打印全文
Processo n.º 461/2017 Data do acórdão: 2017-6-29 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– pena de prisão suspensa na execução
– prescrição da pena
– impossibilidade legal da execução da pena de prisão
– causa da suspensão da prescrição da pena
– ressalva do prazo da suspensão da prescrição
– cômputo do prazo máximo da prescrição da pena
– decisão revogatória da suspensão da pena
– art.o 55.º do Código Penal
– art.º 54.º do Código Penal
– art.o 117.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, do Código Penal
– art.º 118.º, n.º 3, do Código Penal

S U M Á R I O
1. O curso do prazo de prescrição de uma pena de prisão suspensa na execução fica ab initio suspenso a partir do trânsito em julgado da decisão judicial aplicadora da própria pena e simultaneamente determinadora da suspensão da sua execução, devido à impossibilidade legal de se executar imediatamente a pena de prisão como tal (i.e., de se executar imediatamente a privação efectiva da liberdade do arguido para efeitos de cumprimento da pena), impossibilidade legal de execução essa que é causada pelas regras próprias do instituto de suspensão da pena de prisão, plasmadas maxime nos art.os 55.º e 54.º do Código Penal. E essa impossibilidade legal de execução da pena de prisão suspensa na execução só verá cessada com o surgimento da decisão judicial determinadora da revogação da suspensão de execução da pena (cfr. os art.os 117.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, e 54.º, n.º 1, do Código Penal), e todo o período de tempo de subsistência dessa causa da suspensão da prescrição não pode ser computado no prazo total máximo da prescrição da pena (cfr. o art.º 118.º, n.º 3, do Código Penal).
2. Assim, pela própria lógica das normas legais supra referidas, das duas uma: ou a pena de prisão então suspensa na execução fica posteriormente declarada extinta por decisão judicial nos termos do art.º 55.º, n.º 1, do Código Penal; ou essa pena de prisão suspensa na execução vê a suspensão da sua execução revogada ou vê o prazo da suspensão de execução prorrogado, por decisão judicial nos termos sobretudo do n.º 2 deste preceito legal.
3. In casu, como ainda não há uma decisão judicial revogatória da suspensão de execução da pena de prisão do arguido, a acima analisada impossibilidade legal de execução imediata da pena ainda subsiste até agora, subsistência esta que naturalmente faz adiar inclusivamente a vinda do termo final do prazo total máximo da prescrição da pena a que alude o art.º 118.º, n.º 3, do Código Penal.
4. É, pois, de revogar o despacho judicial recorrido, declarativo da já prescrição da pena de prisão do arguido.
O primeiro juiz-adjunto,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 461/2017
(Autos de recurso penal)

