Processo nº 310/2017 Data: 08.06.2017
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime de “corrupção passiva para acto ilícito”.
Erro notório na apreciação da prova.
Suspensão da execução da pena.
SUMÁRIO
1. O crime de “corrupção” adquiriu uma (muito) forte ressonância negativa na consciência comunitária.
2. A necessidade de salvaguardar a confiança dos cidadãos numa administração pública que sirva com neutralidade, objectividade e eficácia os interesses gerais, (públicos e comuns), reclama uma sanção penal que dê um sinal claro de “intransigência” perante os crimes relacionados com “abusos de funções públicas” como a “corrupção”, o “abuso de poder” e todas as outras formas de exercício ilegal de funções públicas.
Não pode ser um “crime de baixo risco e fácil/alto rendimento”, havendo antes que ser um “crime de alto risco e firme punição”.
O relator,
______________________
José Maria Dias Azedo
Processo nº 310/2017
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. B (B), arguido com os restantes sinais dos autos, respondeu no T.J.B., vindo a ser condenado pela prática, como autor material e na forma consumada, de 1 crime de “corrupção passiva para acto ilícito”, p. e p. pelo art. 337°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 2 anos e 3 meses de prisão.
Tem o Acórdão condenatório o teor seguinte:
“I. Relatório
1. O Ministério Público de Macau acusou e requereu o julgamento em processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, do seguinte arguido:
O arguido B (B), do sexo masculino, filho de C (pai) e de D (Mãe), nascido em XX/XX/19XX em Macau, casado, guarda policial do CPSP, portador do BIR de Macau nº 50XXXXX(4), reside em Macau, na Avenida do ......, nº ..., Edf. ......, ...º andar – ..., telefone 66XXXXXX.
*
2. Factos e crime acusados
Acusação do Ministério Público:
1.
Um dia, em Julho de 2013, F (F) comprou a um indivíduo não identificado um salvo de conduto para deslocação a Hong Kong e Macau falsificado em nome de G (G) e um boletim de entrada falsificado. (cfr. fls. 66 a 80 dos autos)
2.
Os dados pessoais constantes do referido salvo-conduto, excepto a fotografia, não correspondiam aos dados pessoais verdadeiros de F. Além disso, do salvo-conduto não constam as características de segurança devidas. Os dados pessoais constantes do referido boletim de entrada também não correspondiam aos dados pessoais verdadeiros de F. (cfr. fls. 66 a 80 dos autos)
3.
Um dia, em Outubro de 2013, F entrou ilegalmente em Macau através da forma não determinada, trazendo com ela os ditos salvo-conduto para deslocação a Hong Kong e Macau e boletim de entrada falsificados. (cfr. fls. 66 a 80 dos autos)
4.
Em 30 de Dezembro de 2013, pelas 17h43, B, vestido de farda da polícia, estava a prestar serviço fora da entrada do Hotel Hard Rock da City of Dreams e viu F sair do hotel. B aproximou-se dela e interceptou-a, levando-a a um lugar escondido na parte direita da entrada do hotel e exigindo-lhe para exibir o documento de identificação.
5.
Sabendo bem não ter documento legal para permanecer em Macau, F pediu B para não verificar o seu documento e deixá-la ir embora, mas o segundo insistiu que F mostrasse o seu documento. Assim, F tirou os ditos salvo-conduto para deslocação a Hong Kong e Macau e boletim de entrada falsificados da sua mala de mão e entregou-os a B.
6.
B notou logo que tais documentos eram falsos. Depois, F perguntou novamente a B se podia deixá-la ir embora. B respondeu da seguinte forma: “Se queres ir embora, tens que arranjar uma forma.”
7.
F percebeu logo que B já notou que o salvo-conduto e o boletim de entrada eram falsos e estava a pedir suborno para libertá-la. Assim sendo, F sugeriu pagar-lhe dois mil dólares de Hong Kong como contrapartida para ele deixá-la ir embora, mas B não aceitou o valor da importância. Assim, F aumentou o valor para três mil dólares de Hong Kong e B ainda não o aceitou. Durante a negociação, B meteu duas vezes a mão na mala de mão de F e prestou muita atenção ao que ocorria nas proximidades.
8.
Seguidamente, F aumentou o valor para quatro mil dólares de Hong Kong e B aceitou. Logo a seguir, observando as instruções de B, F meteu uma importância de quatro mil dólares de Hong Kong em numerário no bolso direito do casaco do fardo policial de B, este devolveu, de imediato, o salvo-conduto e o boletim de entrada a F. Tendo recebido o salvo-conduto e o boletim de entrada, F deixou logo o local.
9.
Sendo guarda policial, B tinha qualidade de funcionário público mas praticou o referido acto que contraria os seus deveres funcionais, designadamente os deveres de obediência e isenção, exigindo para si e aceitando a vantagem patrimonial indevida acima mencionada como contrapartida do acto e da omissão praticados.
