Processo n.º 563/2016
(Recurso Cível)
Relator: João Gil de Oliveira
Data : 13/Julho/2017
ASSUNTOS :
- Legitimidade passiva em acção de anulação de deliberações de Assembleia Geral de Condóminos.
SUMÁRIO :
1. Numa acção de anulação de deliberações de Assembleia Geral de Condóminos a legitimidade passiva reconduz-se aos condóminos presentes nessa AG, como determina o art. 1352º, n.º 2 do CC.
2. Mas esses condóminos, embora sendo eles os RR, são representados na acção pela Administração do condomínio.
3. Sendo assim, a acção não tem que ser dirigido contra os condóminos, individualmente considerados e identificados.
O Relator,
Processo n.º 563/2016
(Recurso Civil)
Data : 13/Julho/2017
Recorrente : A
Objecto do Recurso : Despacho que rejeitou a petição inicial
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – RELATÓRIO
1. A, A intentou acção declarativa contra a Assembleia Geral do Condomínio do Edifício B, pedindo a anulação de deliberações tomadas por aquele órgão.
Não tendo sido possível citar a ré, o Ex.mo Juiz reapreciou a questão da legitimidade passiva nas acções visando a impugnação de deliberações das assembleias de condóminos, concluindo que ela reside nos próprios condóminos, embora representados pelo administrador e rejeitou a petição.
Veio, então, o autor apresentar nova petição, invocando o disposto no artigo 396.º do Código de Processo Civil, propondo a acção contra alguns proprietários de fracções do mencionado prédio, mas não identificando muitos.
O Exm Juiz proferiu despacho onde notificou o autor para apresentar nova petição com identificação completa dos réus, dizendo que se isso não fosse cumprido seria rejeitada a petição, com fundamento no disposto no artigo 160.º do Código de Processo Civil, aplicável por analogia.
Recorreu o autor deste despacho para o Tribunal de Segunda Instância (TSI) que, por Acórdão de 19 de Novembro de 2015, não admitiu o recurso.
Para tanto, entendeu que, nos termos do artigo 397.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, não cabe recurso do despacho de aperfeiçoamento, por este ter natureza provisória. Se o autor sanar a petição, a acção prosseguiria; se não, o juiz decidiria em conformidade, (eventualmente indeferindo a petição ou absolvendo os réus da instância), só cabendo recurso desse eventual despacho.
Recorreu, depois, para o Tribunal de Última Instância (TUI) o autor, alegando que o juiz de 1.ª instância decidiu mal, pelo que o acórdão recorrido violou o disposto no artigo 8.º, n.º 4, do Código de Processo Civil.
O V.º TUI julgou improcedente o recurso por não ter sido impugnada a substância do recurso.
Neste sequência, o A. formulou um requerimento relativo à última versão da petição, tendo o Mmo Juiz recorrido proferido despacho de rejeição da petição.
2. É desse despacho que vem interposto o presente recurso, por A, autor no processo em epígrafe, alegando, em síntese conclusiva:
1. Dispõe o artº 8º, nº 4 do CPC que sempre que alguma das partes alegue justificadamente dificuldade séria em obter documento ou informação que condicione o eficaz exercício de faculdade ou o cumprimento de ónus ou dever processual, deve o juiz, sempre que possível, providenciar pela remoção do obstáculo.
2. O recorrente não é o membro da Comissão da Administração do Condomínio do Edf. B, nem assistiu à reunião do condomínio referida, pelo que não é capaz de obter a lista das pessoas que compareceram à reunião.
3. Segundo a citada norma jurídica, o Juízo deve determinar que os réus e membros da Comissão de Administração C e D que apresentem o “registo dos dados das pessoas que compareceram à reunião da assembleia geral do condomínio do Edf. B 2013”, ou tomem iniciativa de pedir ao serviço público os respectivos dados para a confirmação da identificação dos réus, de modo a que a acção possa prosseguir.