Recorrente: Ministério Público
Arguido recorrido: A




ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Veio recorrer o Ministério Público do despacho judicial proferido em 16 de Março de 2017 a fls. 85 a 85v dos subjacentes autos de Processo Sumário n.º CR4-10-0234-PSM do 4.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base que declarou já prescrita a pena de cinco meses de prisão (suspensa na execução por dois anos) imposta ao arguido A pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez p. e p. pelo art.º 90.º, n.º 1, da Lei do Trânsito Rodoviário, imputando sobretudo a essa decisão a violação do disposto nos art.os 114.º, 117.º, n.º 1, alínea a), e 55.º do Código Penal (CP), para pedir a revogação daquela decisão (cfr. em detalhes, a motivação do recurso de fls. 101 a 107 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso, respondeu o arguido recorrido no sentido de improcedência (cfr. a resposta de fls. 111 a 115 dos autos).
Subido o recurso, emitiu o Digno Procurador-Adjunto parecer (a fls. 123 a 124v), pugnando pela procedência do mesmo.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, realizou-se a conferência neste Tribunal de Segunda Instância (TSI) com vista à decisão do recurso, da qual saiu vencido o Ex.mo Juiz Relator na solução do recurso, pelo que cumpre agora decidir do recurso, nos termos do presente acórdão definitivo lavrado pelo primeiro juiz-adjunto.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
– o arguido A ficou condenado por sentença de 4 de Dezembro de 2010 (com trânsito em julgado em 14 de Dezembro de 2010) do subjacente Processo Sumário n.º CR4-10-0234-PSM, em cinco meses de prisão, suspensa na execução por dois anos, pela autoria material de um crime consumado de condução em estado de embriaguez (cfr. a sentença de fls. 15v a 17 dos presentes autos e a cota lançada a fl. 21 dos mesmos sobre a data do trânsito em julgado da sentença);
– em 31 de Outubro de 2013, foi junta aos autos (a fls. 52 e seguintes) a certidão da sentença do Processo Comum Singular n.º CR1-12-0047-PCS (transitada em julgado em 30 de Setembro de 2013), condenatória do mesmo arguido em um ano de prisão efectiva, pela prática, em Maio de 2011, de um crime consumado de exploração ilícita de jogo;
– em face disso, o Ministério Público promoveu, em 5 de Novembro de 2013 (a fl. 77), a revogação da suspensão da pena de prisão do arguido nos termos do art.º 54.º, n.º 1, alínea b), do CP, com prévia audição do arguido;
– não se conseguiu, entretanto, deter (mediante os mandados de detenção passados em 12 de Novembro de 2013 – cfr. o processado de fls. 79 a 79v) o arguido para este efeito, porquanto segundo a informação prestada pela Polícia Judiciária (a fl. 81), o arguido já saiu de Macau em 14 de Setembro de 2013;
– em 16 de Março de 2017, foi proferido o despacho judicial (a fls. 85 a 85v) (ora sob impugnação pelo Ministério Público), declarativo da já prescrição da pena de prisão do arguido imposta no âmbito do presente processo.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Trata-se de saber se não está prescrita a pena de cinco meses de prisão então imposta ao arguido no seio do presente processo pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez.
O prazo de prescrição da pena de cinco meses de prisão aplicada ao arguido no subjacente processo é de quatro anos (cfr. o art.º 114.º, n.º 1, alínea e), do CP), contado a partir do trânsito em julgado da decisão aplicadora da pena, ou seja, no caso, a partir do dia 14 de Dezembro de 2010.
Contudo, o curso deste prazo de prescrição ficou ab initio suspenso, devido à impossibilidade legal de se executar imediatamente a pena de prisão como tal (i.e., de se executar imediatamente a privação efectiva da liberdade do arguido para efeitos de cumprimento da pena de prisão como tal), impossibilidade legal essa que é causada pelas regras próprias do instituto de suspensão da pena de prisão, plasmadas maxime nos art.os 55.º e 54.º do CP. Daí que essa impossibilidade legal de execução da pena de prisão suspensa na execução só verá cessada com o surgimento da decisão judicial determinadora da revogação da suspensão de execução da pena de prisão (cfr. os art.os 117.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, e 54.º, n.º 1, do CP), sendo de frisar que todo o período de tempo de subsistência dessa causa da suspensão da prescrição (i.e., dessa impossibilidade legal de execução imediata da privação efectiva da liberdade do arguido para efeitos de cumprimento da pena de prisão) não pode ser computado no prazo total máximo da prescrição da pena (cfr. o art.º 118.º, n.º 3, do CP).
Assim, pela própria lógica das normas legais supra referidas, das duas uma: ou a pena de prisão então suspensa na execução fica posteriormente declarada extinta por decisão judicial nos termos do art.º 55.º, n.º 1, do CP; ou a pena de prisão suspensa na execução vê a suspensão da sua execução revogada ou vê o prazo da sua suspensão de execução prorrogado, por decisão judicial nos termos sobretudo do n.º 2 deste preceito legal.
In casu, como ainda não há uma decisão judicial revogatória da suspensão de execução da pena de prisão do arguido, a acima analisada impossibilidade legal de execução imediata da pena de prisão ainda subsiste inclusivamente à data de proferimento do despacho recorrido (e também até agora), subsistência esta que naturalmente faz adiar inclusivamente a vinda do termo final do prazo total máximo da prescrição da pena (a que alude o art.º 118.º, n.º 3, do CP).
É, pois, de revogar o despacho judicial recorrido, por a pena de prisão do arguido ainda não estar prescrita, devendo o mesmo Tribunal recorrido voltar a decidir da situação dos autos, na sequência da ainda não detenção do arguido para efeitos de audição deste com vista à decisão da questão da revogação da pena de prisão então promovida pelo Ministério Público.
IV – DECISÃO
Em sintonia com o exposto, acordam em julgar provido o recurso do Ministério Público, revogando a decisão judicial recorrida declarativa da prescrição da pena de prisão então imposta ao arguido A no subjacente processo, devendo o mesmo Tribunal recorrido voltar a decidir da situação dos autos.
Custas do recurso pelo arguido recorrido, com duas UC de taxa de justiça e mil patacas de honorários a favor do seu Ex.mo Defensor Oficioso.
Macau, 29 de Junho de 2017.
_______________________
Chan Kuong Seng
(Primeiro juiz-adjunto)
_______________________
Tam Hio Wa
(Segunda Juíza-Adjunta)
_______________________ (Segue declaração de voto)
José Maria Dias Azedo
(Relator do processo)

