--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ----------------
--- Data: 05/07/2017 ---------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. José Maria Dias Azedo -----------------------------------------------------------------
Processo nº 510/2017
(Autos de recurso penal)
(Decisão sumária – art. 407°, n.° 6, al. b) do C.P.P.M.)
Relatório
1. B (B), arguido com os restantes sinais dos autos, respondeu no T.J.B., vindo a ser condenado pela prática como autor material e em concurso real de 2 crimes de “ofensa simples à integridade física”, um deles, por negligência, p. e p. pelos art°s 137°, n.° 1 e 142° do C.P.M., fixando-lhe o Tribunal as penas parcelares de 5 e 7 meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, a pena única de 9 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos, condenando ainda o mesmo arguido no pagamento da indemnização de MOP$7.307,00 ao assistente C (C), e de MOP$87.975,00 à assistente D (D); (cfr., fls. 259 a 265-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
*
Inconformado, o arguido recorreu.
Em sede da sua motivação de recurso, alega o que segue:
“ 1.
O objecto do presente recurso é contra o acórdão proferido pelas Mmªs Juízes do TJB.
2.
O 4º Juízo Criminal do TJB condenou no dia 14/03/2017, o arguido (ora designado por recorrente) do proc. nº CR2-16-0029-PCC (ora designado por acórdão recorrido), pela prática em autoria material e na forma consumada:
1. Um crime de ofensa à integridade física por negligência p.p.p. artº 142º, nº 1 do CPM, a pena de 5 meses de prisão (em relação à ofendida D); e
2. Um crime de ofensa simples à integridade física p.p.p. 137º, nº 1 do CPM, a pena de 7 meses de prisão (em relação ao ofendido C);
Em cúmulo foi condenado a pena única de 9 meses de prisão, suspensa a sua execução pelo período de 2 anos.
3.
Salvo o devido respeito pela opinião do Tribunal recorrido, o recorrente entende que o acórdão recorrido padece do vício previsto no artº 402º, nº 2 do CPP.
II. Fundamento do recurso
4.
O recorrente entende que o facto constante na acusação, de que ele, 10 minutos depois voltou, pegando num banco redondo, não foi provado.
5.
O recorrente entende que o banco redondo apreendido nos autos não existe.
6.
O recorrente entende que o facto constante na acusação, de que o ofendido C pegou num pau para se defender, mas partiu devido ao ataque, não foi provado.
7.
O recorrente entende que não foi exibido na audiência de julgamento, a situação do dano do pau apreendido nos autos.
8.
Entende o recorrente que segundo o seu estado físico e força, era impossível de partir o pau apreendido nos autos.
9.
O recorrente entende que as declarações prestadas pelo ofendido C na audiência de julgamento, não correspondem a verdade
10.
O recorrente suspeita que o ofendido C prestou falsas declarações.
11.
O recorrente entende que o Tribunal não deve adoptar as declarações prestadas pelo ofendido C na audiência de julgamento.
12.
O recorrente entende que não deve reconhecer o facto alegado pelo ofendido C na audiência de julgamento contra si.
13.
O recorrente entende que as declarações prestadas pela ofendida D não correspondem a verdade.
14.
O recorrente suspeita que a ofendida D prestou falsas declarações na audiência de julgamento.
15.
O recorrente entende que o Tribunal não deve adoptar as declarações prestadas pela ofendida D na audiência de julgamento.
16.
O recorrente entende que não deve reconhecer o facto alegado pela ofendida D na audiência de julgamento contra si”.
A final, afirma também que “as provas foram insuficientes para reconhecer a prática dos crimes acusados.
(…)”; (cfr., fls. 277 a 280).
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Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 288 a 289-v).
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Neste T.S.I., juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:
“Submetido a julgamento no processo CR2-16-0029-PCC, foi o ora recorrente B condenado na pena de 9 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois anos, resultante do cúmulo jurídico das penas parcelares de 7 meses e de 5 meses de prisão, aplicadas pela prática, respectivamente, de um crime previsto e punível pelo artigo 137.°, n.° 1, do Código Penal, e de um crime previsto e punível pelo artigo 142.°, n.° 1, do Código Penal.
Inconformado, vem interpor recurso da decisão condenatória, apresentando a peça de motivação que consta de fls. 277 a 280.
Em resposta, pronuncia-se o Ministério Público pela improcedência do recurso, não deixando de notar que o recorrente nem sequer indica ou identifica qual o vício de que padece o acórdão recorrido.