10.
B agiu livre, voluntaria e conscientemente.
11.
B sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.
*
Face ao exposto:
O arguido B cometeu, na forma consumada, um crime de “corrupção passiva para acto ilícito”, p.p. pelo artº 337º, nº 1 do CP.
*
3. Pretensão da defesa
A defesa não apresentou contestação escrita.
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4. Pressupostos processuais
A audiência de julgamento foi realizada com a presença do arguido e com observância do devido formalismo, mantendo-se inalterados os pressupostos processuais.
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II. Factos e provas
Foram apurados os seguintes factos:
1) Um dia, em Julho de 2013, F (F) comprou a um indivíduo não identificado um salvo de conduto para deslocação a Hong Kong e Macau falsificado em nome de G (G) e um boletim de entrada falsificado. (cfr. fls. 66 a 80 dos autos)
2) Os dados pessoais constantes do referido salvo-conduto, excepto a fotografia, não correspondiam aos dados pessoais verdadeiros de F. Além disso, do salvo-conduto não constam as características de segurança devidas. Os dados pessoais constantes do referido boletim de entrada também não correspondiam aos dados pessoais verdadeiros de F. (cfr. fls. 66 a 80 dos autos)
3) Um dia, em Outubro de 2013, F entrou ilegalmente em Macau através da forma não determinada, trazendo com ela os ditos salvo-conduto para deslocação a Hong Kong e Macau e boletim de entrada falsificados. (cfr. fls. 66 a 80 dos autos)
4) Em 30 de Dezembro de 2013, pelas 17h43, B, vestido de farda da polícia, estava a prestar serviço fora da entrada do Hotel Hard Rock da City of Dreams e viu F sair do hotel. B aproximou-se dela e interceptou-a, levando-a a um lugar escondido na parte direita da entrada do hotel e exigindo-lhe para exibir o documento de identificação.
5) Sabendo bem não ter documento legal para permanecer em Macau, F pediu B para não verificar o seu documento e deixá-la ir embora, mas o segundo insistiu que F mostrasse o seu documento. Assim, F tirou os ditos salvo-conduto para deslocação a Hong Kong e Macau e boletim de entrada falsificados da sua mala de mão e entregou-os a B.
6) B notou logo que tais documentos eram falsos. Depois, F perguntou novamente a B se podia deixá-la ir embora. B respondeu da seguinte forma: “Se queres ir embora, tens que arranjar uma forma.”
7) F percebeu logo que B já notou que o salvo-conduto e o boletim de entrada eram falsos e estava a pedir suborno para libertá-la. Assim sendo, F sugeriu pagar-lhe dois mil dólares de Hong Kong como contrapartida para deixá-la ir embora, mas B não aceitou o valor da importância. Assim, F aumentou o valor para três mil dólares de Hong Kong e B ainda não o aceitou. Durante a negociação, B meteu duas vezes a mão na mala de mão de F e prestou muita atenção ao que ocorria nas proximidades.
8) Seguidamente, F aumentou o valor para quatro mil dólares de Hong Kong e B aceitou. Logo a seguir, observando as instruções de B, F meteu uma importância de quatro mil dólares de Hong Kong em numerário no bolso direito do casaco do fardo policial de B, este devolveu, de imediato, o salvo-conduto e o boletim de entrada a F. Tendo recebido o salvo-conduto e o boletim de entrada, F deixou logo o local.
9) Sendo guarda policial, B tinha qualidade de funcionário público mas praticou o referido acto que contraria os seus deveres funcionais, designadamente os deveres de obediência e isenção, exigindo para si e aceitando a vantagem patrimonial indevida acima mencionada como contrapartida do acto e da omissão praticados.
10) B agiu livre, voluntaria e conscientemente.
11) B sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.
*
Além disso, foram apurados os seguintes factos:
O arguido B tem o 6º ano de escolaridade, é guarda do CPSP, auferindo mensalmente MOP30.000,00 e tal. O mesmo e o seu cônjuge (mulher trabalhadora) têm dois filhos.
Segundo o seu registo criminal mais recente, o arguido é primário.
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Factos não provados:
Nada
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O Tribunal formou a sua convicção baseando-se nos dados, provas documentais e objectos apreendidos constantes dos autos, bem como nas declarações do arguido e nos depoimentos das testemunhas.
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III. Convicção:
O arguido B confirmou ter interceptado F no dia do caso, afirmando ainda que o agente policial que apareceu nas imagens gravadas era ele próprio. O arguido referiu não notar qualquer irregularidade no documento de F, negando ter recebido suborno. Acrescentou que, para evitar a fuga de F, levou-a a um lado para verificar o seu documento e que meteu a mão na mala de mão de F porque queria ver se ela tinha objectos ilegais na mala. Depois da verificação do documento, F manifestou ao arguido que queria namorar com ele e pediu-o para ir a Zhuhai para procurá-la para fazer massagem.
