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Proc. nº 806/2016
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 29 de Junho de 2017
Descritores:
-Prescrição
-Sucessão de leis no tempo

SUMÁRIO:

I. Para efeito de apuramento do prazo de prescrição do exercício de um direito, deve olhar-se ao eixo da principal pretensão deduzida em tribunal, mesmo que, como suporte dela, o autor invoque previamente a nulidade de algum negócio celebrado pelos RR, nomeadamente a título de simulação.

II. A circunstância de vir invocada a nulidade com assento na simulação, - invalidade que, como se sabe, pode ser pedida a todo o tempo – não impede o decurso dos prazos prescricionais concretamente aplicáveis em cada caso.

III. O nº1 do art. 11º do CC constitui a regra geral em matéria de aplicação de leis que se sucedem no tempo (“tempus regit factum”), traduzida no consabido princípio da irretroactividade das leis.

IV. O nº2 do mesmo artigo, porém, abre caminho à aplicação da lei nova desde que esta disponha sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo do facto que lhe tenha dado origem (2ª parte).

V. No caso de sucessão de leis no tempo, se a nova lei estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é ela aplicável ao prazo que já esteja em curso, mas esse prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar.












Proc. nº 806/2016

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I – Relatório
1º - A, Limitada, sociedade comercial registada sobre o número XX19 (SO), com sede em Macau, ----
E -----
2º - B, casado, titular do BIRM nº XXXXX05(6), emitido em 10 de Maio de 2006 pela Direcção dos Serviços de Identificação, residente em Macau XX, XX Court, XXº andar XX, na Taipa, -----
Moveram no TJB (Proc. nº CV3-14-0046-CAO) acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário contra: ----
1º - C, que também usa D, solteiro, maior, titular do BIRM nº XXXXX65 (2), residente em Macau, na Estrada XX, nº XX, XXº andar-XX;
2º - E, que também usa o nome de F, (XXX5 XXX8 XXX0 - E), casado, titular do BIRM nº XXXXX95(0), residente em Macau, na Estrada de XX nºs XX, edifício XX, Bloco XX, XXº andar XX;
3ª - G, Limitada, registada na Conservatória do Registo Comercial de Macau sob o número XX68(SO), com sede na Rua XX, nºs XX, XX Comercial, XX.º andar XX, em Macau;
4º - H, Limitada, registada na Conservatória do Registo Comercial de Macau sob o nº XX44SO, com sede em 澳門XX巷XX號XX中心地下XX舖;
5º - I, casada no regime da separação de bens, titular do BIRM nº XXXXX57(5), com a residência em Macau, na Rua de XX, nº XX, edifício XX, bloco XX, XXº andar XX, Taipa;
6ª - J, solteira, maior, titular do BIRM de Macau n.º XXXXX37(8), residente em 澳門氹仔XX花園XX苑XX樓XX座;
7º - K, solteira, maior, titular do BIR de Macau n.º XXXXX87(0), residente em 澳門XX巷XX號XX中心地下XX舖;
8.º - L, portador do passaporte n.º XXXXXXX539, e mulher
9.º - M, ambos com última residência conhecida em Macau, na Rua do XX, n.º XX, XX.º andar “XX”;
10º - N, portador do BIR de Macau n.º XXXXX39(8), e mulher
11ª - O, ambos residentes em Macau na Praça XX. XX.º XX;
12.º - P, Limitada, sociedade comercial registada na Conservatória do Registo Comercial de Macau com o número XXX65 (SO), com sede na Rua de XX, nº XX, Edifício XX, XXº andar, em Macau;
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Foi, oportunamente, proferido despacho saneador, no qual foram julgados prescritos os direitos invocados pelos AA e, em consequência, absolvidos os RR do pedido.
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Inconformada com tal decisão, contra ela a autora da acção apresentou recurso jurisdicional, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“I. O presente recurso tem por objecto a decisão final proferida em despacho saneador pelo Tribunal Judicial de Base que julgou prescritos os direitos dos Recorrentes assinalados e decorrentes do aludido acordo de investimento, absolvendo os RR. dos pedidos deduzidos.
II. O Tribunal a quo, laborou a decisão em crise com base nas seguintes assumpções:
d) Que os direitos que os Recorrentes vêm por meio desta acção exercer já poderiam ser exercidos desde o dia 24 de Março de 1994;
e) Que o prazo de prescrição dos direitos dos Recorrentes é de 15 anos; e que,
f) O alegado prazo de prescrição invocado nunca foi interrompido;
III. Dos factos alegados pelos Autores nos artigos 3.º a 29.º da petição inicial, resulta que, que por força do Acordo de Investimento celebrado entre os Recorrentes e os 1.º e 2.º Réus, as partes tinham por objectivo (i) adquirir três imóveis, para (ii) posterior exploração dos mesmos, potencial revenda e divisão de lucros daí resultantes, sendo que de acordo com o contratualmente estabelecido, a (i) aquisição de tais terrenos seria feita através da aquisição das quotas da sociedade que era proprietárias dos mesmos, a referida G, e depois de adquiridas as quotas da sociedade G, dar-se-ia início à (ii) exploração dos terrenos, potencial revenda e divisão dos lucros daí resultantes.
IV. Mais resulta de tais factos que ficou estabelecido pelos outorgantes do Acordo de Investimento, que as quotas da G, não obstante terem sido adquiridas com dinheiro de todos os outorgantes e nas proporções melhor descritas no acordo, ficariam registadas em nome do 1.º e 2.º Réus, e que os 1.º e 2.º Réus ficaram encarregues - mandatados - para titularem o investimento destes com a obrigação de restituírem e reverterem a favor dos Autores o resultado do investimento por estes realizado.
V. Mais se alega nos artigos 36.º a 46.º da petição inicial, que em 22 de Setembro de 2011 os 1.º e 2.º Réus procederam à transmissão definitiva - ainda que simulada e sempre à margem das obrigações assumidas por força do Acordo de Investimento - para terceiros do terreno de 56m2 sito na Rua de XX S/N.
VI. E ainda que, as 19 fracções sitas na Rua do XX foram definitivamente transmitidas a terceiros em 2003 e 2011- ainda que de formasimulada e sempre à margem das obrigações assumidas por força do Acordo de Investimento - veja-se a propósitos os artigos 90.º a 104.º da petição inicial:
VII. Ou seja, resulta claramente alegado da petição inicial que entre os ora Recorrentes e o 1.º e 2.º Réus, por força do Acordo de Investimento, se estabeleceu uma relação, nos termos da qual, os 1.º e 2.º Réus, por si e em representação e nº interesse dos ora Recorrentes, titulariam as quotas da G e ficariam responsáveis pela exploração, potencial revenda dos terrenos e divisão de lucros daí resultantes. E assim sendo,
VIII. Mal andou o douto Tribunal a quo ao entender que a partir do momento em que as quotas da G foram adquiridas em nome dos 1.º e 2.º Réus, estavam os ora Recorrentes em condições de exercer os direitos que lhe cabiam por força do Acordo de Investimento celebrado, uma vez que, de acordo com o alegado na petição inicial, o mandato conferido pelos ora Recorrentes aos 1.º e 2.º Réus não se destinava apenas à compra das quotas da G, mas também à exploração, potencial revenda e divisão dos lucros dai resultantes.
IX. Ao contrário do defendido pela Ré K, o Acordo de Investimento não foi integralmente cumprido a partir do momento em que os 1.º e 2.º Réus adquiriram as quotas da G, ou seja, em 24.03.1994, pois que, esta era só a primeira parte do acordo, ficando por cumprir a exploração dos imóveis objecto do investimento, sua potencial revenda e distribuição de lucros, obrigação em relação à qual as partes não estabeleceram qualquer prazo para cumprimento.
