as condições da compra e venda (resposta ao quesito da 4º da base instrutória).
- Nesse altura, o Autor perguntou-lhe claramente se aquela loja tivera algum problema, se era ou não limpa (乾唔乾淨), se alguma coisa estranha lá se passara ou se alguém lá morrera (resposta ao quesito da 5º da base instrutória).
- A 5ª Ré, J, respondeu muito claramente que a fracção não tivera nenhum problema, tendo anteriormente sido arrendada a jovens que nela exerciam a actividade de reparação de veículos (resposta ao quesito da 6º da base instrutória).
- Como o Autor não pretendia comprar o imóvel em que tivesse falecido alguém, antes de marcar o dia e a hora para fazer o contrato-promessa de compra e venda, em 18 de Dezembro de 2010, o Autor perguntou mais uma vez à 5ª Ré, J, se tinham ocorrido coisas estranhas nessa fracção ou se a fracção era limpa, mas a 5ª Ré, J, disse claramente que a fracção não tivera nenhum problema (resposta ao quesito da 7º da base instrutória).
- Por ter acreditado nas informações prestadas pela 5ª Ré, J, de que nada de estranho sucedera na fracção nem que ninguém lá morrera, o Autor decidiu comprar aquela fracção pelo valor de HK$1.550.000,00 (resposta ao quesito da 8º da base instrutória).
- Em 18 de Dezembro de 2010, o Autor pagou HK$5.000,00 à 5ª Ré, J, correspondente a metade da comissão da compra da fracção referida (resposta ao quesito da 9º da base instrutória).
- Algum tempo depois, o Autor tomou conhecimento de que, alguns meses antes, o patrão de uma oficina de reparação de motociclos cometera suicídio numa loja da Rua do ...... por intoxicação por monóxido de carbono resultante da queima de carvão (resposta ao quesito da 10º da base instrutória).
- Porque, anteriormente, a 5ª Ré, J, dissera que a fracção objecto do contrato-promessa tinha sido arrendada a jovens para a exercer actividade de reparação de veículos, o Autor quis logo confirmar se se tratava da mesma fracção (resposta ao quesito da 11 º da base instrutória).
- O Autor telefonou então à 5ª Ré, J, dizendo que alguém se suicidara numa loja da Rua do ...... e perguntando se se tratava da mesma loja objecto do contrato-promessa (resposta ao quesito da 12º da base instrutória).
- A 5ª Ré, J, respondeu ao Autor que ficasse descansado porque a sua fracção não teve nem tem nenhum problema (resposta ao quesito da 13º da base instrutória).
- No mesmo dia, o Autor encontrou uma notícia referindo que na altura referida na resposta ao quesito 10º, um homem cometera suicídio numa oficina de reparação de motociclos na Rua do ......, e que o homem já estava morto quando fora encontrado (resposta ao quesito da 14º da base instrutória).
- Depois de ler esta notícia, o Autor telefonou mais uma vez para a 5ª Ré, J, perguntando-lhe se realmente alguém morrera na fracção que ele ia comprar, tendo a 5ª Ré, J, respondido claramente que a fracção que ele comprar não tinha nenhum problema (resposta ao quesito da 15º da base instrutória).
- À data do suicídio funcionava na mesma fracção da Rua do ......, nº ..., uma Oficina Reparação do Motociclo denominada “@@電單車行” (“@@ Motorcycle”) pertencente ao S (resposta ao quesito da 19º da base instrutória).
- Perante esses factos o Autor ficou com a certeza de que a loja referida na notícia é a mesma loja do contrato-promessa que assinou em 18 de Dezembro de 2010 (resposta ao quesito da 21º da base instrutória).
- No dia 28 de Fevereiro de 2011, o Autor apresentou-se no “###, Escritório de Serviços Jurídicos” na parte da manhã (resposta aos quesitos das 44º e 90º da base instrutória).
- O Si, funcionário do “###, Escritório de Serviços Jurídicos”, depois de verificar os presentes, dirigiu-se aos presentes e perguntou o que queriam fazer sobre este assunto (resposta ao quesito da 45º da base instrutória).
- Algum tempo depois, a 5ª Ré, J, chegou ao “###, Escritório de Serviços Jurídicos” (resposta ao quesito da 46º da base instrutória).
- Confrontado com o facto de alguém se ter suicidado na fracção AC/V, sita na Rua do ......, nº ..., o 2º Réu, F, disse a todos os presentes que ele sabia muito bem que alguém tinha morrido na fracção em causa e disse que já tinha deixado isso claro logo no início (resposta aos quesitos das 47º e 93º da base instrutória).
- Além disso, o Interveniente, K, também disse a todos os presentes que todos sabiam muito bem que alguém morrera na fracção, e mais, que ele próprio sabia muito bem que alguém aí morrera (resposta aos quesitos das 48º e 94º da base instrutória).
- Segundo o jornal Wen Wei Po a desvalorização comercial do imóvel resultante da ocorrência de um homicídio ou suicídio varia entre 15% a 40%, afectando também, o valor das fracções contíguas (resposta ao quesito da 50º da base instrutória).
- Segundo o jornal 民生報 a desvalorização comercial do imóvel, resultante da ocorrência de uma morte não natural varia entre 30% a 50% (resposta ao quesito da 51º da base instrutória).
- Se o Autor não tivesse celebrado o contrato-promessa de 18 de Dezembro de 2010 não teria desembolsado MOP$50,00 para comprar a ordem de caixa que usou para pagar o sinal, nem HK$5.000,00 para pagar metade da comissão à 5ª Ré, J, nem MOP$300,00 para pagar ao “###, Escritório de Serviços Jurídicos” as despesas de testemunhar o contrato (resposta ao quesito da 52º da base instrutória).
- O facto de alguém se ter suicidado na fracção reduz o seu valor de mercado (resposta ao quesito da 53º da base instrutória).
- O 2º Réu, F, o Interveniente, K, e a 5ª Ré, J, sabiam que um jovem se tinha suicidado na fracção AC/V, sita na Rua do ......, n.º ... (resposta ao quesito da 54º da base instrutória).
- A 5ª Ré, J, prestou informações falsas ao Autor para não perder a comissão ou comissões do negócio (resposta ao quesito da 55º da base instrutória).
- No dia 30 de Abril de 2010, o 1º Réu, C, outorgou a procuração de fls. 14 a 15, a fovaor do 2º Réu, F, através da qual conferiu-lhe poderes para vender a fracção a si próprio (resposta ao quesito da 60º da base instrutória).
- O 1º Réu, C, nunca contactou com o Autor nem com a 5a Ré, J, ou qualquer intermediário imobiliário (resposta ao quesito da 61º da base instrutória).
- Depois de outorgada a procuração referia na resposta ao quesito 60º, o 2º Réu, F, procurou o Interveniente, K, para vender a fracção supracitada (resposta ao quesito da 63º da base instrutória).
- Na altura em que alguém morreu na fracção, o Interveniente, K, sabia perfeitamente deste facto (resposta ao quesito da 64º da base instrutória).
- O 2º Réu, F, nunca procurou a 5a Ré, J, ou a agência mobiliária “I Imobiliário I地產” onde ela trabalha para vender a fracção (resposta ao quesito da 65º da base instrutória).
- A 5a Ré, J, prestou serviço de intermediário ao Autor (resposta ao quesito da 70º da base instrutória).
- A 3a Ré, Companhia de Fomento Predial G, Lda., não deu instrução à 5a Ré, J, para prestar serviço de intermediário na compra e venda da fracção em litígio (resposta ao quesito da 71º da base instrutória).
- Os contactos que a 5ª Ré, J, teve com o Autor foram n qualidade de empregada da agência imobiliária “I Imobiliário I地產” (resposta ao quesito da 74º da base instrutória ).
- Depois de ter estado no “###, Escritório de Serviços Jurídicos” na parte da manhã, o Autor foi avisado para comparecer às 15h00 no escritório do notário privado P para a celebração da escritura pública e de que caso não comparecesse, seria considerado incumprimento contratual e que o Autor perderia o sinal pago (resposta ao quesito da 81º da base instrutória).
- O Autor não compareceu na hora indicada na resposta ao quesito 81º (resposta ao quesito da 82º da base instrutória).
- O que consta da resposta ao quesito 102º (resposta ao quesito da 86º da base instrutória).
- O Autor não pediu a prorrogação do prazo de celebração de escritura (resposta ao quesito da 87º da base instrutória).
- O que consta da resposta ao quesito 46º (resposta ao quesito da 91º da base instrutória).
