Processo nº 399/2017 Data: 22.06.2017
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime de “furto qualificado (na forma tentada)”.
Suspensão da execução da pena.
SUMÁRIO
1. O artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime.
O relator,
______________________
José Maria Dias Azedo
Processo nº 399/2017
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. B (B), arguido com os restantes sinais dos autos, vem recorrer do Acórdão do T.J.B. que o condenou como autor material da prática de 1 crime de “furto qualificado (na forma tentada)”, p. e p. pelo art. 198°, n.° 2, al. a) do C.P.M., na pena de 1 ano e 6 meses de prisão; (cfr., fls. 59 a 62-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
*
Inconformado, o arguido recorreu para, em síntese, dizer (tão só) que a pena lhe devia ser suspensa na sua execução; (cfr., fls. 67 a 70).
*
Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 72 a 76-v).
*
Neste T.S.I., juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:
“Na Motivação de fls.67 a 70 de autos, o recorrente solicitou a suspensão da execução da pena de um ano e seis meses de prisão aplicada no acórdão em escrutínio, assacando-lhe o vício de violação do disposto no art.48.° do CPM.
Antes de mais, subscrevemos as criteriosas explanações da ilustre Colega na douta Resposta (cfr. fls.72 a 76 verso), no sentido da improcedência do recurso em apreço.
*
O n.°1 do art.48° do CPM revela que a suspensão da pena de prisão depende do preenchimento cumulativo de 2 pressupostos: o formal traduz em a pena aplicada não ser superior a 3 anos; e o material consubstancia-se na razoável conclusão (do julgador) de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam, adequada e suficientemente, as finalidades da punição. E à luz deste comando legal, tal conclusão tem de angular-se em apreciação e valorização prévias, de índole prudente e prognóstico, de personalidade do agente, das condições da sua vida, da conduta anterior e posterior ao crime e das circunstâncias deste.
Interessa ter na mente que mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao infractor, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão, não será decretada a suspensão se a ela se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção do crime. (Acórdãos do TSI nos Processos n.°242/2002, n.°190/2004 e n.°192/2004)
No caso sub judice, importa ter presente que não obstante ser primário, o recorrente agiu com dolo directo e com conhecimento do elevado valor dos dois relógios, negou a prática do facto por si cometido, e não mostrou arrependimento. Tudo isto faz razoavelmente sentir e prever que a suspensão da execução não é consentida pelas finalidades da punição.
Nesta linha de perspectiva, e sem prejuízo do respeito pela opinião diferente, inclinamos a entender que a douta sentença posta em crise não merece censura alguma, e o recurso mostra manifestamente descabido e deve cair por vão”; (cfr., fls. 86 a 86-v).
*
Cumpre decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão “provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 60, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos, não havendo factos por provar.
Do direito
3. Vem o arguido recorrer do Acórdão que o condenou como autor material da prática de 1 crime de “furto qualificado (tentado)”, p. e p. pelo art. 198°, n.° 2, al. a) do C.P.M., na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, afirmando que se lhe devia decretar a “suspensão da execução da pena”.
Sendo tão só esta a questão colocada, e censura não merecendo a decisão da matéria de facto e a sua qualificação jurídica como a prática do dito crime de “furto qualificado na forma tentada”, vejamos.
Nos termos do art. 48° do C.P.M.:
“1. O tribunal pode suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2. O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3. Os deveres, as regras de conduta e o regime de prova podem ser impostos cumulativamente.
4. A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.
5. O período de suspensão é fixado entre 1 e 5 anos a contar do trânsito em julgado da decisão”.
Tratando de idêntica matéria teve já este T.S.I. oportunidade de consignar que:
“O artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 26.01.2017, Proc. n.° 840/2016, 09.03.2017, Proc. n.° 103/2017 e de 20.04.2017, Proc. n.° 303/2017).
O instituto da suspensão da execução da pena baseia-se numa relação de confiança entre o Tribunal e o condenado. Aquele convence-se, em juízo de prognose favorável, que o arguido, sentindo a condenação, é capaz de passar a conduzir a sua vida de modo lícito e adequado, acreditando ainda que o mesmo, posto perante a censura do facto e a ameaça da pena, é capaz de se afastar da criminalidade; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 16.06.2016, Proc. n.° 254/2016, de 19.01.2017, Proc. n.° 530/2016 e de 06.04.2017, Proc. n.° 201/2017).
Como decidiu o T.R. de Guimarães:
“I) As razões que estão na base do instituto da suspensão da execução da pena radicam, essencialmente, no objectivo de afastamento das penas de prisão efectiva de curta duração e da prossecução da ressocialização em liberdade.
II) Por isso, se conclui sempre que, desde que seja aconselhável à luz de exigências de socialização, a pena de substituição só não deverá ser aplicada se a opção pela execução efectiva de prisão se revelar indispensável para garantir a tutela do ordenamento jurídico ou para responder a exigências mínimas de estabilização das expectativas comunitárias”; (cfr., o Ac. de 11.05.2015, Proc. n.° 2234/13).
Considerava também Jescheck que: “o tribunal deve dispor-se a correr um risco aceitável, porém se houver sérias dúvidas sobre a capacidade do réu para aproveitar a oportunidade ressocializadora que se lhe oferece, deve resolver-se negativamente a questão do prognóstico”; (in, “Tratado de Derecho Penal”– Parte General – Granada 1993, pág. 760, e, no mesmo sentido, o Ac. da Rel. de Lisboa de 05.05.2015, Proc. n.° 242/13, in “www.dgsi.pt”).
No caso dos autos, o arguido encontrava-se em Macau como turista, cometendo o crime dos autos numa “ourivesaria”, pretendendo apoderar-se de 2 relógios no valor de HKD$228.000,00 cada um, após pedir para os ver, simulando uma compra, apenas não o conseguindo porque foi interceptado e impedido de concretizar os seus intentos à saída do estabelecimento.
Considerando tratar-se de um tipo de crime que com alguma frequência vem sendo cometido, registando aumentos, fortes são as necessidades de prevenção criminal, necessária sendo alguma firmeza na sua reacção penal, inviável se mostrando assim de se considerar que verificados estão os pressupostos para a pretendida suspensão da execução da pena.
Nesta conformidade, e outra questão não havendo a apreciar, resta decidir.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.
Pagará o arguido a taxa de justiça de 4 UCs.
Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 22 de Junho de 2017
(Relator)
José Maria Dias Azedo
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng
(Segunda Juiz-Adjunta)
Tam Hio Wa
Proc. 399/2017 Pág. 12
Proc. 399/2017 Pág. 1