Proc. nº 670/2016
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.
I – Do pedido de rectificação do acórdão
1 - A e outros, proferido o acórdão de fls. 1376-1402, que negou provimento ao recurso e confirmou a sentença recorrida, vieram requerer a sua rectificação e aclaração com os seguintes fundamentos:
Em primeiro lugar, chamou a atenção para o facto de o acórdão ter referido a fls. 43, que “todavia pretendem que as duas fracções autónomas P1/rc e P2r/c sejam consideradas como uma única, ou, subsidiariamente que as quotas de que são titulares sejam diferentes das que constam dos contratos que celebraram”, quando na realidade destes contratos não constam quaisquer quotas indivisas de fracções. Seria, pois, um lapso manifesto que requerem seja corrigido.
Não têm razão, substancialmente, mas tê-la-ão formalmente.
Quer dizer, efectivamente, nos contratos não é feita qualquer alusão às quotas indivisas das quotas correspondentes aos espaços adquiridos, destinados a lugares de aparcamento.
Mas, também isso não o quisemos nós dizer. Ou seja, quando estabelecemos que, com o pedido subsidiário, pretendem os autores que sejam declarados titulares de quotas indivisas diferentes das que “constam dos contratos” queríamos obviamente significar que, com a referida pretensão, o objectivo era que viessem os autores a ser reconhecidos titulares de lugares de garagem com uma percentagem superior àquela que resulta da aquisição, pelos referidos contratos, das áreas reportadas individualmente a cada uma das fracções P1/rc e P2r/c. Ora, quanto a isso não há qualquer dúvida, tal como os próprios autores manifestaram expressamente nos arts. 158º, 160º e 161º da petição inicial.
De qualquer maneira, a forma como a expressão está redigida pode -admitimo-lo - levar a pensar que nos contratos está definida a percentagem das quotas indivisas de cada lugar de garagem, o que não corresponde, efectivamente, à verdade.
E se os autores se incomodam com o apontado “lapso manifesto”, nada repugna corrigir a frase.
Só por isso, impõe-se que rectifiquemos a expressão “…subsidiariamente que as quotas de que são titulares sejam diferentes das que constam dos contratos que celebraram”, ---
que passará a ser ---
“…subsidiariamente que as quotas de que são titulares sejam diferentes das que resultam dos contratos reportados individualmente a cada uma das fracções P1/rc e P2r/c.
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2 – Do pedido de aclaração do acórdão
Pedem os mesmos autores a aclaração do acórdão, concluindo a sua pretensão nos seguintes moldes:
“Parece, assim, ser relevante e indispensável para a solução jurídica a dar ao caso que esse tribunal se pronuncie sobre a questão de se a nulidade (parcial) do título constitutivo da propriedade horizontal precisa de ser arguido pelas pessoas que constam do art. 1416º do C.C. anterior, ou pode ser invocado por qualquer interessado, nos termos do art. 1316º, nº3, do C.C. actual”.
Esta pretensão não pode, porém, proceder.
Em primeiro lugar, a questão da nulidade nunca foi invocada expressamente pelos autores. Repare-se que na própria petição inicial, já eles tinham deixado claro que a nulidade prevista no art. 1416º do CC anterior só poderia ser invocada pelos condóminos (cfr. art. 180º, da p.i.). Ou seja, de uma assentada, os autores manifestaram que, do seu ponto de vista, era aplicável o regime do Código anterior.
Em segundo lugar, e porque não invocaram a referida nulidade, o tribunal acabou por acolher a ideia da aplicação dos arts. 1415º e 1416º do Código Civil de então, e não do art. 1316º do Código actual.
Cremos, pois, que o acórdão responde por si mesmo à questão, sem necessidade de qualquer adicional fundamento que tenha em vista esclarecer o que dele já decorre com particular nitidez e clareza.
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II – Da nulidade de citação
1 - Aproveita a conferência para, em colectivo, resolver uma nova questão trazida pela mão dos mesmos autores/recorrentes.
Está agora em causa a alegada nulidade de citação de “EE Limited”, sociedade com sede em Hong Kong e representação permanente em Macau.
Em seu entender, a acção seguiu os seus termos até este momento contra a filial de Macau, apesar de a companhia de Hong Kong ter sido dissolvida em 23/09/1998, conforme documento que agora diz ter obtido. Esta situação ilustraria, alegadamente, um caso de nulidade de citação ao abrigo do art. 140º, al. a e 141º, al. d), fine, ambos do CPC, que não se encontraria sanada, até pelo facto de a sociedade 1ª ré nunca ter constituído mandatário, nem intervindo nos autos.