Compulsando as alegações de recurso, constata-se que o recorrente limitou-as ao seguinte:
Não ficou provado que o recorrente voltou ao local do crime, passados 10 minutos, e que o fez trazendo um banco redondo, pois esse banco não existe; não ficou provado que o pau, utilizado pelo ofendido para se defender, se partiu devido ao ataque do recorrente, tanto mais que o pau danificado não foi exibido na audiência de julgamento; o ofendido não falou verdade, pelo que o tribunal não devia ter atendido às suas declarações; a ofendida também não falou verdade, pelo que, de igual modo, não devia o tribunal ter levado em conta as suas declarações.
Pois bem, perante o laconismo desta alegação – que, em bom rigor, nada mais contém que singelas afirmações, despidas de qualquer discurso justificativo e argumentativo – é altamente duvidoso que a peça cumpra os requisitos substanciais da motivação de recurso. No fundo, ela não contém a enunciação dos fundamentos do recurso, ou seja, não aponta os motivos de discordância com a decisão, limitando-se a discordar. E constituindo esta enunciação dos fundamentos o cerne da alegação de recurso, como resulta do artigo 402.°, n.° 1, do Código de Processo Penal, a sua falta acarretará a falta de motivação, com a consequência da rejeição prevista no artigo 410.° do Código de Processo Penal.
Assim, porque a peça de motivação não contém, salvo melhor juízo, os fundamentos específicos do recurso, o que equivale a falta de motivação, deve o recurso ser rejeitado, indo nesse sentido o meu parecer.
Para a hipótese de assim não se entender, e se considerar que, apesar de tudo, a peça alegatória pode ser encarada como motivação substancial do recurso, temos por bem acompanhar inteiramente a resposta do Ministério Público em primeira instância, dada a pertinência e o esforço da abordagem, perante a quase inexistente e insondável motivação do recurso.
Neste caso, e como bem ressuma da resposta, apresenta-se óbvia a improcedência do recurso, o que deverá conduzir a que seja rejeitado ou objecto de não provimento”; (cfr., fls. 347 a 348).
*
Em sede de exame preliminar constatou-se da “manifesta improcedência” do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), e tendo-se presente que a possibilidade de “rejeição do recurso por manifesta improcedência” destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, visando, também, moralizar o uso (abusivo) do recurso, passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 260 a 261-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.
Do direito
3. Como se deixou relatado, vem o arguido recorrer do Acórdão que o condenou como autor material da prática em concurso real de 2 crimes de “ofensa simples à integridade física”, um deles, por negligência, p. e p. pelos art°s 137°, n.° 1 e 142° do C.P.M., fixando-lhe o Tribunal as penas parcelares de 5 e 7 meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, a pena única de 9 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos, condenando ainda o mesmo arguido no pagamento da indemnização de MOP$7.307,00 e MOP$87.975,00 aos ofendidos e assistentes dos autos.
Assaca à decisão recorrida – e sem concretizar – o “vício do art. 400°, n.° 2 do C.P.P.M.”, (cfr., ponto 3), afirmando, também, que “as provas foram insuficientes para reconhecer a prática dos crimes acusados”, pedindo, a final, a sua absolvição.
Porém, evidente se apresenta que não tem razão, totalmente inviável sendo a sua pretensão, como – bem – se nota do douto Parecer do Ministério Público que dá clara e cabal resposta ao presente recurso.
Com efeito, cremos ser entendimento pacífico e unânime que um “recurso”, como pedido de apreciação (e eventual correcção) de uma decisão judicial, tem de ser uma peça articulada e clara, onde se explicitam as razões da discordância ou inconformismo em relação à decisão recorrida, não podendo reduzir-se a uma “declaração de estado de alma” ou mera “contestação”, com a alegação de uma “outra/nova versão” ou entendimento.
De facto, impugnando-se – como no caso sucede – a “decisão da matéria de facto”, deve o recorrente especificar os concretos pontos da matéria de facto que considera mal julgados; indicar, os (concretos) meios de prova que imponham decisão diversa; e enunciar decisão alternativa que propõe e entende correcta.
No caso, lendo-se o que alega o ora recorrente, há que reconhecer que só com muito esforço se pode considerar observado este “ónus”, e apenas considerando que se deve – sempre – dar preferência a uma “decisão quanto ao mérito” em detrimento de uma “decisão (apenas) formal”, se passa para a apreciação do recurso, onde impugnando o recorrente a “decisão da matéria de facto dada como provada” e pugnando pela sua inversão, se terá de considerar que lhe assaca o vício de “erro notório na apreciação da prova”, não se deixando de dizer, como já se deixou adiantado, que o presente recurso se apresenta “manifestamente improcedente”, impondo-se a sua rejeição.
Vejamos.