- No “###, Escritório de Serviços Jurídicos”, o Autor dirigiu-se a todos os presentes dizendo que anteriormente a 5ª Ré, J, o informara que ninguém morrera na fracção e acrescentou que se lhe fosse garantido por escrito que ninguém morrera na fracção, nada obstava à conclusão imediata do negócio, pelo que se dispunha a aguardar que o problema fosse resolvido (resposta ao quesito da 92º da base instrutória).
- A reunião acabou sem a celebração da escritura pública tendo o Autor dito que esperava que lhe fosse comunicada uma solução (resposta ao quesito da 95º da base instrutória).
- Na parte da manhã de 28 de Fevereiro de 2011, o 2º Réu, F, o Interveniente, K, o Autor e a 5a Ré, J, tiveram uma reunião no escritório “###, Escritório de Serviços Jurídicos” (resposta ao quesito da 98º da base instrutória).
- Nesta reunião o 2º Réu, F, recusou-se a assinar uma declaração da qual constasse que ninguém morrera na fracção (resposta ao quesito da 99º da base instrutória).
- Em 4 de Março de 2011, o 2º Réu, F, outorgou um substabe1ecimento a favor do Interveniente, K, no escritório do notário privado R, substabelecendo os poderes referidos na resposta ao quesito 60º (resposta ao quesito da 100º da base instrutória).
- Este substabelecimento foi realizado, sem reserva, e com poderes especiais, incluindo os poderes de fazer negócio consigo mesmo (resposta ao quesito da 101º da base instrutória).
- O 1º Réu, C, através da procuração passada ao 2º Réu, F, e este através do substabelecimento ao Interveniente, K, vendeu a fracção para o Q (Q) em 19 de Abril de 2011 (resposta ao quesito da 102º da base instrutória).»
***
III – O Direito
Parte I
(Introdução)
1 – A acção foi instaurada inicialmente contra:
- C, alegadamente dono de uma loja comercial que o autor prometeu comprar;
- F, alegadamente procurador do 1º réu;
-“Companhia de Fomento Predial G, Limitada”, empresa de que o 4º réu é dono, e onde era empregada a 5ª ré;
- H, alegadamente titular da empresa “I Imobiliária”, e patrão da 5ª ré;
- J, empregada da agência imobiliária “I Imobiliária”, com quem o autor estabeleceu vários contactos com vista à aquisição da fracção em causa.
A estes RR, juntou-se-lhes o interveniente K, na sequência do pedido efectuado na réplica pelo autor, que o quis chamar à acção com o fundamento de que este foi agente imobiliário do 2º réu, F, e a favor de quem este emitiu um substabelecimento dos seus poderes conferidos pelo 1º réu, sem reserva e com poderes especiais, incluindo os de realizar negócio consigo mesmo (tendo ao abrigo desse substabelecimento procedido à venda da fracção em 19/04/2011 a Q).
*
2 - A pretensão do autor na petição inicial foi de:
1ª - Anulação do contrato-promessa relativo à fracção AC/V, sita na Rua do ......, n.º ..., por erro sobre os motivos determinantes da vontade, com as legais consequências, designadamente a devolução ao Autor do valor do sinal em singelo, acrescido de juros à taxa legal desde a data da citação;
Ou, subsidiariamente,
2ª - Anulação do contrato-promessa acima referido, por erro sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio, com as legais consequências, designadamente a devolução ao Autor do valor do sinal em singelo, acrescido de juros à taxa legal desde a data da citação;
Ou subsidiariamente,
3ª - Anulação do contrato-promessa ao abrigo do regime do cumprimento defeituoso e, por conseguinte, arbitrada uma indemnização ao Autor pelo interesse contratual negativo no valor de MOP$5.500,00;
Ou subsidiariamente,
4ª - Modificação segundo juízos de equidade por erro sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio, do preço fixado no contrato-promessa acima referido modificado através de uma redução não inferior a 10% do preço de mercado da fracção AC/V, sita na Rua do ......, nº ..., dado se tratar de um imóvel invendável pelo seu valor normal;
Ou subsidiariamente,
5ª - Redução do preço ao abrigo do regime do cumprimento defeituoso, em percentagem não inferior a 15% do preço inicialmente acordado no contrato-promessa celebrado em 18 de Dezembro de 2010.
Na réplica – o que viria a ser aceite – o autor modificou o pedido (além da causa de pedir), ficando este então a apresentar a seguinte configuração:
1º. Fosse o 1º Réu ou, subsidiariamente, o 2º Réu, condenado por incumprimento definitivo do contrato-promessa relativo à fracção AC/V, sita na Rua do ......, n.º ..., a pagar, em dobro, o sinal recebido do Autor, no valor de HKD$800.000,00, acrescido dos juros vincendos desde a citação até efectivo e integral pagamento;
Ou, subsidiariamente,
2º. Fosse anulado o contrato-promessa acima referido, por erro sobre os motivos determinantes da vontade, com as legais consequências, designadamente a devolução ao Autor do valor do sinal em singelo, acrescido de juros à taxa legal desde a data da citação;
Ou, subsidiariamente,
3º. Fosse anulado o contrato-promessa acima referido, por erro sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio, com as legais consequências, designadamente a devolução ao Autor do valor do sinal em singelo, acrescido de juros à taxa legal desde a data da citação;
Ou subsidiariamente,
4º. Fosse anulado o contrato-promessa celebrado em 18 de Dezembro de 2010, por dolo, com as legais consequências, designadamente a devolução ao Autor do valor do sinal em singelo, acrescido de juros à taxa legal desde a data da citação e a condenação do 1º Réu ou, subsidiariamente, do 2º condenado no pagamento de uma indemnização ao Autor pelo interesse contratual negativo no valor de MOP$5.500,00;
Ou subsidiariamente,
5º. Fosse a 5ª Ré, solidariamente com a 3ª Ré ou o 4º Réu, condenada no pagamento de uma indemnização correspondente ao valor do sinal pago pelo Autor, por violação do dever de elucidação do Autor das circunstâncias relativas à avaliação do negócio susceptíveis de influir na sua celebração;
Ou subsidiariamente,
6º. Fosse o Interveniente, K, condenado no pagamento de uma indemnização correspondente ao valor do sinal pago pelo Autor (HKD400.000,00), por violação do dever de elucidação das circunstâncias relativas à avaliação do negócio susceptíveis de influir na sua celebração.
Ou subsidiariamente,
7º. Fosse o preço fixado no contrato-promessa acima referido modificado segundo juízos de equidade por erro sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio, através de uma redução não inferior a 10% do preço de mercado da fracção AC/V, sita na Rua do ......, nº ..., dado se tratar de um imóvel invendável pelo seu valor normal;
Ou subsidiariamente,
8º. Fosse decretado o direito à redução do preço ao abrigo do regime do cumprimento defeituoso, em percentagem não inferior a 15% do preço inicialmente acordado no contrato-promessa celebrado em 18 de Dezembro de 2010.
*
3 – A sentença, de acordo com a matéria de facto assente e provada em sede de julgamento assentou na seguinte ordem de considerações fundamentantes:
- Houve um incumprimento do contrato-promessa celebrado entre o A. e o 2º réu (o verdadeiro promitente-vendedor, o verdadeiro sujeito da relação contratual);
- Esse incumprimento deve ser imputado ao A., não porque recusou expressamente celebrar o contrato definitivo, mas porque não compareceu na hora aprazada para a outorga do contrato que, com o seu comportamento, incorreu em mora;
- Foi a mora do A. quem tornou definitivo o cumprimento, pois lhe foi dado um prazo para o cumprimento, decorrido o qual seria considerado definitivo o incumprimento contratual, sem que ele o tivesse respeitado;
- O 2ª réu deixou de estar vinculado a vender a fracção ao A;
- Face a isto, o pagamento em dobro do valor do sinal foi julgado improcedente;
- O A. incorreu em erro-vício determinante sobre os motivos determinantes da vontade: quando se propôs adquirir a fracção não representou, nem tinha que representar, que nela alguém tivesse falecido;
- Erro que foi induzido exclusivamente pela 5ª ré, J, e não pelo 2º réu, por si ou através do interveniente; Logo o 2º réu não podia ser responsabilizado com base no erro sobre os motivos determinantes da vontade, nem com base em dolo, uma vez que este em nada contribuiu para a decisão de contratar por parte do A.;
- Não se está perante erro sobre a base do negócio; logo, julgou improcedente o pedido com base neste erro;
- Entre o A. e a 5ª ré existiu uma relação de mediação. E a 5ª ré sabia que tinha havido na fracção um suicídio, pelo que devia ter prestado essa informação ao A. (art. 713º, C. Comercial), o que não fez, fazendo-a incorrer no dever de indemnizar, nos termos do art. 478º, nº2, do CC; no montante do sinal que o A. entregou;
- Essa indemnização é solidária entre a 5ª ré e o estabelecimento de mediação para quem aquela trabalhava, ou seja o 4ª réu.