X. Os ora Recorrentes, no artigo 14.º da petição inicial, não confessaram que o Acordo de Investimento foi cumprido, alegaram antes que: (...) e em cumprimento do mandato, em 24 de Março de 1994 os 1º e 2º Réus adquiriram as quotas da sociedade G (…), resultando claramente dos demais factos alegados em sede de petição inicial que as obrigações assumidas pelos 1.º e 2.º Réus não se esgoram com a aquisição das referidas quotas, sendo certo que, nem sequer fazia parte do acordo que as referidas quotas depois de adquiridas em nome dos 1.º e 2.º Réus, deveriam ser transferidas para os ora Recorrentes nas acordadas proporções estabelecidas no acordo de Investimento, antes decorrendo de tal Acordo que, aquilo que devia ser a final transferido para os ora Recorrentes seriam os lucros da exploração dos terrenos propriedade da G.
XI. Em 24.03.1994, a obrigação de explorar os imóveis e distribuir os lucros que dessa exploração resultasse não se havia ainda vencido na esfera jurídica dos referidos Réus.
XII. As obrigações do Mandatário e os correspondentes créditos do mandante, não se vencem e não são exercitáveis, logo no momento em que a relação é estabelecida.
XIII. Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1087.º do Código Civil, constituem, entre outros, deveres do mandatário, praticar os actos compreendidos no mandato, segundo as instruções do mandante, prestar contas, findo o mandato ou quando o mandante as exigir, e entregar ao mandante o que recebeu em execução do mandato ou no exercício deste.
XIV. É exactamente o incumprimento das instruções e directivas decorrentes do Acordo de Investimento e da relação de mandato estabelecida e a não entrega do que os mandatários receberam por conta da execução do mandato, que constituem o fundamento da presente acção.
XV. Sendo que, os ora Recorrentes só podiam exercer os direitos decorrentes do incumprimento das referidas obrigações por parte dos 1.º e 2.º Réus a partir do momento em que o mandato foi executado em manifesta violação das obrigações assumidas, não tendo sido entregue aos mandantes o que se recebeu por conta dessa execução.
XVI. Portanto, nenhum dos direitos que estão na presente sede a ser exercidos o poderiam ter sido a partir de 24.03.1994, conforme, salvo devido respeito por melhor opinião, de uma forma errada e algo precipitada foi entendido pelo douto Tribunal a quo.
XVII. Assim, o prazo de prescrição dos direitos que os ora Recorrentes vêm exercer no âmbito da presente acção, só poderia começar a correr, a partir de 22 de Setembro de 2011, data em que transmitem definitivamente a terceiros o terreno de 56m2 sito na Rua de XX S/N, 13 de Agosto de 2003 data em que transmitem definitivamente a terceiros 5 fracções autónomas das 19 fracções autónomas sitas na Rua do XX, e 27 de Abril de 2011, data em que transmitem definitivamente a terceiros as restantes 14 fracções autónomas.
XVIII. Donde resulta não estarem prescritos os direitos que os Recorrentes exercem nos presentes autos.
XIX. A propósito de tudo quanto supra se disse, leiam-se os doutos ensinamentos do Professor Manuel A. Domingues de Andrade, in Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, “Afora isto, o início da prescrição, na hipótese de o direito já ser exercitável, só pode ser impedido por motivos excepcionais, que são as causas suspensivas da prescrição, a tratar -ulteriormente. Importa, porém, notar que há sobre este aspecto um regime especial para as dívidas ilíquidas ou seja, para aquelas cujo montante (quantum) não está determinado.
Suponhamos que um indivíduo é mandatário de outro. Deve-lhe, como tal, prestar contas do que recebeu, descontadas as despesas feitas, mas o saldo não está líquido. Ora o art. 546.º diz que «A prescrição da obrigação de dar contas começa a correr desde o dia em que os obrigados cessam a sua gerência, e a prescrição do resultado líquido dessas contas, desde o dia da liquidação, por consenso ou por sentença passada em julgado». Este texto refere-se a dívidas de administradores de bens alheios, de mandatários e outros. Mas a sua doutrina deve generalizar-se a quaisquer outros casos de dívidas ilíquidas. Assim, por exemplo, o caso de o autor de um facto ilícito dever ao lesado a competente indemnização de perdas e danos. E chegaremos deste modo ao princípio tradicional - in 'illiquidis non datur praescriptio. Portanto: desde a altura em que o credor pode promover a liquidação da dívida começa a correr o prazo prescricional. Se dentro desse prazo o credor promove a liquidação, começa a correr outro prazo prescricional, desde o dia em que o montante da dívida ficou apurado (por sentença ou por acordo dos interessados) ”
XX. Ao entender que a contagem do prazo de prescrição dos direitos exercidos pelos ora Recorrentes no âmbito da presente acção se iniciou em 24 de Março de 1994, salvo devido respeito por melhor opinião, o douto tribunal a quo incorre num manifesto erro de aplicação do direito, violando o disposto na primeira parte do artigo 299.º, n.º 1 do Código Civil.
XXI. E fruto desta errada aplicação do direito, resulta que a decisão em recurso mal concluiu que os direitos dos ora Recorrentes já se encontram prescritos, o que, atendo o supra exposto, naturalmente, não sucede.
XXII. Se efectivamente, o que não se concede, o início do prazo de prescrição em causa nos presentes autos se iniciou no dia 24.03.1994, sempre se diga que, atentas as regras da aplicação da lei no tempo prevista no artigo 290.º, n.º 1 do Código Civil, tal prescrição ter-se-la eventualmente completado no dia 24.03.2014.
XXIII. Na data em que se entendeu se iniciou a contagem do prazo prescricional, vigorava o Código Civil português, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de Novembro de 1966, nos termos do qual, o prazo de prescrição ordinária era de 20 anos, sendo que tal prazo foi depois encurtado para 15 anos com a entrada em vigor do Código Civil de Macau, aprovado pelo Decreto-Lei 39/99/M.
XXIV. E assim sendo, mal andou também o douto Tribunal a quo ao entender que em se tendo iniciado a contagem do prazo de prescrição em 24.03.1994, o mesmo seria de 15 anos e terminaria no dia 24 de Março de 2009.
XXV. Pelo que, também neste ponto a decisão recorrida padece de erro na aplicação do direito, violando o disposto nos artigos 309.º do Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de Novembro de 1966 e nos artigos 290.º, n.º 1 e 302.º do Código Civil de Macau.
XXVI. Na petição inicial, os Autores tiveram o cuidado de alegar os seguintes factos que se passam a descrever:
«[...]56.º
Estas transmissões simuladas foram efectuadas após a propositura de uma providência cautelar de Arresto intentada pela 1ª Autora contra o 1º Réu e de uma Acção Executiva para pagamento de quantia certa intentada pela 1ª Autora contra os 1º e 2º Réus em 25 de Junho de 2010, com fundamento na não restituição dos lucros decorrentes da venda da Parcela C do prédio rústico sito na Avenida do XX, descrito na Conservatória Predial de Macau sob o número XXX00, e cujos autos correm os seus termos nº 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base de Macau sob os número de processo CV2-10-0045-CEO,
57.º
Tendo a 1ª Autora visto a Providência Cautelar ser decretada, conforme certidão judicial que se junta sob a designação de documento n.º 31. (Doc. 31)
58.º
Estando ainda a correr termos a referida Acção Executiva, no âmbito da qual foi já ordenada a venda de um imóvel pertencente ao 2.º Réu, encontrando-se a correr apenso de Embargos de Executado suscitados pelo aqui 1.º Réu, conforme certidões judiciais que se juntam sob a designação de Documentos 32 e 33. (DOCS. 32 e 33)»
XXVII. A acrescer aos factos supra alegados na petição inicial pelos ora Recorrentes, estes tiveram ainda o cuidado de juntar as competentes decisões judiciais, que deram por integralmente reproduzidas.
