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Processo n. 405/2017 (Recurso Laboral)
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 06 de Julho de 2017
Descritores:
- Contrato de trabalho
- Salário
- Gorjetas
- Descanso semanal, anual, feriados obrigatórios

SUMÁRIO:

I. A composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda.

II. Ao abrigo do DL 24/89/M (art. 17º, n.1,4 e 6, al. a), tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”); mas se nele prestar serviço terá direito ao dobro da retribuição (salário x2).

III. Se o trabalhador prestar serviço em feriados obrigatórios remunerados na vigência do DL 24/89/M, e sempre sem prejuízo do valor do salário mensal a que tem direito (incluindo os dias em que não trabalha em função de algum feriado obrigatório), além da remuneração devida pela prestação efectiva do trabalho nesses dias, terá ainda direito a uma indemnização equivalente a mais dois de salário (a fórmula será, pois: salário médio diário x3).
















Proc. nº 405/2017

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I - Relatório
A, casado, de nacionalidade nepalesa, residente em Inglaterra, em XXXXXXXXXX, no Reino Unido, portador do Passaporte Nepales nº 062XXXXX, emitido pelas autoridades competentes do Nepal, instaurou no TJB (Proc. nº LB1-16-0086-LAC) contra: ---------
1) SOCIEDADE DE TURISMO E DIVERSÕES DE MACAU, SARL, (adiantes STDM), com sede na Avenida de Lisboa, Hotel Lisboa, 9.º andar, Macau, e -------
2) SOCIEDADE DE JOGOS DE MACAU, S.A., (adiante, SJM), com sede na Avenida de Lisboa, Hotel Lisboa, 9.º andar, Macau, -------
acção de processo comum do trabalho, pedindo: -------
A procedência da acção e, em consequência, a condenação da 1.ª Ré (STDM) a pagar-lhe a quantia de Mop$292.840,00, correspondente ao seguinte:
a) MOP$22.400,00, a título de subsídio de efectividade, acrescido de juros legais até integral e efectivo pagamento;
b) MOP$31.440,00, a título de subsídio de alimentação, acrescido de juros legais até integral e efectivo pagamento;
c) MOP$99.500,00, pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, nos termos da al. a) do n.º 6 do art. 17.º do DL n.º 24/89/M, acrescida de juros até efectivo e integral pagamento;
d) MOP$49.750,00, por falta de marcação e gozo de um dia de descanso compensatório pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, nos termos do n.º 4 do art. 17.º do DL n.º 24/89/M, acrescida de juros até efectivo e integral pagamento;
e) MOP$21.750,00 a título de trabalho prestado em dia de feriado obrigatório remunerado, nos termos do n.º 3 do art. 18.º do DL n.º 24/89/M, acrescida de juros até efectivo e integral pagamento;
f) O montante correspondente às bonificações ou remunerações adicionais incluindo as gorjetas que a Ré pagou aos operários residentes, a determinar nos termos do artigo 392.º, n.º 1, alínea c) ou alínea b) a liquidar em execução de sentença, por força do disposto no artigo 564.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, ex vi art. 1.º do CPT;
g) MOP$42.000,00 a título de devolução das quantias de comparticipação no alojamento descontadas pela 1.ª Ré (SDTM);
h) MOP$26.000,00, pelas 16 horas de trabalho prestadas para além do período normal de trabalho em cada ciclo de 21 dias de trabalho;
i) Em custas e procuradoria condigna.
Pediu igualmente a condenação da 2.ª Ré (SJM) a pagar-lhe a quantia de Mop$190.400,00, correspondente ao seguinte:
a) MOP$37.500,00, a título de subsídio de efectividade, acrescido de juros legais até integral e efectivo pagamento;
b) MOP$32.400,00, a título de subsídio de alimentação, acrescido de juros legais até integral e efectivo pagamento;
c) MOP$23.250,00 a título de trabalho prestado em dia de feriado obrigatório remunerado, nos termos do n.º 3 do art. 18.º do DL n.º 24/89/M, acrescida de juros até efectivo e integral pagamento;
d) MOP$60.750,00, a título de devolução das quantias de comparticipação no alojamento descontadas pela 2.ª Ré (SJM);
e) MOP$36.500,00, pelas 16 horas de trabalho prestadas para além do período normal diário em cada ciclo de 21 dias de trabalho;
f) Em custas e procuradoria condigna.
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Foi proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou a 1ª e 2ª rés a pagarem ao autor as quantias de MOP$ 105.480,00 e 166.575,00, respectivamente, relegando para execução de sentença o “quantum” indemnizatório relativo aos dias de feriado obrigatório, bem como as bonificações ou remunerações adicionais, incluindo as gorjetas.
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Contra essa sentença vêm interpostos dois recursos.
O primeiro pela mão do autor, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
«1. Versa o presente recurso sobre a parte da douta Sentença na qual foi julgada parcialmente improcedente ao ora Recorrente as quantias pelo mesmo reclamadas a título de trabalho prestado em dia de descanso semanal e feriados obrigatórios;
2. Salvo o devido respeito, está o Recorrente em crer que a douta Sentença enferma de um erro de aplicação de Direito quanto à concreta forma de cálculo devida pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal e de feriado obrigatórios e, nesta medida, se mostra em violação ao disposto nos artigos 17.º, 19.º e 20.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, razão pela qual deve a mesma ser julgada nula e substituída por outra que atenda à totalidade dos pedidos reclamados pelo Autor na sua Petição Inicial;
Em concreto,
3. Ao condenar a Recorrida a pagar ao ora Recorrente apenas uma quantia em singelo pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal não gozado, o Tribunal a quo terá procedido a uma interpretação menos correcta do disposto na al. a) do n.º 6 do art. 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, na medida em que de acordo com o referido preceito se deve entender que o mesmo trabalho deve antes ser remunerado em dobro do salário normal, entendido enquanto duas vezes a retribuição normal por cada dia de trabalho prestado em dia de descanso semanal, acrescido de um outro dia de descanso compensatório, tal qual tem vindo a ser seguido pelo Tribunal de Segunda Instância;
4. De onde, resultando provado que durante todo o período da relação laboral o ora Recorrente não gozou dos respectivos dias de descanso semanal deve a Recorrida ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$44.000,00 a título do dobro do salário - e não só de apenas MOP$22.000,00 correspondente a um dia de salário em singelo conforme resulta da decisão ora posta em crise - acrescida de juros até efectivo e integral pagamento, devendo manter-se a restante condenação da Ré no pagamento da quantia devida a título de não gozo de dias de descanso compensatório em virtude do trabalho prestado em dia de descanso semanal;
Acresce que,
5. Contrariamente ao decidido pelo douto Tribunal a quo, não parece correcto concluir que pela prestação de trabalho nos dias de feriados obrigatórios se deva proceder ao desconto do valor do salário em singelo já pago;
6. Pelo contrário, salvo melhor opinião, a fórmula correcta de remunerar o trabalho prestado em dia de feriado obrigatório nos termos do disposto no artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril - ainda que determinar em sede de liquidação de execução de Sentença - ser conceder ao Autor, ora Recorrente, um “acréscimo salarial nunca inferior dobro da retribuição normal, para além naturalmente da retribuição a que te direito” - o que equivale matematicamente ao triplo da retribuição normal - conforme tem vindo a ser entendido pelo douto Tribunal de Segunda Instância - devendo a mesma ser determinada em sede de liquidação d execução de sentença.
