Processo nº 515/2017 Data: 22.06.2017
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Acidente de viação.
Danos não patrimoniais.
Indemnização.
SUMÁRIO
1. Os “danos não patrimoniais” são aqueles que afectam a personalidade, o corpo ou a vida, na sua dimensão complexa biológica e mental, física e psíquica, e que, “pela sua gravidade, merecem a tutela do direito”.
2. A indemnização por danos não patrimoniais tem como objectivo proporcionar um conforto ao ofendido a fim de lhe aliviar os sofrimentos que a lesão lhe provocou ou, se possível, lhos fazer esquecer.
Visa, pois, proporcionar ao lesado momentos de prazer ou de alegria, em termos de neutralizar, na medida do possível, o sofrimento moral de que padeceu”, inadequados sendo “montantes simbólicos ou miserabilistas”, sendo igualmente de se evitar “enriquecimentos ilegítimos ou injustificados”, exigindo-se aos tribunais, com apelo a critérios de equidade, um permanente esforço de aperfeiçoamento atentas as circunstâncias (individuais) do caso.
3. A reparação dos “danos não patrimoniais” não visa uma “reparação directa” destes, pois que estes – “danos não patrimoniais” – são insusceptíveis de serem contabilizados em dinheiro, sendo pois que com o seu ressarcimento se visa tão só viabilizar um lenitivo ao lesado, (já que é impossível tirar-lhe o mal causado).
Trata-se de “pagar a dor com prazer”, através da satisfação de outras necessidades com o dinheiro atribuído para compensar aqueles danos não patrimoniais, compensando as dores, desgostos e contrariedades com o prazer derivado da satisfação das referidas necessidades.
Visa-se, no fundo, proporcionar à(s) pessoa(s) lesada(s) uma satisfação que, em certa medida possa contrabalançar o dano, devendo constituir verdadeiramente uma “possibilidade compensatória”, devendo o montante de indemnização ser proporcionado à gravidade do dano, ponderando-se na sua fixação todas as regras de prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida.
4. São de ponderar circunstâncias várias, como a natureza e grau das lesões, suas sequelas físicas e psíquicas, as intervenções cirúrgicas eventualmente sofridas e o grau de risco inerente, os internamentos e a sua duração, o quantum doloris, o dano estético, o período de doença, situação anterior e posterior da vítima em termos de afirmação social, apresentação e autoestima, alegria de viver, a idade, a esperança de vida e perspectivas para o futuro, entre outras…
5. Em caso de julgamento segundo a equidade, (em que os critérios que os tribunais devem seguir não são fixos), devem os tribunais de recurso limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida.
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 515/2017
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Por Acórdão datado de 31.03.2017 do Colectivo do T.J.B. decidiu-se condenar A, arguido com os sinais dos autos, como autor da prática de 1 crime de “ofensa grave à integridade física por negligência”, p. e p. pelo art. 142°, n.° 3 e 138°, al. c) do C.P.M. e art. 93°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão suspensa na sua execução por 1 ano e 6 meses, e na pena acessória de inibição de condução por 1 ano.
Em relação ao “pedido de indemnização civil” pelo ofendido B enxertado nos autos, decidiu-se julgar o mesmo parcialmente procedente, condenando-se a demandada civil C, a pagar ao referido demandante a quantia total de MOP$858.177,00 – sendo, MOP$450.000,00, a título de “danos não patrimoniais” – e juros; (cfr., fls. 238 a 247-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformada, a demandada seguradora recorreu para – em conclusões e em síntese – imputar ao Acórdão recorrido o vício de “excesso de quantum na indemnização por danos não patrimoniais” do demandante; (cfr., fls. 266 a 273).
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Respondeu o demandante pugnando pela improcedência do recurso; (cfr., fls. 283 a 286).
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Nada obstando, passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 240 a 242-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.
Do direito
3. Como resulta do que se deixou relatado, vem a demandada seguradora já identificada recorrer do Acórdão prolatado pelo Colectivo do T.J.B., insurgindo-se tão só contra o segmento decisório que fixou em MOP$450.000,00 o quantum indemnizatório pelos “danos não patrimoniais” do demandante, ora recorrido.
Sendo apenas esta a “questão” a apreciar e decidir, vejamos.
Como é sabido, os “danos não patrimoniais” são aqueles que afectam a personalidade, o corpo ou a vida, na sua dimensão complexa biológica e mental, física e psíquica, e que, nos termos do art. 487° e 489°, n.° 3 do C.C.M., “pela sua gravidade, merecem a tutela do direito”.
Sobre esta matéria, teve já este T.S.I. oportunidade de se pronunciar, considerando-se, nomeadamente, que “a indemnização por danos não patrimoniais tem como objectivo proporcionar um conforto ao ofendido a fim de lhe aliviar os sofrimentos que a lesão lhe provocou ou, se possível, lhos fazer esquecer.