XXVIII. O Tribunal Judicial de Base, por duas vezes, já reconheceu a validade dos créditos resultantes do referido contrato de investimento em causa nos presentes autos, factos que foram alegados pelos recorrentes em sede de petição inicial - é própria e não suficientemente exaustiva a repetição.
XXIX. Porém, quanto a tais factos, não se pronuncia a decisão recorrida, padecendo, nesta parte, do vício de omissão de pronúncia, que conduz à sua nulidade, que desde já se invoca, nos termos do artigo 571º, n.º 1, alínea d) do Código do Processo Civil.
XXX. Também não menos importante é o facto de tal duplo reconhecimento judicial implicar um outro facto que resulta do conhecimento do jurista e em especial do julgador: tais créditos não seriam reconhecidos se tivessem os RR. devedores invocado, com sucesso, uma qualquer prescrição.
XXXI. Tendo os Recorrentes, por referência aos direitos resultantes do contrato de investimento em causa nos presentes autos obtido reconhecimento judicial na Acção Executiva para pagamento de quantia certa intentada pela 1ª Autora contra os 1º e 2º Réus em 25 de Junho de 2010, é evidente que operou a interrupção da prescrição arguida pela Ré K,
XXXII. E tal interrupção deu-se quer se seja do entendimento que o prazo prescricional em causa nos presentes autos se completou em 24.03.2009 ou em 24.03.2014, pois que, não tendo sido invocada a prescrição por parte dos 1.º e 2.º Réus no âmbito das acções judiciais intentadas a partir de 25 de Junho de 2010. Com efeito,
XXXIII. Se se entender - o que não se concede - que o prazo de prescrição já se havia completado em 24.03.2009, a sua não invocação em 2010 reconduz-se à sua renúncia, ainda que tácita, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 295.º do Código Civil, e
XXXIV. Se se entender que o prazo prescricional se completou em 24.03.2014, óbvio se torna, e a própria Recorrida K o reconhece no artigo 14.º da sua contestação, que tal prescrição foi interrompida com a entrada em juízo das acções interpostas pela ora Recorrente A, Lda. contra os 1.º e 2.º Réus a partir de 25 de Junho de 2010.
XXXV. O facto de não ter sido apresentada a Réplica implica um reconhecimento da excepção, pois que não é assim que o direito processual civil funciona, e o próprio Tribunal a quo assim o reconhece, ao referir que «Não o tendo feito, [...] (pelo menos não foi alegado, nem sequer em sede de inexistente réplica) não se vislumbra ter ocorrido qualquer facto interruptivo ou suspensivo da prescrição». Donde resulta que,
XXXVI. O próprio Tribunal Recorrido reconhece que os Recorrentes podiam ter alegado os factos interruptivos em sede de petição inicial - o que deveras fizeram.
XXXVII. Como ensina Anselmo de Castro, «[...] A função da réplica articulado do autor quando haja contestação - será, primeiro, a alteração do objecto da acção (alteração do pedido e causa de pedir) (cfr., supra, 1, n.º 24.º, b). Nesta sua função, e em relação a pedido ou a pedidos novos entretanto formulados, ela assume o carácter de uma nova petição.
Segundo, a impugnação das excepções do réu ou (e) a alegação de factos impeditivos, modificativos e extintivos dessas excepções (contra-excepções do autor). A réplica será então como que uma contestação na qual cabem ao autor os mesmos ónus que ao réu - o ónus de impugnação especificada e de afirmação dos factos constitutivos de contra excepções.
Terceiro, a contestação da reconvenção, por impugnação e (ou) excepção, como nº caso anterior. Esse mesmo papel de contestação, então como é óbvio imprescindível, desempenhará igualmente nas acções de simples apreciação ou declaração negativa (502.º, n.º 1 e 2).
Sinteticamente, assinala-lhe a lei a função de resposta à contestação e dedução de toda a defesa quanto à matéria da reconvenção e nas acções de declaração negativa. (art. 502.º, n.º 1.º).
Na prática, porém, e aliás autorizada por essa ampla fórmula legal, a réplica toma uma mais larga amplitude que a acima pontualizada, tornando-se também resposta à própria defesa - impugnação, nela se fazendo a reafirmação dos fundamentos de lacto negados, a impugnação das negações motivadas do réu, e esclarecendo e precisando os factos e as próprias razões de direito, etc.
É evidente que, quando toma essa extensão, a réplica desfigura-se na sua função específica, caindo em repetições inúteis, quando se não transforma em pura e simples alegação de facto e ou de direito sem interesse.
Deve dizer-se, aliás, que mesmo as funções que se lhe assinalaram em segundo e terceiro lugar, poderão ser inúteis e desnecessárias quando os factos a alegar tenham sido já objecto de alegação antecipada da respectivo parte, como é o usual.
A réplica só será, por isso, verdadeiramente imprescindível para o primeiro função; para a segunda e terceiro só o será quando não ocorra aquela circunstância - antecipada impugnação dos factos constitutivos das excepções, e (ou) antecipado cumprimento do ónus da alegação dos factos constitutivos das contra-excepções, ou quando se trate de reconverção ou de acções de declaração negativas.» - destacados são nossos, In Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, Artur Anselmo de Castro, Almedino, Coimbra, pags. 237 e ss.
XXXVIII. Com tudo o sobredito parece evidente ter o Tribunal a quo incorrido em manifesto lapsus legendi, dada a não consideração da matéria alegada em sede de petição inicial dos Autores, ora Recorrentes e que, pela própria natureza implicam a conclusão de que os créditos em causa não se encontram prescritos.
XXXIX. Caso se entenda que a prescrição dos direitos dos Autores se completou em 24.03.2009, o que não se concede, os titulares do direito à arguição da prescrição renunciaram tacitamente à mesma ao não a invocar nas acções que a partir de 25 de Junho de 2010 a ora Recorrente A intentou contra eles.
XL. A Recorrida arguente não possui assim qualquer legitimidade para arguir a prescrição de créditos de que não é devedora, sendo que, a causa de pedir contra a mesma Ré, e justificada nº interesse processual dos Autores ora recorrentes, como se verá, resulta do facto de a Ré ter realizado um negócio simulado com o proprósito de criar a aparência da transferência do direito de propriedade do alienante (os devedores primeiros RR).
XLI. Depois de terem os Recorrentes executado e excutido o património dos devedores, primeiros RR., não podem estes mesmos Recorrentes ser impedidos de agir judicialmente no sentido de alegar e provar a sequência dos acordos simulatórios em que os RR. (aqui todos os RR.) deram aquiescência e realizaram em conluio ilícito. Assim,
XLII. Na relação material controvertida, como configurada pelos AA., a Ré K é simuladora de um negócio que os AA pretendem que os Tribunais da RAEM apreciem, os julguem e declarem a respectiva nulidade, sendo a sua responsabilidade especial e diferente da responsabilidade do devedor principal.
XLIII. O simulador não pode ser beneficiado com um prazo prescricional quando o que se lhe imputa é o acordo simulatório, cuja nulidade pode ser arguida a todo tempo.
XLIV. Aos Recorrentes não pode deixar a Justiça de permitir, em sede judicial, que esta exponha os seus factos perante o Tribunal Judicial de Base por forma a provar o que se propõe: uma cadeia de transações ilícitas que os RR. perpretaram com o propósito ineludível de impedir o incumprimento das obrigações.
XLV. Mas mais, não obstante não ter sido apresentada uma resposta à referida excepção - o que como já se disse - não implica um reconhecimento da excepção, cumpria submeter a prova inúmeros factos controvertidos e impeditivos e só depois decidir se efectivamente a prescrição invocada se verificou ou não.
XLVI. Ao assim não agir, a decisão recorrida incorre erro de julgamento, devendo consequentemente ser revogada e substituída por uma outra que relegue para a sentença final a decisão quanto à invocada excepção de prescrição.