Nestes termos e nos de mais de Direito que V. Exas.. encarregar-se-ão de suprir, deve a douta Sentença ser julgada nula e substituída por outra que atenda aos pedidos tal qual supra formulados, assim se fazendo a já costumada JUSTIÇA!»
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Responderam ao recurso as rés da acção na mesma “contra-alegação”, que sintetizaram pela seguinte forma:
«I - Vem o Autor, Recorrente, colocar em crise a douta sentença recorrida por entender que andou mal o Tribunal de Primeira Instância ao adoptar o entendimento seguido pelo Tribunal de Última Instância a respeito do pagamento do trabalho prestado em dia de descanso semanal condenando assim a Ré STDM, Recorrida, apenas ao valor correspondente a um salário em singelo e não ao dobro pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, mais alegando o Autor que o tribunal a quo terá procedido a uma interpretação menos correcta do disposto na alínea a) do nº 6 do artigo 17º do DL 24/89/M de 3 de Abril.
II - No entanto, e quanto à forma de cálculo adoptada para apuramento de eventual compensação quanto aos descansos semanais a Recorrida concorda com a fórmula adoptada pelo Tribunal a quo que mais não é do que a fórmula que é apresentada pelo Tribunal de Última Instância, pois tal apuramento mais não segue senão o que está escrito na lei já que estabelece o nº 6, alínea a) do artigo 17º do aludido diploma legal que: “o trabalho prestado em dia de descanso semanal deve ser pago:
a) Aos trabalhadores que auferem salário mensal, pelo dobro da retribuição.”,
Referindo-se a lei ao trabalho que deve ser pago pelo dobro da retribuição e não à compensação que deve ser paga pelo dobro, referindo-se muito concretamente ao valor do trabalho efectuado em dia de descanso semanal e não ao valor da compensação.
III - Pelo que, a interpretação literal da lei foi bem feita pelo Tribunal a quo e pelo Tribunal de Última Instância, sendo, aliás, esta mesma interpretação a perfilhada pelo Dr. B, Ilustre mandatário do Recorrente, no seu livro “Manual de Formação de Direito do Trabalho em Macau”, págs. 283 e 284, quando diz: «Da nossa parte, sempre nos pareceu como mais correcto que a expressão “dobro da retribuição normal” queria significar para os trabalhadores que auferem um salário mensal o direito a auferir o equivalente a 100% da mesma retribuição, a acrescer ao salário já pago.», bem como a posição do Professor Teixeira Garcia no seu livro” Lições do Direito do Trabalho” Parte II, pág. 186, nota 18.
IV - Assim, e de acordo com decisões de Tribunais Superiores de Macau, designadamente com a decisão nº 28/2007 proferida pelo Tribunal de Última Instância, de acórdão datado de 21 de Setembro de 2007, nas situações em que o trabalhador já tenha recebido o salário normal correspondente ao trabalho prestado nos dias de descanso semanal, só terá então direito a receber outro tanto, e não em dobro, porquanto o trabalhador já foi pago em singelo, pelo que, caso resulte que o Recorrente não foi pago pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal, - o que não se concede -, este apenas terá direito a receber outro tanto da remuneração diária média, mas não em dobro, tal como é reclamado, devendo, por isso, improceder o recurso apresentado pelo Recorrente.
V - O Recorrente vem também colocar em crise a sentença proferida pelo Tribunal a quo na parte em que faz o cálculo quanto à compensação pelo trabalho prestado em dia de feriado obrigatório.
VI - Ora, entendem as Recorridas que o cálculo apurado pelo Tribunal a quo, que vai na mesma senda do Tribunal de Última Instância, mais uma vez, faz uma interpretação acertada da lei pois de acordo com o nº 1 do artigo 20º do mesmo diploma, “o trabalho prestado pelos trabalhadores nos dias de feriado obrigatório, referidos no nº 3 do artigo anterior, dá direito a um acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal (…) ”, i.e., se o trabalhador prestar trabalho em dia de feriado obrigatório para além do salário que já recebeu em singelo, terá direito ao dobro a título de compensação e não ao triplo, como erradamente é interpretado pelo Recorrente, indo no mesmo sentido o Tribunal de Ultima Instância sendo entendimento deste Tribunal Superior que tendo o trabalhador sido remunerado em singelo pelo trabalho prestado em dia de feriado obrigatório, o mesmo só terá direito a auferir o dobro da sua retribuição (cfr. Decisão nº 28/2007 proferida pelo Tribunal de Ultima Instância, acórdão datado de 21 de Setembro de 2007).
VII - Assim, caso resulte que o Autor, Recorrente, tenha trabalhado em dias de feriado obrigatório e se for possível determinar o número de dias que prestou trabalho em dia de feriado obrigatório – o que deveras se não concede -, tendo em conta que o Autor Recorrente foi sempre remunerado pela sua prestação de trabalho em dias de feriados obrigatórios no valor de um dia de salário normal diário, o mesmo apenas teria direito a receber o dobro do salário normal diário por cada dia de trabalho prestado em dia de feriado obrigatório e nunca o triplo, devendo, por isso, improceder também aqui o recurso apresentado pelo Recorrente.
VIII - Pelo que e face a todo o exposto não tem o Recorrente qualquer razão no recurso que apresenta, devendo o mesmo ser considerado totalmente improcedente.
Nestes termos, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá o recurso interposto ser considerado totalmente improcedente, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!»