Nos termos da lei, o Tribunal leu na audiência de julgamento a declaração para a memória futura prestada pela testemunha F (para este efeito, o teor da declaração da testemunha a fls. 34 a 35v e fls. 7 e verso dos autos aqui se dá por integralmente reproduzido). Os factos relatados pela testemunha correspondiam aos descritos na acusação. Referiu a testemunha: Em 30 de Dezembro de 2013, pelas 05h00, foi interceptada por um guarda policial para verificar o seu documento de identificação. Dado que o seu documento era falso, ela não exibiu ao guarda policial o documento e só não parou de lhe pedir que a deixasse ir embora. Enfim, ela mostrou-lhe um salvo de conduto para deslocação a Hong Kong e Macau (a titular: G) e um boletim de entrada falsificados, referindo ao dito guarda policial que lhe podia pagar dinheiro para deixá-la ir embora. Tal guarda policial meteu a sua mão na mala de mão dela para revistar os objectos que ela trazia e disse-lhe, “Se queres ir embora, tens que arranjar uma forma.” A testemunha entendeu que isso queria dizer que tinha que pagar dinheiro para poder sair do local, pelo que lhe ofereceu um montante de $2.000 para deixá-la ir embora. O guarda policial disse “não pode”. E a testemunha entendeu que o valor de dinheiro oferecido era baixo, então ofereceu mais uma vez, aumentando o valor para $3.000, mas o guarda policial disse “não pode”, até que ela aumentasse para $4.000 é que o guarda policial disse “pode”. Ele mandou-a meter o dinheiro no bolso direito do casaco dele, assim sendo, a testemunha meteu quatro notas de mil dólares de Hong Kong no bolso direito do casaco que o polícia estava a usar. A seguir, o polícia devolveu-lhe os ditos documentos falsos e ela foi embora imediatamente. A testemunha referiu que foi apanhada outra vez no mesmo dia em que pagou o suborno, pelo que contou o caso por não estar contente.
A testemunha, guarda policial nº 1XXXXX, relatou a situação em que interceptou F. Na altura F exibiu um documento de identificação que ele respeitou era falso, pelo que levou-a para a esquadra, mas não procurou saber se F tinha dinheiro na sua posse ou não.
A testemunha, guarda policial nº 2XXXXX, relatou o trabalho feito por ela na investigação do caso, referindo que foi F que relatou o o caso de corrupção. A testemunha disse não reparar se F tinha dinheiro na sua posse ou não.
Nos termos do artº 337º, nº 1 do Código Penal:
“1. Quem, por si ou por interposta pessoa com o seu consentimento ou ratificação, der ou prometer a funcionário, ou a terceiro com conhecimento daquele, vantagem patrimonial ou não patrimonial que ao funcionário não seja devida, com o fim indicado no artigo 337.º, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.”
Tendo analisado as provas produzidas dos autos e tendo considerado as declarações do arguido, bem como os depoimentos testemunhais e dados constantes dos autos, embora o arguido negasse a prática do acto que lhe foi imputado, o vídeo mostrado em audiência revelou que o arguido levou F a um lado e esta mostrou-lhe os documentos depois da uma conversa entre eles. Após examinado o documento de F, o arguido meteu mão na mala de mão da mesma. Durante o tempo todo de verificação de documentos, F fez várias vezes gesto de pedir favor. Apesar de o arguido alegar que meteu a mão na mala de mão de F porque queria ver se ela tinha objectos ilegais na mala, esta forma de revista é diversa da forma regularmente utilizada pela polícia - mandar a pessoa sujeita à revista tirar as coisas para verificação. No fim, o arguido deixou F ir embora depois de esta meter a mão no bolso dele.
Dos dados a fls. 66 a 80 (decorrentes do processo CR2-14-0095-PCS) resultou que F foi interceptada de novo pela polícia no mesmo dia à noite (30 de Dezembro de 2013). Na altura, foi descoberto que F possuía salvo-conduto para deslocação a Hong Kong e boletim de entrada falsificados. Em consequência deste caso F foi condenada pela prática de um crime de uso de documento falso.
Embora o arguido alegasse não reparar que era falso o documento de identificação exibido por F, a testemunha, guarda policial nº 1XXXXX, alegou notar logo que F estava a usar documento suspeito de ser falso quando a interceptou, pelo que levou-a para a esquadra para investigação.
Efectuada a análise crítica e lógica das declarações do arguido e das testemunhas, considerando-se, sobretudo, as imagens gravadas pela câmara no local de ocorrência do caso, as alegações do arguido são manifestamente contrárias ao facto mostrado pelo CD, ao contrário, o facto alegado pela testemunha F corresponde ao que o CD mostrou, razão pela qual este Tribunal entende que as declarações prestadas pelo arguido não são lógicas e não há prova objectiva que sustente as suas alegações, o que torna incríveis as declarações do arguido. Ao contrário, é acreditável o depoimento da testemunha F porquanto foi sustentado no vídeo gravado.