Nestes termos e nºs demais de direito que V. Exas. douta mente suprirão, deve a decisão recorrida ser, in totum, revogada e substituída por outra que julgue improcedente a excepção de prescrição invocada, julgue as partes legítimas e reconheça o interesse das Recorrentes em agir, devendo o processo seguir os seus termos até final.
Caso assim não se entenda, deve a decisão sob recurso ser revogada e relegada a decisão sobre a prescrição para sede de sentença final.
Assim fazendo V. Exas. a costumada JUSTIÇA!”
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Sem formular conclusões, respondeu ao recurso a ré K em termos que aqui damos por reproduzidos.
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Também N, O, Q Limitada, respectivamente, 10º, 11º e 12º réus, responderam ao recurso, em cujas alegações formularam as seguintes conclusões:
“I. O objecto do recurso dos Recorrentes, 1ª A. e 2º A. nos autos, é a decisão proferida em sede de despacho saneador pelo Mmo. Juiz do Tribunal a quo, a fls. 604 e ss. dos autos, que julgou prescritos os direitos invocados por aqueles e, em consequência, absolveu todos os doze Réus nestes autos dos pedidos que contra si haviam sido deduzidos.
II. O que se assiste nessa peça de recurso dos Recorrentes é a um verdadeiro articulado de Réplica destes contra a excepção peremptória da prescrição deduzida pela 7ª Ré K.
III. Porém, os Recorrente não só não apresentaram Réplica nos autos, como do teor dos argumentos esgrimidos nas suas alegações se conclui não haver qualquer razão para, pelo menos, alterar ou por em causa a decisão final constante do despacho ora recorrido proferido pelo Mmo. Juiz a quo que julgou prescritos os direitos e obrigações emergentes de um alegado contrato de investimento datado de 30/12/1992, decisão que se deverá manter, julgando-se, a final, improcedente o recurso sub judice.
IV. Como ponto prévio da posição dos aqui Recorridos, reitera-se toda a impugnação dos factos alegados pelos Recorrentes, tal como consta da sua Contestação, sendo que a maioria desses factos foi impugnada por absoluto desconhecimento dos mesmos sem terem obrigação de os conhecer.
V. Quanto ao início do cômputo do prazo de prescrição, diverso do que defendem os Recorrentes nas suas alegações, não padece o despacho recorrido de qualquer erro ou vício.
VI. O que despacho em crise afirma e defende em primeiro lugar é, simplesmente, que pela aquisição formal pelos 1º e 2º RR. em 24/03/1994 da totalidade do capital social da sociedade G ficou formalmente cumprida uma das obrigações pretensamente acordadas entre os Recorrentes e os 1º e 2º RR. no pretenso acordo de investimento de 31/12/1992, e nada mais (cfr. fls. 606 do despacho recorrido).
VII. E tal facto é inquestionável com base no que alegaram os Recorrentes na sua p.i. (cfr. entre outros os artigos 12º a 19º da sua p.i. e repetidos nas suas alegações de recurso).
VIII. Em parte alguma da decisão recorrida ou até da contestação da 7ª Ré K é afirmado ou defendido que pela aquisição das referidas quotas pelos 1º e 2º RR. em 24/03/1994 o pretenso acordo de investimento ficou integralmente cumprido pelo que não têm os Recorrentes qualquer razão nº alegam a este respeito.
IX. Acresce ainda que o que posteriormente se afirma no despacho recorrido é tão só uma decorrência natural e evidente do que os Recorrentes alegaram na sua petição inicial - não interessa nesta sede se bem ou mal - em face da lei aplicável.
X. Se, como defendem os Recorrentes, o pretenso acordo de investimento de 30/12/1992 incluía alegadamente outras obrigações para os 1º e 2º RR. para além da aquisição formal do capital social da sociedade G em 24/03/1994, designadamente a alegada subsequente exploração, potencial revenda de bens pertencentes a essa sociedade e a divisão de lucros resultantes dessa gestão entre as partes nesse acordo na proporção do que cada um teria investido, então só se poderá concluir que é precisamente a partir dessa data que nascem as restantes obrigações recíprocas dos 1º e 2º RR. e dos Recorrentes em cumprirem o que fora alegadamente acordado e que aqueles não terão feito.
XI. Pelo que é desde 24/03/1994 que os Recorrentes poderiam exigir e estariam legitimados a exigir dos 1º e 2º RR. o cumprimento das restantes obrigações destes acordadas e que não se resumiam, única e exclusivamente, à venda e repartição dos lucros eventualmente recebidos de certos imóveis pertencentes à sociedade G, mas também, à própria gestão dessa sociedade.
XII. Por outro lado, e partindo do alegado pelos próprios Recorrentes na sua petição inicial, na verdade, passaram-se mais de 20 anos sem estes terem pedido ou exigido quaisquer prestações de contas ou quaisquer outras informações seja do que for ao 1º e 2º RR. - ou pelo menos não o comprovaram nesta acção - em relação ao alegado cumprimento do referido acordo no que respeita aos imóveis em causa nesta acção, e que exclusivamente respeita aqueles descritos no artigo 7º, pontos ii) e iii), da p.i. dos Recorrentes.
XIII. Os Recorrentes ter-se-ão alheado totalmente e por mais de 20 anos de exercer quaisquer direitos perante os 1º e 2º RR. para cumprimento das restantes obrigações entre estes pretensamente acordadas.
XIV. Dispõe, claramente, a 1ª parte do artigo 299º, no. 1, do CC que “O prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido (...) ” (realçado nosso).
XV. Assim, podendo ou tendo podido os Recorrentes exigir dos 1º e 2º RR. o cumprimento das restantes obrigações que acordaram desde 24/03/1994 é, precisamente, desde essa data que se dá inicio ao prazo de prescrição para a exigência dessas mesmas obrigações acordadas.
XVI. Porém, nada tendo os Recorrentes feito ou exigido dos 1º e 2º RR. durante mais de 20 anos, só se poderá concluir, como o fez o Mmo. Juiz a quo no despacho ora recorrido, que prescreveram os direitos que aqueles alegam ter para exigir o cumprimento das restantes obrigações constantes do pretenso acordo de investimento de 1992.
XVII. O facto de não ter sido fixado qualquer prazo no alegado acordo para o cumprimento das restantes obrigações a que os 1º e 2º RR. se terão, pretensamente, vinculado perante os Recorrentes não implica que a prescrição não se pudesse iniciar até que estes tivessem tomado ou praticado algum acto que tornasse exigíveis tais obrigações.
XVIII. Tal assim sucede uma vez que terão sido várias as obrigações a que os 1º e 2º RR. pretensamente se vincularam na gestão da sociedade G, e que terá durado cerca de 17 anos, o que pressupõe e resulta da própria natureza das coisas, que foi desde a aquisição formal dessa sociedade, em 24/03/1994 que nasceram efectivamente as obrigações de uns e de outros no cumprimento do que alegadamente acordaram e, portanto, de exigiram mutuamente o seu cumprimento, o que os Recorrentes, ao que parece, nunca fizerem ao longo de 20 anos.
XIX. Por outro lado, do disposto no artigo 299º, no. 3, do CC resulta que o poder de deixar o prazo para o cumprimento de obrigações ao arbítrio dos devedores (1º e 2º RR.) ou quando este pudessem, teria de ter sido estipulado no pretenso acordo entre as partes que a ele se vincularam o que manifestamente não sucedeu ou não resultou demostrado nos autos ter sido esse o acordado.
XX. Destarte, não se vislumbra qualquer erro de aplicação do direito pelo Mmo. Juiz a quo no despacho recorrido, especialmente no disposto na 1ª parte do artigo 299º, no. 1, do CC, pelo que o mesmo se deverá manter.
XXI. Quanto à duração do prazo de prescrição dos direitos exercidos nestes autos pelos Recorrentes, crê-se ser o único ponto das alegações dos Recorrentes em que os mesmos têm alguma razão sem que, porém, tal implique uma alteração à conclusão final a que nele se chegou.