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O segundo recurso foi interposto pelas rés da acção, “STDM” e “SJM”, cujas alegações concluíram pela seguinte forma:
«1 - O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo douto Tribunal Judicial de Base que julgou a acção procedente e condenou as Rés, ora Recorrentes, no pagamento de uma indemnização ao Autor A no valor de MOP$105.480.00 pela Ré STDM, sendo MOP$16.680,00 a título de subsídio de alimentação, MOP$10.800,00 a título de subsídio de efectividade, MOP$22.000,00 a título de descanso semanais, MOP$22.000,00 a título de não gozo dos dias de descanso compensatório MOP$20.500,00 a título de comparticipação no alojamento descontadas e MOP$13.500,00 pelas 16 horas de trabalho prestadas para além do período normal de trabalho em cada ciclo de 21 dias de trabalho, e no valor de MOP$ 166.575,00 pela Ré SJM, sendo MOP$37.500,00 a título de subsídio de alimentação, MOP$32.200,00 a título de subsídio de efectividade, MOP$60.375,00 a título de comparticipação no alojamento descontadas e MOP$36.500,00 pelas 16 horas de trabalho prestadas para além do período normal de trabalho em cada ciclo de 21 dias de trabalho, acrescidas de juros moratórios à taxa legal a contar do trânsito em julgado da sentença que procede à liquidação do quantum indemnizatório e mais condenando as Rés, ora Recorrentes, a pagar ao Autor o montante correspondente ao trabalho prestado em dias de feriado obrigatórios e a Ré STDM às bonificações ou remunerações adicionais incluindo gorjetas pagas ao operários residentes, a liquidar em execução de sentença.
2 - As Recorrentes vêm impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, nomeadamente a matéria fáctica vertida no ponto G e H da Matéria Assente e ainda nos quesitos 1 a 29 da Base Instrutória, porquanto da prova produzida em sede de julgamento nunca poderiam os referidos quesitos terem sido provados, tendo sido, salvo devido respeito, incorrectamente julgada pelo Douto Tribunal a quo e por outro lado, a sentença proferida a final nunca poderia ter decidido como decidiu em violação e incorrecta aplicação das normas jurídicas que lhe servem de fundamento, estando em crer que a decisão assim proferida pelo douto Tribunal de Primeira Instância padece dos vícios de erro de julgamento e erro na aplicação do direito, ou caso assim não seja entendido de nulidade por falta de fundamentação decorrente da violação do ónus da alegação por parte do Autor ora, Recorrido.
3 - Ficou assente e provado que entre 3 de Dezembro de 1998 e 21 de Julho de 2003, o Autor esteve ao serviço da 1ª Ré (STDM), prestando funções de “guarda de segurança” enquanto trabalhador não residente (Cfr. Doc. 1 (A)), que o Autor foi recrutado pela Sociedade D - Serviços de Apoio e Gestão Empresarial Cia, Lda. e exerceu a sua prestação de trabalho ao abrigo do Contrato de prestação de Serviço nº 5/98 celebrado entre a referida Agencia de emprego e a 1ª Ré (STDM (cfr. doc. 2 e 3)(B), e que por força do Despacho nº 01949/IMO/SEF/2003 do Senhor Secretário para a Economia e Finanças da RAEM de 17/07/2003 foi autorizada a transferência das autorizações concedidas para a contratação do Autor ( e demais 280 trabalhadores não residentes) por parte da 1ª Ré (STDM) e para a 2ª Ré (SJM) com efeitos a partir de 21/07/2003 (Cfr Doc. 4 (C).
4 - Que entre 22/07/2003 e 5/03/2011, o Autor esteve ao serviço da 2ª Ré (SJM), prestando funções de “guarda de segurança”enquanto trabalhador não residente (D) e que durante todo o tempo que prestou trabalho o Autor prestou trabalho no locais (postos de trabalho) indicados pelas Rés (E), durante o período em que prestou trabalho as Rés pagaram ao Autor a quantia de MOP$ 7,500.00 a título de salário base mensal (F) e que durante todo o período da relação de trabalho com as Rés o Autor prestou a sua actividade num regime de turnos rotativos (G), durante todo o período da relação de trabalho, o Autor exerceu a sua actividade para a Ré num regime de 3 turnos rotativos de 8 horas por dia: Turno A: das 08h às 16h; Turno B: das 16h às 00h e Turno C: das 00h às 08h (H).
5 - Resulta do ponto 3.1 do Contrato de Prestação de Serviços nº 5/98, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) a quantia de “ (...) $20,00 patacas diárias por pessoa, a titulo de subsidio de alimentação.” (1º) e que entre 03/12/1998 e 21/07/2003, a 1ª Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a titulo de subsidio de alimentação ou nunca entregou ao Autor qualquer tipo de alimentas e/ou géneros (2º) e entre 22/07/2003 e 31/03/2010, a 2ª Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a titulo de subsidio de alimentação ou nunca entregou ao Autor qualquer tipo de alimentas e/ou géneros (3º).
6 - Ficou também provado que do Contrato de Prestação de Serviços nº 5/98 celebrado entre a Ré e a Agencia de Emprego que “ (...) decorridos os primeiros 30 dias de prestação de trabalho por parte do trabalhador (leia-se a Autor) este terá direito, para além da remuneração supra referida, às bonificações ou remunerações adicionais que a 1ª outorgante (leia-se as Rés) paga aos operários residentes no território.” (4º) e que entre 03/12/1998 e 21/07/2003 a 1ª Ré (STDM) nunca pagou ao Autor quaisquer bonificações ou remunerações adicionais, incluindo gorjetas (5º) e ainda resultou do ponto 3.4 Do Contrato de Prestação de Serviços nº 5/98 celebrado entre a 1ª Ré e a Agencia de Emprego ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) “ (...) um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço” (6º) sendo também provado que durante todo o período da relação laboral o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte das Rés. (7º)
7 - Que entre 03/12/1998 e 21/07/2003 a 1ª Ré (STDM) nunca pagou ao Autor qualquer quantia de subsídio de efectividade (8º) e que entre 03/12/1998 e 21/07/2003 a 2ª Ré (SJM) nunca pagou ao Autor qualquer quantia de subsídio de efectividade (9º) e ainda que entre 03/12/1998 e 21/07/2003 a 1ª Ré (STDM) nunca fixou ao Autor, em cada período de sete dias um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição (10º), nem a nunca a 1ª Ré concedeu ao Autor um período de descanso consecutivo por cada conjunto de quatro semanas ou fracção, sem prejuízo da correspondente retribuição (11º) nem fixou ao Autor um outro dia de descanso compensatório do trabalho prestado em dia de descanso semanal (12º) nem nunca conferiu ao Autor um outro dia de descanso compensatório (13º).