4. Pelo exposto, ao indeferir a eventual diligência o Juízo violou o artº 8º, nº 4 do CPC.
5. O Autor A entende que só a “Comissão de Administração” tem a legitimidade de réu, tal como o processo TSI 482/2011, pelo que não aceita que rectificação é violação da disposição legal. (sic)
Pedido
Requer-se ao Venerando Tribunal Colectivo que, nos termos da lei, julgue procedente o recurso interposto pelo recorrente e anule a decisão recorrida.
3. Foram colhidos os vistos legais.
II – FACTOS
1. Depois de ter ordenado a citação, o Mmo Juiz proferiu o seguinte despacho:
“Compulsados os autos, e não obstante ter sido a citação ordenada sem qualquer reparo ao teor da pi, na sequência das diligências tendentes à realização da mesma, em concreto a identificação do paradeiro da B MANAGEMENT COUNCIL, representante da indicada Ré B, igualmente na sequência da identificação dos supostos legais representantes daquela, constatam-se, agora que cuidamos dos autos com outro rigor, os seguintes vícios:
- aquela não é pessoa jurídica, pessoa física, mas também não o é por não ser pessoa colectiva. Desta sorte não tem, nem pode ter, representantes legais. Por isso não é possível, e com recurso a uma aplicação analógica, quiçá forçada, do disposto no art. 183º do C.P.C, citar a indicada representante da R. na pessoa do seu legal representante, desta sorte a própria R.;
- a ré demandada, fazendo fé na tradução da p.i., é a assembleia geral do condomínio E quando, vista a natureza da presente acção em face do pedido que "encerra", deveria, nos termos do art. 1352º n.º 2 do CC, ser deduzia contra todos os condóminos, estes representados pela administração.
Na verdade, e quanto a este apontado aspecto, importa referir que a legitimidade para as acções de impugnação e deliberações da assembleia de condóminos radica-se nos próprios condóminos.
Como ensina Abílio Neto, nas acções em que se impugnam deliberações da assembleia de condóminos, "como demandados devem figurar nominativamente todos os condóminos que aprovaram a deliberação ou deliberações impugnadas, por serem estes que têm interesse em contradizer, embora representados seja pelo administrador, seja pela pessoa que a assembleia tiver designado para esse efeito (art. 1433º)" - (correspondente ao art. 1352 n.º 2 do CCM).
Refere ainda, esclarecendo, que, "(...) tal acção não deve ser intentada contra os condóminos a título singular, nem apenas contra o condomínio, nem contra o administrador, uma vez que este apenas intervém como representante judiciário dos condóminos que, através da sua vontade individual, contribuíram para formação a vontade colectiva" - Cfr. A cit., in Manual de Propriedade Horizontal, 3ª ed., p. 348 e 349.
Como refere o STJ de Portugal, "O n.º 6 do art° 1433° do C. Civil (art. 1352 n.º 2 do CC) dispõe que a representação judiciária dos condóminos compete ao administrador. Mas representar não significa ser parte. A legitimidade para ser parte, nos termos que vimos consignando, continua a pertencer aos titulares do condomínio. Aliás, diz o preceito que o administrador representa os condóminos “contra quem são propostas as acções” Esta expressão inserida num artigo que tem como epígrafe “Impugnação das deliberações”, resolve, para além de todas as outras considerações, o problema dos presentes autos. A acção de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos tem de ser interposta contra os cel1dóminos que as votaram. Por imposição legal, o seu representante em juízo será o administrador, que é quem deve ser citado. Mas a acção tem de ser movida contra os aludidos condóminos que aí devem figurar como réus". - Cfr. Ac. cito de 29.9.2007, in DGSI, e sumariado nos seguintes termos: "A acção de impugnafão das deliberações da assembleia de condóminos tem de ser interposta contra os condóminos que as votaram, que naquela devem figurar como réus, embora representados em Juízo pelo administrador, que é quem deve ser citado". - Cfr. ainda Ac. RL, de 8.2.90, in CJ, 1990, 1-161 e JTRL00020683.ITIJ.NET / A.STJ de 14.2.91, in BMJ, 404 -3676, etc ...