XXII. Ao tempo da celebração do acordo em 30/12/1992 vigorava o Código Civil Português aprovado pelo DL no. 47 344, de 25 de Novembro de 1966, no qual o prazo de prescrição ordinário era de 20 anos de acordo com o artigo 309º desse diploma já revogado.
XXIII. Só com a entrada em vigor do actual Código Civil em 01/11/1999, passou o prazo de prescrição ordinário a ser de 15 anos, nos termos do actual artigo 302º do CC.
XXIV. Ora, nos termos do actual artigo 290º, no. 1, do CC o novo prazo de prescrição ordinária de 15 anos se aplica aos prazos que estiverem a decorrer, mas contar-se-á apenas o tempo decorrido na vigência da nova lei, salvo se resultar um prazo mais longo do que o prazo previsto na lei anterior o que a suceder implicará que continuará a correr o prazo em curso à luz da lei anterior.
XXV. Assim, iniciando a contagem da prescrição ordinária dos direitos dos Recorrentes em 24/03/1994, ao abrigo do anterior artigo 309º do CC Português, 20 anos corresponderá a ter-se a mesma por verificada em 24/03/2014.
XXVI. Pelo que é forçoso concluir-se que, de facto, o Mmo. Juiz a quo cometeu um erro no despacho recorrido na medida em que a prescrição dos direitos dos Recorrentes ocorreu efectivamente em 24/03/2014 e não 24/03/2009, o qual poderá ser facilmente sanado por este Venerando Tribunal de Segunda Instância, em face do disposto no artigo 630º do CPC.
XXVII. Ainda assim, a solução final a dar ao presente recurso em nada sai afectada com o novo termo do prazo de prescrição, pois ainda que a prescrição dos direitos dos Recorrentes se tenha por verificada em 24/03/2014 (e não em 24/03/2009) não se verificou qualquer facto que possa ser causa de interrupção desse prazo ou qualquer outro impedimento, conforme erradamente alegam os Recorrentes.
XVIII. As duas acções judiciais invocadas pelos Recorrentes nos artigos 56º a 58º da sua p.i., conjuntamente com as certidões judiciais que supostamente compravam o que aí foi dito nesses artigos, ao contrário do que defendem, não consubstanciam causas para a interrupção do prazo de prescrição em curso à luz do disposto no artigo 315º do CC.
XXIX. Da leitura dos artigos 56º a 58º da p.i. dos autores e dos documentos juntos aos mesmos apenas se poder retirar que, de facto, foram intentadas em 2010, junto do Tribunal Judicial de Base, (i) um procedimento cautelar de arresto e (ii) uma acção executiva para pagamento de quantia certa (ao que parece à qual esse arresto foi posteriormente apenso), pela 1ª A, e ora Recorrente, contra os 1º e 2º RR nestes autos.
XXX. No que respeita à providência cautelar que a 1ª A intentou nem sequer é feita prova se alguma vez os 1º e 2º RR terão sido dela citados, notificados ou que por qualquer outro meio tido conhecimento da mesma, pois tal facto não resulta da certidão junta, e o arresto aí mencionado foi decretado sem audiência dos requeridos o que em face do disposto no artigo 315º do CC, releva decisivamente para uma eficaz interrupção da prescrição.
XXXI. Para que se possa considerar validamente interrompida a prescrição de direitos em curso, nos termos do disposto no artigo 315º, no. 1, do CC, exige-se ainda que dessa citação ou notificação judicial resulte de um acto que “ (...) exprima directa ou indirectamente a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente” (realçado e sublinhado nossos).
XXXII. Nem no procedimento cautelar que decretou o arresto (que nem se sabe se foi dado o conhecimento aos 1º e 2º RR), nem na acção executiva intentada pela 1ª A. e ora Recorrente, exprimem um acto de intenção de directa ou indirectamente vir a exercer quaisquer dos direitos resultantes do alegado acordo de investimento nos termos que é invocado como causa de pedir nestes autos.
XXXIII. Não é objecto dessas acções judicias invocadas pelos Recorrentes o propalado acordo de investimento de 1992 que os Recorrentes afirmam ter o Tribunal se pronunciado e reconhecido, por duas vezes, a validade dos seus créditos dele resultantes.
XXXIV. O objecto da acção executiva invocada é, como só o poderia ser, um título executivo consubstanciado num alegado reconhecimento/ confissão de uma dívida suportado por um documento assinado em 2007 pelos 1º e 2º RR. e que nº requerimento executivo - anexo à certidão judicial junta como Doc. 32 à p.i. dos Recorrentes - os Recorrentes mencionam ter juntado como Doc. 4 a essa peça.
XXXV. Como é evidente, e os aqui Recorrentes muito bem sabem, se estes intentaram uma acção executiva para pagamento de quantia certa contra os 1º e 2º RR. estavam dispensados de demostrar nessa acção a relação subjacente a essa alegada dívida, pois o que pretendiam era executar um certo e determinado título executivo - que supostamente invocam e que se consubstancia numa alegada confissão de dívida assinada pelos 1º e 2º RR.-, caso contrário teriam intentado uma acção declarativa.
XXXVI. E o tribunal também nessa acção executiva jamais se terá pronunciado sobre a eventual relação subjacente a esse título executivo, nem tem que o fazer.
XXXVII. O Tribunal onde essa acção executiva foi interposta (ou aquele que julgou o procedimento cautelar de arresto) não se pronunciou nem reconheceu por duas vezes a validade a quaisquer créditos resultantes dos direitos que invocam nestes autos.
XXXVIII. Nessa acção executiva e nº seu apenso, segundo acabam por admitir os Recorrentes expressamente nos artigos 7º a 25º do requerimento executivo cuja cópia se encontra anexa à certidão judicial junta como Doc. 32 à sua petição inicial, os seus fundamentos são um alegado acordo de investimento celebrado com os aí executados e aqui 1º e 2º RR.- que se desconhece se é o mesmo que é invocado nestes autos e respeitante ao retorno de investimento num bem imóvel que nada tem que ver com os bens imóveis em crise nestes autos (cfr. artigos 7º a 25º do requerimento executivo anexo à certidão judicial junta como Doc. 32 à p.i. dos Recorrentes).
XXXIX. Pelo que, como é evidente, só se poderá concluir que as acções judiciais que os Recorrentes invocam nestes autos não demostram, nem revelam, nem exprimem nelas terem os mesmos a intenção de directa ou indirectamente exercer quaisquer dos direitos que invocam nestes autos, nos termos exigidos pelo artigo 315º do CC,
XL. Destarte, tais acções judiciais não têm, pelas razões expostas, a virtualidade de interromper o curso do prazo de prescrição dos direitos invocados nesta acção.
XLI. Pelo que é forçoso extrair-se a conclusão que da interposição dessas acções judicias contra os 1º e 2º RR. em 2010 não resulta a intenção dos Recorrentes exercerem, directa ou indirectamente, os concretos e específicos direitos que invocam agora nestes autos para efeitos do disposto artigo 315º do CC.
XLII. Foi esta, aliás, a conclusão que deu conta, e bem, o Mmo. Juiz a quo no despacho recorrido, quando afirmou não se ter vislumbrado - nem sequer em sede de inexistente réplica dos Recorrentes - qualquer facto interruptivo da prescrição em curso, pelo que nenhum erro ou vício há a apontar ao mesmo despacho.
XLIII. Quanto à alegada ilegitimidade da 7a Ré K para invocar a prescrição, novamente, e salvo sempre o devido respeito, carece de qualquer fundamento o alegado pelos Recorrentes quanto a esta matéria.
XLIV. Dispõe claramente o artigo 298º, no. 1, que “A prescrição é invocável pelos credores e por terceiros com legítimo interesse na sua declaração, ainda que o devedor a ela tenha renunciado.” (realçado e sublinhado nossos).
