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Processo nº 132/2017
Data do Acórdão: 29JUN2017


Assuntos:

Acidente de trabalho
Liquidez dos créditos
Juros de mora


SUMÁRIO

1. Os juros de mora visam indemnizar o credor pelo retardamento, imputável ao devedor, no cumprimento de uma prestação pecuniária.

2. É líquido, para o efeito da mora, o crédito reclamado pelo Autor sinistrado na petição inicial, se:

i. a Ré, enquanto devedora, no momento da citação, já dispõe de todos os elementos necessários para saber que os valores da indemnização pela incapacidade temporária absoluta (ITA), da indemnização pela incapacidade parcial permanente (IPP) e da prestação complementar a que se refere o artº 48º do Decreto-Lei nº 40/95/M, são todos determináveis, senão determinados em função dos critérios definidos na lei (ou seja, nos artºs 47º/1-a), c)-4º, d), e 3-a), 48º e 54º/1-a) do Decreto-Lei nº 40/95/M, que estabelecem a forma dos cálculos dos valores das indemnizações pelas apontadas incapacidades), cuja aplicação depende apenas da comprovação dos factos alegados pelo Autor sinistrado e demonstrativos da ocorrência do acontecimento qualificável como acidente de trabalho, da existências das lesões sofridas pelo Autor sinistrado, do nexo da causalidade entre o acontecimento e as lesões, do valor da retribuição-base diária auferida pelo Autor sinistrado, do número dos dias da incapacidade temporária absoluta, e do grau da desvalorização da capacidade de ganho de que sofre por causa do acontecimento; e

ii. o tal crédito acabar por ser reconhecido na íntegra pelo Tribunal.

3. Face ao disposto no artº 794º/1 e 4 do CC, é efeito material da citação a constituição do devedor em mora se no momento da citação os créditos reclamados pelo Autor sinistrado já se tornaram líquidos.


