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Processo nº 235/2017
(Autos de recurso cível)

Data: 29/Junho/2017

Assuntos: Marca
      Susceptibilidade de registo

SUMÁRIO
As marcas de forma são susceptíveis de registo desde que tenham aptidão distintiva e não caiam em nenhuma das excepções previstas no artigo 199º, nº 1 do Regime Jurídico da Propriedade Industrial.
As bilhas ou botijas de gás são sinais que correspondem a um típico e usual sinal que qualquer estabelecimento de comércio e/ou transporte de gás (e/ou combustíveis próximos) usa para assinalar o objecto, exclusivo ou não, do seu comércio ou actividades afins.
Sendo sinais ou indicações que se tornaram usuais na linguagem corrente ou hábitos leais e constantes do comércio, deixam de ser susceptíveis de registo.


O Relator,

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Tong Hio Fong

Processo nº 235/2017
(Autos de recurso cível)

Data: 29/Junho/2017

Recorrente:
- A Corporation


Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
A Corporation, sociedade comercial com sede nos Estados Unidos da América, devidamente identificada nos autos (doravante designada por “recorrente”), interpôs recurso da decisão do Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual dos Serviços de Economia, que recusou o registo das marcas N/971XX e N/972XX.
Por sentença do Tribunal Judicial de Base, foi julgado improcedente o recurso e, em consequência, mantida a recusa do registo das referidas marcas.
Inconformada, recorreu a recorrente jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“1. O objecto do presente recurso é a, aliás, douta sentença proferida nos autos em 04/11/2016, que decidiu julgar improcedente o recurso interposto pela ora Recorrente do despacho da Direcção dos Serviços de Economia (DSE), de 13/07/2016, de recusa dos pedidos de registo das Marcas n.ºs N/971XX e N/972XX, que são constituídas pelos sinais seguintes:


2. Estas marcas são figurativas, reivindicam as cores “Azul” e “Vermelho” e destinam-se a assinalar os produtos “Óleos e gorduras industriais; lubrificantes; produtos para absorver, regar e ligar a poeira; combustíveis (incluindo a gasolina para motores) e matérias de iluminação; velas e mechas para a iluminação; gases; butano; propano; gás liquefeito de petróleo”, da classe 4ª.
3. Os sinais registandos não marcas figurativas, com a forma de uma bilha ou botija, sendo combinadas, cada uma delas, com uma cor específica – azul, num caso, vermelha, no outro.
4. Nestes casos, a marca é registável se for constituída por uma forma não imposta pela própria natureza do produto, pela forma do produto não necessária à obtenção de um resultado técnico ou pela forma que não confira um valor substancial ao produto.
5. A limitação legal abrange tanto a própria forma do produto necessária para obter um resultado técnico, como a forma dos invólucros e recipientes que tenham uma finalidade técnica e não de mera ornamentação.
