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Processo n.º 339/2017 Data do acórdão: 2017-6-29 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– auxílio à imigração clandestina
– número de crimes
– art.º 2.º da Lei n.º 6/2004
– art.º 14.º, n.º 1, da Lei n.º 6/2004
S U M Á R I O
Da leitura dos art.os 2.º e 14.º, n.o 1, da Lei n.º 6/2004, de 2 de Agosto, não resulta que na valoração de interesses feita pelo Legislador na criação do tipo legal de crime de auxílio (à imigração clandestina), seja indiferente o número de imigrantes clandestinos “auxiliados” pelo agente do crime. Pelo contrário, obtendo cada um dos imigrantes clandestinos assim “auxiliados” o benefício de concorrer para a entrada, de modo clandestino, na RAEM, é de entender que, em prol do fim inegável de combate contra a imigração clandestina, são tantos crimes de auxílio quantos os imigrantes clandestinos “auxiliados” pelo agente.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 339/2017
(Autos de recurso penal)
Recorrente (arguido): B (B)



ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o acórdão proferido a fls. 78 a 83 dos autos de Processo Comum Colectivo n.° CR4-16-0324-PCC do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, que o condenou como autor material de dois crimes consumados de auxílio qualificado, p. e p. pelo art.º 14.º, n.º 2, da Lei n.º 6/2004, de 2 de Agosto, na pena de cinco anos e três meses de prisão por cada, e, em cúmulo jurídico, na pena única de cinco anos e seis meses de prisão, veio o arguido B, aí já melhor identificado, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), alegando, em suma, que esse Tribunal cometeu o erro de aplicação da dita norma incriminadora, à luz de cujo bem jurídico, de carácter geral e não pessoal, deveria ser ele condenado pela prática de um só crime de auxílio qualificado (por ter ele um único dolo de praticar esse delito), e que, fosse como fosse, sempre mereceria ele, um delinquente primário com confissão parcial dos factos, penas achadas nos respectivos mínimos legais (cfr. com mais detalhes, a motivação do recurso apresentada a fls. 93 a 94v dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu o Ministério Público no sentido de procedência parcial do recurso, pugnando pela condenação do arguido apenas como autor material de um crime consumado de auxílio qualificado, punido com cinco anos e três meses de prisão (cfr. a resposta de fls. 97 a 105).
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 116 a 117v), opinando pela confirmação do julgado.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Não sendo impugnada a matéria de facto já dada por provada em primeira instância, é de tomá-la na íntegra como fundamentação fáctica do presente acórdão de recurso, nos termos permitidos pelo art.º 631.º, n.º 6, do Código de Processo Civil, ex vi do art.º 4.º do Código de Processo Penal.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, conhecendo.
Da questão de quantos os crimes praticados pelo recorrente:
A Lei n.º 6/2004 diz, no seu art.º 2.º, que:
– <<1. São consideradas em situação de imigração ilegal as pessoas que se encontrem na Região Administrativa Especial de Macau, adiante designada por RAEM, não estando autorizadas a nela permanecer ou residir, e que tenham entrado em qualquer das seguintes circunstâncias:
1) Fora dos postos de migração;
2) Sob falsa identidade ou mediante o uso de documentos de identificação ou de viagem falsos;
3) Durante o período de interdição de entrada.
  2. Consideram-se ainda em situação de imigração ilegal as pessoas que permaneçam para além dos prazos de permanência autorizada, e aquelas a quem tenha sido revogada a autorização de permanência, quando não abandonem a RAEM no prazo fixado.>>
E o art.º 14.º, n.º 1, da mesma Lei dispõe que <>.
Assim, tal como já foi analisada mormente no acórdão deste TSI, de 2 de Junho de 2016, no Processo n.º 210/2016: Da leitura destes dois preceitos legais, não resulta que na valoração de interesses então feita pelo Legislador na criação do tipo legal de crime de auxílio (à imigração clandestina), seja indiferente o número de imigrantes clandestinos “auxiliados” pelo agente do crime de auxílio. Pelo contrário, obtendo cada um dos imigrantes clandestinos assim “auxiliados” o benefício de concorrer para a entrada, de modo clandestino, na RAEM, é de entender que, em prol do fim inegável de combate contra a imigração clandestina, são tantos crimes de auxílio quantos os imigrantes clandestinos “auxiliados” pelo agente.
No caso dos autos, praticou efectivamente o arguido dois crimes consumados de auxílio qualificado à imigração clandestina (qualificado, por lhe ser aplicável sobretudo o n.º 2 do art.º 14.º da Lei n.º 6/2004).
No tangente à questão da medida da pena, realiza o presente Tribunal ad quem que ponderadas todas as circunstâncias fácticas já apuradas pelo Tribunal a quo e descritas como provadas no texto da decisão recorrida, e à luz dos padrões da medida da pena vertidos nos art.os 40.º, n.os 1 e 2, 65.º, n.os 1 e 2, e 71.º, n.os 1 e 2, do Código Penal, tanto a pena de cinco anos e três meses de prisão para cada um dos dois crimes consumados de auxílio qualificado como a pena única de cinco anos e seis meses de prisão, todas achadas aí dentro das correspondentes molduras penais de prisão parcelar e única, estão ainda dentro da razoabilidade, pelo que é de respeitar a decisão recorrida nesta matéria.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar não provido o recurso.
Custas pelo arguido recorrente, com duas UC de taxa de justiça e duas mil patacas de honorários a favor do seu Ex.mo Defensor Oficioso.
A presente decisão é irrecorrível nos termos do art.º 390.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal.
Macau, 29 de Junho de 2017.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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