Quanto à alegação da defesa de não se encontrar na posse do arguido as notas de mil dólares de Hong Kong indicadas no processo, tendo em conta que o arguido foi investigado no dia seguinte ao dia em que ocorreu o caso, havia tempo suficiente e condições para o arguido abordar o suborno, pelo que tal alegação não sustenta a versão da factualidade apresentada pelo arguido.
Nesta conformidade, é suficiente para reconhecer o facto de que na altura o arguido já notou a irregularidade no documento de identificação exibido por F e, depois de receber o dinheiro da mesma, deixou-a ir embora, praticando um acto contrário aos deveres do cargo.
Pelo acima exposto, são dados como provados os factos descritos na acusação, segundo os quais o arguido B agiu livre, voluntaria e conscientemente. Sendo guarda policial, o arguido tinha qualidade de funcionário público mas praticou o referido acto que contraria os seus deveres funcionais, designadamente os deveres de obediência e isenção, exigindo para si e aceitando a vantagem patrimonial indevida acima mencionada como contrapartida do acto e da omissão praticados. Sabia o arguido que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Por conseguinte, é de reconhecer que o arguido cometeu, em autoria material e na forma consumada e dolosa, um crime de “corrupção passiva para acto ilícito”, p.p. pelo artigo 337º, nº 1 do CPM.
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Quanto à determinação da medida da pena, nos termos dos artºs 40º e 65º do Código Penal, o tribunal deve ter em conta a culpa do agente e as exigências de prevenção criminal, atendendo a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente: o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, a intensidade do dolo, os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, as condições pessoais e situação económica do arguido e a conduta anterior ao facto e a posterior a este.
Foram ponderados, neste processo, o grau elevado de ilicitude do facto criminoso, a alta intensidade do dolo do arguido e outras circunstâncias do caso.
Face ao acima exposto, este Tribunal condena o arguido B pela prática de um crime de “corrupção passiva para acto ilícito” na pena de prisão de 2 anos e 3 meses.
Vamos ver a conduta do arguido anterior e posterior ao facto. Apesar de ser delinquente primário, o arguido não se mostrou arrependido, ao contrário, não parou de mentir, o que manifesta que tem maior probabilidade de voltar a cometer crimes. Além disso, o arguido, sendo guarda policial de linha frente, não prestou serviço com atitude firme, cuja conduta prejudicou gravemente a credibilidade da PSP e a confiança da população no poder público. Pelo exposto, concluímos que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, quer de prevenção geral, quer de prevenção especial. Assim sendo, decidimos a execução efectiva da pena aplicada ao arguido (artº 48º do CPM).
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IV. Decisão
(…)”; (cfr., fls. 141 a 146 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformado, o arguido recorreu.
Em sede das conclusões que apresentou a final da sua motivação de recurso afirma que:
“Salvo o devido respeito, o recorrente tem a seguinte opinião sobre a decisão a quo:
I. O acórdão recorrido padece de erro na aplicação de direito
1. Salvo o devido respeito, o recorrente não se conforma com os factos nºs 6 a 11 que foram dados como provados pelo Tribunal a quo.
2. Segundo as declarações do recorrente e de F, o recorrente alegou não notar que o documento de F era falso. E F declarou não ter contado ao recorrente, na altura do caso, que o dito documento era falso, admitindo pensar que o recorrente sabia que tal documento era falsificado.
3. De facto, dos dados constantes de fls. 67 dos autos resultou que só através do aparelho de identificação VSC6000 é que a Autoridade conseguiu verificar a autenticidade dos documentos em causa.
4. Do facto de a testemunha guarda policial nº 1XXXXX conseguir reparar a irregularidade no documento não resulta, necessariamente, que o recorrente tinha notado irregularidade no documento em causa, porquanto eles são dois indivíduos.
5. O guarda policial nº 1XXXXX conseguiu notar a irregularidade no documento, isso tinha a ver com a sua capacidade pessoal e daí formulou um juízo subjectivo, este não vincula o recorrente.
6. Não há dúvida de que, nesta causa, o recorrente, sendo agente policial, não tinha prudência devida, praticando acto contrário ao procedimento de revista normal. No entanto, não podia reconhecer o facto em causa – o recorrente reparou, na altura do caso, que o documento era falsificado (primeira parte do facto provado nº 6) – com base nisso e no facto de outro agente policial conseguir reparar que o documento era falso. É porque o reconhecimento foi feito baseando-se numa lógica errada.
7. De qualquer forma, relativamente ao facto de o recorrente reparar que o documento de F era falsificado, só existe o juízo subjectivo de alguém, não havendo qualquer prova objectiva que sustenta o facto questionado, nem F ouviu, na altura do caso, o recorrente dizer que sabia ser falso o documento.
8. Nesta conformidade, o Tribunal a quo incorreu em erro notório na apreciação da prova por ter dado como provados os factos nº 6 e do facto nº 7 (primeira parte).