XLV. Na relação material controvertida conforme configurada pelos Recorrentes na sua p.i., a 7ª Ré - como aliás a maioria dos RR nesta acção - são na verdade terceiros em relação ao pretenso acordo celebrados entre os aqueles e os 1º e 2º RR., mas legítimos interessados na prescrição dos direitos que os mesmos invocam contra si.
XLVI. Como bem defende o Mmo. Juiz no despacho ora recorrido, toda a causa de pedir dos Recorrentes tem como centro nevrálgica o suposto incumprimento do acordo de investimento que este terão celebrado com os 1º e 2º RR., e é com base nesse acordo, e sempre com base no mesmo, que sustentam os Recorrentes todos os pedidos que fazem contra todos e cada um dos RR.
XLVII. Se a invocação da prescrição dos direitos resultantes desse acordo contra os Recorrentes tem por consequência, uma vez verificada, a perda da legitimidade substancial dos Recorrentes na dedução dos pedidos que formulam contra todos os RR., então, necessariamente, têm estes mesmos RR., legítimo interesse, na defesa da sua pretensão, em arguir essa mesma prescrição.
XLVIII. É este, aliás, o entendimento que diversa a doutrina portuguesa - onde a questão jurídica é exactamente a mesma - tem vindo a sufragar quanto a esta matéria conforme a transcrição que se fez no ponto III. do corpo destas contra-alegações e para onde desde já se remete para todos os efeitos legais.
XLIX. É, portanto, falso e sem qualquer sentido ou suporte legal o alegado pelo Recorrentes no sentido de apenas os devedores terem direito a arguir a prescrição.
L. Contrariamente também à tese dos Recorrentes, mesmo que os principais devedores não tivessem arguido a prescrição ou a ela tivessem renunciado, sempre teriam os terceiros nestes acção direito a fazê-lo, conforme, aliás, se tem entendido decorrer, a contrário, do preceituado artigo 298º, nos. 2 e 3, do CC.
LI. É, assim, forçoso concluir-se ter o 7º R, como qualquer outro RR nesta acção interesse legítimo em invocar a prescrição dos direitos dos Recorrentes decorrentes do referido acordo e ainda que os 1º e 2º RR tivessem renunciado a esse direito.
LII. Por último, não têm razão de novo os Recorrentes quanto ao erro de julgamento da decisão recorrida por precipitada ao julgar a excepção da prescrição invocada por não submetido a prova os factos controvertidos nos autos e só depois decidir se a mesma se tinha por verificada.
LIII. O Tribunal a quo tinha todos elementos suficientes para decidir sobre a excepção invocada, tanto mais que é uma questão simples em face do teor do invocado acordo de investimento.
LIV. Caberia aos Recorrentes, ao contrário do que tentam agora em desespero de causa, ter contraditado os factos arguidos pelo 7º R em sede de Réplica, que não apresentaram, designadamente a existência de uma qualquer causa de interrupção da prescrição, o que não fizeram uma vez que o arguido na sua p.i. não consubstancia qualquer causa de interrupção da prescrição, como se concluiu no despacho recorrido.
LV. Sem necessidade de mais argumentos, e sem prejuízo da alteração respeitante à data em que efectivamente prescreveram os direitos que os Recorrentes invocam, nada há a apontar à decisão final recorrida a qual deverá, ainda assim, ser mantida, julgando-se improcedente o presente recurso.
Nestes termos e nºs demais de Direito que certamente serão supridos, requer-se a V. Exas., Meritíssimos Juízes, que seja o presente recurso julgado totalmente improcedente e, em consequência, mantida a decisão recorrida de fls. 604 e ss. que julgou prescritos os direitos invocados pelos Recorrentes e, em consequência, absolveu todos os Réus nestes autos dos pedidos que contra si haviam sido deduzidos,
Assim fazendo V. Exas., Meritíssimos Juízes, a habitual boa e sã Justiça!
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Cumpre decidir.
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II – A decisão recorrida
A decisão impugnada apresenta o seguinte teor:
“ Como é consabido, a causa de pedir, conformada de acordo com a teoria da consubstanciação, deve ser vista numa perspectiva muito rigorista, quer na sua vertente factual quer quanto ao histórico pedaço de vida seu objecto, tudo sob pena de se defraudar o caso julgado e a exigida pacificação sobressaltada.
Insista-se, é à luz da lupa do rigor que se deve auscultar a causa de pedir, nessa análise devendo o julgador despi-la de todos os ingredientes adicionados ao estrutural pedaço de vida objecto do processo e com o fito de lhe conferir apropriada roupagem e, desta sorte, de conexão em conexão, permitir que a história que o direito há muito remeteu para o “arquivo do perdão” esteja sempre e permanentemente nº palco da discussão litigiosa.
Não vemos, não queremos ver, não se aceita com agrado que se pretende que o tribunal veja uma cauda de pedir “travestida” e com apontado desiderato.
Do que nos fazem chegar queremos ver e veremos o que é factualmente estruturante da causa de pedir.
A causa de pedir dos presentes autos é uma típica causa de pedir referente a responsabilidade contratual, dela se retirando que está estruturada numa alegado acordo de investimento (fls.159) subscrito pelo 2º A., 1º e 2º RR e R, acordo este que tinha como objecto formal a aquisição do capital social da sociedade G, capital este que, conforme acordado, ficaria formalmente na titularidade dos 1º e 2º RR e com a obrigação destes reverterem a favor dos AA o resultado do investimento.
Note-se que a sociedade adquirida era proprietária de vários imóveis e seria a aquisição destes e posterior exploração e venda que determinaria o resultado do investimento, os lucros a distribuir pelos signatários do acordo e em função da repartição nele plasmada (artº 10 da p.i.).
Decorre do que estruturalmente está alegado que em 24.3.1994, com a aquisição formal supra referida, nasce a obrigação do 1º e 2º RR. cumprirem o remanescente das suas obrigações para além daquela aquisição formal.
Não obstante, pelos vistos, nunca o fizeram desde essa data, comprometendo-o de vez com as cessões das participações respectivas (...).
Por conseguinte, desde essa data, na análise crua do alegado, cremos nós, estariam os autores legitimados a exigir o comprimento do remanescente firmado no acordo de investimento, desta forma sinalizado o momento da exigibilidade.
Não o tendo feito, conforme refere K, prescreveram os respectivos direitos emergentes do acordo de investimento no dia 24 de Março de 2009, ou seja, no prazo ordinário a que se refere o artº 302 do CCM e na medida que até então (pelo menos não foi alegado, nem sequer em sede de inexistente réplica) não se vislumbra ter ocorrido qualquer facto interruptivo ou suspensivo da prescrição,
Com esta Ré se dirá também “e não se argumente que o que se pede é a declaração da nulidade por simulação de negócios, que só indirecta ou instrumentalmente têm que ver com o Acordo de investimento ou o mandato conferido e, por via, a excepção teria de improceder. A verdade é que não há pedido sem causa de pedir; ora o pedido de serem declaradas nulas tantas e diversas simulações, todas elas - tal como expresso pelos AA - do Acordo de Investimento da frustração do cumprimento posterior do mandato conferido aos 11º 3 2º RR Toda a acção está estruturada a partir da ideia do incumprimento do mandato, sendo que as supostas simulações nas cessões de quotas identificadas nos autos são meramente instrumentais na alegação de que o mandato conferido pelos AA, aos 1º e 2º RR, em resultado do Acordo de Investimento celebrado, não foi cumprido” - Cfr. a douta, certeira e pertinentes alegação feita nºs art18 e sgsts da contestação desta R. e através da qual se identifica superiormente o verdadeiro objecto do presente processo e donde derivam os direitos cuja tutela se pretende,
Temos, pois, para nós, que estão efectivamente prescritos os direitos que com a presente e formal acção se pretendia fazer valer, sendo os formais pedidos e os adicionados e assinalados factos uma hábil e competente forma de transformar exigível o que inexigível é,
Mas se nesta perspectiva as primeiras pretensões submetidas em juízo estão irremediavelmente comprometidas, sempre estariam ainda que o Tribunal dedicasse o seu esforço na análise menos profunda, ou melhor, mais formal, do que está subjacente nelas,
Neste caso estaria em causa a própria legitimidade dos AA, para invocarem a simulação nas assinaladas cessões e aquisições e tão só porque ela radica no aludido acordo de investimento que está por cumprir integralmente desde 1994, cumprimento que, como se referiu, inexigível por prescritos os direitos que dele emergem. Em conclusão e em bom rigor: os direitos, ainda que enviesadamente conformados, sempre estariam prescritos.