8 - Mais ficou provado que entre 03/12/1998 e 21/07/2003 o Autor prestou a sua actividade durante os feriados obrigatórios para a 1ª Ré (14º) e que a 1ª Ré nunca pagou ao Autor uma qualquer quantia adicional (leia-se um qualquer acréscimo salarial) pelo trabalho prestado nos referidos dias de feriado obrigatórios (15º) bem como ficou provado que entre 22/07/2003 e 31/12/2008 o Autor prestou a sua actividade durante os feriados obrigatórios para a 2ª Ré (16º) e que a 2ª Ré nunca pagou ao Autor uma qualquer quantia adicional (leia-se um qualquer acréscimo salarial) pelo trabalho prestado nos referidos dias de feriado obrigatórios (17º)
9 - Durante o período em que o Autor prestou trabalho para as Rés procedeu a desconto da quantia de HKD750,00 sobre o salário mensal do Autor, a título de “comparticipação nos custos de alojamento” (18º) e que aquando do recrutamento do Autor no Nepal foi garantido ao Autor que teria direito a alimentação e alojamento gratuitos em Macau (18º A) e a referida dedução no salário do Autor era operado de forma automática e independentemente de o trabalhador (leia-se do Autor) residir ou não na habitação que lhe era providenciada pela 1ª Ré (18º B)
10 - Tendo também ficado provado que as Rés nunca pagaram ao Autor uma qualquer quantia (em singelo e/ou adicional) pelo trabalho prestado pelo Autor durante os dois períodos de 8 horas cada prestado num período de 24 horas em cada ciclo de 21 dias de trabalho consecutivo (19º).
11 - Os fundamentos aduzidos pelo douto Tribunal na resposta à matéria de facto:
Traduziram-se em súmula no seguinte: “Concretamente, atendemos ao depoimento prestado pela testemunha apresentada pelo Autor, com a razão de ciência que melhor resulta da acta da audiência, que revelou conhecimento directo dos factos sobre que depôs, num depoimento que se revelou sóbrio e não comprometido, tendo explicado que não era política da Ré permitir o gozo de descansos semanais (não sendo tal trabalho sido pago alem de um dia normal); explico ainda, a este propósito, que nunca foi dado qualquer dia de descanso compensatório. Explicou ainda a testemunha que não foi pago qualquer subsídio de efectividade ou qualquer compensação pela prestação de trabalho em dias de feriado obrigatório; quanto a estes últimos, a resposta restritiva decorre da circunstância de a testemunha ter explicado que o Autor (à sua semelhança) gozava 24 dias de férias anuais, não tendo, no entanto, conseguido concretizar exactamente o período em que tal sucedia, razão por que não houve prova suficiente dos dias de feriado obrigatório em que o Autor prestou trabalho. Explicou ainda a testemunha que nunca foram pagas quaisquer quantias a título de subsídio de alimentação, gorjetas ou outras remunerações além do salário. Mais explicou a testemunha que a Ré não forneciam refeições mas tão só um local onde os trabalhadores podiam tomar a refeição que traziam de casa. A testemunha inquirida afirmou ainda que, a título de alojamento, a Ré cobrava a quantia mensal de 750 HKD mesmo que os trabalhadores optassem por residir fora das residências fornecidas pela Ré. Mais relatou ainda a testemunha, de forma detalhada, como se processavam os turnos de trabalho e a sua rotatividade, precisamente nos termos que ficaram provados.
12 - Cumpre ainda referir que nenhuma prova de sentido contrário foi produzida, quer testemunhal, quer documental, que permitisse pôr em causa o depoimento prestado em audiência pela testemunha, nomeadamente nenhum registo que comprove ter o autor alguma vez faltado ao serviço ou que lhe tivesse sido paga qualquer quantia, e a que titulo, além do que resultou provado (...).»
13 - Entendeu o Digno Tribunal a quo em levar para a Especificação a matéria vertida nos quesitos 18º A) e 18 B), facto que as ora Recorrentes reclamaram por entenderem que face à impugnação feita em Contestação e ao facto de não disporem dados para determinarem da efectivação de tais turnos e, atento o estipulado no artigo 13º, nº 2 da Lei 7/2008 das Relações de Trabalho, a lei apenas obriga o empregador a manter e conservar os registos dos trabalhadores durante a vigência da relação de trabalho e por um período de três anos após a sua cessação.
14 - Mas no caso concreto a cessação da relação de trabalho ocorreu há mais de três anos e por isso as Rés não mais tinham em seu poder elementos que lhe permitissem confirmar tal facto e por isso a Recorrente não concorda e rejeita também tal decisão a qual também impugna, considerando que tal matéria deve fazer parte da Base Instrutória e nunca da Matéria Assente, pelo que deste modo violou a douta sentença recorrida a aplicação da lei e o disposto no artigo 13º, 3 da Lei 7/2008, pelo que deverá a sentença proferida ser revogada e substituída por outra que declare a passagem da matéria vertida nos pontos G e H, para a Base Instrutória com as demais consequências legais.
15 - No entanto, e caso assim não seja entendido, da prova produzida em sede de julgamento a resposta a todos os quesitos e a fundamentação supra transcrita teriam necessariamente de ser diferentes, pelo que estamos perante um claro erro de julgamento, pois no vertente processo, foi deferida a documentação das declarações prestadas na audiência de julgamento, existindo por isso suporte de gravação, o que permitirá ao douto Tribunal de Segunda Instância melhor avaliar, e decidir, sobre o ora invocado erro na apreciação da prova, aqui expressamente se requerendo a reapreciação da matéria de facto, nos termos admitidos no art. 629º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi art. 1º do Código de Processo do Trabalho.
16 - A Recorrente, ao invocar no presente recurso o erro na apreciação da prova, que, na sua óptica, inquina a decisão proferida pelo douto Tribunal a quo, não pretende apresentar apenas uma simples discordância relativamente à interpretação dos factos feita por aquele douto Tribunal, tendo bem presente o dispositivo do art. 558º do Código de Processo Civil, e a natureza insindicável da livre convicção relativamente à apreciação da prova efectuada pelo Tribunal recorrido, e estando bem ciente da jurisprudência afirmada nos Tribunais Superiores da RAEM mas a verdade é que é entendimento da Recorrente que tal erro de julgamento se verifica na situação dos autos, e que o vício apontado à decisão recorrida resulta dos próprios elementos constantes dos autos, que por si só são contraditórios, ou com recurso às regras da experiência comum.