Terá razão?
Como é sabido, as sucursais dispõem de personalidade judiciária (art. 41º, do CPC) o que significa que podem demandar ou ser demandadas, “quando a acção proceda de facto por elas praticado”.
Assim sendo, e se a demanda assenta em factos por ela praticados, parece claro que podia ela mesma, “a se”, ser validamente citada, como foi, em nada se repercutindo a dissolução da sociedade principal sedeada em Hong Kong, nem o facto de a sociedade de Macau não ter deduzido contestação, nem constituído mandatário.
De resto, as sociedades que exerçam actividade permanente em Macau estão sujeitas ao disposto na lei sobre registo (art. 178º, nº1, do Código Comercial), mesmo sem aqui terem sede estatutária nem administração principal, Ora, de acordo com o art. 6º, al. a) e 65º, nº1, al. m), do Código do Registo Comercial, estão sujeitas a registo e publicação obrigatória a criação, alteração e encerramento de representações permanentes de empresa comerciais do exterior de Macau.
E não há conhecimento registral de que tenha sido cancelado o registo da sucursal permanente de Macau da referida sociedade (cfr. documento de fls. 1436-1437).
Aliás, o facto de ter sido dissolvida a sociedade de Hong Kong não significa, sequer, que ela tenha sido definitivamente extinta, pois à eventual dissolução segue-se a liquidação, sendo que até na fase de liquidação ela continua a ter personalidade jurídica (cfr. art. 318º do Código Comercial).
E como a jurisprudência tem assinalado, as sociedades comerciais gozam de personalidade jurídica e judiciária desde a data do registo definitivo do contrato constitutivo até ao registo do encerramento da liquidação, ou seja, só a extinção manifestada com o registo do encerramento da respectiva liquidação, e não apenas a dissolução, é equiparável à morte das pessoas singulares (v.g., Ac. Relação de Coimbra, de 17/12/2014, Proc. nº 39/10; Ac. RP, de 23/03/2015, Proc. nº 85254/13; Ac. Relação de Guimarães, de 12/11/2015, Proc. nº 3101/13).
Quer isto dizer que o documento de fls. 1410, fazendo embora referência à dissolução, nada diz se houve ou não a liquidação da sociedade de Hong Kong.
Em terceiro lugar, não está sequer demonstrado que o título constitutivo da sociedade constituída em Hong Kong em 1/06/2016 (com o mesmo nome1) não tenha expressamente mantido a representação permanente em Macau.
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III – Da má fé
A parte contrária, GG e outros, sustentou a má fé dos autores na apresentação, nesta fase do processo, do requerimento tendente à declaração de nulidade de citação (cfr. fls. 1434-1435), má fé que estendem ao próprio mandatário forense.
Bem. Concedemos que nos parece tardio o dito requerimento visando a nulidade referida. Não temos, porém, a certeza de ele só agora ter sido apresentado em virtude de os autores/requerentes terem perdido toda a esperança no sucesso da demanda a partir do acórdão lavrado nos autos, que confirmou a sentença de improcedência da acção.
Dito isto, por falta de elementos, não estamos aptos, nem tranquilos, para inferir a existência da má fé processual por banda dos autores a que se refere o art. 385º do CPC.
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IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em:
a) Rectificar o acórdão lavrado nos autos, nos seguintes termos:
A fls. 42 do aresto, linhas 15-17 (fls. 1396 vº), onde se diz “…subsidiariamente que as quotas de que são titulares sejam diferentes das que constam dos contratos que celebraram”, ---
Deverá ler-se: ---
“…subsidiariamente que as quotas de que são titulares sejam diferentes das que resultam dos contratos reportados individualmente a cada uma das fracções P1/rc e P2r/c.
b) Indeferir o pedido de aclaração formulado pelos autores/recorrentes.
c) Indeferir o pedido de nulidade de citação apresentado pelos autores/recorrentes.
Pelo incidente da aclaração e do pedido de nulidade, custas pelos requerentes, com taxa de justiça mínima.
TSI, 25 de Maio de 2017
(Relator) José Cândido de Pinho
(Primeiro Juiz-Adjunto) Tong Hio Fong
(Segundo Juiz-Adjunto) Lai Kin Hong
1 A segunda sociedade já com o mesmo nome teria sido dissolvida em 1/03/2013, conforme documento de fls. 1411.
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670/2016 Aclaração 1