O relator


Lai Kin Hong


Processo nº 132/2017

I

Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM

No âmbito dos autos da acção de processo especial do trabalho (acidente de trabalho), intentada por A, representado pelo Ministério Público, contra a B Insurance (Hong Kong) Limited, registada sob o nº LB1-14-0131-LAE, e correu os seus termos no Juízo Laboral do Tribunal Judicial de Base, foi proferida a seguinte sentença julgando totalmente procedente a acção:
一、 概要
  原告A(A),男性,持第…居民身份證,居住於…『XX長者綜合服務中心』,由C作為本案的特別保佐人﹝持第…號澳門居民身份證,居住於…,且由檢察院依職權代理
  針對
  被告B保險(香港)有限公司﹝B INSURANCE (HONG KONG) LIMITED﹞,於澳門的常設辦事處位於…
  提起為實現工作意外所生的權利而提起的訴訟程序。
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  原告請求裁定原告勝訴,並判處被告向原告支付:
1. 澳門幣128,177.80元,作為因治療本案工作意外傷患而產生的醫療費用;
2. 澳門幣169,035.56元,作為因本案工作意外遭受的暫時絕對無能力的賠償;
3. 澳門幣700,224.00元,作為因本案工作意外遭受長期部份無能力的賠償;
4. 澳門幣350,112.00元,作為因本案工作意外遭受傷患而需要第三者長期照顧的補充性給付;以及
5. 由傳喚日直至完全清償為止的已到期及將到期的法定利息。
  原告附同起訴狀提交了卷宗第117至127頁之文件。
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  在傳喚被告後,其作出答辯,有關答辯狀載於卷宗第139至144頁,為著有關效力在此視為獲完全轉錄。
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   在依法進行辯論及審判之聽證後,本院現對案件作出審理。
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二、 訴訟前提
  本院對此案有事宜、地域及審級管轄權,且訴訟形式恰當。
  各方當事人具備當事人能力、訴訟能力及正當性,且獲適當訴訟代理。
  沒有妨礙審理案件實質問題之無效、抗辯及先決問題。
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三、 事實理由
  經辯論及審判之聽證後,本案以下事實被視為獲得證實:
­ 原告為『XX渡假村(澳門)股份有限公司』的僱員,職位為保安員,每月基本回報為澳門幣10,420.00元。(A)
­ 原告在意外後隨即被送往仁伯爵綜合醫院治療及進行手術。(B)
­ 原告於調查基礎內容第2點之答覆中所述傷患的傷殘率“長期部分無能力”為70%,而“暫時絕對無能力”期間為730日。(B-1)
­ 原告的僱主已向被告購買了勞工保險,保險單編號是…(卷宗第37頁,保險單內容及條款在此視為完全轉錄)。(C)
­ 原告從未獲支付因治療本案意外傷患產生的所有醫療費用,合共澳門幣128,177.8元。(D)
­ 原告亦未獲支付所有暫時絕對無能力的損害賠償。(E)
­ 原告未獲支付任何長期部份無能力賠償。(F)
­ 原告因本案意外導致的傷患,至今一直處於左側肢體完全癱瘓的長期部份無能力狀態,需輪椅輔助行走以及出現精神異常,日常生活不能自理及需要全面護理照顧,為此,自2014年03月15日起轉往『XX長者綜合服務中心』入住,必需長期由院舍照顧日常起居及治療。(G)
­ 原告至今亦沒有獲支付因其上述傷患而必需由第三者長期照顧的補充性給付。(H)
­ 原告於1958年01月05日出生,於意外發生之日為55歲。(I)
­ 於2013年02月16日下午約03時,按照僱主的指示和命令,原告於工作地點XX娛樂場失物認領處工作,期間在前往廁所途中因失去平衡跌倒地上,身體向後方傾倒頭部右後方先落地,導致頭部撞擊地面受傷並隨即失去意識。(1º)
­ 原告因上述意外導致遭受頭部外傷,包括左側顱骨骨折、硬膜外血腫、蛛網膜下腔出血、腦挫傷併出血及硬膜下血腫,並導致遭受左側癱瘓、語言緩慢、頭顱畸形及腦組織外傷後病灶之後遺症。(2º)
­ No dia 16 de Fevereiro de 2013, e antes de ocorrer o acidente, o Autor começou a sentir mal. (4º)
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四、 法律理由
  4.1 工作意外
  根據第40/95/M號法令第2條第1款規定,在任何行業提供服務之勞工,享有本法規所規定之對工作意外及職業病所引致之損害之彌補權。
  根據同一法令第3條a)項之規定,工作意外—指在工作地點及工作時間內發生且直接或間接造成身體侵害、機能失調或疾病,並由此而引致死亡、暫時或長期無工作能力或謀生能力之意外。