17 - Nos presentes autos foi ouvida uma só testemunha C, cujo testemunho se encontra transcrito e pode ser ouvido no CD1 gravado em 15.11.2016 com início na passagem 10.03.01 até 11.55.04. e no qual se pode verificar que depoimento da única testemunha ouvida em julgamento é genérico sem que tivesse a testemunha conseguido concretizar se em relação ao Autor as coisas se passavam como se haviam passando em relação a si mesma, pois mais parece um verdadeiro depoimento de parte, não se podendo olvidar que a testemunha foi Autor numa acção em tudo semelhante àquela em que veio depor, o que tende a revelar a parcialidade do seu depoimento,
18 - Por isso, nunca poderia o Tribunal a quo ter dado como provado que o Autor não recebeu os subsídios a que alega ter direito, ou que nunca faltou sem conhecimento e autorização das Rés, ou que aquele nunca gozou dias de descanso semanal ou se, a cada 21 dias, trabalhava 16 horas em cada período de 24, tanto mais que o próprio Autor ora afirma que não teve nenhum descanso semanal ora afirma que nunca deu qualquer falta injustificada ou que nunca deu qualquer falta ao trabalho, sem conhecimento e autorização previa por parte da 1ª Ré (cfr. Quesito 7º) afirmando o Autor ao longo do seu articulado inicial que gozou de períodos de ausência ao trabalho (Cfr. artigos 13º e 14º da PI) para a testemunha vir depois dizer que o mesmo trabalhou continuamente e nunca descansou (transcrição a partir do minuto 06:30 da gravação feita em 15/11/2016 em 10.03.14), por isso com todo o devido respeito que, como se disse é muito, parece insuficiente admitir que a procedência do pedido do Autor seja feita com base num único depoimento genérico.
19 - Isto quando à Ré se tornou impossível contradizer documentalmente o depoimento da testemunha porquanto a presente demanda só se iniciou volvidos mais de 5 anos sobre o termo da relação laboral, não estando a mesma portanto obrigada a manter nos seus arquivos a documentação atinente a todos os seus trabalhadores. Pelo que também aqui pecou o Digno Tribunal a quo quando deu como provado tais factos, pelo que após reapreciação da prova efectuada em juízo por parte desse Venerando Tribunal da Segunda Instância deverá ser proferido douto Acórdão que julgue procedente o invocado vício de erro de julgamento ao dar por provados todos os quesitos da Douta Base Instrutória, os quais serão de dar por não provados.
20 - Mas ainda que improceda o recurso na parte respeitante à impugnação da decisão que dirimiu a matéria de facto, urge ainda questionar se o Autor teria direito a receber todos os créditos que reclama nos termos em que a sentença ora posta em crise os concedeu e a resposta só pode ser em sentido negativo, assim e no que diz respeito ao subsídio de alimentação e do subsídio de efectividade o Douto Tribunal a quo condenou as ora Recorrentes a pagarem ao Autor compensações a título de subsídio de alimentação e a título de subsídio de efectividade tendo o douto Tribunal a quo dado como provado os supra transcritos quesitos 1º, 2º, 3º, 6º, 8º e 9º. Tendo fundamentado a condenação da seguinte forma: “Quanto ao subsídio de alimentação resulta provado em 9) que era devido ao Autor o pagamento de 20 patacas diárias a tal título. Resulta ainda provado que entre 09 de Abril de 2001 (...) e 21 de Julho de 2003 a 1ª Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia (cf Facto 10) pelo que tem o Autor direito a receber a tal titulo a quantia de MOP$16.680,00 (834 dias x MOP$20) Resulta ainda provado que entre 22 de Julho de 2003 e 31 de Março de 2010 a 2ª Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia (cf Facto 11) pelo que tem o Autor direito a receber a tal titulo a quantia de MOP$37.500,00 (1875 dias x MOP$20). Quanto ao subsídio de efectividade resulta este previsto no Contrato de Prestação de Serviços na 5/98 (cfr. facto 14) e não foi pago pela Ré ao Autor sendo que entre 09 de Abril de 2001 (...) e 21 de Julho de 2003 o Autor não deu qualquer falta ao serviço sem conhecimento e autorização prévia da Ré (cf Facto 15) pelo que lhe é devida a quantia de MOP100x4 dias x 27 meses, isto é MOP10.800,00».Resulta ainda provado que não foi pago pela 2ª Ré ao Autor (Cfr. Facto 17) sendo que entre 22 de Julho de 2003 e 31 de Março de 2010 o Autor não deu qualquer falta ao serviço sem conhecimento e autorização prévia da Ré (cfr. facto 15) pelo que lhe é devida a quantia de MOP100x 4 dias x 80,5 meses, isto é MOP32.200, 00»
21 - Numa situação semelhante à dos autos em que à data da contratação do Autor estava em vigor o Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro - o qual regia a contratação de trabalhadores não residentes e tal como tem sido já entendido pelos Tribunais Superiores da RAEM, o contrato de prestação de serviços funciona como uma garantia do mínimo das condições remuneratórias a cumprir por parte da entidade promitente ou empregadora, sendo portanto de analisar se aquando do início da relação laboral os trabalhadores ficaram individualmente prejudicados face ao resultado que teriam se a entidade empregadora cumprisse apenas com aqueles mínimos das condições remuneratórias. Ora, por confrontação entre os valores mínimos prometidos por parte da entidade empregadora - e resultantes do contrato de prestação de serviços e o montante salarial pago ao Autor, resulta evidente que este ficou com condições remuneratórias muito superiores às previstas no aludido contrato de prestação de serviços.
22 - Se o Recorrente se tivesse limitado a cumprir com os mínimos a que se obrigou, Autor teria auferido um salário idêntico ao nível médio dos salários praticados para desempenho equivalente, num mínimo de $100.00 patacas diárias, acrescida de $20,00 patacas diárias por pessoa a título de subsídio de alimentação, ou seja MOP$3,600.00 mensais, ao qual poderia acrescer um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço.
23 - Mas a verdade é que, caso se considere que auferia MOP$7.500,00, ou seja, mais do dobro dos aludidos montantes, ficam assim devidamente cumpridas e verificadas as condições remuneratórias mínimas previstas no contrato de prestação de serviços. Assim, salvo devido respeito por melhor opinião, tendo no caso concreto a ora Ré efectivamente proporcionado ao Autor uma remuneração muito superior àquela a que se comprometeu por força do contrato de prestação de serviços, não se vislumbra em que medida se possa ter o referido contrato de prestação de serviços por violado e nem em que medida possa o Autor considerar-se prejudicado. Ademais, uma interpretação parcelar dos contratos procurando retirar “o melhor dos dois mundos” não poderá deixar de se ter por abusiva e, consequentemente, ilegítima nos termos do artigo 326º do Código Civil de Macau, conforme havia sido invocado em sede de contestação, pelo que nunca poderia proceder os pedidos formulados pelo Autor a título de subsídio de alimentação e de efectividade.
24 - Mas ainda que assim não se entenda sempre se diga que, o pedido formulado a título de subsídio de alimentação não poderia proceder, pois entendeu o douto Tribunal a quo que o Autor teria direito a receber MOP20 por 834 dias de trabalho que mediaram entre o dia 09 de Abril de 2001 (atenta a prescrição dos créditos reclamados pelo Autor) e 21 de Julho de 2003 e 1875 dias que mediaram entre 22 de Julho de 2003 e 31 de Março de 2010. No entanto, não se comprovou que entre 09 de Abril de 2001 e 31 de Março de 2010 o Autor tenha trabalhado 2709 dias, mas sim o que se provou foi que durante o período em que o Autor prestou trabalho nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte das Rés resultando assim assumido pelo Autor que teve períodos de “dispensa ao trabalho remunerados e/ ou não remunerados e autorizados pela Rés”. Por se pergunta então quantos dias o Autor faltou ao trabalho com conhecimento e autorização da Rés?
