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Processo nº 473/2017 Data: 29.06.2017
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Liberdade condicional.
Pressupostos.


SUMÁRIO

1. A liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão.

2. É de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social.

O relator,

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Processo nº 473/2017
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, com os restantes sinais dos autos e ora preso no Estabelecimento Prisional de Coloane (E.P.C.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, motivando para, a final, concluir, imputando à decisão recorrida o vício de violação do disposto no art. 56° do C.P.M.; (cfr., fls. 165 a 173 que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).

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Em resposta, pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso; (cfr., fls. 175 a 175-v).

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Em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:

“No presente recurso está apenas em causa ajuizar se a libertação condicional da recorrente se mostra compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social, tal como exigido pelo artigo 56.°, n.° 1, alínea b), do Código Penal.
Nenhuma controvérsia se coloca quanto aos demais requisitos necessários para a concessão da liberdade condicional, pois a decisão recorrida julgou-os verificados.
É sabido que a liberdade condicional é de aplicação casuística, dependendo a sua concessão do juízo de prognose indiciador de que o recluso vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em consonância com as regras de convivência, bem como da ponderação da compatibilidade entre a libertação antecipada e a defesa da ordem jurídica e da paz social. Trata-se, no fundo, de verificar se estão satisfeitas as exigências de prevenção especial e de prevenção geral, tal como imposto pelo artigo 56.°, n.° 1, do Código Penal.
Quanto à prevenção especial, o despacho recorrido é claro, no sentido de nenhum obstáculo se levantar nessa sede. Diz-se, com efeito, que o recluso é primário, demonstrou arrependimento, não registou infracções disciplinares, e após lhe ter sido indeferido o primeiro pedido de liberdade condicional, manteve o seu bom e estável comportamento. E acrescenta-se que a sua personalidade melhorou, ele criou uma visão positiva sobre os valores da vida, possui apoio adequado da família, o que leva o tribunal a formular um juízo de prognose no sentido de que ele conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e sem risco de cometer crimes.
Portanto, o dissídio circunscreve-se ao aspecto da prevenção geral. O tribunal entendeu não dar por preenchido tal requisito, pelos fundamentos em que se louvou, no mesmo sentido se pronunciando o Ministério Público na sua contraminuta de recurso.
Vejamos.
Trata-se de uma segunda apreciação da libertação condicional. Resulta claro do processo, como se viu, que a circunstância de ter visto indeferido o primeiro pedido, não fez esmorecer o recluso. Pelo contrário, não só prosseguiu com o seu bom e estável comportamento, como até registou melhoria na sua personalidade. É certo que o recluso foi condenado por um crime grave, de tráfico de droga, embora com uma pena situada num patamar relativamente baixo da moldura legal, o que, de alguma forma, pode espelhar um juízo a que subjaz algum esbatimento das necessidades de prevenção geral associadas ao caso. Veja-se a forma expressiva como foram destacados, no acórdão condenatório deste Tribunal de Segunda Instância, a confissão, o arrependimento sincero e a colaboração empenhada do arguido, o que, relevando essencialmente em termos de prevenção especial, não pode deixar de se projectar reflexamente na questão da prevenção geral. Pois bem, apesar de, em Macau, o tráfico de droga ser objecto de acentuada reprovação ético-jurídica da comunidade, não podemos sufragar o entendimento expresso na douta decisão recorrida, que aponta para a exigência comunitária de expiação da totalidade das penas aplicadas por tráfico de droga. Se assim fosse, seria evidente a desconformidade entre o sentir ético-jurídico da comunidade e o quadro legal relativo à liberdade condicional, o que não podia deixar indiferente o legislador e o teria levado a adoptar as alterações exigidas em função desse suposto sentimento ético-jurídico prevalecente. Se a expiação da totalidade da pena fosse condição imprescindível para a compensação dos danos causados pelo crime, o instituto da liberdade condicional, tal como está positivado no ordenamento jurídico de Macau, revelar-se-ia espúrio. Não sendo automática a concessão da liberdade condicional, também é verdade que apenas no caso muito específico e apertado do artigo 16.° da Lei 6/97/M está excluída a possibilidade de concessão de liberdade condicional, o que permite afirmar, como regra, a permissão da concessão da liberdade condicional. Por outro lado, a liberdade condicional não acarreta a extinção da pena, sendo do interesse da própria comunidade que o retorno do condenado à sua vida em sociedade se processe em condições que permitam um acompanhamento mínimo que sempre ajudará à reintegração, como é apanágio da liberdade condicional, e de que o recorrente pouco poderá beneficiar por alturas da próxima reapreciação, dada a proximidade do termo da pena.
Sopesando estes elementos, propendemos para a ausência de óbices ponderosos, também em matéria de prevenção geral, à libertação condicional do recorrente.
Ante o exposto, vai o nosso parecer no sentido do provimento do recurso, com a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que conceda a liberdade condicional pelo tempo que falta para o cumprimento de pena, a ser objecto de acompanhamento pelos Serviços de Reinserção Social, caso o recorrente permaneça em Macau”; (cfr., fls. 215 a 216-v).