Processo nº 461/2017
(Autos de recurso penal)



Declaração de voto

1. Como primitivo relator dos presentes autos, elaborei projecto de acórdão onde sugeria que se julgasse procedente o recurso pelo Ministério Público interposto.

Não merecendo o mesmo a concordância dos meus Exmos Colegas, e, vencido que fiquei, passo a expor como me preparava para decidir, acompanhando de perto o referido projecto de acórdão.

2. Em causa está saber se prescrita está a pena de 5 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos, ao arguido dos autos aplicada por sentença de 04.12.2010, e transitada em julgado em 14.12.2010.

Como é sabido, a “prescrição da pena (ou medida de segurança)”, tem como efeito não poder qualquer delas ser imposta ou executada.

Várias são as razões de tal instituto.

Entre outras, alinham-se as que consideram como motivo essencial o “decurso do tempo”, merecendo também destaque razões associadas aos próprios “fins das penas” e “necessidade de segurança jurídica”; (sobre a questão, vd., v.g., L. Henriques, in “Anot. e Com. ao C.P.M.”, Vol. III, pág. 518 e segs.).

Com efeito, é a ideia de “prevenção geral positiva”, enquanto finalidade primordial visada pela pena, que dá conteúdo ao princípio da necessidade da pena.

Mas, se a necessidade de estabilização das expectativas comunitárias na vigência e validade das normas jurídicas violadas há-de reflectir-se na medida da pena, não menos importante é a “eficácia” e “celeridade” da intervenção do sistema de justiça.

Uma “reacção pronta e atempada” a uma conduta penalmente punível tem uma eficácia preventiva bem mais consistente do que uma pena severa aplicada ao seu autor vários anos depois da sua prática.

Com efeito, o decurso do tempo vai diluindo a necessidade da pena, e esta acaba por se tornar “inútil” ou até “contraproducente” se aplicada ou executada muito tempo depois da prática do facto punível.

É, exactamente, por isso, que consagrou o legislador, o “instituto da prescrição”, precisamente para obstar que tal venha a ocorrer.

Vale a pena aqui lembrar o ensinamento do Prof. Figueiredo Dias, (in “Direito Penal – As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 699), segundo o qual, com o decurso do tempo, além do enfraquecimento da censura comunitária presente no juízo de culpa, perdem importância as razões de prevenção especial, desligando-se a sanção das finalidades de ressocialização ou de segurança.

Por outro lado, também do ponto de vista da prevenção geral positiva se justifica o instituto da prescrição, pois que, com o correr do tempo sobre a fixação da pena, vai perdendo consistência a prossecução do efeito desta de afirmação das expectativas comunitárias sobre a vigência da norma, (já entretanto apaziguadas ou mesmo definitivamente frustradas).