  根據同一法令第8條規定,意外受害人如易感染疾病,不妨礙其享有完全之彌補權,但如上指之身體狀況為引致侵害或疾病之唯一原因或被故意隱瞞者除外。
  案中,根據上述已證事實,原告是在工作地點、工作時間並在進行工作的過程中受傷而遭受頭部外傷,包括左側顱骨骨折、硬膜外血腫、蛛網膜下腔出血、腦挫傷併出血及硬膜下血腫,並導致遭受左側癱瘓、語言緩慢、頭顱畸形及腦組織外傷後病灶之後遺症,該侵害導致原告遭受暫時及長期無能力,同時,案中無法證實原告患有原發性疾病且前者作為上述傷患或侵害的唯一原因,因此,原告所受的事故應被認定為工作意外。
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  4.2 賠償責任
  根據同一法令第4條及第62條規定,工作意外之責任應由僱主實體承擔,而透過有關的強制保險,僱主實體的上述責任轉移予保險人。
  在本案,根據上述已證事實,原告的僱主實體為XX渡假村(澳門)股份有限公司,而涉案工程已獲XX渡假村(澳門)股份有限公司購買工作意外保險,且該保險覆蓋原告之工作意外。因此,被告須承擔由上述僱主實體向其轉移的工作意外之責任。
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  4.3 賠償範圍及金額
  根據第40/95/M號法令第27條規定,因工作意外而生的賠償責任包括特定給付及金錢給付。
  同一法令第28條規定,特定給付包括:a)一般或專門之醫療及外科療理,包括必要之診斷及治療; b)藥物療理; c)護士護理; d)入住醫院; e)提供、更新或維修假體及矯形器具; f)機能康復等等。
  根據同一法令第46條規定,金錢給付包括:a)對絕對或部分暫時無工作能力之損害賠償;b)屬長期無能力之情況,對相應於工作能力或謀生能力下降程度之損害賠償等等。
  根據同一法令第48條規定,遭受長期無能力的遇難人,如因侵害或疾病導致必須由第三者長期照顧,則還有權收取相當於上述長期無能力賠償50%的補充性給付。
  案中,根據案中已證事實,原告因工作意外引致有關的醫療費用、暫時絕對無能力、長期部份無能力及補充性給付。
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  關於特定給付方面,根據案中已證事實,原告為治療工作意外遭受的傷患而產生的尚欠醫療費用合共澳門幣128,177.8元,因此,被告須向原告賠償前述金額之醫療費用。
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  關於暫時絕對無能力方面,根據第40/95/M號法令第47條第1款a)項及第54條第1款a)項規定,因工作意外對受害人造成的暫時絕對無能力,受害人有權獲得相當於工作報酬基本回報的三分之二的損害賠償,計算公式如下:
暫時絕對無能力賠償=日工作報酬 x暫時絕對無能力天數 x 2/3。
  案中,原告的報酬為月薪澳門幣10,420元,暫時絕對無能力期間為730日,故其有權收取澳門幣169,035.56元(澳門幣10,420元 / 30日x 730日 x 2/3)之賠償。
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  關於長期部份無能力方面,根據第40/95/M號法令第47條第1款c)項4目、d)項、第3款a)項及第54條第1款a)項規定,因工作意外對受害人造成的長期部份無能力,受害人有權按無能力減值百分比獲得因應其年齡而定的倍數的每月基本報酬。
  案中,原告於工作意外之時為55歲,因此其有權按無能力減值百分比獲得96倍之每月基本報酬,其公式如下:
  長期部份無能力賠償(55歲)= 每月基本報酬 x 96倍 x 減值百分比。
  根據案中已證事實,原告的報酬為月薪澳門幣10,420元,且其長期無能力之減值百分比為70%,因此,原告有權收取澳門幣700,224元(澳門幣10,420元 x 96 x 70%)之長期部份無能力之損害賠償。
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   關於補充性給付方面,由於本案證實原告因本案意外而遭受之傷患,使其日常生活不能自理及須他人長期照顧,因此,原告有權收取相當於有關長期無能力賠償50%之補充性給付澳門幣350,112元(澳門幣700,224元x50%)。
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  4.4 遲延利息
  本案涉及的賠償責任源自風險責任,在債務人被催告履行債務之日,其因歸責自己的原因仍未履行債務,即構成債務人延遲。屬債務人延遲時,債務人應對債權人作出利息損害賠償。起息日為構成延遲之日。若當事人無利率約定,利率為法定利率。
  由於本案的賠償(合共澳門幣1,347,549.36元)屬於已結算之債權,所以被告收到法院傳喚後未履行支付賠償的責任,即日便構成延遲,因而須對原告支付利息損害賠償。延遲利息自收到傳喚之日起計,以法定利率計算,直至實質地支付全部賠償。
  *
五、 決定
  綜上所述,本院裁定原告訴訟理由全部成立,判處被告B保險(香港)有限公司﹝B INSURANCE (HONG KONG) LIMITED﹞向原告A(A)支付澳門幣1,347,549.36元,以及自傳喚日至完全清償為止之法定利息。
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  訴訟費用由被告承擔。
  作出登錄及通知。