A benefício da economia da pretensão dos AA., o que verdadeiramente importa é a titularidade de certos imóveis que pertenciam à G e cuja exploração e rentabilidade imporia nºs temos acordados no acordo de investimento a distribuição dos consequentes resultados.
Para o efeito fazem-se uma série de pedidos, todos com o mesmo desiderato.
E todos encontram fundamento no acordo de investimento não totalmente cumprido, acordo que não seve aos AA. porque, insista-se, os direitos deles emergentes estão prescritos.
Na base deste raciocínio estaríamos em condições de desconstruir em pormenor toda a hábil e competente alegação e petitório, tarefa que, com o devido respeito, se mostra despicienda, na nossa humilde perspectiva, em face da evidência das coisas e da justeza da conclusão que liminar e cristalinamente se logrou obter.
Pelo exposto, julgam-se prescritos os direitos supra assinalados c decorrentes do aludido acordo de investimento, assim se absolvendo os RR. dos pedidos deduzidos.
Custas pelos AA.”.
***
III – O Direito
1 - Como se acaba de constatar na decisão acima transcrita, foi decretada a prescrição com fundamento na causa de pedir, assente ela mesma no incumprimento de um acordo e de um mandato. Ou seja, para a decisão em crise não foi relevante o pedido de declaração de nulidade da cessão de quotas celebrada pelos RR, com suporte na simulação.
Vejamos. É certo que os AA pretenderam num primeiro momento obter, com a presente acção, a declaração de nulidade da cessão de quotas efectuada pelos 1º e 2º RR (e consequentes cessões sucessivas a partir daquela) com o argumento de que estes, dolosamente e com o intuito de os prejudicarem, violaram o “acordo de investimento” celebrado entre todos eles, e através do qual se teria convencionado a aquisição total do capital social da sociedade “G, Limitada” para posterior exploração dos terrenos de que ela era detentora, em resultado da concessão de imóveis vários. Violação que, com os contornos desenhados na petição inicial, claramente se alicerça numa simulação, a qual consistiria em transmitir ficticiamente as quotas adquiridas pelos 1º e 2º RR a terceiros (igualmente demandados) com intenção de enganar e prejudicar os AA em desrespeito do mandato que estes àqueles haviam conferido no sentido da aquisição das referidas quotas sociais da sociedade “G”.
Mas, por outro lado, num segundo momento, afinal de contas o eixo da sua pretensão petitória, isto é, o que os 1º e 2º AA pretenderam foi obter a título principal a transferência a seu favor da titularidade de 55,5% e 4,5%, respectivamente, da participação social da sociedade “H Limitada”.
Ou seja, compreende-se que o núcleo principal da pretensão dos AA esteja reservada a este segundo momento. Com efeito, pedir a condenação só faz sentido desde que a declaração de nulidade se apresente como prévia e condicionante ou, se se quiser, como base estruturante do objectivo a alcançar e do efeito jurídico da acção.
Aliás, coisa semelhante é reconhecida em aresto de direito comparado produzido no Ac. do STJ, de 9/10/2013, no Proc. nº 03B2536, em que é dito textualmente o seguinte:
“Nessa espécie de acções - que é a desta -, a declaração do direito e do que dele resulta, ou do que determina, funciona, como meio da condenação que constitui o fim que é próprio de tais acções (…).
Daí que o "pedido" de declaração da nulidade de negócio jurídico formulado nestes autos1 só formalmente, que não substancialmente, como tal possa ser efectivamente considerado: essa nulidade é, afinal, com evidência, o fundamento de direito da acção (39), e, assim, nos factos que concretamente a determinam, a respectiva causa de pedir (nº. 4 do artº. 498º CPC).”
E, por assim ser, neste aspecto estamos com a decisão recorrida.
Mas, também por isso mesmo, somos levados a concluir que, não obstante a nulidade não estar dependente de prazo e ser peticionável a todo o momento, tal não impede o decurso dos prazos prescricionais concretamente aplicáveis em cada caso (Ana Filipa Morais Antunes, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, pág. 557).
Eis, pois, a razão para se passar à análise da questão da prescrição.
*
2 – Para a decisão sob censura o prazo de 15 anos, nos termos do art. 302º do CC, contar-se-ia a partir de 24/03/1994, data em que os 1º e 2º RR, em cumprimento do mandato conferido pelos AA, adquiriram as quotas da sociedade “G”.
As questões que se põem, então, são:
- Qual o prazo de prescrição: 15 ou 20 anos?
- Quando começa a sua contagem?
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2.1 – O Código Civil anterior estabelecia o prazo de vinte anos (art. 309º, CC), que foi, entretanto, encurtado para 15 anos pelo Código de 1999 (art. 302º, CC).
O art. 11º do C. Civil dispõe:
“1. A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.
2. Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.”
O nº1 constitui a regra geral em matéria de aplicação de leis que se sucedem no tempo: “tempus regit factum”. É o princípio consabido da irretroactividade das leis.
O nº2, porém, abre caminho para a aplicação da lei nova desde que ela disponha sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo do facto que lhe tenha dado origem (2ª parte). Afigura-se-nos ser o caso.
Contudo, o art. 290º do mesmo Código torna-se mais específico, na medida em que estatui sobre o encurtamento legal do tempo nas relações jurídicas. E ele prescreve que “a lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estivessem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar”.
Pois bem. Se tomarmos como bom o “dies a quo” reportado a 24/03/1994 e lhe fizermos incidir o prazo de 20 anos, ele terminaria em 24/03/2014 (e a decisão criticada mereceria censura).
Mas se lhe aplicarmos o de 15 anos previsto no novo Código, então as coisas podem mudar de figura.
Diz a lei que, em regra, o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei (nº 1, do art. 290º), a não ser que (é a excepção) segundo a lei antiga falte menos tempo para o prazo se completar.
Quer isto dizer, portanto, que:
- O prazo de 15 anos contado a partir de 1/11/1999 terminaria em 1/11/2014, se aplicável a regra;
- O prazo de 20 anos da lei anterior terminou no dia 24/03/2014, se aplicável a excepção (neste caso, desde que se conte esse prazo a partir de 24/03/1994).
Parece-nos, pois, que faltando menos tempo para a prescrição em virtude da aplicação da lei anterior, seria esta a aplicável.
E, nesta óptica, tendo a petição inicial dado entrada no tribunal em 3/07/2014, estaria verificada a prescrição.
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2.2 – Mas a solução ainda não se pode dar como adquirida. Faz falta saber se, efectivamente, o prazo se deve contar desde 24/03/1994 ou se de outra qualquer.
A data de 24/03/1994 é, como se viu, aquela em que os primeiros réus adquiriram as quotas da sociedade “G”. Será essa a considerar para o início do cômputo do prazo?
Cremos que sim.
Efectivamente, “o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido…” (1ª parte, do nº1, do art. 299º, do CC). Ora, como é bom de ver, o “acordo de investimento” é pacto que não tinha, nem parece que devesse tê-lo, qualquer prazo, uma vez que, como é evidente, ele estaria sempre dependente de um passo fundamental, que era a aceitação por parte dos accionistas da “G” e que se traduziria na venda das suas participações sociais.