9. Caso se verifica dúvida no facto de o recorrente estar ciente de que o documento era falso, torna-se duvidoso o facto de o recorrente ter recebido dinheiro de F no sentido de deixá-la ir-se embora, porquanto os factos neste caso são ligados um a outro.
10. F declarou ter dado HK$4.000 ao recorrente, mas este negou. Apenas F mencionou a quantia de HK$4.000, não havendo qualquer prova que sustenta directamente a sua declaração.
11. Também não se encontra a existência de HK$4.000 no vídeo gravado nem nos objectos apreendidos. As imagens gravadas demonstram somente que F meteu a sua mão no bolso do arguido (cfr. fls. 8 do acórdão). Aparentemente, existe nesta parte dúvida não esclarecida.
12. Porém, o Tribunal a quo acabou por dar como provado o facto de o recorrente ter recebido de F a quantia de HK$4.000, razão pela qual o recorrente entende que há injustiça no reconhecimento do facto em questão, pela qual o Tribunal a quo violou o princípio in dubio pro reo.
13. O Tribunal a quo, por um lado, não conseguiu provar que a quantia de HK$4.000 existia objectivamente, mas por outro lado, deu como provado o facto de que o recorrente tinha recebido a quantia de HK$4.000, pelo que o recorrente entende que há erro notório na apreciação da prova.
14. Em face do exposto, o recorrente deve ser absolvido do crime de “corrupção passiva para acto ilícito” de que foi acusado.
II. Determinação da medida da pena
15. Caso V.Exªs assim não entendam, para assegurar a defesa completa, o recorrente continua a contestar.
16. Salvo o devido respeito, o recorrente não se conforma com a pena determinada pelo Tribunal a quo, a qual é demasiado pesada (excessiva).
17. Referiu o Tribunal de Segunda Instância, “De acordo com os artºs 40º e 65º do CP, a prevenção criminal divide-se em prevenção geral e especial. A primeira visa recuperar e fortalecer, mediante penas, a consciência jurídica do público mediante, assegurando a validade das normas jurídicas violadas e estabilizando as expectativas da comunidade na paz social e segurança pessoal. Além disso, visa proteger os interesses públicos ou particulares prejudicados pelo acto ilícito praticado e prevenir o cometimento de novos crimes. A segunda visa intimidar e punir o autor do crime com a pena, nomeadamente, com a execução da pena, no sentido de que o autor possa tirar lições da condenação e conhecer o prejuízo causado a si próprio pelo seu acto, objectivando que este não volte a praticar novos delitos e possa reinserir-se na sociedade.” (cfr. acórdão no processo 638/2010 do TSI). Portanto, o julgador não pode usar livremente a sua competência de determinar a medida da pena, pois a determinação da pena é uma actividade judicial que é regulada por lei, é a aplicação verdadeira da lei.
18. Assim sendo, nos termos do artº 65º, nº 1 do CPM, o Tribunal a quo, no intuito de satisfazer as necessidades de prevenção criminal, devia ter em conta a reintegração do recorrente na sociedade na determinação da medida da pena.
19. Do acórdão recorrido resultou que o acto do recorrente violou manifestamente a lei, prejudicando deveras a confiança da população no poder público. É de referiu, porém, que esta foi a primeira vez que o recorrente cometeu crime em mais de dez anos como agente policial e, antes disso, era muito trabalhador. Devido à sua avidez o recorrente cometeu o presente caso.
20. Apesar de ter negado em audiência a prática do crime neste processo, o recorrente, desde o início do procedimento de inquérito do presente caso, reconheceu, de novo, a importância de observar a lei e de cumprir rigorosamente o regulamento disciplinar da polícia, determinando não voltar a violar qualquer lei.
21. Além disso, o valor do dinheiro envolvido nesta causa não foi elevado e F também não praticou qualquer acto que prejudicasse os residentes depois de ser libertada pelo recorrente.
22. Pode entender-se que, em relação a outros casos do mesmo tipo, não foi grave a consequência do acto praticado pelo recorrente.
23. É de salientar que o recorrente ficou arrependido do que fez e determinou não cometer novos delitos.
24. O recorrente é o pilar económico da sua família. A prisão dele irá causar dificuldades à sua família.
25. A concessão da suspensão de execução da pena é uma oportunidade ao recorrente para ele comprovar a sua auto-correcção, a capacidade para resistir às tentações e o seu empenho em prestar serviço para a força policial, de modo a reconstituir a confiança dos residentes no poder público.
26. Tal como disse o Tribunal de Segunda Instância na fls. 6 do acórdão no processo nº 788/2010, “não vivemos num mundo vazio. A lei prevê pena menos grave, em função da existência de circunstâncias atenuantes. Tal como as finalidades da punição, a pena de prisão é utilizada em casos de extrema necessidade.”