Não se conformando com a sentença, veio a ré recorrer concluindo e pedindo que:
1. Cinge-se o objecto do presente recurso à decisão que condenou a Ré a pagar ao Autor a indemnização no montante de MOP$1.347.549.36 acrescida dos juros de mora contados desde a citação até integral e efectivo pagamento.
2. No entendimento da Recorrente, mal andou o douto Tribunal a quo ao condená-la no pagamento dos juros de mora contados desde a data da citação, pois os mesmos só se começam a contar a partir da data da liquidação da indemnização, ou seja, data em que a sentença foi proferida.
3. Estabelece o n.º 4 do art.º 794.º do Código Civil que se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto este não se tornar líquido.
4. A data da citação a indemnização não estava definitivamente fixada.
5. A Recorrente impugnou tratar-se de acidente de trabalho, conforme decorre do auto de conciliação e da contestação por si apresentada, tendo disputado não só o facto de se tratar de um acidente de trabalho, como as incapacidades permanente parcial e temporária absoluta atribuídas ao Autor, conforme lhe permite a lei.
6. Não é pelo facto de ter sido citada para a acção onde se reclamou a sua condenação no pagamento da indemnização de MOP$1.347.549.36, acrescida dos juros de mora, contados à taxa legal, desde a citação até integral e efectivo pagamento, que se torna automaticamente liquidada a indemnização e, por conseguinte, vinculada a Recorrente ao seu pagamento.
7. Só após o trânsito em julgado da decisão que determinou a sua responsabilidade e a condenou a pagar a indemnização, é que se começam a contar os juros de mora.
8. O Tribunal de Segunda Instância decidiu no Processo n.º 263/2011, que “não se afigura ser adequada a sentença recorrida que optou a data de citação como momento determinante da constituição da mora, devendo a mesma ser reparada em conformidade com o que foi agora consignado” - ou seja, a contagem de juros de mora desde a data da decisão que liquide a obrigação.
9. É este o entendimento da nossa jurisprudência, como se pode ver dos acórdãos proferidos pelo TSI, nos Processos n.os 263/2011 e 631/2010, datados, respectivamente de 16/06/2011 e 17/11/11, que se pautaram, ambos, pelo douto Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, proferido pelo Tribunal de Última Instância no Processo 69/2010, de 2 de Março de 2011.
10. O citado Acórdão proferido no Proc. n.º 69/2011 fixou a seguinte jurisprudência, obrigatória para os tribunais: “A indemnização pecuniária por facto ilícito, por danos patrimoniais ou não patrimoniais, vence juros de mora a partir da data da decisão judicial que fixa o respectivo montante, nos termos dos artigos 560.º, n.º 5, 794.º, n.º 4 e 795.º, n.os 1 e 2 do Código Civil, seja sentença de 1.ª Instância ou de tribunal de recurso ou decisão na acção executiva que liquide a obrigação.”
11. A douta sentença violou os artigos 794.° e 795.° ambos do Código Civil.
  Nestes termos deve o presente recurso ser considerado procedente, por provado, revogando-se a decisão, que deve ser substituída por outra que condene a Recorrente no pagamento dos juros de mora, nos termos da jurisprudência obrigatória fixada pelo douto Acórdão proferido pelo Tribunal de Última Instância no Proc. 69/2011, por ser de JUSTIÇA.