6. É manifesta a inaplicabilidade do disposto no art.º 214º, n.º 3, a contrario, conjugado com a alínea c) do n.º 1 do art.º 199º do RJPI visto que os sinais registandos são constituídos por desenhos de objectos (bilha ou botija) que não correspondem à forma dos produtos a que se destinam assinalar: “Óleos e gorduras industriais; lubrificantes; produtos para absorver, regar e ligar a poeira; combustíveis (incluindo a gasolina para motores) e matérias de iluminação; velas e mechas para a iluminação; gases; butano; propano; gás liquefeito de petróleo”.
7. São muitas e variadas as configurações desenhísticas de botijas (não necessariamente cilíndricas) e as cores que podem apresentar (ver pesquisa feita no “Google” sobre as muitas e diversas formas de bilhas e botijas – Docs. n.ºs 4 a 6 juntos à petição de recurso), e, o mesmo acontece, por exemplo, com garrafas de refrigerantes, embalagens de detergentes, frascos de perfumes, tabletes de chocolates etc.
8. Na decisão recorrida não se deu a devida relevância ao facto de as marcas sub judice reivindicarem cores específicas (azul, num caso, vermelho, no outro), que terão obrigatoriamente de ser utilizadas no uso sério das marcas, o que, por si só, confere carácter distintivo às mesmas.
9. A combinação de cada uma das referidas cores com o desenho de uma botija, com certa cor, não pode ser tomada como necessária, nem imposta pela técnica.
10. O Tribunal recorrido não se apoiou em qualquer matéria de facto dada por provada para concluir a ausência de capacidade distintiva dos sinais registandos, e consequente não registabilidade.
11. Lendo a sentença recorrida, sobressai que o M.º Juiz a quo baseou a sua decisão numa mera convicção subjectiva, que expõe de forma tão convicta como genérica e perfunctória, e não fundamentada de facto.
12. O M.º Juiz a quo recorre, manifestamente, à sua experiência subjectiva – isto é, a um puro subjectivismo -, para estabelecer o que é «típico e usual», dando por certa uma factualidade que não suporta em nenhuma evidência, mas somente em generalidades.
13. Acresce dizer que na sentença não se deu a devida relevância ao facto de as marcas sub judice reivindicarem cores específicas (azul, num caso, vermelho, no outro), o que, por si só, confere carácter distintivo às mesmas, visto que a combinação de cada uma das referidas cores com um determinado desenho de uma botija não pode ser tomada como necessária, nem imposta pela técnica.
14. Termos em que, pede-se que seja revogada a decisão recorrida – por violar o disposto nos art.ºs 197º e 214º, n.º 3, este conjugado com a alínea c) do n.º 1 art.º 199º do RJPI -, e, em consequência, que seja decidido conceder os registos das Marcas n.ºs N/971XX e N/972XX.”
*
Ao recurso respondeu a Direcção dos Serviços de Economia, oferecendo o merecimento dos autos.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
A questão que se coloca neste recurso consiste em saber se as marcas da aqui recorrente são susceptíveis de registo.
Pelo TJB foi proferida a seguinte douta sentença:
“A. DE FACTO
Por despacho da Direcção dos Serviços de Economia, de 13 de Julho de 2016, foram recusados os pedidos de registo das Marcas n.ºs N/971XX e N/972XX, que são constituídas pelos sinais a seguir reproduzidos:

Estas marcas reivindicam, respectivamente, as cores “Azul” e “Vermelho” e destinam-se a assinalar os produtos “Óleos e gorduras industriais; lubrificantes; produtos para absorver, regar e ligar a poeira; combustíveis (incluindo a gasolina para motores) e matérias de iluminação; velas e mechas para a iluminação; gases; butano; propano; gás liquefeito de petróleo”, da classe 4ª.
B. DE DIREITO
A questão a decidir reconduz-se a saber se ocorre motivo de recusa do registo das marcas supra assinaladas.
Louva-se a DSE no disposto no artº 214º nº 3, a contrário, conjugado com al. c) do nº 1 do artº 199 do RJPI.
Vejamos então, relembrando o que já todos sabemos mas que sempre se impõe para enquadramento da decisão eu se impõe.
Nas palavras de Coutinho de Abreu “as marcas são signos (ou sinais) susceptíveis de representação gráfica destinados sobretudo a distinguir certos produtos de outros produtos idênticos ou afins”. – Cfr. a cit. in Curso de Direito Comercial, VI., 4ª ed., pág. 348
Esta noção reconduz-se, ao fim ao resto, à noção de marca que se pode retirar do enunciado artº 197º do RJPI.
Dispõe este preceito que “só podem ser objecto de registo ao abrigo do presente diploma, mediante um título de marca, o sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou a respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas”.
Emerge destes enunciados, doutrinário e legal, pois, que a marca deve, sendo a “pedra de toque” da mesma, por definição e no cumprimento do seu escopo, ter relevantes capacidades distintivas, deve ser idónea, per si, de individualizar uma espécie de produtos ou serviços.
No caso vertente diremos que os sinais em crise, consubstanciam sinais tridimensionais (a sua perspectiva fornece-nos a altura, o cumprimento e a profundidade, portanto uma perspectiva 3D) com reivindicação de cores. São desenhos de bilhas ou botijas como aquelas que usualmente contêm gás.
Os sinais tridimensionais são susceptíveis de registo e desde que tenham aptidão distintiva (artº 197º do RJPI) e não caiam em nenhuma das excepções previstas no artº 199º nº 1 do RJPI.
Refere Pedro Sousa e Silva que “estes sinais podem constituir não só a forma do produto em si mesmo, como a da sua embalagem ou vasilha, desde que em qualquer caso, se trate de formas que não sejam banais, isto é, que possuam conteúdo suficientemente arbitrário para lhes conferir capacidade distintiva”, e exemplifica: “É o que sucede com determinadas garrafas ou frascos (de perfume, de refrigerantes ou de bebidas alcoólicas: do perfume TRESÓR, da vodka ABSOLUT, ou do whisky DIMPLE) que, devido à sua originalidade ou uso intensivo e prolongado, têm capacidade de identificar o produto, aos olhos do consumidor. Ou com as embalagens dos chocolates TOBLERONE, com o seu formato característico de secção triangular, que já deram origem a 3 registos de marca comunitária”. – Cfr. a cit., in Direito Industrial, Noções Fundamentais, p.128
Ora, já por aqui, ou seja, pela ausente capacidade distintiva dos sinais registandos, cremos acertada a decisão da respectiva não registabilidade.
Os sinais no caso vertente correspondem a um típico e usual sinal que qualquer estabelecimento de comércio de gás (e/ou combustíveis próximos) usa para assinalar o objecto, exclusivo ou não, do seu comércio, que qualquer empresa ligada ao transporte destes produtos usa para assinalar o que “carrega” nos seus veículos.
Desta sorte não se lhes reconhece a exigida capacidade distintiva por lhes faltar a invulgaridade ou natureza idiossincrática da sua forma que leva o consumidor a “marcá-la na sua lembrança”. Mas mesmo que essa individualidade exista, seria ainda necessário uma ponderação se o consumidor pensaria nessa forma como sendo indicativa da origem, em vez de ser meramente funcional ou decorativa. – Cfr. Bently e Sherman, cit. na referida op. e loc.
Ora, cremos que, no caso, mesmo que se reconhecesse a referida invulgaridade, esbarrar-se-ia nesta última exigência.
Mas mais.
Nega especificamente a lei o registo às situações contempladas no nº 1 al. a) a d) do artº199 RJPI, para o que releva e a benefício da decisão, os “sinais ou indicações que se tornaram usuais na linguagem corrente ou hábitos leais e constantes do comércio” - al. c).
Como já se foi referindo, estamos perante um típico e usual sinal utilizado na linguagem figurativa corrente para assinalar, por ex., um dado estabelecimento de comércio de gás e combustíveis próximos, um dado transporte de gás e afins.
Os sinais em causa são daqueles que qualquer empresa, com intervenção no segmento de mercados a que correspondem os produtos da classe 4ª, em concreto gases e sucedâneos, pode, e muitas vezes usa, para identificar, descrever, individualizar a “mercadoria”, aquela mercadoria concreta, ou seja, gás e sucedâneos.
À conclusão da não registabilidade não se opõem as cores reivindicadas.
Por si só, tais cores, sem qualquer trabalho de ornamentação ou adorno, associadas aos sinais, na nossa óptica, não lhes confere qualquer carácter distintivo aproveitável para o que se consigna na última parte do artº 214º, nº 3, não lhes confere qualquer originalidade diferenciadora bastante para o efeito.
Conclui-se que não se tratam de marcas susceptíveis de registo.”
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Analisada a douta sentença recorrida que antecede, louvamos a acertada decisão com a qual concordamos e que nela foi dada a melhor solução para o caso, pelo que, considerando a fundamentação de direito doutrinária nela constante, cuja explanação sufragamos inteiramente, remetemos para os seus precisos termos ao abrigo do disposto o artigo 631º, nº 5 do CPC e, em consequência, negamos provimento ao recurso.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente em ambas as instâncias, fixando-se o valor da causa, para efeito de custas, em 500 U.C.
Registe e notifique.
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RAEM, 29 de Junho de 2017
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira



Recurso cível 235/2017 Página 9