Face a estes fundamentos principais, o seu dispositivo foi o de:
a) – Condenar a 5ª ré, J, solidariamente com o 4º réu, H a pagar ao autor, B, a quantia a de HK$ 400.000,00: e
b) - Absolver o 1º réu, C, o 2º réu, F, a 3ª ré, Companhia de Fomento Predial G, Lda, e o interveniente, K, dos restantes pedidos formulados pelo Autor.
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Parte II
(Do recurso do autor)
4 – O autor da acção, inconformado com a sentença, na sua peça alegatória pugna pela sua revogação e substituição por outra que julgue procedente o pedido de condenação do 2º réu na devolução do autor do valor em dobro do sinal por incumprimento definitivo do contrato de promessa.
Os fundamentos baseiam-se erro de julgamento na matéria de facto e na aplicação do direito.
Quanto à matéria de facto, a sua posição é a de que deveriam:
- Ter sido dado como provados os factos constantes dos arts. 35º, 38º, 39º, 40º, 54º, 55º, 59º, 60º, 64º, 71º e 72º da réplica, por serem factos pessoais e não terem sido impugnados pelo 2º réu, F, pelo interveniente K e pela 5ª ré, J.
- Ter ficado provados por confissão os arts. 18º e 27º da contestação de fls. 68 a 73 apresentada pelo 1º réu, C e 2º réu, F.
- Ter sido provados ou explicados os factos constantes dos artigos 16º, 17º, 18º, 26º, 43º, 47º e 93º, 63º, 81º, 82º, 85º, 86º, 91º e 103º da Base Instrutória.
E quanto à matéria de direito, a sua posição é a de que:
- O erro em que o autor incorreu não se deveu exclusivamente à 5ª ré, mas também ao 2º réu.
- A não celebração do contrato definitivo não se pode imputar a si (autor), até por nem estar em mora aquando do aviso do “###”.
**
4.1 - Da matéria de Facto
4.1.1 – Da matéria da réplica
Sem prejuízo de a matéria que se a seguir se indica, ou ter sido contraditada expressa e especialmente, ou estar em contradição no seu conjunto pela 5ª ré, sempre não deixaremos de lhe fazer uma referência.
Assim:
- Art. 35º, da réplica.
Diz o seguinte: “Ao mesmo tempo chegou o 2º Réu F e o seu agente imobiliário K. A 5ª Ré J chegou 15 a 20 minutos mais tarde, após K lhe ter telefonado, pedindo-lhe que ela comparecesse”.
A factualidade do art. 35º vem na sequência da que consta do art. 34º e esta foi vertida nos quesitos 40º e 90º, merecendo resposta afirmativa com uma mudança muito ligeira.
Ora, a matéria do art. 35º corresponde inteiramente à do art. 91º da BI, cuja resposta remete para a que foi dada ao art. 46º, ou seja, “que algum tempo depois, J chegou ao “### Escritórios de Serviços Jurídicos” E deste modo, ficou por provar o facto que o autor acha que deveria ser dado por reconhecido, nos termos do art. 410º, nº2 “ex vi” arts. 421º, nº1 e 424º, do CPC, tal como lho impunha o art. 562º do mesmo Código.
Ora, a verdade é que este facto, independentemente da eventual razão do recorrente, mostrava-se totalmente neutro e irrelevante à decisão da causa, em particular à questão da alteração da causa de pedir e do pedido. Por isso, a sua não especificação (mesmo que o caso fosse de reconhecimento) em nada alteraria o desfecho. Razão para nesta sede não haver motivo para alterar a matéria de facto.
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- Art. 38º da réplica
A matéria deste artigo da réplica foi levado à BI duas vezes (certamente, por lapso): nos arts. 47º e 93º. E a resposta a estes artigos corresponde praticamente ao teor dos quesitos, salvo no que se refere à alusão de que o o 2º reu tinha informado o Sr. K, seu agente imobiliário (esta parte não ficou provada).
Só que esta matéria não é nova, pois ela já fazia parte do art. 52º da p.i. e da contestação dos 1º e 2º reús já ela tinha sido genericamente impugnada no art. 10º da contestação de fls. 247. Havia, pois, que levá-la ao questionário da base instrutória. Razão pela qual não há que alterar, com este fundamento, a respectiva matéria de facto.
-
- Art. 39º da réplica
Este art. 39º da réplica tinha o seguinte teor:
“O Sr. K também disse a todos os presentes que todos os agentes imobiliários sabem muito bem que alguém morreu naquela fracção, e mais, que ele próprio sabe muito bem que alguém aí morreu, e o K também disse que era impossível para os 1º Réu ou 2ª Reu assinar uma declaração assim”.
Só que esta matéria não era nova também, uma vez que já fazia parte, no essencial, do art. 53º da pi., a respeito da qual já os 1º e 2º réus tiveram oportunidade de impugnar no art.10º da contestação de fls. 247.
De resto, esta factualidade foi levada à BI tendo merecido a resposta aos arts. 48º e 94º (outra vez a repetição da quesitação), praticamente conforme a matéria da petição inicial.
Improcede, pois, o recurso quanto a este ponto.
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- Art. 40º da réplica
Dizia ali o autor que “A reunião acabou porque o 2º Réu F recusou assinar qualquer declaração, tendo o autor respondido que esperava que os RR lhe comunicassem por escrito”
Esta matéria não foi levada à petição porquê? Na verdade, podia muito bem ter sido alegada na petição e não se percebe como só foi introduzida na réplica, sabendo-se que ela não representa verdadeiramente qualquer resposta a matéria de excepção que tenha sido deduzida pelos contestantes e que fosse, só por essa excepcionalidade, razão para a réplica.
Posto isto, o facto de não ter havido articulado subsequente à réplica não tem, quanto a este aspecto nenhum efeito de reconhecimento de factos.
Ainda assim foi levada à BI no art. 95º, cuja resposta foi a de que “A reunião acabou sem a celebração da escritura pública tendo o Autor dito que esperava que lhe fosse comunicada uma solução”.
Assim, nada há a censurar quanto a este assunto.
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- Art. 54º da réplica
Dizia o autor nesse artigo que “Nesta reunião F recusou-se a assinar uma declaração dizendo que ninguém morreu na fracção e não foi capaz de solucionar o problema que a ocultação deste facto ao Autor provocou”.
A parte essencial do conteúdo transcrito foi vazado no art. 99º da BI, e que até mereceu resposta quase totalmente afirmativa.
Ora, esta matéria não era nova no sentido de que apenas se justificava como modo de responder à matéria exceptiva invocada pelo 2º R na sua contestação. Em nossa opinião, ela bem podia ou devia ter sido invocada na petição inicial, onde o autor acentuou os acontecimentos ocorridos no dia 28/02/2011 no escritório da “###”. Assim, sendo, talvez até não fosse possível quesitar esta matéria. Mas, ainda assim, a circunstância de ter sido quesitada não pode agora ser revertida no sentido proposto pelo ora recorrente, até porque ela está em contradição com a defesa contestatória do Réu no sem conjunto na peça de fls. 247-249, ou quando quando se manifesta contra a alteração do pedido e da causa de pedir na peça de fls. 252-253.
Aliás, esta factualidade, em vez de ter importância para a matéria da réplica e da alteração da causa de pedir e do pedido, apenas tem mais que ver com o pedido inicial e da causa de pedir que o suportava. Na verdade, em que é que aquele facto serviria para alentar o recorrente a modificar a causa de pedir e do pedido da p.i. (anulação do negócio) para invocar o incumprimento definitivo do negócio por parte do Réu.
Improcede, pois, a pretensão.
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- Art. 55º da réplica
Na réplica, o autor alegava no art. 54º que “Depois de 28/02/2011 nenhum dos RR contactou com o Autor, nem marcou outra data da celebração da escritura no cartório notarial público”.
Esta matéria foi levada ao art. 85º da BI.