25 - A parca matéria fáctica alegada pelo Autor não pode conduzir, sem mais, à procedência do pedido e tendo resultou apurado que o Autor teve férias, que deu faltas ao serviço e que pediu dias de dispensa com autorização das Rés mas não se comprova (nem tão pouco foi alegado) quais são esses dias e se não foram alegados esses dias, e sendo os subsídios de alimentação e de efectividade atribuídos em função da efectiva prestação de trabalho, como poderá o Tribunal determinar quais os dias em que o Autor trabalhou e quais efectivamente os dias em que o Autor tem direito a tais subsídios? É que, o subsídio de alimentação, conforme tem vindo a ser entendimento unânime da doutrina e jurisprudência, trata-se de um acréscimo salarial que pressupõe necessariamente a prestação efectiva de trabalho por parte do seu beneficiário e tal entendimento tem sido aliás doutamente defendido por esse Venerando Tribunal de Segunda Instância em diversos arestos dos quais se destaca o proferido em 13.04.2014 no processo 414/2012 e lançando mão à douta decisão, para que houvesse condenação das Rés, ora Recorrentes, no pagamento desta compensação, deveria o Autor ter alegado e provado quantos foram os dias de trabalho efectivamente por si prestados, não tendo acontecendo, estando, aliás, a decisão em contradição com a factualidade provada (cfr. resposta ao quesito 9º, 10º, 11º, 14º, 15º e 16º).
26 - Pelo que, salvo devido respeito por melhor opinião, não tendo sido alegados nem provados os factos essenciais de que depende a atribuição do mencionado subsídio de alimentação, ou seja, a prestação efectiva de trabalho, não poderia o douto Tribunal ter condenado a Recorrente nos termos em o fez, padecendo assim a douto sentença nesta parte do vício de erro de julgamento da matéria de facto e na aplicação do Direito, devendo consequentemente ser revogada e substituída por outra que absolva as Recorrentes do pagamento de compensação a título de subsidio de alimentação.
27 – Quanto ao subsídio de efectividade veio a apurar-se que o mesmo fazia parte do contrato de prestação de serviços 5/98 e ainda que o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte da Ré, mas por definição e conforme resulta do aludido contrato de prestação de serviços, o subsídio de efectividade visa premiar a efectiva prestação do trabalho e o Contrato de Prestação de Serviços é claro ao prever que o subsidio de efectividade pressupunha que “ [...] no mês anterior não tenha dada qualquer falta ao serviço.” (Sombreado nosso), sendo irrelevante que o trabalhador tenha faltado por motivo justificado ou mesmo sob autorização prévia, sendo que nos presentes autos não foi feita qualquer prova relativamente à assiduidade do Autor, não se tendo apurado quantos dias de trabalho efectivo ele prestou e nem quantas vezes faltou ao serviço, muito antes pelo contrário, resulta dos autos (e da matéria de facto provada) que o Autor deu faltas ao serviço, ainda que justificadas, não tendo porém sido tais faltas quantificadas, nem se determinando quando foram dadas., não estando o Tribunal a quo em condições de concluir que em cada um dos meses em que durou a relação laboral o Recorrido não deu faltas ao serviço por forma a concluir que tinha o mesmo direito a perceber um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias. Ou seja, é insuficiente a matéria de facto apurada nos presentes autos que permita ao Tribunal a quo sustentar a condenação das Recorrentes a pagar ao Recorrido qualquer montante a título de subsídio de efectividade, devendo assim ser revogada e substituída por outra que absolva as Recorrentes do peticionado ou caso assim não se entenda, o que apenas por mera cautela de patrocínio se poderá conceder, que tão-somente condene as Recorrentes a pagarem ao Recorrido a compensação a título de subsídio de efectividade e de subsídio de alimentação que se venham a liquidar em sede de execução de sentença, nos termos do preceituado no nº 2 do artigo 564º do CPC.
28 - Quanto à compensação do trabalho prestado em dia de descanso semanal e feriados, o Tribunal a quo por provado o constante nos quesitos 10º, 11º, 12º e 13, no entanto, tendo resultado que o recorrido teve faltas ainda que justificadas, como pode o Tribunal entender decidir o n” de dias devidos e não gozados pelo Recorridos a que se faz alusão a fls. 216 verso e 217 da sentença? Pois estando provadas as dispensas ao trabalho ainda que remuneradas e os 24 dias de férias anuais, tal como referido pelo Meritíssimo Juiz a quo no relatório da resposta à matéria de facto, sem que a testemunha conseguisse determinar em que dias o Autor gozou tais dias de férias anuais (Cfr. agravação CD1-excerto 11.10.24 de 00.33 a 04:40) nunca poderia o Tribunal ter condenado a Recorrente STDM ao pagamento da quantia de MOP$ 22.000,00 + MOP$ 22.000,00 (descansos compensatórios) sem que se provasse o número de dias concretos que o Autor deixou de gozar o seu descanso semanal.
29 - Verifica-se assim uma errada aplicação do Direito e erro no julgamento da matéria de facto por parte do Tribunal a quo na condenação da recorrente nas quantias peticionadas a título de trabalho prestado em dia de descanso semanal e em quantia indefinida quanto aos feriados obrigatórios, já que o mesmo raciocínio se aplica a este pedido de crédito, em violação do princípio do dispositivo consagrado no art. 5º do CPC e bem assim o disposto nos artigos 17º e 19º do DL 24/89/M.
30 - Mas mais se diga quanto à questão dos descansos semanais e feriados obrigatórios, já que foram juntos aos autos pela Recorrida STDM em audiência de discussão e julgamento públicas - formas de certidões da Direcção dos Serviços de Finanças com os rendimentos anuais do Autor onde se pode verificar que o Autor, por exemplo no ano de 2001 auferiu um rendimento superior ao que este admite auferir na petição inicia1.Com efeito, pode verificar-se que nesse ano de 2001 auferiu MOP$102,087.00, ora, deduzindo a esta quantia o imposto profissional no valor de MOP$ 1.730,00 e imposto de selo no valor de MOP$87.00, resulta que o Autor auferia por mês (MOP$102087-MOP$1730-87=MOP$100.270,00: 12meses = MOP$8,355 e se está assente que o Recorrido auferia MOP$7.500,00 com poderá este justificar os MOP$ 855,00 que recebia para além do vencimento? Deste valor em excesso apenas se pode concluir aquilo que as Recorrentes sempre alegaram na sua contestação, que se o Recorrido trabalhou nos descansos semanais e feriados estes foram pagos e a prova está nesta remuneração adicional de MOP$855,00, mesmo acontecendo em relação ao ano de 2002 conforme se pode comprovar no mesmo documento da Direcção de Finanças.