Antes disso, o “acordo de investimento” não passaria de uma obrigação sujeita a uma condição suspensiva: ele não teria qualquer eficácia enquanto os titulares das quotas de “G” não abrissem mão delas aos primeiros réus. Uma vez que esta cessão de quotas passasse a ter lugar, então sim, estariam reunidas as condições para o “acordo de investimento” ser levado com êxito à prática, ser executado, isto é, ser cumprido.
O mesmo é dizer, portanto, que só depois da aquisição das quotas em 24/03/1994, podia o direito de todos os intervenientes no “acordo de investimento” ser exercido. Direito que era, precisamente, o de adquirir as quotas sociais e, concomitantemente, explorar o acervo social da “G” e o de distribuir os lucros - nomeadamente os proveitos resultantes da venda dos prédios desta - do investimento que todos realizariam na exploração da mesma. Esta é, parece-nos, a solução que melhor se afeiçoa ao trecho do art. 299º, nº1 acima transcrito.
Entendemos, pois, que o prazo não se pode contar, nem do momento em que foi celebrado o “acordo de investimento”, nem da data em que este se pode ter vindo a dar por incumprido, ou seja, quando os 1º e 2º réus alienaram as quotas sociais da “G” a terceiros, numa atitude que os AA defenderam ter sido assente numa simulação.
Mas, atingida esta conclusão, parece então ser de admitir que, à partida, a acção teria sido intentada (3/07/2014) quando o direito estaria já prescrito (em 24/03/2014).
*
2.3 - Contudo, ainda é preciso averiguar se não teria havido in casu a ocorrência de alguma causa interruptiva da prescrição.
Ora, a este propósito, a recorrente entende que a instauração de um procedimento cautelar de arresto e acção executiva para pagamento de quantia certa contra os 1º e 2º réus teria o efeito interruptivo previsto no art. 315º, nº1, do CPC2.
Não tem, porém, razão. Não esqueçamos que aqueles processos (arresto e execução) tinham raiz num alegado incumprimento do “acordo de investimento” reportado exclusivamente ao terreno sito na Av. XX, ou seja ao aludido na alínea i) do art. 7º da petição inicial (cfr. ainda doc. nº 31 a fls. 64-70).
Contudo, o direito que os AA pretendem exercer na presente acção não tem que ver com esse terreno, pois assim o dizem expressamente no art. 20º da p.i., ao restringirem o seu objecto ao “acordo de investimento…relativo aos imóveis referidos em ii) e iii) daquele artigo” (referindo-se ao art. 7º da p.i.).
Isto é, os AA accionaram o seu direito relativamente ao imóvel i) do art. 7º da p.i. através da instauração daquelas duas espécies processuais, mas elas em nada interferem com o accionamento dos direitos decorrentes do dito “acordo de investimento” concernente aos dois restantes prédios. Uma vez que o “acordo de investimento” podia ter sido cumprido relativamente a um dos prédios e incumprido quanto aos outros, pode dizer-se que os direitos dele resultantes devem ser tidos por cindíveis. E foi exactamente por isso que aquelas acções (cautelar e executiva) se cingiram a um dos imóveis, ao passo que a presente acção se reporta os restantes.
Temos, assim, que uma eventual eficácia interruptiva resultante do accionamento no procedimento cautelar e na acção executiva não se propaga ao exercício do direito emergente do “acordo de investimento” quanto aos imóveis ii) e iii) aludidos no art. 7º da p.i., que são os que aqui estão exclusivamente em apreciação.
Por isso, o argumento retirado da invocação do art. 315º do CC não pode servir os desígnios dos recorrentes, razão pela qual se não pode dar por procedente.
*
2.4 – E se isto é assim, também por identidade de razões se deve concluir, e ao contrário do que vem defendido pelos recorrentes, que não estamos perante nenhuma situação de renúncia à prescrição.
Com efeito, se a prescrição dos direitos decorrentes do “acordo de investimento” apresenta uma vida própria relativamente a cada um dos ditos imóveis, então o facto de não ter sido invocada pelos interessados a prescrição no âmbito dos dois processos acima referidos, reportados a um determinado prédio, nunca pode significar renúncia à prescrição (cfr. art. 295º, do CC) do direito referente aos diferentes bens aqui em apreço.
*
3 – Os recorrentes defendem ainda a ilegitimidade da ré K para suscitar a prescrição.
Em seu entender não poderia esta ré ter invocado a excepção, por não figurar na relação material controvertida como devedora principal ou subsidiária das obrigações resultantes do contrato de investimento em causa. Nesta tese, só os devedores principais poderiam arguir a prescrição.
Não podemos concordar.
Efectivamente, decorre do art. 294º do CC que “A prescrição aproveita a todos os que dela possam tirar benefício, sem excepção dos incapazes”.
E, por outro lado, segundo o art. 298º, nº1 do mesmo Código, “A prescrição é invocável pelos credores e por terceiros com legítimo interesse na sua declaração, ainda que o devedor a ela tenha renunciado”.
Ora, a 7ª ré, K, no conjunto de outros demandados, representa a figura de um terceiro que pode tirar benefício da prescrição, na medida em que, tal como decorre da configuração da causa de pedir formulada pelos AA, é adquirente à 6ª ré, de nome J, da quota social que o 1º réu a esta tinha transmitido.
Portanto, tendo o desenho desta causa de pedir um traço extenso e complexo, atingindo a esfera de várias pessoas - com o alegado fundamento de um acordo simulatório e com intuito de prejudicar os AA – parece de meridiana clareza que cada uma delas tem um interesse em negar os factos que lhe são imputados e defender a validade dos negócios em que cada uma tiver participado, seja como alienante, seja como adquirente. Esta, de resto, a tese de Vaz Serra, ao reconhecer a um universo alargado de terceiros a legitimidade para o efeito, designadamente ao “subadquirente do que adquiriu por negócio jurídico anulável…” (Prescrição extintiva e caducidade, in BMJ nº 105, pág. 182).
Cai, assim, por terra este argumento dos recorrentes.
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4 – Por fim, os recorrentes denunciam o erro de julgamento decorrente da falta de prova dos factos pertinentes à prescrição.
Os recorrentes assentam esta posição na invocação de inúmeros incumprimentos das obrigações assumidas por parte dos 1º e 2º réus, na alegação de invalidade de diversos negócios jurídicos, bem como na interposição de várias acções judiciais anteriores intentadas contra os 1º e 2º réus fundadas no incumprimento do aludido “acordo de investimento”. Ou seja, para os recorrentes pareceria que estes argumentos, porque controvertidos, deveriam impedir o tribunal “a quo” de concluir pela verificação da prescrição.
Mas, também aqui não têm razão, salvo melhor opinião.
É que, por um lado, esta tríplice argumentação parte da sua própria invocação logo na petição inicial. E, por isso, não é de aceitar que os recorrentes tenham podido invocado esta matéria e depois não tivesse podido o tribunal servir-se deles mesmos para decretar a prescrição.
Efectivamente, qualquer daqueles argumentos acabou por ser levado em conta no despacho que decretou a prescrição, mesmo que sem profundidade fundamentativa. Mas, esta circunstância de insuficiência fundamentativa, não corresponderia a erro de julgamento, mas quando muito, à nulidade a que se refere o art. 571º, nº1, al. b), do CPC.
De resto, o tribunal “a quo” não deixou de se servir dos próprios factos trazidos pela mão dos recorrentes, tal como o fizemos nós mais atrás no âmbito do presente aresto, quer para a determinação do “dies a quo” do prazo prescricional, quer para o apuramento da existência de algum factor de interrupção.
Pensamos, pois, que este fundamento do recurso também não pode deixar de improceder.
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IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelos recorrentes.
TSI, 29 de Junho de 2017
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José Cândido de Pinho
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Tong Hio Fong
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Lai Kin Hong


1 Estava em causa nesses autos, igualmente, a nulidade com fundamento em simulação.
2 Cujo teor é o seguinte: “A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”.
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806/2016 41