Mas estamos aqui no mesmo plano do art. 54º já analisado. De qualquer maneira, sempre importa acrescentar que, se a intenção do autor era revelar que ficou a aguardar a marcação da escritura definitiva, transferindo para os RR a marca do incumprimento definitivo, a verdade é que a contestação dos RR de fls. 247-249, no seu conjunto, já denuncia que foi o autor quem recusou a transacção (v.g. art. 25º), ou seja deslocando a culpa para o autor. O que prova que os autos revelam um ambiente hostil por parte dos RR que contraria a posição do autor quanto a este aspecto. E a melhor prova do que afirmamos, está na forma como foi quesitada a matéria do art. 81º da BI, que teve resposta quase totalmente afirmativa.
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- Artigos. 59º e 60º da réplica
No primeiro, dizia o autor que “Em 14/04/2011 e 12/04/2011, respectivamente, os RR C e o F foram citados para a acção (fls. 60 e 59), portanto, desde aquelas datas que ambos têm conhecimento da pretensão da petição inicial do Autor”
E no segundo, concluía: “Mesmo assim, já após a citação, o 1º Réu C através da procuração ao 2º Réu F, e este através do substabelecimento para o K vendeu a fraçção para o Q (…) em 19/04/2011”
Esta matéria, como facilmente se depreende, não deveria fazer parte da presente impugnação. Com efeito, o conteúdo do art. 59º está vertido na alínea E), da especificação. E a do art. 60º foi incluída no art. 102º da BI, que mereceu resposta afirmativa. Ou seja, um e outro destes factos, um especificado, outro provado, já satisfazem a preocupação do recorrente.
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- Art. 64º da réplica
Pretende o recorrente que fosse especificado que “…os RR sabiam ou deviam saber que alguém se tinha suicidado na fracção (…) e da importância ou essencialidade deste elemento para o comprador, mas disso não informaram o B, nem pessoalmente, nem por interposta pessoa…”.
Ora, esta factualidade não é própria da essência replicante e da alteração e da causa de pedir introduzidos na réplica. É, em vez disso, característica da causa de pedir e, consequentemente, do pedido anulatório do negócio formulado na petição inicial. Ou seja, apenas releva enquanto fundamento para o autor pedir a anulação do negócio e a devolução em singelo do valor do sinal entregue, mas não para ele pedir a devolução em dobro do sinal por incumprimento definitivo do negócio por parte dos RR.
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- Art. 71º da réplica
Este artigo da réplica dizia o seguinte:
“O que o Autor sabe é que no dia 28/02/2011, na reunião no escritório de, foi K quem acompanhou o 2ª Réu F e foi o mesmo K quem telefonou para a 5ª Ré J e lhe pedir para comparecer na reunião”
Esta matéria foi quesitada no art. 103º, tendo merecido resposta negativa.
Também aqui não nos parece que esta matéria tenha qualquer interesse para sustentar a réplica e, logicamente, para suportar a alteração do pedido e da causa de pedir tendente à demonstração do incumprimento definitivo por parte dos RR.
É facto muito colateral, apenas revelador de quem chegou com quem ao escritório “###”. Nem sequer talvez não houvesse necessidade de ser quesitado. Do ponto de vista da substância, cremos ser anódino.
Improcede, pois, a pretensão do recorrente.
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- Art. 72º da réplica
O autor dizia na réplica:
“Pelo que, ao que parece, foi K quem tratou da venda da fracção com J”
O autor queria que esta matéria fosse levada à especificação? Mas, como, se nem ele fez nenhuma afirmação rotunda, antes simplesmente se limitou a especular, sem ter certeza (“…ao que parece…”) sobre quem teria tratado da venda com J. Portanto, mesmo que tivesse razão quando ao resto, neste passo a matéria nunca poderia ser vazada com tal conteúdo.
Sendo assim, também improcede a pretensão recursiva quanto a este facto.
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4.1.2 – Da matéria da contestação dos 1º e 2º RR (fls 68-73)
Acha o recorrente que a matéria dos arts. 18º e 27º daquele articulado deveria ter sido dada por assente por confissão expressa de que a venda da fracção fora incumbida pelo 2º réu ao seu agente imobiliário K ainda antes de lá alguém ter falecido (18º), e que a morte de um ser humano não seria assunto que devesse ser comunicado na transacção imobiliária (27º).
Vejamos.
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- Art. 18º da contestação de fls. 68-73 (tradução a fls. 247-249)
O seu conteúdo era este:
“Antes do acidente de morto [antes do falecimento?], o 2º réu procurou o agente imobiliário, Sr. K, e só ele, para vender a fracção supracitada”.
Esta matéria transitou para o art. 63º da BI; deveria ter sido dada como provada, com base na confissão?
Esta matéria não tinha natureza exceptiva, mas simplesmente impugnativa, como aliás decorre da sua inserção sistemática da contestação em apreço. Não era matéria, por outro lado, a que o autor tivesse que responder. Mas, de qualquer maneira, também não nos parece que deva ser tida como confissão judicial espontânea, porque ela não traduz o reconhecimento que os 1º e 2º RR tenham feito da realidade de um facto que lhes fosse desfavorável e favorecesse a parte contrária (A), tal como o instituto é definido nos arts. 345º e 349º, nº1, do CC.
Quer isto dizer que até talvez não fosse caso de ser levada ao questionário da BI. Mas, de qualquer maneira, não é pelo facto de o ter sido que se pode agora pensar que, automaticamente, deveria der dada como provada por confissão. Não, não havia razão para ser dada como provada por confissão, pelo que se acaba de explicar.
Não procede, pois, esta argumentação do autor/recorrente.
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- Art. 27º da contestação de fls. 68-73 (tradução a fls. 247-249)
O seu conteúdo era este:
“Tem de [se] saber que a morte é uma fase indispensável do ser humano, é um fenómeno natural, isto não é informação que [se] deve mostrar na transacção imobiliária” (acrescentos nossos)
Esta matéria contém duas imprecisões: em primeiro lugar, passe a importância despicienda do facto, não se concorda que a morte seja indispensável. O que parece é que os humanos a dispensariam de bom grado se tal fosse possível Por conseguinte, a indispensabilidade ali referida deveria antes ser substituída pela ideia de inevitabilidade (“a morte é uma fase inevitável…”).
Com este sentido estaríamos perante a noção de a morte é um fenómeno natural (mais que notório) e podia ter sido levada à especificação, com base no art. 434º, nº1, do CPC). Mas, também isso em nada iria contribuir para o desfecho da causa, por isso a sua omissão não fez falta nenhuma à solução do caso.
No que respeita à segunda parte do artigo, segundo a qual “…não é informação que [se] deve mostrar na transacção imobiliária” já não cremos que seja notório e por isso nunca pela via da notoriedade podia ser dada por assente.
E, ao mesmo tempo, igualmente não a podia o tribunal ter na pretendida conta confessória. Com efeito, não é pelo facto de o autor ter feito uma tal afirmação que ela deveria ter sido considerada como facto confessado, em virtude de lhe faltar a principal razão pela qual o ordenamento retira efeitos da “prova por confissão”, que é, como já dito, o reconhecimento de factos contrários aos interesses do confitente e favoráveis aos interesses do declaratário/parte contrária.
Além do mais, também esta não era sequer factualidade essencial ao desfecho da causa, pois mesmo que se provasse (se quesitada fosse), isso não significaria que o R tivesse omitido tal informação ou mandasse omitir a informação.
Improcede, pois, esta matéria do recurso.
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4.1.3 – Da impugnação da matéria dos factos constantes dos artigos 16º, 17º, 18º, 26º, 43º, 47º e 93º, 63º, 81º, 82º, 85º, 86º, 91º e 103º da Base Instrutória.
- Artigos 16º e 17º da BI
Perguntava-se no primeiro:
“Para ter a certeza absoluta de que ninguém lá morrera antes, como a J dissera ao Autor que o proprietário tinha arrendado antes a fracção a jovens para oficina de reparação, o Autor pediu à J para perguntar ao proprietário, dado ser impossível que ele não soubesse se o seu anterior inquilino se suicidara na fracção arrendada?”
E no segundo:
“Depois, a J voltou a telefonar para o Autor e disse que já tinha perguntado ao proprietário da fracção e que o proprietário também dissera que desconhecia o assunto e que a fracção que o Autor se propunha comprar não tinha problema”.
Foram dados como não provados.
Todavia, o recorrente acha que as testemunhas M (pai do A.) e N (irmã do A.) deveriam ter conduzido as respostas em sentido contrário.