31 - Ora, o Meritíssimo Juiz a quo não considerou tais documentos, no entanto, consideram as Recorrentes, sempre com todo o respeito por opinião diversa, que o Digno Tribunal deveria ter apreciado tais elementos de prova e assim ter dado como assente que tanto os descansos semanais como os feriados teriam sido pagos devendo assim a sentença ser revogada e substituída por outra que absolva as Recorrentes do peticionado, ou caso assim não se entenda, o que apenas por mera cautela de patrocínio se poderá conceder, que tão-somente condene a Recorrente a pagar ao Recorrido a compensação a título de trabalho prestado em dia de descanso semanal que se venham a liquidar em sede de execução de sentença, nos termos do preceituado no nº 2 do artigo 564º do CPC.
32 - Quanto à comparticipação nos custos de alojamento a sentença recorrida baseou a condenação da Recorrente neste ponto determinando que: “Cremos que, à falta de qualquer outra justificação que se mostra indevido o desconto de forma automática da quantia de HK$750,00 por cada mês, atenta, desde logo, a obrigação assumida de disponibilizar aquando da contratação de alojamento gratuito (cfr. facto provado 26 e 28, pelo que terá de devolver a quantia de MOP$ 20.250,00 (e não MOP$ 20.500,00 como por lapso é referido na decisão cuja rectificação desde já se requer) a título de devolução da “comparticipação no alojamento” (1ª Ré: Mop$750.00 x 27 meses).” e MOP$ 49.875,00 (2ª Ré: MOP$750,00x66 meses) a título de devolução de “comparticipação de alojamento”. Ora, não está alegado pelo Autor, ora Recorrido, que foi a Recorrente quem garantiu o alojamento gratuito em Macau nem tal resultou do depoimento da testemunha pois dos autos se permite concluir pelo pedido alegado que existe uma outra entidade responsável pelo recrutamento, ou seja uma agência de recrutamento, já que no ponto B ficou provado que o Autor foi recrutado pela sociedade D, o qual não pode ser olvidado pelo Digno Tribunal a quo, entidade que nada tem a ver com as Recorrentes. E estes factos, não estão também suficientemente alegados para permitir uma condenação pelo Tribunal.
33 - Por outro lado, não violaram as Recorrentes o preceituado no artigo 9º do Despacho 12/GM/88 nem tão pouco a alínea a) e b) do artigo 9º do Decreto-lei 24/89/M porquanto não resultou dos autos que as Recorrentes não tenham fornecido alojamento ao Autor, nem que tivesse obrigado o Autor a adquirir ou utilizar quaisquer bens ou serviços por si fornecido, pois o que se apurou foi que as Rés procederam a uma dedução do salário do Autor a título de comparticipação nos custos de alojamento, não decorrendo da Lei que a entidade patronal esteja obrigada a arcar com as despesas de água, luz, gás, limpeza e manutenção dos alojamentos que fornece. E que a dedução no salário do Autor era operada de forma automática e independentemente de o trabalhador (leia-se Autor) residir ou não na habitação que lhe era pela Ré e/ou agência de emprego... mas afinal, neste caso concreto, o Autor deixou de residir em tal habitação que tinha sido fornecidas pelas Recorrentes? Tal questão ficou sem resposta. Sendo obrigação da entidade patronal garantir alojamento - mas já não proceder ao pagamento das despesas com água, luz, gás, limpeza e manutenção dos alojamentos que fornece - e não se tendo provado em concreto se o Autor residiu fora do alojamento que lhe foi fornecido pela Ré e que mesmo assim estas continuaram a descontar a aludida quantia, o Tribunal a quo não poderia senão absolver as Recorrentes do pedido.
34 - Pelo que também aqui não poderá proceder o pedido do Recorrido, verificando-se assim uma errada aplicação do Direito e erro no julgamento da matéria de facto por parte do Tribunal a quo na condenação da recorrente nas quantias aqui peticionadas, violando assim o princípio do dispositivo consagrado no art. 5º do CPC e bem assim o disposto nos artigos 17º e 19º do DL 24/89/M, devendo assim a sentença ser revogada e substituída por outra que absolva as Recorrentes do peticionado, ou caso assim não se entenda, o que apenas por mera cautela de patrocínio se poderá conceder, que tão-somente condene as Recorrentes a pagarem ao Recorrido a compensação a título de comparticipação dos custos de alojamento que se venham a liquidar em sede de execução de sentença, nos termos do preceituado no nº 2 do artigo 564º do CPC.
35 - No que diz respeito à reclamação das compensações reclamadas pela prestação de trabalho em regime de turno e trabalho extraordinário à semelhança do ocorrido com o subsídio de alimentação o Recorrente limitou-se a invocar factos genéricos, não alegando especificadamente quais os factos que permitam concluir que tenha direito a pedir qualquer tipo de compensação a esse titulo, nem a própria testemunha, já que apresenta um testemunho genérico e indirecto sem conhecimento real e concreto da situação do recorrido pois nem o Recorrido nem a testemunha especifica datas, dias de trabalho efectivamente prestado, quando é que tais turnos coincidiam e quais os dias, e se ficou provado que o Recorrido dava faltas ao serviço (ainda que justificadas) ou pedia dispensas, como pode o Tribunal determinar com certeza quais os dias em que o Autor estava de turno? Ou ainda se eram ou não despendidas horas extraordinárias?
Na verdade, não é possível ao Tribunal determinar quais as horas extraordinárias que o trabalhador efectuava. Motivo pelo qual também aqui o Tribunal andou mal ao condenar as Recorrentes, em violação do art. 5º do CPC e do art. 10º do DL 24/89/M.
36 - Mas mais se saliente um facto importante que o Tribunal deveria ter tido também em consideração, já que se reporta à relação laboral, in totum, que são as férias anuais gozadas pelo Autor, pois o Tribunal para o cômputo de todas compensações devidas pelos créditos reclamados pelo Recorrido tem que ter e conta todos os dias de trabalho bem como todos os dias de férias, feriados descansos gozados para efectivamente proceder ao cálculo das mesmas. Ora, não tendo sido alegado pelo Recorrido mas tendo sido dito pela testemunha que os guardas Nepaleses tinham direito a 24 dias de férias anuais, e não se sabendo quando, em cada ano, o Autor, ora Recorrido, gozou as férias anuais, porque a testemunha não logrou concretizar em audiência, pergunta-se mais uma vez como pode o Tribunal a quo, estabelecer com toda a certeza os dias para cômputo das compensações relativas aos feridos obrigatórios e descansos semanais, subsídio de efectividade, subsídio de alimentação e trabalho extraordinário nos turnos?