Tudo isto para dizer o quê?
Que a acção está mal direccionada, que a acção foi introduzida contra quem não devia ser, nessa medida está afrontada a legitimidade passiva, por conseguinte ocorrendo excepção dilatória. – art. 58, 412 n.º 1 e 2, 413° al. e), 414 do C.P.C
Mais, apesar de ter sido deduzida contra entidade que não devia ser, antes se impondo a identificação de todos os condóminos que intervieram na assembleia id. na pi e que aprovaram as deliberações postas em crise, foi deduzida contra uma entidade que não existe juridicamente, não pode nunca configurar-se como R. por falta de personalidade judiciária, sendo que a única que pode intervir na acção, mas como representante, nunca como ré, é a administração do condomínio ou alguém designado pela assembleia, – art. 39, 412 n.º 1 e 2, 413° al. c), 414 do C.P.C..
A acção foi recebida e ordenada a citação. Todavia, como se vem entendo, este despacho, como outros que não conhecem das questões, como seja, o despacho saneador tabelar, são isso mesmo, despachos tabelares que não firmam caso julgado formal. Nessa medida, as questões que nele se podiam conhecer, podem ser em qualquer momento conhecidas, quanto mais não seja, no despacho saneador nos termos do art. 429 n.º 1 al. a) do C.P.C..
Impõe-se a presente decisão até por uma questão de economia processual e porque, e essencialmente, ainda não se logrou a citação de quem quer que seja, nem se prevê que a mesma seja possível. A instância não se encontra ainda estabilizada – art. 212 do CPC.
Pelo exposto, rejeita-se a petição inicial da presente acção com base nos argumentos que se "deixam".
Custas pelo A.
Notifique e registe.”
2. Perante este despacho o A. veio apresentar nova p. i. contra condóminos certos e incertos presentes na AG, representados pela Comissão Administrativa do Edif. E, e solicitando diligências no sentido da sua identificação, o que mereceu novo despacho do teor seguinte (fls 89 a 91 dos autos):
“Pede o A. o benefício de apoio judiciário na modalidade de isenção de pagamento de custas.
Ora, se bem "vemos as coisas", e nestas coisas do direito temos sempre o cuidado de não ser excessivamente peremptórios, tanto agora, como já antes, ou seja, na data da entrada em juízo da primeira petição (9.4.13), essa faculdade estava deferida a uma comissão especial e no quadro da nova Lei do Apoio Judiciário (Lei 13/2002, com vigência desde 1.4.2013).
E não se invoque o disposto no art. 40 da citada Lei, uma vez que no caso presente não existia à data da entrada da primeira p.i. qualquer processo pendente. O único que existia, e referente à concessão de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono e pagamento dos respectivos honorários, estava findo e não tinha por objecto o que ora se pede.
Desta sorte, tem o A. de pagar a competente taxa de justiça, devendo ser notificado para o efeito nos termos do art. 34 n.º 1 do RCT
*
No pressuposto de que o A. cumprirá o que se determinou, importa desde já fazer as seguintes considerações e consequente convite.
No que concerne à estrutura da p.i., para além do dever de ser redigida em papel normalizado, dever de utilizar-se o português ou chinês (art. 89 do C.P.C), observar-se determinado estilo e disposição gráfica (art. 101 n.º 2 do C.P.C), etc.., deve-se ainda identificar o tribunal e as partes, o tipo de processo, materializar a causa de pedir, o pedido, etc.. (art. 389 n.º 1 do C.P.C.).
No caso em apreço o A., usando do benefício a que alude o artigo 396 n.º 1 do C.P.C., apresentou nova petição mais não identificou a morada da maioria dos RR, como não identificou muitos deles. Temos neste aspecto um processo sem os RR. todos contra quem deve ser intentada a acção e conforme se decidiu no despacho anterior.