Ora, do depoimento das 2ª e 3ª testemunhas não resulta claro um erro notório, grosseiro e manifesto na apreciação do depoimento recolhido a respeito daquela factualidade. E isto, como o diz o acórdão de fls. 589 (julgamento da matéria de facto), não apenas por elas serem pai e irmã do autor, mas ainda pelo facto de o tribunal ter extraído muito melhor credibilidade e confiança no depoimento da 4ª testemunha, e também pelo facto de extrema relevância de nem ter sido factualidade a que nenhuma delas tivesse assistido directa e pessoalmente.
Ora, a resposta negativa a estes factos só perante uma evidente força probatória de sinal contrário pode ser destruída. Quer dizer, a imediação em resultado do contacto directo com as testemunhas, com os seus trejeitos, silêncios, reacções, dificilmente é questionável pela leitura ou audição do respectivo depoimento. Ou seja, a fria e forte convicção que levou os julgadores da 1ª instância a responder ao questionário é neste plano praticamente insuperável.
Por isso se tem dito que o princípio da imediação e da livre apreciação das provas impossibilita, em regra, o tribunal de recurso de censurar a relevância e credibilidade que o tribunal recorrido tiver atribuído ao depoimento de testemunhas a cuja inquirição procedeu ou que a partir do momento em que o julgador respeita o espaço de liberdade que é próprio da sua livre convicção e não ultrapassa os limites processuais imanentes, a sindicância ao seu trabalho, no tocante à matéria de facto, só nos casos e moldes restritos dos arts. 599º e 629º do CPC pode ser feita (Ac. TSI, de 20/10/2016, Proc. nº 872/2015).
Assim, não vemos como possa este TSI, com os dados que possuímos, contrariar o juízo que o tribunal colectivo do tribunal “a quo” alcançou.
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- Artigos 18º e 26º da BI
Perguntava-se no primeiro:
“Conforme a notícia e a fotografia publicadas no “Macau Daily News” de 6 de Julho de 2010, a fracção aí fotografada é a mesma fracção que o B prometeu comprar?”
E no segundo:
“Em 27/01/2011, J disse ao Autor que já encontrara um novo comprador, mas alguns dias depois informou ao Autor que o novo comprador já não queria comprar?”
Foram dados como não provados.
O autor acha que do depoimento da sua irmã, N, aliado ao documento da fotografia do jornal levaria a dar como provada a matéria do art. 18º.
Bem. Os elementos indiciários talvez pudessem levar a uma prova deste facto. Todavia, o tribunal “a quo” assim não entendeu. A verdade é esta: os dados em contrário que pudessem levar a uma resposta afirmativa não são inquestionáveis e, por tal motivo, valem aqui as considerações atrás referidas a propósito da força da prova testemunhal. E de qualquer maneira, convenhamos, esta factualidade não era minimamente importante para a decisão da causa.
Quanto ao art. 26º, nem a testemunha N, nem qualquer outra do autor, depôs sobre esta matéria.
De qualquer maneira, e mesmo que incidentalmente a testemunha N tivesse feito a alusão que o recorrente agora transcreve, daí não se segue que o quesito tivesse que ser dado como provado, sem qualquer outro apoio instrutório. Não esqueçamos que esta testemunha é irmã do próprio autor/recorrente, além de não ter assistido a nenhum dos factos, os quais lhe foram relatados pelo irmão ou pelo pai, o que terá levado o tribunal “a quo” a diminuir o peso da sua força probatória.
Improcede, pois, a impugnação.
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- Artigo 43º da BI
Perguntava-se : “Mas no dia 28/02/2011 nenhum notário compareceu no “###, Escritório de Serviços Jurídicos”, às 10:00 horas da manhã, contrariamente ao que constava da mensagem enviada pelo “###, Escritório de Serviços Jurídicos” a B?”
A resposta foi não provada.
Ora bem. Esta testemunha assistiu à reunião do dia 28/02/2011 no “###, Escritório de Serviços Jurídicos” e o colectivo deu grande relevância às suas declarações (fls. 597).
Pois bem. Este facto tem que ser parcialmente provado, na medida em que a referida testemunha não encontrou o referido notário nesse escritório, o que está em harmonia com a resposta aos quesitos 45º, 48º, 91º e 92º, 98º e, bem assim, com o teor do documento de fls. 468 e com o teor do art. 25º da contestação dos 1º e 2º RR.
Assi, dar-se-á por provado que “No dia 28/02/2011 nenhum notário compareceu no “###, Escritório de Serviços Jurídicos”, às 10:00 horas da manhã”.
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- Artigos 47º e 93º da BI
Ambos tinham o mesmo teor:
“Confrontado com o facto de alguém se ter suicidado na fracção AC/V, sita na Rua do ......, nº ..., o 2º Réu disse a todos os presentes que ele sabia muito bem que alguém tinha morrido na fracção em causa e disse que já disso tinha informado o Sr. K, seu agente imobiliário”
O recorrente acha que esta matéria deveria ter sido assente por confissão, uma vez que ela fora suscitada na réplica, sem que tenha sido impugnada pelo interveniente K.
Ora bem, tendo sido levado à BI, esta matéria foi praticamente dada como provada, exceptuada a parte final referente à informação que teria sido feita ao Sr. K.
Contudo, e tal como já atrás dissemos, esta parte do artigo da BI não pode ser dada por provada por confissão, uma vez que não é favorável ao A e, simultaneamente, desfavorável ao interveniente. A falta de contestação não tem esse efeito cominatório pleno, face ao disposto no art. 405º, nº1, do CPC, o qual apenas prevê que se dêem como reconhecidos os factos articulados pela parte contrária. E agora o reconhecimento dos factos visa precisamente afastar o perigo de uma confissão (como antes acontecia) pura em que ela é impossível ou inoperante. Ou seja, o reconhecimento não implica necessariamente uma confissão (neste sentido, Ac. do TSI, de 20/10/2016, Proc. nº 546/2016).
Ora, a verdade é que esta factualidade, no seu troço importante, é aquela que alude à parte em que o 2º réu teria dito a todos os presentes que ele sabia muito bem que alguém tinha morrido na fracção em causa e que disse isso ao Sr. K. Ora, o que importava era saber se o 2º réu impugnou este 2º segmento do facto. E isso, sem dúvida foi impugnado. Isto é, o que se prendia saber era simplesmente que ele afirmou que disse ao Sr. K que ele mesmo sabia que alguém lá tinha falecido, e não que apurar se ele em concreto ele disse realmente aquilo ao Sr. K.
Improcede, pois, esta impugnação.
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- Art. 63º da BI
Era este o seu teor:
“Antes de ter ocorrido o falecimento no interior da fracção autónoma, o 2º Réu procurou o agente imobiliário Sr. K e só ele para vender a fracção supracitada?”.
A respeito deste quesito, o autor/recorrente insiste que deveria ser dada a respectiva matéria por assente por confissão. Esta questão foi já tratada mais acima.
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- Art. 81º da BI
Este quesito apresenta o seguinte teor:
“Na manhã do dia agendado para a celebração da escritura foi [o autor] novamente avisado de que caso não comparecesse, por não celebrar o contrato definitivo a que se obrigara e não resolvera, se considerava em incumprimento e que perderia o sinal pago”
A resposta a este artigo da BI foi no sentido de que “que depois de ter estado no “###, Escritório de Serviços Jurídicos” na parte da manhã, o Autor foi avisado para comparecer às 15:00 do escritório do notário privado P para a celebração da escritura pública e de que caso não comparecesse seria considerado incumprimento contratual e que o Autor perderia o sinal pago”.
Pretende o recorrente que, face ao depoimento da sua 4ª testemunha O, se deveria consignar que “o autor foi avisado pelo “###, Escritório de Serviços Jurídicos” para comparecer às 15:00….”. A preocupação do recorrente é, pois, a origem da fonte de informação para comparência no escritório notarial.
Ora, a verdade é que esta testemunha (amiga da irmã do A.) não foi absolutamente inequívoca acerca deste facto. Ou seja, mesmo sem ter presenciado o facto, apenas disse que a mensagem partiu do escritório “###”. Ora, isso, mesmo que assim ficasse dado como provado, não quer dizer que não fosse mandada enviar pelo promitente vendedor. Portanto, o tribunal acabou por responder através da maneira mais objectiva e inquestionável possível. E quanto a isso, não encontramos qualquer erro na resposta, por não termos nos autos melhores elementos que nos levassem a diferente forma de responder a esta questão.
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85º, 86º, 91º e 103º
- Art. 82º da BI
Perguntava-se nele se “O A não compareceu na hora da celebração da escritura”.