Visa, pois, proporcionar ao lesado momentos de prazer ou de alegria, em termos de neutralizar, na medida do possível, o sofrimento moral de que padeceu”, (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 13.12.2016, Proc. n.° 923/2016, de 23.02.2017, Proc. n.° 118/2017 e de 20.04.2017, Proc. n.° 264/2017), sendo também de considerar que em matérias como as em questão, inadequados são “montantes simbólicos ou miserabilistas”, (vd., M. Cordeiro, in “Tratado de Direito Civil Português”, II, Direito das Obrigações, III, pág. 755, onde se afirma que “há que perder a timidez quanto às cifras…”), não sendo igualmente de se proporcionar “enriquecimentos ilegítimos ou injustificados”, (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 12.05.2016, Proc. n.° 326/2016, de 13.12.2016, Proc. n.° 923/2016 e de 23.03.2017, Proc. n.° 250/2017), exigindo-se aos tribunais, com apelo a critérios de equidade, um permanente esforço de aperfeiçoamento atentas as circunstâncias (individuais) do caso.
Na verdade, a reparação dos “danos não patrimoniais” não visa uma “reparação directa” destes, pois que estes – “danos não patrimoniais” – são insusceptíveis de serem contabilizados em dinheiro, sendo pois que com o seu ressarcimento se visa tão só viabilizar um lenitivo ao lesado, (já que é impossível tirar-lhe o mal causado).
Trata-se de “pagar a dor com prazer”, através da satisfação de outras necessidades com o dinheiro atribuído para compensar aqueles danos não patrimoniais, compensando as dores, desgostos e contrariedades com o prazer derivado da satisfação das referidas necessidades.
Visa-se, no fundo, proporcionar à(s) pessoa(s) lesada(s) uma satisfação que, em certa medida possa contrabalançar o dano, devendo constituir verdadeiramente uma “possibilidade compensatória”, devendo o montante de indemnização ser proporcionado à gravidade do dano, ponderando-se na sua fixação todas as regras de prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 03.11.2016, Proc. n.° 759/2016, de 13.12.2016, Proc. n.° 923/2016 e de 23.02.2017, Proc. n.° 118/2017).
Porém, e como sabido é, o C.C.M., não enumera os “danos não patrimoniais”, confiando ao Tribunal o encargo de os apreciar no quadro das várias situações concretas e atento o estatuído nos seus art°s 489° e 487°; (em recente Ac. da Rel. de Guimarães de 19.02.2015, Proc. n.° 41/13, in “www.dgsi.pt”, consignou-se que “são de ponderar circunstâncias várias, como a natureza e grau das lesões, suas sequelas físicas e psíquicas, as intervenções cirúrgicas eventualmente sofridas e o grau de risco inerente, os internamentos e a sua duração, o quantum doloris, o dano estético, o período de doença, situação anterior e posterior da vítima em termos de afirmação social, apresentação e autoestima, alegria de viver, a idade, a esperança de vida e perspectivas para o futuro, entre outras …”).
Nos temos do n.° 3 do art. 489° do dito C.C.M.: “o montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 487.º; (…)”.
Por sua vez, prescreve o art. 487° deste mesmo Código que: “quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, pode a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem”.
Aqui chegados, e (cremos nós), clarificada a natureza, sentido e alcance dos “danos não patrimoniais” assim como das razões para a sua “indemnização”, importa ter em conta que como igualmente temos entendido, “Quando o cálculo da indemnização haja assentado decisivamente em juízos de equidade, não deve caber ao Tribunal ad quem a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar, devendo centrar a sua censura na verificação dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo de equidade tendo em conta o “caso concreto””; (cfr., v.g., os Acs. deste T.S.I. de 14.04.2016 e de 12.05.2016, Proc. n.° 238/2016 e 326/2016, podendo-se, sobre a questão, ver também os Acs. do S.T.J. e da Rel. de Coimbra de 22.02.2017 e 17.05.2017, Proc. n.° 5808/12 e Proc. n.° 310/13, respectivamente).
Não se pode pois olvidar que (na ausência de uma definição legal) o “julgamento pela equidade” é sempre o produto de uma decisão humana que visará ordenar determinado problema perante um conjunto articulado de proposições objectivas, distinguindo-se do puro julgamento jurídico por apresentar menos preocupações sistemáticas e maiores empirismo e intuição; (cfr., M. Cordeiro in, “O Direito”, pág. 272 e o Ac. da Rel. do Porto de 21.02.2017, Proc. n.° 2115/04, in “www.dgsi.pt”).
E, nesta conformidade, sem prejuízo de melhor entendimento, tendo-se presente que o ofendido tem cerca de 46 anos de idade (e que a média de vida em Macau ronda os 80 anos), que em virtude das lesões sofridas em resultado do acidente ficou internado 24 dias, que foi submetido a 2 intervenções cirúrgicas no tornozelo esquerdo, tendo posteriormente que receber tratamento e ir a consultas, mantendo-se em recuperação por quase 1 ano, padecendo agora de uma incapacidade parcial permanente de 5%, com todas as dores, sofrimentos, inconvenientes e angústias que de tal lhe advieram e que, em virtude da referida I.P.P. de 5%, continuará a padecer, cremos que motivos parecem não existir para se considerar excessivo o quantum (de MOP$450.000,00) fixado a título de indemnização pelos seus “danos não patrimoniais”.
Dest’arte, improcede o recurso.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 5 UCs.
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 22 de Junho de 2017
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 515/2017 Pág. 14
Proc. 515/2017 Pág. 13