27. Pode entende-se que a concessão de suspensão da execução da pena pelo período de cinco anos e a imposição de regras de comportamentos ao recorrente podem satisfazer as necessidades da prevenção especial e geral neste tipo de crime cometido pelo recorrente.
28. Face ao exposto, é adequado determinar uma nova pena ao recorrente pela prática de um crime de “corrupção passiva para acto ilícito” e conceder-lhe a suspensão de execução da pena pelo período de cinco anos, bem como lhe impor regras de comportamentos adequadas”; (cfr., fls. 158 a 164).
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Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso merece parcial provimento, admitindo a suspensão da execução da pena; (cfr., fls. 166 a 174).
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Neste T.S.I., juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:
“Submetido a julgamento em processo comum perante tribunal colectivo, foi o ora recorrente B condenado, pela prática de um crime de corrupção passiva para acto ilícito, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão.
Vem interpor recurso do acórdão condenatório, imputando-lhe erro notório na apreciação da prova, com violação do princípio in dubio pro reo – no que é rebatido pela contraminuta do Ministério Público – e erro na determinação da medida da pena e na não suspensão da respectiva execução – aqui com a concordância do Ministério Público em primeira instância.
Vejamos a problemática relativa à apreciação da prova, sendo de salientar, desde logo, que o recorrente traça a sua própria leitura da prova, adoptando uma visão típica de quem tem interesse directo no desfecho do caso. Nomeadamente, refuta ele que, a partir da circunstância de um colega seu haver facilmente detectado a falsidade do salvo-conduto de que F era portadora, se deva concluir que também ele se apercebeu da falsidade do mesmo. Mas é seguro que não foi apenas isso que levou o tribunal a considerar que ele estava a par da falsidade do documento em causa. Então o depoimento de F não vale nada? E a gravação vídeo também não conta? Sobretudo quando a gravação confirma, sem margem para dúvidas, tal depoimento? Até os fotogramas juntos aos autos corroboram grande parte desse depoimento… E o mesmo se diga quanto à questão da recepção do dinheiro. Não é apenas a palavra de F contra a do recorrente. A versão de F é coerente, é corroborada pelo vídeo e mostra-se consentânea com a posterior evolução dos acontecimentos; a versão do arguido, ora recorrente, apresenta-se despida de lógica, assenta em procedimentos que atentam contra as regras de intervenção policial, como o acórdão recorrido fez questão de salientar, e não explica a razão que leva um agente policial que está de serviço num hotel a afastar um cidadão, no caso um turista, para um local onde pode estar mais a recato dos olhares dos transeuntes e a proceder da forma comprometida como procedeu, que as imagens bem documentam. De resto, é perfeitamente irrelevante que o dinheiro não tenha sido encontrado na posse do recorrente, se, como sucedeu, ele não foi revistado em acto seguido à sua obtenção.
O erro notório na apreciação da prova pressupõe que a partir de um facto se extraia uma conclusão inaceitável, que sejam preteridas regras sobre o valor da prova vinculada ou tarifada, ou que se violem as regras da experiência ou as leges artis na apreciação da prova – acórdão do Tribunal de Última Instância, de 4 de Março de 2015, exarado no Processo n.° 9/2015. Em bom rigor, nada disto vem posto em causa. O que acontece é que o recorrente lida com uma apreciação espartilhada da prova, sem levar em conta as regras da lógica, globalidade e coerência que devem presidir à sua apreciação.
Por outro lado, não se vislumbra como chega à conclusão de que não foi respeitado o princípio in dubio pro reo. Da leitura da acta e da fundamentação do acórdão não perpassa situação de dúvida sobre a materialidade factual que se teve por assente e que permitiu a integração da conduta do arguido no ilícito típico por que foi condenado. Não pode o recorrente pretender transferir para o tribunal eventuais dúvidas que a sua leitura pessoal da prova suscite.
O princípio in dubio pro reo, pressupondo a valoração de um non liquet em favor do arguido, só se impõe perante uma situação de dúvida sobre a realidade dos factos constitutivos do crime que lhe é imputado – acórdão do Tribunal de Segunda Instância, de 24 de Julho de 2014, proferido no Processo n.° 311/2014 – situação que está arredada no caso.
Quanto à medida da pena e suspensão hipotética da sua execução, também não se afiguram procedentes os argumentos invocados, não havendo espaço para alterar o que quer que seja.
Observada a medida da culpa, a determinação da medida da pena é feita em função das exigências de prevenção criminal. No caso, apresentam-se elevadíssimas estas exigências. Em matéria de prevenção geral positiva, é por demais conhecida a premência da luta que os poderes instituídos vêm travando, com o amplo apoio da sociedade, em vista da erradicação da corrupção, pelo prestígio, dignidade e genuinidade da função do Estado. Em sede de prevenção especial, não pode deixar de se notar o comportamento do recorrente, algo desaforado e avesso ao esclarecimento dos factos, o que levou o tribunal a considerar que ele não denotou arrependimento, tendo mentido repetidamente, o que não permite afastar a possibilidade de vir a cometer novos ilícitos penais.