A resposta foi a de que “O A. não compareceu na hora indicada na resposta ao quesito 81”.
Ora, a resposta adequa-se exactamente à realidade objectiva nua e crua dos factos. Efectivamente, se o A. foi avisado para comparecer às 15.00 desse dia no escritório do notário privado, Dr. P, para celebrar a escritura definitiva, a verdade é que ele não compareceu. Quanto a isto a resposta é incólume e o depoimento das testemunhas referidas pelo A. não o desmentem. Dão apenas uma pretensa justificação para o não comparecimento do A. no referido escritório do notário privado.
Assim, não procede este fundamento do recurso.
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- Art. 85º da BI
O teor do quesito é o seguinte:
“Após 28/02/2011, nenhum dos RR, nem o “### Escritório de Serviços Jurídicos” contactou o Autor para marcar data no cartório notarial Público”.
A resposta foi de não provado.
Esta matéria é semelhante à do art. 96 º da BI (“Nenhum dos RR voltou a conctar o Autor”), que também mereceu resposta negativa.
Pretende o recorrente, a partir do depoimento da sua irmã N, que a resposta deva ser a de “provados” os quesitos.
Mas, o depoimento transcrito da irmã em nada vem abalar aquela que foi a convicção dos julgadores da 1ª instância. À falta de melhores elementos que o A devesse trazer aos autos para proa desta matéria, a simples afirmação feita pela irmã da autora terá sido insuficiente para dar cobertura plena à tese plasmada nos quesitos.
Assim sendo, não pode também este TSI ir contra a resposta dada.
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- Art. 86º da BI
Perguntava-se nele se “Os 1º e 2º RR venderam a fracção a um terceiro sem que nenhum dos RR tivesse declarado resolvido o contrato-promessa de 18/12/2010 e disso avisado o Autor”.
Ficou provado apenas o que consta da resposta ao quesito 102º, ou seja, que “O 1º Réu, C, através da procuração passada ao 2º reu, F, e este através do substabelecimento ao Interveniente, K, vendeu a fracção para o Q em 19 de Abril de 2011”.
O recorrente acha que deveria o quesito ter sido dado por provado. Ora, o que o autor pretendia era que a resposta que pretendiam fosse dada ao quesito correspondesse à matéria que tinha alegado de que após o dia 28 de Fevereiro não mais obteve qualquer contacto de nenhum dos 1º e 2º RR. Isso, claro está, poderia ir ao encontro da tese por si defendida de que não fora ele a incumprir o contrato de promessa.
Só que, como resulta da matéria provada, reflectida no acórdão de fls. 589 a 597, o autor já não tinha que ser mais notificado de coisa alguma. Se de manhã compareceu para a celebração da escritura e se nesse momento lhe foi comunicado de que ela seria celebrada em escritório notarial da parte de tarde desse dia, não olhe restava senão comparecer para a outorga respectiva. É certo que ele disse, nessa manhã, que ficava à espera de que o “problema fosse resolvido” (resposta ao quesito 92º). Mas esta expressão correspondia ao desejo de eliminação da dúvida sobre se alguém tinha falecido na loja prometida comprar. Ora, na manhã desse dia já não havia dúvidas de que sim, alguém lá tinha falecido. Isto mesmo resulta demonstrado da resposta aos quesitos 45º, 47º e 93º, 48º e 94º. Ou seja, foi garantido nessa data a todos os presentes no escritório “###” na manhã do dia 28 de Fevereiro de 2011 que efectivamente alguém tinha morrido na fracção em causa. Portanto, o autor/recorrente ficou a saber, a ter a certeza desse facto, senão antes, ao menos nesse momento desse facto. Portanto, não fazia sentido ele mesmo dizer aos RR que ficava à espera de “resolver o assunto” (i.é, sobre a dissipação da dúvida sobre essa morte), se ele logo ficou “resolvido” naquela manhã.
Portanto, não se acha necessidade de qualquer crítica sobre a forma de responder ao aludido quesito.
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- Arts. 91º e 103º da BI
Cremos que esta matéria se mostra neutra e irrelevante para o desfecho da causa. Aliás, se o recorrente, sobre esta matéria, mais uma vez faz apelo ao teor dos arts. 35º e 71º da Réplica, então somos obrigados a remeter para o que acima já se disse no ponto 4.1.1.
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4.1 - Da matéria de direito
Entende o autor no recurso jurisdicional que:
a) - Da causa do erro: O erro em que o autor incorreu não foi determinado apenas pela 5ª ré, J, tal como foi definido na sentença, mas também pelo 2º réu F;
b) - Do dolo negativo ou omissivo: Deveria ser prestada ao autor a informação/elucidação sobre aquele facto (falecimento de alguém na fracção), tanto segundo o princípio das regras da boa fé aplicáveis na celebração dos negócios (art. 219º, nº1, do CC), como ainda ‘pela circunstância relevante segundo as concepções dominantes no comércio jurídico. Presume-se, pois, a culpa dos RR, designadamente do 2º Réu e seu agente imobiliário (art. 787º, nº1, do CC);
c) A escritura definitiva não se chegou a efectuar por culpa do autor (que assim não incorreu em mora), mas sim por causa imputável ao 2º réu. Ou seja, se o recorrente não estava em mora, a comunicação de que a escritura se realizaria na parte de tarde do dia 28 de Fevereiro de 2011 não pode ser tida como interpelação admonitória.
d) Além disso, nunca essa interpelação podia ser eficaz uma vez que nos termos da cláusula 2.2 do contrato a escritura deveria ser celebrada num cartório notarial público e não num notário privado, onde os custos (emolumentos e honorários) são mais elevados;
e) De resto, não se pode retirar do silêncio do autor a respeito do facto acima referido (al. d)) uma aceitação de que o contrato pudesse ser celebrado no notário privado;
f) Por fim, o prazo concedido (algumas horas entre a parte da manhã e a parte da tarde do dia 28/02/2011) não pode ser considerado razoável para que se possa falar de incumprimento por sua banda.
g) Não se pode falar, por isso, que a haver “mora” do autor, ela tivesse sido convertida em incumprimento definitivo por perda de interesse por parte do 1º réu.
Ou seja, o autor insiste no recurso - e essa é a única questão a resolver – que não foi celebrado o contrato definitivo de compra e venda por culpa do 2º réu. Daí que se deva reconhecer que o incumprimento do contrato de promessa seja imputado ao 2º réu, com o que se deve atribuir-lhe uma indemnização equivalente ao dobro do sinal, nos termos do art. 436º, nº2, do Código Civil.
Pois bem. Este único fundamento do recurso vem na linha daquela que já havia sido a pretensão principal do autor na acção, em especial após o alargamento do pedido formulado na réplica.
Isto é, ele pretende em primeiro lugar, e a título principal, que o tribunal conclua que houve incumprimento contratual da promessa de compra e venda, tendo esse sido o primeiro pedido então formulado. Mas isto concomitantemente significa que este pedido, para ser eventualmente deferido, importaria a validade do negócio (contrato-promessa), ao passo que a procedência dos restantes já implica a invalidade do negócio, por erro sobre os motivos determinantes da vontade, erro sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio e por dolo.
Em todo o caso, vamos ver se podemos falar em incumprimento do negócio.
A sentença fez o seguinte exercício:
Separou o erro do incumprimento. O erro estabeleceu-o entre o A e a 5ª ré, dando esta por responsável. Quanto ao cumprimento do contrato-promessa, considerou que ele apenas se estabelecia entre o A e o 2º Réu. Para o justificar, asseverou que o A. se colocou em mora ao não ter comparecido para celebrar o contrato definitivo na tarde do dia 28 de Fevereiro de 2011, não obstante a interpelação admonitória efectuada e a fixação de prazo razoável para o efeito.
O autor, porém, discorda deste entendimento.
Para si, o erro em que incorreu, não se deve apenas ao comportamento da 5ª ré, mas ainda ao 2º réu e seu agente imobiliário, por apesar de estes saberem do falecimento acima aludido não o terem informado apesar de tudo. Parece resultar desta invocação que a sua falta à celebração do contrato definitivo se ficou a dever ao erro referido. Numa forma muito prosaica, se nos é permitido traduzir assim a ideia do recorrente, ela parece ser esta: “Não compareci para celebrar a escritura de compra e venda porque vocês (2º e 5ª ré) não me tinham informado antes do falecimento ali do anterior proprietário da loja”. Ou então, “vocês fizeram-me incorrer em erro e, por isso, não quis celebrar o negócio definitivo”.