Notificado o Autor ora recorrido, nos autos representado pelo Ministério Público, respondeu pugnando pela improcedência do recurso (vide as fls. 224 a 228 dos p. autos).

II

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, ex vi do artº 115º/1 do CPT, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

Assim, de acordo com as conclusões tecidas na minuta do recurso interposto pela Ré B Insurance (Hong Kong) Limited, a recorrente limita-se a questionar a sentença na parte da condenação respeitante ao momento inicial para a contagem dos juros de mora.

Portanto é esta a única questão que constitui o objecto da nossa apreciação.

Então vejamos.

Conforme se vê na sentença recorrida, a Ré foi condenada no pagamento ao Autor sinistrado, a quantia de MOP$169.035,56, a título de indemnização pela incapacidade temporária absoluta (ITA), a quantia de MOP$700.224,00, a título de indemnização pela incapacidade parcial permanente (IPP), e a quantia de MOP$350.112,00, a título de prestação complementar a que se refere o artº 48º do Decreto-Lei nº 40/95/M, a todas as quantias essas que se acrescem os juros de mora à taxa legal a contar desde a data de citação e até ao integral pagamento.

Não se conformando apenas com o momento, fixado na sentença recorrida, em que se inicia a contagem dos juros de mora, a Ré vem agora impugnar esta parte da sentença defendendo que os juros de mora devem ser computados a partir da data da sentença em que se liquidou a obrigação de indemnização.

E para sustentar a sua tese, a recorrente citou o Douto Acórdão para a fixação da jurisprudência tirado no processo nº 69/2010, em 02MAR2011.

Assim, a boa solução a ser dada a essa única questão suscitada pela aqui recorrente consistirá em saber se as quantias reclamadas pelo Autor e arbitradas na sentença recorrida se liquidaram já no momento da instauração da acção ou só se fixaram com a prolação da sentença de 1ª instância.

Na sentença recorrida, o Tribunal a quo entende que o momento, a partir do qual se devem contar os juros de mora é o momento em que fica a Ré constituída em mora por não ter efectuado o cumprimento de obrigação de indemnização no tempo devido por causa que lhe é imputável.

Como se sabe, os juros de mora visam indemnizar o credor pelo retardamento, imputável ao devedor, no cumprimento de uma prestação pecuniária – artº 793º do CC.

Nos termos do artº 794º/1 e 4 do CC, o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir e todavia, não há mora se o crédito não estiver ainda líquido.

Compreende-se perfeitamente a razão de ser da norma, pois se o crédito não estiver ainda líquido por razões que lhe não sejam imputáveis, o devedor, por mais responsável ou cumpridor da lei que seja, não poderá cumprir a sua obrigação pecuniária cujo quantum desconhece.

In casu, a recorrente entende que mal andou o douto Tribunal a quo ao condená-la no pagamento dos juros de mora contados desde a data da citação, pois os mesmos só se começam a contar a partir da data da liquidação da indemnização, ou seja, data em que a sentença foi proferida, uma vez que não é pelo facto de ter sido citada para a acção onde se reclamou a sua condenação no pagamento da indemnização de MOP$1.347.549.36, acrescida dos juros de mora, contados à taxa legal, desde a citação até integral e efectivo pagamento, que se torna automaticamente liquidada a indemnização e, por conseguinte, vinculada a Recorrente ao seu pagamento, mas sim é preciso que o valor da indemnização tenha sido já previamente líquido no momento da citação.

E como ela contestou a acção impugnando não só a qualificação do acontecimento ocorrido como acidente de trabalho, como também as incapacidades permanente parcial e temporária absoluta atribuídas ao Autor nos exames periciais.

Portanto, na óptica da recorrente, não se encontrando líquido o valor da indemnização reclamado no momento da citação, ela não fica constituída em mora desde a citação e os juros de mora só se devem contar a partir da sentença em que se fixa o valor a pagar.

Ao que parece, a recorrente quer dizer que o valor de indemnização não é líquido por ter sido contestada a acção.

Não é de acolher essa tese tão simplicista.

A propósito do que se deve entender por (i)liquidez de uma dívida, podemos citar aqui, a título de jurisprudência no direito comparado, o Acórdão do STJ de Portugal, tirado no proc. 621/06.8TAPRG.P1.S1, em 21JAN2016, onde se destaca:

“……, na esteira de Antunes Varela, que a obrigação ilíquida é aquela cuja existência é certa, mas cujo montante ainda não está fixado ou apurado. Porém a indeterminação do valor da obrigação – sendo, por isso, uma obrigação ilíquida – não se pode confundir com o desacordo sobre tal valor, já que a essência do conceito de iliquidez é a circunstância de as partes – ou pelo menos o devedor – desconhecerem esse valor por não disporem ainda de todos os elementos que são necessários ao seu apuramento.