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Corridos os vistos legais dos Mmos Juízes-Adjuntos, e nada obstando, vieram os autos à conferência.

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Passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):

– por Acórdão do T.S.I. de 26.07.2012, foi, A, ora recorrente, condenado como autor da prática de 1 crime de “tráfico de estupefacientes”, na pena de 7 anos e 6 meses de prisão;
– o mesmo recorrente, deu entrada no E.P.C. em 21.04.2011, e em 19.04.2016, cumpriu dois terços da referida pena, vindo a expiar totalmente a mesma pena em 19.10.2018;
– em caso de vir a ser libertado, irá viver com a sua sogra e os filhos, na TANZÂNIA, de onde é natural.

Do direito

3. Insurge-se o ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão todos os pressupostos do art. 56° do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida.

Vejamos.

— Preceitua o citado art. 56° do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:

“1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).
   
Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr. n.° 1).

“In casu”, atenta a pena que ao recorrente foi fixada, e visto que se encontra ininterruptamente preso desde 21.04.2011, expiados estão já dois terços de tal pena, pelo que preenchidos estão os ditos pressupostos formais.

Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do n.° 1 do referido art. 56°.

Com efeito, importa ter em conta que a liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão; (cfr., v.g., J. L. Morais Rocha e A. C. Sá Gomes in “Entre a Reclusão e a Liberdade – Estudos Penitenciários”, Vol. I, em concreto, “Algumas notas sobre o direito penitenciário”, IV cap., pág. 41 e segs.).

Na esteira do repetidamente decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 11.05.2017, Proc. n.° 321/2017, de 18.05.2017, Proc. n.° 373/2017 e de 08.06.2017, Proc. n.° 422/2017).

Assim, detenhamo-nos na apreciação de tais pressupostos de natureza material.

Ponderando na factualidade atrás retratada, poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?

Cremos que de sentido positivo deve ser a resposta, mostrando-se de acompanhar o entendimento exposto no Parecer do Ministério Público que atrás se deixou transcrito.

De facto, o recluso ora recorrente, era primário antes da condenação na pena que cumpre, demonstra arrependimento, reconhecendo o desvalor da sua conduta – v.d., v.g., as várias cartas juntas aos autos e o parecer da técnica de serviço social – tem tido um “bom comportamento prisional” – vd., Parecer do Director do E.P.C. – tendo participado em actividades escolares e vocacionais, (preparando-se para o seu “futuro”) possuindo vontade e apoio da família para levar uma “vida nova”.

Mostra-se assim – tal como entendido pelo Mmo Juiz a quo – verificado o pressuposto do art. 56°, n.° 1, al. a) do C.P.M., ou seja, viável se nos apresenta o necessário juízo de prognose favorável quanto à sua futura vida em liberdade.

Por sua vez, e sem esquecer a natureza do crime cometido, ponderando no período de pena já expiado, (quase 6 anos e 3 meses), e no que falta cumprir, (pouco mais que 1 ano e 3 meses), e estando nós em sede de uma segunda apreciação da pretensão em questão, crê-se que, atento o atrás aludido “juízo de prognose favorável”, viável é atender-se à pretensão em questão, considerando-se igualmente verificados os pressupostos do art. 56°, n.° 1, al. b), desde que ao recorrente se fixe a obrigação de não voltar a Macau no período de tempo em que se mantiver em liberdade condicional.

Assim, em face das expostas considerações, e verificados se mostrando de considerar os pressupostos do art. 56°, n.° 1 do C.P.M., há que revogar a decisão recorrida, concedendo-se, nos exactos termos consignados, a liberdade condicional ao ora recorrente.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam conceder provimento ao recurso.

Passem-se os competentes mandados de soltura.

Sem custas.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Envie-se cópia do presente acórdão à P.S.P..

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 29 de Junho de 2017
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José Maria Dias Azedo
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Chan Kuong Seng
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Tam Hio Wa

Proc. 473/2017 Pág. 16

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