Ora, numa primeira análise, não parece que esta fundamentação seja decisiva para imputar a falta do cumprimento àqueles RR, mas sim, para justificar a sua não presença para a assinatura da escritura do contrato definitivo com base na falta de elucidação daquele facto sinistro, ou seja, para justificar a anulação do contrato de promessa com base no erro. Neste sentido, parece haver aqui alguma confusão conceptual entre as consequências do erro (que atingirão com a sanção de invalidade o contrato celebrado: o contrato de promessa) e o incumprimento deste por não celebração do contrato definitivo. É que aquela fundamentação denuncia que o autor já não estaria interessado na celebração do negócio definitivo, ao passo que ao imputar a culpa àqueles dois RR denota que, afinal, queria mesmo realizar o negócio. Em que ficamos, afinal?
Neste sentido, portanto, se esta matéria invocada é exclusiva da anulação, fica pelo caminho o argumentário que ele desenvolveu no recurso a propósito do dolo negativo ou omissivo reportado ao alegado incumprimento imputado aos RR.
O autor, perdoe-se-nos a metáfora, enredou-se no seu próprio novelo, uma vez que a sua pretensão no recurso é obter a revogação da sentença com base no alegado incumprimento imputado aos RR, e não na anulação fundada no erro radicado na falta de esclarecimento sobre aquele dito funesto acontecimento. Por tal motivo, são inoperantes e irrelevantes os subsídios doutrinários, e até jurisprudenciais, invocados pelo autor nas suas alegações nas rubricas “Da causa do erro” e “Do dolo negativo ou omissivo”, porque esses podiam, quando muito, levar à anulação e à condenação no pagamento em singelo do sinal e não, como é objectivo do presente recurso, obter uma decisão que condene no pagamento do dobro do sinal, o que implicaria o reconhecimento da validade do negócio incumprido.
De qualquer maneira, vamos prosseguir, indagando se os restantes motivos da alegação são suficientes para imputar o dito incumprimento por parte do 2º réu e interveniente. São eles “Da interpelação admonitória” e “Da razoabilidade do prazo”
Em nossa opinião, e ao contrário do que pensa o autor/recorrente, na manhã do dia 28 de Fevereiro de 2011 ele foi avisado para comparecer da parte de tarde no escritório do notário privado do Dr. P para a celebração da escritura definitiva de compra e venda. Isto, porque no escritório que estava a tratar das formalidades “###, Escritório de Serviços Jurídicos” não havia notário que pudesse formalizar a celebração do negócio.
Não vem agora ao caso saber se o autor pretendia redução do valor da compra ou outra qualquer compensação em virtude do apuramento posterior à promessa do acontecimento funesto no interior da loja prometida comprar.
Mas, já é fácil reconhecer que os RR estavam dispostos a celebrar a escritura nesse dia, face à prova obtida. E tanto é assim que, na impossibilidade de ser celebrada na parte da manhã do dia 28/02/2011, ela seria outorgada na parte de tarde desse mesmo dia, porque estavas dispostos a fazê-lo. Aliás, resulta da resposta ao art. 81º da BI que ao autor foi dito para comparecer no escritório do notário acima mencionado e com a advertência de que, caso não comparecesse, essa ausência seria interpretada como incumprimento contratual e que ele perderia o sinal pago.
Ora, perante este quadro pergunta-se: que razões se podem apresentar para dizer que o 2º Réu incumpriu o contrato? Sinceramente, não as vemos, mesmo sem ser preciso concluir pelo incumprimento por parte do próprio autor.
De qualquer maneira, mesmo no quadro da concatenação dos arts. 790º, 793º e 797º do CC, se alguém criou um obstáculo intransponível à conclusão do negócio com a celebração da escritura definitiva, esse alguém foi o autor. Porque, na verdade, como o afirmou a sentença, ele colocou-se em mora ao não pedir a prorrogação do prazo de celebração da escritura resposta ao art. 87º da BI), mas também ao não celebrar nesse dia a escritura e preferir contrapor no escritório de “###” que aguardava “que o problema fosse resolvido” (resposta ao art. 92º da BI) e que lhe fosse “comunicada uma solução” (resposta ao art. 95º da BI). Qual “problema” e “qual solução”? O que pretendia ele, que não devesse ser outra coisa senão a celebração da escritura?
Como acima se disse, esta posição do autor, enquanto parte no negócio, evidenciou não estar interessado em celebrar a escritura. Daí que a interpelação feita para comparecer na parte de tarde no escritório do notário privado não pode deixar de ter o sentido do citado art. 797º, nº1, al. b).
Seja como for, o que não podemos deixar de afirmar é que o dono da loja não teve neste panorama de facto qualquer culpa na celebração do contrato definitivo. Ele apresentou-se na data e local marcado para o fazer e estava disponível para a celebração na parte de tarde do mesmo dia aprazado. Foi esta a prova obtida e, porque mais do que suficiente, não vale, sequer, a pena fazer qualquer apelo a presunções de prova (cfr. art. 788º, do CC).
E o prazo dado – de algumas horas, pela transposição da parte da manhã para as 15, 00 horas do mesmo dia 28/02/2011 - era razoável, diremos nós, acompanhando a sentença aqui impugnada. Na verdade, se a dificuldade detectada tinha que ver com a falta de notário da parte da manhã, então a transferência para a tarde era mais do que justificada e possível, a não ser que fosse invocado (e tal não foi feito, nem provado, pelo autor) que o autor não pudesse por qualquer razão estar presente. Só não esteve presente porque queria outro tipo de “solução” para o “problema”, sem dizer qual fosse, mas que nós, como já adiantamos, admitimos que tivesse que ver com razões próprias e adequadas à anulação por erro e não ao cumprimento tardio. Com efeito, se o autor já sabia do falecimento, e se obteve essa confirmação no dia 28/02/2011 no escritório “###”, então estava plenamente consciente do erro em que incorrera. O que faltava para se recusar a celebrar o contrato com base nele, face à anulação com assento legal dele resultante? Ou ainda queria a celebração? E em que termos? Não se sabe.
Como se vê, para o autor a questão não era de prazo para a sua presença para a celebração da escritura, mas outra coisa diferente e que teria provavelmente que ver com a própria configuração material do negócio, contra o que havia sido prometido negociar.
Somos, pois, forçados a negar razão ao autor e julgar improcedente o recurso, no qual unicamente pretende que a sentença recorrida seja revogada e, em vez dela, se reconheça que o 2ª réu incumpriu o contrato de promessa e seja, por tal motivo, condenado a pagar-lhe o dobro do valor do sinal entregue.
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Parte III
(Do recurso da 5ª ré)
5 – Esta ré, que fora condenada na 1ª instância, na sua peça alegatória pugna pela sua revogação, na parte que lhe diz respeito, e a sua substituição por outra decisão que, principalmente, a absolva do pedido.
Também esta recorrente apresenta fundamentos reportados a erro no julgamento na matéria de facto e na aplicação do direito.
Quanto à matéria de facto, a sua posição é a de que deveriam ser alteradas as respostas aos quesitos 54º e 55º da BI.
E quanto à matéria de direito, a sua posição é a de que:
- O dano em que o autor tenha incorrido não decorreu de sua (recorrente) conduta ilícita e culposa;
- O dano em que ele tenha incorrido deveu-se a um comportamento ilícito e culposo do autor
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5.1 – Da matéria de facto
- Art. 54º da BI
Perguntava-se neste quesito se “Os RR sabiam que um jovem se tinha suicidado na fracção AC/V sita na Rua do ......, nº10?”
A resposta foi esta: “Provado que o 2º Réu, F”, o interveniente K, e a 5ª Ré, J, sabiam que um jovem se tinha suicidado na fracção AC/V, sita na Rua do ......, nº10”.
A recorrente, ataca esta matéria, servindo-se, não só do depoimento da 4ª testemunha do A., que o acórdão sobre o julgamento da matéria de facto considerou fundamental, como das 2ª e 3ª testemunhas do mesmo autor.
Cremos que tem razão.
Efectivamente, no que se refere ao conhecimento por parte da ora recorrente, 5ª ré, de que tivesse falecido alguém na loja, o acórdão fundamentou a resposta do seguinte modo:
“Quanto ao conhecimento que os Réus e Interveniente tinham acerca da morte de alguém no imóvel, novamente foi a 4ª testemunha do Autor que permitiu ao tribunal concluir que o 2ª Réu e o Interveniente sabiam, porque a testemunha os ouviu declarar.