Ultrapassando o necessário trabalho de averiguação e identificação dos RR., ou seja, a averiguação e identificação do nome de todos os RR e do paradeiro de um grande número deles, vem o A. fazer o pedido que consta de fls. 86, verso, 2° parte do pedido 2°: notificação de C e D para que lhe entreguem os elementos dos condóminos presentes na AG, ou seja, só podendo ser a acta ou o livro de presenças a que alude o art. 1349 do CC.
Facilmente se constata que é pretensão do A. que seja o tribunal a conformar a acção, promovendo a identificação dos RR e assim, como que os inscrevendo na p.i., a ele se substituindo na construção da peça inicial.
É tarefa que não lhe compete e ultrapassa o princípio da colaboração previsto no art. 8 do C.P.C..
Relevando o que se acaba de referir, mais considerando que o A. não pede a realização de diligências perante entidades públicas com vista à identificação das moradas dos RR. já identificados (assim sim, merecendo deferimento), optando-se pelo desejo de acesso aos documentos supra referidos, olvidou o mecanismo próprio para o efeito, o disposto no art. 1230 do C.P.C. (conjugado com o disposto no art. 1349 n.º 6 e art. 569, ambos do CC), ou seja, o processo vocacionado para tal.
O A. tem de se socorrer previamente a este processo se não lhe forem facultados documentos que, a benefício da sua pretensão, são essências à introdução em juízo desta acção para fazer valer o seu direito, se necessário com recurso a uma prévia providência cautelar e ante a existência de eventuais prazos de caducidade do direito de agir.
Nessa medida, porque o tribunal não lhe concederá a pretensão supra alinhada, caso a acção prossiga, deverá o A. apresentar nova p.i, com a identificação cabal dos RR ..
A consequência da inobservância do se refere, e porque neste caso o novo papel que se materializa na petição não foi à distribuição por ter surgido no uso da faculdade prevista no ao 396 n.º 1 do C.P.C., será rejeitado, desta feita pelas nossas mãos em substituição da secretaria, relevando-se para o efeito o disposto no art. 160 n.º 1 do C.P.C. e com recurso a analogia.
Notifique.”
3. Interposto recurso deste despacho, o TSI não recebeu o recurso por ter entendido ser inadmissível tal recurso, entendendo que aquele despacho era de aperfeiçoamento.
4. O Autor interpôs recurso para o TUI que se veio a pronunciar nos seguintes termos:
“(…)
Manifestamente, o autor não entendeu o conteúdo do acórdão recorrido. Ou se entendeu age (alega) como se não o tivesse entendido.
O acórdão recorrido não se pronunciou sobre o mérito do despacho do Ex.mo Juiz. O que disse é que tal despacho não é recorrível por ser um despacho provisório, não um despacho definitivo, sendo que este há-de ser proferido, depois da reacção do autor a tal despacho provisório: acatá-lo ou não. Se tal eventual despacho definitivo for desfavorável ao recorrente, poderá então este dele recorrer.
Ora, o recorrente na sua alegação não discute esta questão, o único objecto de apreciação pelo acórdão recorrido, limitando-se a dizer porque é que o despacho do Ex.mo Juiz de 1.ª Instância violou a lei.
Dado que, em boa verdade, o recorrente não impugna a substância do acórdão recorrido, não tem este Tribunal sequer de apreciar o que foi decidido, limitando-nos a julgar improcedente o recurso.
(…)”
5. Na sequência deste recurso apresenta o A. novo requerimento, relativo à petição anteriormente apresentada, pedindo a modificação petição sobre a qual impendeu o seguinte despacho, objecto do presente recurso:
“O A., aproveitando a circunstância de não pagar custas, continua a, se bem se surpreende, como refere o mais alto Tribunal da Região, a não entender ou a não querer entender o conteúdo das decisões precedentes.