Em suma, as necessidades de prevenção criminal, geral e especial, não se compadecem com a impetrada diminuição da pena ou com a suspensão da sua execução.
Soçobra a argumentação do recorrente e improcedem os vícios imputados ao acórdão, que não é merecedor de qualquer censura, pelo que deve negar-se provimento ao recurso”; (cfr., fls. 247 a 248-v).
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Passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão “provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 142-v a 143, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos, (não havendo factos por provar).
Do direito
3. Vem o arguido recorrer do Acórdão que o condenou como autor material e na forma consumada, de 1 crime de “corrupção passiva para acto ilícito”, p. e p. pelo art. 337°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 2 anos e 3 meses de prisão.
Considera que se incorreu em “erro notório na apreciação da prova”, pedindo a redução e suspensão da execução da pena em que foi condenado.
–– Comecemos pelo alegado “erro”.
De forma firme e repetida tem este T.S.I. considerado que: “O erro notório na apreciação da prova apenas existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 26.01.2017, Proc. n.° 776/2016, de 16.02.2017, Proc. n.° 341/2016 e de 09.03.2017, Proc. n.° 947/2016).
Como também já tivemos oportunidade de afirmar:
“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 26.01.2017, Proc. n.° 744/2016, de 23.02.2017, Proc. n.° 118/2017 e 16.03.2017, Proc. n.° 114/2017).
No caso dos autos, não se vislumbra qualquer violação a “regras sobre o valor da prova tarifada”, “regras de experiência” ou “legis artis”.
Pelo contrário, a decisão apresenta-se lógica e em plena conformidade com as “regras de experiência”, tendo o Colectivo a quo explicitado clara e cabalmente o porque da sua decisão, não se tendo incorrido no assacado “erro” e nenhuma censura merecendo.
De facto, as imagens do “encontro do arguido com a ofendida” demonstram que o arguido, por sua iniciativa, interceptou-a à saída do hotel e junto à porta principal deste, encaminhou-a para um local mais “reservado”, pediu e verificou os seus documentos de identificação, e depois de os verificar ficou a falar com a mesma, tendo introduzido, por duas vezes, a sua mão na mala (carteira) da ofendida, e que só depois de esta meter a sua mão no bolso direito do casaco (farda) que o arguido envergava, lhe devolveu os documentos, deixando-a ir embora.
Ora, com base nisto, associado ao facto de a ofendida ter sido posteriormente interceptada e tendo-se detectado que os seus referidos documentos eram falsos, (e que até já foi condenada por posse de documentos falsos), e atento o teor das suas “declarações para memória futura” oportunamente prestadas e lidas em audiência, onde, nomeadamente, descreve o sucedido em termos que confirmar plenamente as imagens do seu encontro com o arguido, esclarecendo a “solicitação” que lhe foi feita e o “pagamento” de HKD$4.000,00 que efectuou ao arguido, afigura-se-nos totalmente razoável concluir como concluiu o Colectivo a quo, proferindo a decisão da “matéria de facto” nos temos que proferiu, e que, não padecendo de qualquer vício, integra os elementos objectivos e subjectivos do crime de “corrupção” pelo qual foi o arguido condenado.
–– Quanto à “pena”.
Nos termos do art. 40° do C.P.M.:
“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.
Por sua vez, e atento o teor art. 65° do mesmo código, onde se fixam os “critérios para a determinação da pena”, tem este T.S.I. entendido que “na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 19.01.2017, Proc. n.° 530/2016, de 09.03.2017, Proc. n.° 180/2017 e 23.03.2017, Proc. n.° 241/2017).
No caso, ao crime pelo recorrente cometido corresponde a pena de 1 a 8 anos de prisão; (cfr., art. 337°, n.° 1 do C.P.M.).
O Tribunal a quo fixou ao arguido ora recorrente a pena de 2 anos e 3 meses de prisão.
E também aqui não merece censura.
A pena encontra-se próxima do seu mínimo legal, (tão só, a 1 ano e 3 meses do seu mínimo legal), e a 5 anos e 9 meses do seu máximo, razões não existindo para se considerar excessiva ou inflaccionada.
Não se olvida que o montante em causa é de (apenas) HKD$4.000,00, porém, agiu o arguido com dolo directo e muito intenso, sendo elevada a ilicitude e desvalor da sua conduta.
Por sua vez, para além da “primo-delinquência”, não se vislumbra qualquer outra circunstância que lhe seja favorável.
E, no caso, sendo este agente da P.S.P., há que referir que pouco valor atenuativo tem, pois que outra coisa não seria de esperar.
–– Quanto à “suspensão da execução da pena”.
Nos termos do art. 48° do C.P.M.:
“1. O tribunal pode suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2. O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3. Os deveres, as regras de conduta e o regime de prova podem ser impostos cumulativamente.