Efectivamente, se o valor da obrigação é determinado e determinável em função de critérios, factos ou circunstâncias previamente definidos, que são do conhecimento das partes, não existirá qualquer obrigação ilíquida e a mera circunstância de inexistir acordo acerca desse valor – porquanto não estão de acordo quanto à verificação (ou não) dos factos (pré-existentes) que servem de base ao apuramento daquele valor – não é suficiente para alterar para ilíquida uma obrigação cujo valor não depende de quaisquer outros factos (que ainda não tenham ocorrido ou não sejam do conhecimento de alguma ou de ambas as partes) ou de operações que ainda não tenham sido efectuadas.

Se a indefinição do valor da obrigação tem na sua génese uma divergência ou desacordo das partes relativamente à verificação ou interpretação dos factos ou circunstâncias que, alegadamente, teriam sido previamente estabelecidos, não existe uma obrigação ilíquida; a mesma indefinição será resolvida tendo como instrumento a prova (ou não) desses factos ou pressupostos pré-existentes, não existindo necessidade de apurar quaisquer outros factos adicionais ou de proceder a qualquer outra operação.

Consequentemente, estamos perante uma obrigação ilíquida quando a indefinição do valor da obrigação resulta da circunstância de não terem ainda ocorrido ou serem desconhecidos de alguma das partes algum ou alguns dos factos que são necessários para o apuramento e conhecimento desse valor. Como se refere no Acórdão deste STJ de 29/11/2005 “Não é pelo simples facto de ser controvertido o montante da dívida que ela se torna ilíquida, isto é, de montante incerto e por isso desconhecido do devedor”; “Para efeito da aplicação do princípio in illiquidis non fit mora constante da 1ª parte do nº3º do art. 805º C.Civ. só releva a iliquidez objectiva, e esta só se verifica quando o devedor não estiver em condições de saber quanto deve”; “O princípio referido não tem cabimento quando, dispondo o devedor dos elementos necessários para saber o montante do seu débito, ocorra, afinal, iliquidez tão só aparente ou subjectiva”;......”

Para nós, é de acolher a doutrina consubstanciada nesse Acórdão por ser judiciosa e pertinente à boa solução do caso em apreço.

Aplicando-a ao caso sub judice, temos que no momento da citação, a Ré, enquanto devedora, já dispõe dos elementos necessários para saber que os valores da indemnização pela incapacidade temporária absoluta (ITA), da indemnização pela incapacidade parcial permanente (IPP) e da prestação complementar a que se refere o artº 48º do Decreto-Lei nº 40/95/M, são todos determináveis, senão determinados em função dos critérios definidos na lei (ou seja, nos artºs 47º/1-a), c)-4º, d), e 3-a), 48º e 54º/1-a) do Decreto-Lei nº 40/95/M, que estabelecem a forma dos cálculos dos valores das indemnizações pelas apontadas incapacidades), cuja aplicação depende apenas da comprovação dos factos alegados pelo Autor sinistrado e demonstrativos da ocorrência do acontecimento qualificável como acidente de trabalho, da existência das lesões sofridas pelo Autor sinistrado, do nexo da causalidade entre o acontecimento e as lesões, do valor da retribuição-base diária auferida pelo Autor sinistrado, do número dos dias da incapacidade temporária absoluta, e do grau da desvalorização da capacidade de ganho de que sofre.

A Ré só não está de acordo quanto à verificação de alguns desses factos (pré-existentes) que servem de base ao apuramento daquele valor.