Está decidido quem, na nossa óptica e na linha da mais autorizada jurisprudência (encontraremos sempre decisões a nosso jeito, naturalmente) quem deve estar na acção como réus e quem os representará.
Remete-se o A. para o conteúdo da decisão de fls. 60, que transitou em julgado, desta sorte também esgotando o nosso poder jurisdicional a propósito da questão novamente suscitada.
Não obstante a questão da legitimidade estar ultrapassada e o A. ter aceitado a decisão referida, logo a nossa perspectiva (assim fazendo inabalável caso julgado formal), vem apresentar nova petição mas de forma irregular, por não completa "com todos" que nela deviam estar identificados como RR., outros sem menção do paradeiro.
Quem tem de estar na acção são as pessoas que aprovaram a deliberação posta em crise, ainda que representados pelo administrador do condomínio.
Pelo exposto, quanto à alteração que ora se pede e depois de apresentar a petição nos termos sugeridos (ainda que incompleta), vai indeferido o requerimento que antecede.
Não temos por hábito afrontar o caso julgado. As alterações de opinião que vamos assumindo surgem, mas não num contexto de afrontamento desse tão caro instituto que é o caso julgado.
Quanto à segunda parte, ou seja, o pedido para se notificar pessoa concreta para, desta sorte, se completar a petição com o nome dos demais RR, damos aqui por reproduzido o teor da decisão de fls. 90 para todos os legais e devidos efeitos.
Pelo exposto, consubstanciando nesta decisão os fundamentos referidos a fls. 90 e 91, indefere-se o requerido e, em consequência, por não se ter dado correspondência ao convite, rejeita-se a pi
Custas pelo A.
Notifique. “
III – FUNDAMENTOS
1. Com todo o respeito pela posição do Mmo Juiz, doutamente fundamentada, não deixamos de pensar que a solução não deixa de ser algo formal, geradora de uma situação “Kafkiana”, propendendo pra uma solução que assegure a tutela efectiva do direito recorrente que, de outra forma, se pode ver enredado num beco sem saída.
Por que razão dizemos “Kafkianao”?
O A. propõe uma acção tentando impugnar uma deliberação da Assembleia Geral do condomínio e põe a acção contra a AG do condomínio representada pela Administração – art. 1352º/2 do CC.
Depois, afeiçoa o peticionado ao sugerido, dando conta dos escolhos na concretização e identificação dos condóminos
Convidado a aperfeiçoar, requer diligências tendentes a remover os obstáculos que impedem o cabal ajustamento ao pretendido.
Aliás, da própria acta nada resulta sobre a concreta autoria da deliberação que se pretende impugnar.
Requer o A., porventura em desespero de quem deva colocar como réu na acção, a substituição do réu ou a colaboração do tribunal de forma a remover as dificuldades que se lhe antolham.
Este requerimento, desatendido que foi, conduz à rejeição da p.i.
Como poderá a parte agir, se nem sequer a Administração sabe ou não quer dizer quem esteve na Assembleia?
2. Tanto mais que o A. nem sequer terá agido tão incorrectamente, na medida em que os condóminos a que alude o art. 1352º/2 do CC não deixam de corporizar aquela concreta Assembleia Geral que aprovou as deliberações impugnandas. É óbvio que os condóminos que não estavam presentes não integram aquela Assembleia Geral, se bem que se admita que possa ter havido condóminos presentes, integrantes da Assembleia, que não aprovaram as medidas. Foi esse o caso presente, em que houve um voto contra (cfr. acta de fls 248).
Sendo certo que, como diz «o Dr. Abílio Neto, todos os condóminos - não só os que votaram a deliberação, mas também aqueles que se abstiveram ou não compareceram sequer na assembleia – podem ser prejudicados ou beneficiados com a declaração de nulidade ou de anulação e que a deliberação constitui um acto unitário. (in “Direitos, Deveres dos Condóminos na Propriedade Horizontal, 114).