In casu, o Tribunal a quo fundamentou a sua “convicção”, consignando o seguinte:
“O arguido declarou que tinha ingerido bebidas alcoólicas, esqueceu-se do que tinha acontecido nesse dia, da sua memória parece que pegou num banco para bater na tenda, mas não recorda se tinha atacado alguém.
A testemunha D (a ofendida e 2ª requerente do pedido cível) descreveu conforme consta na acusação, referiu que nesse dia o arguido veio comprar comida, mas ambas as partes entraram em discussão, posteriormente o arguido voltou e deu-se o ataque descrito na acusação; disse a testemunha que durante o qual, o arguido queria usar o banco redondo para atacar o ofendido C, mas ela usou a mão para impedir, por isso foi atingida; além disso, disse a testemunha que não sentiu o arguido com cheiro a álcool.
A testemunha C (o ofendido e 1° requerente do pedido cível), descreveu conforme consta na acusação, referiu que a discussão foi por causa da questão se foi ou não acrescentado molho na comida, tendo o arguido voltado e deu-se o ataque descrito na acusação.
A testemunha Pat Ka Wai descreveu conforme consta na acusação, referiu que o arguido apareceu subitamente por trás dela e começou a causar distúrbio, a testemunha disse para o arguido parar, caso contrário, iria chamar a polícia, o arguido ouviu, usou o banco redondo para agredir a testemunha, depois foi agredir os dois ofendidos, mesmo com a chegada da polícia, não conseguia controlar o estado emocional do arguido.
(…)”.
E, perante isto, pouco há a dizer.
Com efeito, o Tribunal a quo esclareceu (adequadamente) como chegou à convicção sobre os factos constantes da acusação, dando-os como “provados”, nenhuma censura merecendo a sua decisão já que totalmente em conformidade com o estatuído no art. 114° do C.P.P.M. que consagra o “princípio da livre apreciação da prova”.
Como temos repetidamente afirmado, “O erro notório na apreciação da prova apenas existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 09.03.2017, Proc. n.° 947/2016, de 23.03.2017, Proc. n.° 115/2017 e de 08.06.2017, Proc. n.° 286/2017).
E como também já tivemos oportunidade de afirmar:
“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 23.02.2017, Proc. n.° 118/2017, de 16.03.2017, Proc. n.° 114/2017 e de 15.06.2017, Proc. n.° 249/2017).
No caso – e como bem se vê da fundamentação pelo Tribunal a quo exposta na decisão ora recorrida, a apreciação da prova apresenta-se-nos sensata, explicitando-se, de forma clara e lógica, os motivos que levaram à convicção e decisão em questão, não se vislumbrando qualquer desrespeito a (qualquer) regra sobre o valor da prova tarifada, (que, no caso, inexiste) regra de experiência ou legis artis, mostrando-se de concluir que mais não faz o recorrente que afrontar a (livre) convicção do Tribunal, (formada em conformidade com o estatuído no art. 114° do C.P.P.M.), o que, como é óbvio, não colhe.
Importa não olvidar que os fundamentos pelos quais o Tribunal de julgamento (T.J.B.), confere credibilidade a determinadas provas e não a outras dependem, sempre, de um juízo de valoração efectuado com base na imediação, ainda que condicionado pela aplicação das regras da experiência comum.
A imediação, que se traduz no contacto pessoal entre o Juiz e os diversos meios de prova, confere ao julgador (em primeira instância) os meios de apreciação da prova pessoal de que o Tribunal de recurso não dispõe.
Como temos realçado, ao Tribunal cabe determinar como os factos se passaram, exista ou não univocidade no teor dos depoimentos e declarações, e como igualmente temos afirmado, há que ter presente que as declarações da ofendida, só por si, podem ser suficientes para criar nos julgadores a convicção de que determinados factos aconteceram e que deles foi o arguido seu autor; (neste sentido, cfr., v.g., os Acs. deste T.S.I. de 12.01.2017, Proc. n.° 382/2016 e de 15.06.2017, Proc. n.° 249/2017).
Dito isto, tendo presente a “factualidade provada”, e a “fundamentação” exposta e que se deixou transcrita, evidente se apresenta que nenhuma censura merece a decisão recorrida, sendo assim de se rejeitar o presente recurso.
Decisão
4. Em face do que se deixou expendido, decide-se rejeitar o recurso.
Custas pelo recorrente com taxa de justiça que se fixa em 3 UCs, e pela rejeição, o equivalente a 3 UCs.
Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.500,00.
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, devolvam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 05 de Julho de 2017
José Maria Dias Azedo
Proc. 510/2017 Pág. 18
Proc. 510/2017 Pág. 1