Portanto, in casu, a dívida pecuniária reclamada, cujo valor já calculado pelo Autor na petição inicial da acção, deve considerar-se líquida, pois, no momento da citação da Ré, devedora, ora recorrente, para a pagar, inexistirem quaisquer situações da indeterminabilidade do seu valor, resultante da circunstância de não terem ainda ocorrido alguns dos factos indispensáveis ao cálculo do seu valor.

Chegamos aqui, em princípio já podemos afirmar que são líquidos os créditos reclamados pelo Autor já no momento da instauração da presente acção.

Todavia, se, mesmo assim, não pudermos ainda ficar descansados, cremos que já nos deixa tranquilos a circunstância de os valores concretamente calculados e peticionados pelo Autor acabarem por ser comprovadamente reconhecidos na íntegra na sentença final da primeira instância.

Assim sendo, in casu, pelo menos no momento da citação, em que os créditos reclamados já se tornaram líquidos, a Ré já fica constituída em mora, face ao disposto no artº 794º/1 e 4 do CC, à luz dos quais o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir e se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor.

Finalmente, como a recorrente citou o Douto Acórdão do TUI para a uniformização da jurisprudência tirado no processo nº 69/2010 em 02MAR2011, não podemos deixar de tecer algumas considerações apontando a impertinência da citação desse douto Acórdão.

Se é certo que nesse Acórdão para a fixação da jurisprudência obrigatória foi determinado que “a indemnização pecuniária por facto ilícito, por danos patrimoniais ou não patrimoniais, vence juros de mora a partir da data da decisão judicial que fixa o respectivo montante, nos termos dos artigos 560.º, n.º 5, 794.º, n.º 4 e 795.º, n. os 1 e 2 do Código Civil, seja sentença de 1.ª Instância ou de tribunal de recurso ou decisão na acção executiva que liquide a obrigação.”, não é menos verdade que a Douta jurisprudência obrigatória foi fixada no contexto de que no momento da citação não houve ainda a liquidação prévia do crédito reclamado, o que obviamente não sucedeu in casu.

É portanto impertinente a citação dessa Douta jurisprudência obrigatória.

Em conclusão:

4. Os juros de mora visam indemnizar o credor pelo retardamento, imputável ao devedor, no cumprimento de uma prestação pecuniária.

5. É líquido, para o efeito da mora, o crédito reclamado pelo Autor sinistrado na petição inicial, se:

i. a Ré, enquanto devedora, no momento da citação, já dispõe de todos os elementos necessários para saber que os valores da indemnização pela incapacidade temporária absoluta (ITA), da indemnização pela incapacidade parcial permanente (IPP) e da prestação complementar a que se refere o artº 48º do Decreto-Lei nº 40/95/M, são todos determináveis, senão determinados em função dos critérios definidos na lei (ou seja, nos artºs 47º/1-a), c)-4º, d), e 3-a), 48º e 54º/1-a) do Decreto-Lei nº 40/95/M, que estabelecem a forma dos cálculos dos valores das indemnizações pelas apontadas incapacidades), cuja aplicação depende apenas da comprovação dos factos alegados pelo Autor sinistrado e demonstrativos da ocorrência do acontecimento qualificável como acidente de trabalho, da existências das lesões sofridas pelo Autor sinistrado, do nexo da causalidade entre o acontecimento e as lesões, do valor da retribuição-base diária auferida pelo Autor sinistrado, do número dos dias da incapacidade temporária absoluta, e do grau da desvalorização da capacidade de ganho de que sofre por causa do acontecimento; e

ii. o tal crédito acabar por ser reconhecido na íntegra pelo Tribunal.

6. Face ao disposto no artº 794º/1 e 4 do CC, é efeito material da citação a constituição do devedor em mora se no momento da citação os créditos reclamados pelo Autor sinistrado já se tornaram líquidos.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência negar provimento ao recurso, mantendo na íntegra a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Notifique.

RAEM, 29JUN2017

Lai Kin Hong

João A. G. Gil de Oliveira

Ho Wai Neng
Ac. 132/2017-1