Daí que os condóminos que pretendam impugnar em juízo deliberações tomadas numa assembleia geral tenham de intentar a acção contra todos os condóminos, que serão os réus na lide (cf. v.g., o Acórdão do S.T. J., de 6 de Novembro de 2008 – proc. nº 08B2623).
Dividir entre os que votaram favoravelmente a deliberação, os que votaram contra e os que se abstiveram é esquecer que a deliberação pode afectar – e neste caso afecta – todos os condóminos que, em litisconsórcio, aqui preterido, devem estar na acção».1
3. O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6/11/2008, Proc. n.º 08B2784, que aqui se cita apenas em termos de Jurisprudência Comparada, abordando a questão e sopesando os diversos os diversos argumentos decidiu, quanto à legitimidade passiva:
«só devem ser demandados, na ação de anulação da deliberação, os condóminos que, tendo estado presentes ou representados na assembleia em que foi tomada a deliberação, votaram a favor da sua aprovação, e não também os presentes ou representados que se abstiveram nem os que não estiveram presentes nem representados, mesmo os que, posteriormente, nos termos do n.ºs 7 e 8 do art. 1432.º do CC, hajam comunicado por escrito o seu assentimento ou se hajam remetido ao silêncio”;
E quanto à sua representação em juízo: “de acordo com o disposto no n.º 6 do art. 1433.º, eles são representados na ação pelo administrador ou por pessoa que a assembleia designar para esse efeito, razão por que, na petição inicial, deve (ou pode, como melhor se verá) ser pedida a citação de todos eles na pessoa incumbida da sua representação judiciária”.
Esta decisão, não constituindo acórdão uniformizador de jurisprudência tem, todavia, o condão de assegurar a realização plena de todos os interesses em presença, desde a realização concreta do direito, com a tramitação célere da ação, aos interesses individuais e de conjunto dos condóminos, pelo que se nos afigura o exato ponto de partida para a apreciação da concreta questão da apelação, tanto mais que também contém a solução para uma especificidade que nela está em causa ao determinar que: “…na petição inicial, deve … ser pedida a citação de todos eles (os condóminos que votaram a favor da aprovação) na pessoa incumbida da sua representação judiciária». 2
4. Numa consubstanciação deste entendimento respiga-se o seguinte extracto, ainda da Jurisprudência Comparada, que aqui se abraça:
“No condomínio actua um interesse colectivo, e a assembleia de condóminos (órgão deliberativo) exprime a vontade do condomínio, “completamente desvinculada e autónoma das posições individuais de cada condómino”.
No mesmo sentido escreveu Aragão Seia, “ Face à actual redacção da alª e) do artigo 6º do Código de Processo Civil, em consonância com o nº 6 citado, diversamente do que acontecia antes da Reforma de 1995, o condomínio, ou seja, o conjunto dos condóminos, pode ser directamente demandado quando, designadamente, estejam em causa deliberações da assembleia, devendo o administrador ser citado como representante legal do condomínio – nº 1 do artigo 231º do CPC –, embora a assembleia possa designar outra pessoa para prosseguir a acção” (in Propriedade Horizontal – Condóminos e Condomínios -, 2ª Edição Revista e Actualizada, pág. 216 e 217).
Por força deste entendimento, e também para prevenir e evitar dificuldades reais não só para quem demanda (existe o ónus excessivo de identificar cabalmente todos os condóminos que votaram favoravelmente a deliberação, sobretudo, quando tal não resulta da acta respectiva) como também para quem contesta (dificuldade em mobilizar todos os condóminos para a defesa comum, evitar vários tipos de contestação com o prejuízo daí decorrente para a defesa, etc), parece-nos mais consentâneo com a intenção do legislador que consagrou a personalidade judiciária do condomínio, conferir legitimidade passiva ao condomínio, o qual, se assim o entender, poderá conferir ao administrador a sua representação.