Quanto à 5ª ré, pelo facto de o 2ª Réu e o interveniente terem declarado no dia 28 de Fevereiro de 2011 de que tinham deixado isso claro (segundo a 4ª testemunha), pelo facto de a 5ª Ré ser uma agente imobiliária e de a irmã do Autor que esteve presente no dia 28 de Fevereiro de 2011 ter declarado que a 5ª Ré disse que sabia, o tribunal considerou que a mesma também sabia”.
Ora, não há nas negociações prévias e até mesmo após a celebração do contrato de promessa nenhuma factualidade provada que revele que a 5ª ré sabia do falecimento de alguém na fracção.
É certo que no dia (manhã) da celebração da escritura que o 2º Réu disse a todos os presentes que sabia muito bem de que alguém tinha ali falecido (resposta aos quesitos 47º e 93º).
E também certo é que o Interveniente disse o mesmo a todos os presentes (resposta aos arts. 48º e 94º, da BI).
Só que nem sequer nessa ocasião se prova que entre os “presentes” estivesse a 5ª ré, até por ter chegado mais tarde (resposta ao art. 46º da BI). Quer dizer, não houve a possibilidade de o 2ª réu e o Interveniente terem confrontado a 5ª ré no sentido de fazerem ver a todos que ela também já sabia do falecimento durante a fase anterior e até mesmo após o contrato de promessa.
Repare-se, aliás, que no próprio art. 48 da BI se perguntava se o Interveniente tinha dito nessa manhã do dia 28/02/2011 que “todos os agentes [imobiliários] sabem muito bem que alguém morreu naquela fracção…” (destaque e parêntesis recto nosso) mas este segmento em itálico, como se pode ver na respectiva resposta, não ficou provada.
Por outro lado, a referida 4ª testemunha (amiga da 3ª testemunha, por seu turno irmã do autor) – aquela a que o colectivo julgador deu fundamental e decisiva preponderância – nunca afirmou em tribunal que a 5ª ré sabia daquele facto antes da celebração do contrato de promessa e até mesmo depois disso. Isso pode constatar-se do depoimento transcrito nas alegações da ora recorrente e confirmar-se pela gravação áudio. E o mesmo se diz da 3ª testemunha do autor (sua irmã).
Sendo assim, é muito difícil, se não mesmo temerária empreitada, concluir, a partir dos elementos probatórios recolhidos nos autos, que a 5ª ré sabia do acontecimento funesto. Podia até saber, admite-se. Mas, para se colher dela a sua responsabilidade, era necessário que o autor fizesse prova cabal dos factos integradores da respectiva culpa. É que o ónus de prova era do autor, sendo que em caso de dúvida os factos devem ser considerados como constitutivos do direito invocado (art. 335º, nº3, do CC). O ónus de prova surge, portanto, como um encargo ou sujeição que recai sobre a pessoa que faz a afirmação de determinados factos perante o tribunal. Ónus equivale a dever: dever de demonstrar a existência ou inexistência dos factos controvertidos no processo, necessários para a formação da convicção do juiz. O nº 3, por seu turno, estabelece o seguinte corolário: Se houver razoáveis e fundadas dúvidas sobre se determinado facto é constitutivo (nº 1) ou impeditivo, modificativo ou extintivo (nº 2), a dúvida resolve-se a favor da sua natureza constitutiva. E assim, o ónus volta a pesar sobre quem tenha invocado o direito respectivo (nº 1).
Depois, não se pode esquecer que o art. 437º do CPC, que é orientado para a prova dos factos e já não sobre a natureza constitutiva dos factos, prescreve o seguinte “A dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita”.
Portanto, sem testemunhos que revelassem um tal conhecimento, não parece neste caso que o tribunal pudesse ter feito tranquilamente o exercício dedutivo muito ao jeito de uma presunção judicial (art. 344º do CC) a partir daqueles tão frágeis elementos.
Cremos pois que não é possível concluir que a 5ª ré soubesse anteriormente do falecimento de um jovem no interior da fracção e que o tivesse escondido do autor, promitente comprador.
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- Art. 55º da BI
Neste quesito perguntava-se:
“A J prestou, em nome próprio, informações falsas ao Autor para não perder a comissão ou comissões do negócio”.
A resposta foi:
“A 5ª Ré, J, prestou informações falsas ao Autor para não perder a comissão ou comissões do negócio”
Aqui, se não fosse a resposta ao artigo 54º que este TSI apurou, já consentia um juízo dedutivo do tipo presuntivo com assento no art. 344º do CC.
Foi, aliás, esse o juízo vertido pelo colectivo julgador ao dizer:
“Relativamente à razão por que a 5ª Ré sempre disse que ninguém morrera no imóvel e se o foi por instrução dos restantes Réus ou do Interveniente, a prova produzida não permitiu esclarecer esta dúvida tendo apenas o tribunal ficado convencido de que a 5ª Ré, sabendo que alguém morrera no imóvel, ainda assim negou tal facto quando foi expressamente confrontado pelo Autor.
Além disso, o facto de a 5ª Ré ser agente imobiliária levou o tribunal a entender que a mesma prestou informações não verdadeiras porque não queria perder a comissão ou comissões pelo serviço” (destaque nosso).
Ora, esta presunção, por seu lado fundada numa espécie de lógica comercial, perde sustentação a partir do momento em que, como concluímos, não se pode dar por provado que ela sabia do sucedido no interior da fracção. Ou seja, se não está provado que mentiu, também se não pode presumir a causa da mentira.
Assim, também neste ponto haverá que dar razão à recorrente.
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5.2 – Da matéria de direito
5.2.1 - A recorrente defende a sua absolvição do pedido contra si efectuado pelo A. e, portanto, nessa parte, pugna pela revogação da sentença recorrida.
Ora, de acordo com as conclusões acima alcançadas, lógico é que se não possa imputar qualquer culpa à ré J na ocorrência do erro em que o autor diz ter incorrido aquando da celebração do contrato de promessa de compra e venda da aludida fracção imobiliária.
Na verdade, a ré/recorrente só poderia sofrer a sua responsabilização por esse erro se ela tivesse contribuído para ele ao não ter prestado informação dos elementos de que, sobre o assunto em apreço, ela tivesse conhecimento, face ao disposto nos arts. 713º do Código Comercial e 478º do Código Civil.
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5.2.2 - Mas, a recorrente, mesmo perante a factualidade dada por provada na sentença impugnada, continua a entender que ela não poderia levar à sua condenação, por inexistir nexo de causalidade entre o dano sofrido e a omissão traduzida pela não comunicação do referido falecimento ao autor.
Contudo, face à conclusão a que este TSI chegou a respeito da prova sobre esta matéria, torna inútil e prejudicado esse conhecimento.
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6 – Conclusão
Face ao que foi dito, procedendo parcialmente o recurso do Autor, é de modificar a resposta ao art. 43º da Base Instrutória, de modo que a resposta passe a ser:
- “No dia 28/02/2011 nenhum notário compareceu no “###, Escritório de Serviços Jurídicos”, às 10:00 horas da manhã”.
Por outro lado, procede o recurso da 5ª ré.
Quanto ao resto da sentença recorrida e do seu dispositivo decisório, é de manter, por não fazer parte da presente impugnação jurisdicional para este TSI, nomeadamente na parte concernente à condenação do 4º réu. É que, embora esta condenação tenha sido fundada na circunstância de ele ser o dono do estabelecimento/agência onde trabalhava, como empregada, a 5ª ré (ver fls. 48-49 da sentença em crise), o certo é que este TSI oficiosamente nada pode fazer para eliminar esta condenação por não ter havido recurso quanto a esta parte da sentença.
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IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em:
1 – Julgar parcialmente procedente o recurso do Autor, na parte concernente à impugnação da matéria de facto e, em consequência, altera-se a resposta à matéria do art. 43º da Base Instrutória, que assim passa a ficar redigida:
“No dia 28/02/2011 nenhum notário compareceu no “###, Escritório de Serviços Jurídicos”, às 10:00 horas da manhã”.
2 – Julgar procedente o recurso interposto pela 5ª ré, em consequência do que se revoga a sentença no que à condenação desta diz respeito, indo portanto, absolvida do respectivo pedido.
3 – Manter a sentença na parte restante.
Custas pelo Autor (a procedência do recurso quanto àquele facto da Base Instrutória nenhum reflexo teve no desfecho da causa).
TSI, 01 de Junho de 2017
(Relator) José Cândido de Pinho
(Primeiro Juiz-Adjunto) Tong Hio Fong
(Segundo Juiz-Adjunto) Lai Kin Hong
760/2016 61