4. A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.
5. O período de suspensão é fixado entre 1 e 5 anos a contar do trânsito em julgado da decisão”.
Nesta conformidade, temos considerado que:
“O artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 26.01.2017, Proc. n.° 840/2016, 09.03.2017, Proc. n.° 103/2017 e de 20.04.2017, Proc. n.° 303/2017).
E, atento o assim consignado, também aqui se nos apresenta que o recurso não merece provimento.
Atento o bem tutelado pelo crime de “corrupção”, muito fortes são as razões de “prevenção criminal, (geral)”.
Como se escreveu no douto Ac. do Vdo T.U.I. de 30.01.2008, Proc. n.° 36/2007:
“Explica A. M. ALMEIDA COSTA, que o bem jurídico protegido que subjaz aos crimes de corrupção passiva repousa na ““dignidade” e “prestígio” do Estado, traduzidos na “confiança” da colectividade na objectividade e na independência do funcionamento dos seus órgãos, como bem jurídico ínsito à corrupção. Numa palavra, o objecto de protecção reconduz-se ao prestígio e à dignidade do Estado, como pressupostos da sua eficácia ou operacionalidade na prossecução legítima dos interesses que lhe estão adstritos”.
O mesmo Autor acrescenta que “ao transaccionar com o cargo, o empregado público corrupto coloca os poderes funcionais ao serviço dos seus interesses privados, o que equivale a dizer que, abusando da posição que ocupa, se “sub-roga” ou “substitui” ao estado, invadindo a respectiva esfera de actividade. A corrupção (própria e imprópria) traduz-se, por isso, numa manipulação do aparelho de estado pelo funcionário que, assim, viola a autonomia intencional do último, ou seja, em sentido material, infringe as exigências de legalidade, objectividade e independência que, num Estado de direito, sempre têm de presidir ao desempenho das funções públicas”.
E CLÁUDIA SANTOS acentua que “o que o legislador pretende evitar com a incriminação da corrupção é sobretudo a criação da mera possibilidade de actuação, por parte do agente público, de acordo com critérios outros que não os estritamente objectivos. Quando solicita ou aceita o recebimento de um suborno, o funcionário ou titular de cargo político fica de imediato com a sua imparcialidade prejudicada. Independentemente da prática de qualquer acto, a sua autonomia intencional está já condicionada”.
Na síntese de F. L. COSTA PINTO “o bem jurídico tutelado por todas as incriminações da corrupção é a “legalidade da administração”, um valor constitucional e uma vertente do Estado de direito, mas igualmente um bem instrumental relativamente ao relacionamento de qualquer cidadão com o Estado”.
Com efeito, o desempenho de funções públicas tem de se pautar por exigências de estrita legalidade, objectividade e independência, que o funcionário infringe ao colocar os poderes funcionais que lhe são reconhecidos ao serviço dos seus interesses privados, transaccionado com o cargo ou função que desempenha. Daí que se diga que o bem protegido no crime de “corrupção” seja a “legalidade da actuação dos agentes públicos”, a quem está interdito mercadejar com o cargo; (sobre o tema, cfr., o trabalho de mestrado de Mafalda Matos, sob o tema “O Direito Premial no Combate ao crime de corrupção”, U.C.P. Lisboa, 2013).
E, dito isto, afigura-se-nos inegável que o crime de “corrupção” adquiriu uma (muito) forte ressonância negativa na consciência comunitária.
A necessidade de salvaguardar a confiança dos cidadãos numa administração pública que sirva com neutralidade, objectividade e eficácia os interesses gerais, (públicos e comuns), reclama uma sanção penal qual dê um sinal claro de “intransigência” perante os crimes relacionados com “abusos de funções públicas” como a “corrupção”, o “abuso de poder” e todas as outras formas de exercício ilegal de funções públicas.
Não pode pois ser um “crime de baixo risco e alto rendimento”, havendo antes que ser um “crime de alto risco e firme punição”.
Por sua vez, para além disso, no caso, a “postura processual do arguido”, também não propicia um “juízo de prognose favorável”.
Não se nega que lhe assiste, (totalmente), o legítimo direito de “negar os factos pelos quais está acusado”, (e até de mentir em julgamento), porém, e como se mostra evidente, tal postura processual inviabiliza uma eventual consideração quanto à sua consciencialização e reconhecimento do desvalor e do “mal” cometido com o crime e quanto a um arrependimento em relação à sua conduta, tornando, também desta forma, inadequada uma decisão favorável à pretendida suspensão da execução da pena.
Tudo visto, resta decidir.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.
Pagará o arguido a taxa de justiça de 8 UCs.
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 08 de Junho de 2017
(Relator)
José Maria Dias Azedo
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng
(Segunda Juiz-Adjunta)
Tam Hio Wa
Proc. 310/2017 Pág. 36
Proc. 310/2017 Pág. 1