Sendo assim, a acção não tinha que ser dirigido contra os condóminos, individualmente considerados e identificados, que aprovaram a deliberação, como foi decidido, mas sim contra o conjunto dos condóminos ou condomínio, representado pelo respectivo administrador, como foi feito.”3
5. A seu tempo, o Mmo Juiz entendeu que a acção devia ser posta contra os condóminos que participaram da deliberação impugnanda, mais referindo que uma coisa é ser parte e outra a representação da parte.
O A. conforma-se com esse entendimento, propõe nova acção e, aludindo às dificuldades na identificação de alguns dos presentes, concretiza uns tantos, demandando ainda outros desconhecidos, pedindo que sejam representados pela Comissão Administrativa do Edifício E, mais pedindo a junção da acta.
O Mmo Juiz, nos termos do despacho já acima transcrito, entendeu que faltavam elementos essenciais e, como não podia ser o tribunal a conformar a acção, convidou-o ao aperfeiçoamento.
Nas diferentes instâncias esta posição foi mantida, na medida em que se entendeu estar-se perante um despacho de aperfeiçoamento, não havendo que se tomar pronúncia sobre o acerto ou desacerto da p.i.
Perante isto, o A. veio apresentar um requerimento, a fls 212, requerendo a alteração da ré para “Comissão Administrativa do Condomínio do Edf. E e, subsidiariamente, fosse ordenado a C e D, membros da Comissão Administrativa do Condomínio do Edf. E para fornecerem as respectivas informações, a fim de confirmar a identificação dos réus para dar prosseguimento à instância.
Foi perante este requerimento que incidiu o despacho que ora é objecto do presente recurso.
Parece desesperada a situação da parte.
6. É verdade que, face ao último requerimento efectuado, o A. confunde a parte – já lhe tendo sido dito que a parte são os condóminos que aprovaram a deliberação - como os representantes. Cfr. a este propósito, o Ac. deste TSI, de 27/4/2017, Proc. 163/2917; 27/3/2014, Proc. 513/2013; 5/6/2014, Proc. n. 147/2014.
Se estava certa da última reformulação da p. i. devê-la-ia ter mantido, aí demandando os condóminos (ainda que não identificasse alguns deles) e a Administração em sua representação.
Mas não podemos olvidar a segunda parte do seu requerimento, em que mantém os RR., tal como lhe fora sugerido, pedindo diligências tendentes à identificação dos desconhecidos.
Na verdade, importa não esquecer que, subsidiariamente, o recorrente logo pede ao Mmo Juiz que ajude a “desembrulhar a meada”, solicitando se obtenham informações junto de quem as pode dar – se é que pode – ou não quer.
O A. numa situação quase surreal acaba por propor a acção, tal como lhe fora sugerido contra os condóminos certos que estavam na reunião e contra os incertos que ali estariam e não tem possibilidade de conhecer.
O que mais pode fazer?
Atente-se que nem sequer da acta (fls 248) resulta quem sejam os concretos condóminos que ali estavam, dizendo-se apenas que ali estavam 23, sendo 2 representantes da “C.ª de Administração de Propriedade F.”
Perante isto não vemos que outra alternativa tivesse o A. se não a de pedir a colaboração do tribunal na identificação dos condóminos e em relação aos incertos, não identificados ou identificáveis, que a acção siga contra esses incertos em última hipótese.
Tudo isto de forma a garantir a efectiva tutela dos direitos, a a concretizar a justiça material e concreta que o cidadão reclama junto dos tribunais, tidos estes como o baluarte e garante dos direitos violados, tudo isto ao abrigo do disposto nos artigos 8º/4, 458º, 462º, 197º.