Por sua vez, e em associação com a ideia de que à intervenção penal deve ser reservado um papel de “ultima ratio”, só legitimada quando ainda se mantenha a necessidade de assegurar os seus objectivos, justifica-se, em suma, que não se aplique a pena fixada, transcorrido que seja o período de tempo legalmente determinado.

A “prescrição das penas” funciona, então, como um “pressuposto negativo da punição”.

E tal como na “prescrição do procedimento criminal”, o respectivo prazo é determinado em função da gravidade da pena (abstractamente) aplicável ao crime ou crimes imputados na acusação ou na pronúncia, também os prazos de prescrição das penas são estabelecidos em função da gravidade da pena, mas, agora, da pena (concretamente) aplicada.

No capítulo da “prescrição das penas e medidas de segurança”, preceitua o art. 114° do C.P.M. – também invocado pelo Recorrente – que:

“1. As penas prescrevem nos prazos seguintes:
a) 25 anos, se forem superiores a 15 anos de prisão;
b) 20 anos, se forem iguais ou superiores a 10 anos de prisão;
c) 15 anos, se forem iguais ou superiores a 5 anos de prisão;
d) 10 anos, se forem iguais ou superiores a 2 anos de prisão;
e) 4 anos, nos casos restantes.
2. O prazo de prescrição começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena”.

Por sua vez, estatui o art. 117° do mesmo C.P.M. que:

“1. A prescrição da pena e medida de segurança suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:
a) A execução não puder legalmente iniciar-se ou continuar;
b) O condenado estiver a cumprir outra pena ou medida de segurança privativas da liberdade; ou
c) Perdurar a dilação do pagamento da multa.
2. A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão”.

E, nos termos do seguinte art. 118°:

“1. A prescrição da pena e medida de segurança interrompe-se:
a) Com a sua execução; ou
b) Com a prática, pela autoridade competente, dos actos destinados a fazê-la executar, se a execução se tornar impossível por o condenado se encontrar em local donde não possa ser entregue ou onde não possa ser alcançado.
2. Depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição.
3. A prescrição da pena e medida de segurança tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade”.

Atenta a pena ora em questão – de 5 meses de prisão – dúvidas não há que o prazo para a sua prescrição é de 4 anos, (cfr., art. 114°, n.° 1, al. e)).

E, então, no caso dos autos, importa é saber qual o início deste prazo, e se é o mesmo contínuo e sem suspensões ou interrupções?

Ora, aqui, e tanto o estatuído na alínea a), n.° 1 do transcrito art. 117°, cremos que o início do dito prazo apenas deve ter lugar “após o decurso do período da suspensão da execução da pena”.

Assim, considerando que decisão que aplicou a pena em questão transitou em julgado em 14.12.2010, e que o dito período de suspensão da sua execução – de 2 anos – terminou em 14.12.2012, há que concluir que, nesta (mesmo) data, iniciou a contagem do prazo de 4 anos de prescrição.

Nesta conformidade, (independentemente do demais, cfr., v.g., os Acs. destes T.S.I. de 21.05.2015, Proc. n.° 410/2015 e de 02.03.2017, Proc. n.° 805/2016), e como – bem – observa o Ilustre Procurador Adjunto, adequado se mostra de considerar que, tendo havido lugar à “emissão de mandados de detenção do arguido” em 07.11.2013, com esta emissão ocorreu, (atento o estatuído no art. 118°, n.° 1, al. b) do C.P.M.), a “interrupção” do dito prazo de prescrição, (nesse sentido, cfr., v.g., L. Henriques, in “Anot. e Comentário ao C.P.M.”, Vol. II, pág. 550), implicando a contagem de um novo prazo de 4 anos, (cfr., n.° 2 do art. 118° do C.P.M.), que apenas terminará em 07.11.2017, desta forma se vendo que a decisão recorrida que declarou que prescrita já estava a pena não se pode manter, sendo de revogar e de – nestes termos – julgar procedente o presente recurso.
   
   Macau, aos 29 de Junho de 2017
   José Maria Dias Azedo
   


Processo n.º 461/2017 Pág. 1/13