Este entendimento que ora se adopta já foi acolhido nesta instância, no Proc. n.º 163/2017, de 27/4/2017, onde lapidarmente se escreveu:
“De resto, a autora também justificou nesse artigo da petição inicial a razão pela qual não identificou esses condóminos. E a razão, que se pode confirmar pelo documento de fls. 17-21, reside no facto de os nomes dos votantes não estarem mencionados na acta. E para que se não perdesse a possibilidade de a acção prosseguir a sua marcha, a autora teve por bem chamar “condóminos incertos”aos votantes (não identificados) que deliberaram a favor da tese vencedora. Ou seja, como não havia meio de se vir a identificá-los, nem mesmo com o auxílio do tribunal, através de diligência própria, o caso invocado pareceu à autora ser de “incerteza de interessados”, no sentido de que lhe era difícil ou impossível colher a sua identidade individual, face à ausência da identificação de cada um na acta da deliberação (sobre o conceito de interessados incertos, ver Ac. STJ, de 6/07/2005, Proc. nº 05B2025). Estamos de acordo.
Aliás, se fosse de entender que à autora seria imposta a necessidade de investigar “a posteriori” cada um dos presentes na assembleia que tivesse votado, sem que o nome deles constasse da acta, muito provavelmente, senão mesmo com toda a certeza, estaríamos defronte de uma impossibilidade material que, em última análise, a colocaria fora de tutela jurídica por uma culpa que lhe não podia ser assacada.
Por tal motivo, se a acção foi movida contra os condóminos (incertos = inidentificáveis) que votaram favoravelmente a deliberação, “neste acto representados pela administração, na pessoa do seu administrador B” (destaque nosso), parece não ter sido desrespeitado o disposto no art.1352º, nº2, do CC (cfr. tb. art. 51º, nº1, do CPC, que só não é chamado à colação em virtude de a norma do Código Civil citada resolver a se a situação da representação judiciária, sejam certos ou incertos os condóminos vencedores votantes).
Não vemos, por conseguinte, que mal processual tivesse cometido a autora a este respeito.
Eis, pois, como respeitosamente se nos afigura que o despacho liminar se não pode manter.”
Esta solução, pensamos, é a que, em obediência à lei, no que respeita à legitimidade passiva, a reconduz aos condóminos que participaram da AG - o que não implica necessariamente uma concreta individualização de todos eles, muito embora sejam eles os RR. na acção, representados pela Administração -, e melhor resposta dará a uma realidade como a de Macau e a outras realidades modernas, em que podemos ter assembleias com centenas e centenas de participantes.
Daqui resulta que não são os condóminos individualmente considerados, presentes na AG, que têm de ser citados, uma vez que a citação deve ser feita na pessoa do seu representante que, nos termos da lei, é a Administração.
7. Nem se diga que assim se afronta caso julgado formal em relação à douta posição do Mmo Juiz que, bem ou mal, ordenou uma determinada conformação, na exacta medida em que a última versão da p. i, respeita aquela decisão, propondo-se, no fundo, a acção contra os condóminos presentes.
Em relação aos não identificados nem sequer se mostra necessário identificá-los, como faz o A., no seu desespero, na segunda parte do seu necessário, requerendo diligências para o efeito, por irrelevantes, face ao entendimento que se faz da legitimidade passiva neste tipo de acções, imprecisão que o legislador resolve, assegurando a representação judiciária de todos os RR., por via do instituto da personalidade judiciária.
Nesta conformidade e dentro deste entendimento não se deve manter o despacho de rejeição da p.i.
IV – DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em conceder provimento ao recurso, revogando o despacho recorrido, que deve ser substituído por outro que ordene a citação dos RR. identificados e não identificados, na pessoa do Administrador, como preceitua o disposto no art. 1352º, n.º 2 do CPC.
Sem custas.
Macau, 13 de Julho de 2017,
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João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
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Ho Wai Neng
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José Cândido de Pinho
1 - Ac. da RL STJ, de 22/9/2016, Proc. n.º 288-15.7T8LSB-A.L1-6, in dgsi.pt
2 - In dgsi.pt.
3 - Ac. RL, de 25/6/2009, Proc. n.º 4838/07.0TBALM.L1-8, in dgsi.pt
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563/2016 1/23