37 - Face a esta falta de previsão por parte do Digno Tribunal no apuramento das compensações a atribuir ao Recorrido entendem as Recorrentes, sempre com todo o respeito, que padece a douta decisão dos vícios de erro de julgamento da matéria de facto e erro na aplicação do direito, devendo assim a sentença ser revogada e substituída por outra que absolva a Recorrente do peticionado, ou caso assim não se entenda, o que apenas por mera cautela de patrocínio se poderá conceder, que tão-somente condenem as Recorrentes a pagar ao Recorrido a compensação a título de trabalho extraordinário que se venham a liquidar em sede de execução de sentença, nos termos do preceituado no nº 2 do artigo 564º do CPC.
38 - Quanto bonificações ou remunerações adicionais, incluindo gorjetas entendeu o Tribunal a quo que tendo em conta o ponto 3.3 do Contrato de prestação de Serviços 5/98 teria o Autor direito a perceber as bonificações ou remunerações adicionais incluindo gorjetas pagas aos operários residentes a liquidar em execução de sentença. Com interesse para apreciação desta questão, pode ler-se na decisão recorrida que, “Entre 09/04/2001 e 21/07/2003 a 1ª Ré nunca pagou ao Autor quaisquer bonificações ou remunerações adicionais, incluindo gorjetas que pagou a todos os demais trabalhadores residentes, incluindo guardas de segurança.” (sublinhado e destacado nossos), mas com o devido respeito entende a Recorrente que o Tribunal a quo interpretou mal a aludida cláusula no que ao pagamento das gorjetas diz respeito.
39 - Ora, resulta claramente da supra transcrita cláusula que os trabalhadores não residentes teriam direito às bonificações ou remunerações adicionais PAGAS pela Recorrente aos operários residentes, havendo assim que distinguir o que sejam as gratificações pagas pela entidade patronal do que sejam as gratificações pagas por terceiros, cumprindo não confundir o que seja o seu pagamento e a sua distribuição. As gratificações pagas pela entidade patronal, têm carácter de recompensa, visando premiar e incentivar o trabalhador face ao seu bom desempenho. No caso ficou por comprovar (e até mesmo por alegar) quais foram as bonificações ou remunerações adicionais que a Recorrente pagou aos trabalhadores residentes. Mas uma coisa é certa... nessas bonificações ou remunerações adicionais não será de incluir as gorjetas porque não são as mesmas pagas pela aqui 1ª Ré, ora Recorrente, mas sim pelos seus Clientes.
40 - Não tinha a Recorrente nenhum dever de pagar ao Autor nenhuma gorjeta, tal como não existia esse dever para com nenhum dos seus trabalhadores residentes. Ao contrário do que o Autor pretendeu transparecer e veio a ser erradamente admitido pelo Tribunal, as gorjetas não correspondem a uma prestação do empregador mas sim de um terceiro e como tal não estão abrangidas pela sobredita cláusula. Cumpre aliás salientar que a nova lei das relações de trabalho (Lei 7/2008) enquadra as gorjetas no conceito de “remuneração variável” (cfr. artigo 2º alínea 5) e não como remuneração de base o que reforça o argumento que a sua distribuição não constitui uma verdadeira obrigação para a entidade patronal e mais se saliente que em audiência a testemunha quanto a este ponto se baseou apenas naquilo que “ouviu dizer”. Por isso, nunca poderia o Tribunal ter condenado a Recorrente ao pagamento das bonificações ou remunerações adicionais, incluindo gorjetas, por falta de preenchimento do requisito para tal, pelo que não poderá a Recorrente senão ser absolvida do sobredito pedido.
41 - Face a todo o acima exposto se concluiu também que a decisão em crise padece do vício de falta de fundamentação decorrente da violação do ónus da alegação por parte do Recorrido, isto porque a decisão em crise mantém na íntegra as conclusões incoerentes feitas na petição inicial, mantendo por responder a questões/vícios que a seguir se enumeram: (i) ter o Autor trabalhado todos os dias da semana, embora reconheça ter faltado algumas vezes com autorização prévia da 1ª Ré; (ii) Quantos foram esses dias de faltas justificadas e quando foram gozados os 24 dias de férias anuais? (iii) Deverá ser atendida a “média” de 30 dias por ano de faltas autorizadas, como o autor concede na nota 1 ao art.º 22º da petição inicial? Que factos suportam esta conclusão?
42 - Com todo o devido respeito, as incoerências e violação do ónus de alegação por parte do recorrido só poderia, em nossa modesta opinião, ser resolvida pelo Tribunal de Primeira Instância de uma de duas formas: Ou dava a oportunidade ao Autor para aperfeiçoar a petição inicial, apresentando nova peça consistente e coerente que permitissem uma decisão clara e esclarecida: ou dava por provado apenas e tão só os factos que se encontram efectivamente provados e suficientemente alegados. O que o Tribunal a quo não podia fazer foi o que fez, ou seja, factualizar as conclusões do Autor (não suportadas em factos) e os factos incoerentes e contraditórios que se mantêm na íntegra. Esta decisão, por essa razão, padece também de vício de falta de fundamentação decorrente do ónus da violação do ónus de alegação por parte do Recorrido, sendo, por isso, nula.
Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente Recurso e, em conformidade,
deverá ser declarada nula a sentença recorrida nos termos nos termos do disposto no artigo 571º, n.º 1 al. b), ex vi do artigo 43º do CPT, com as demais consequências legais.
Sem prescindir, e caso assim não se entenda, deverá ser revogada a sentença recorrida nos termos supra explanados, com as demais consequências da lei,
Termos em que farão V. Exas. a costumada JUSTIÇA!»
*
O autor concluiu pelo seguinte modo a sua resposta a este recurso:
«1. Contrariamente ao alegado pelas Recorrentes, não se vislumbra da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento um qualquer erro ou vício quanto à decisão da matéria de facto posta em crise;
2. Pelo contrário, o Tribunal a quo apreciou e conheceu com detalhe o fundo da causa, enquadrando devidamente os factos no Direito aplicável e em conformidade com a prova produzida, tendo formado a sua convicção ao abrigo dos seus poderes de livre apreciação e mediante uma análise séria, crítica e descomprometida das provas carreadas e/ou produzidas em sede de audiência de julgamento e com desenvolvida especificação das razões e dos fundamentos convincentes da mesma convicção e sem que exista nos autos um qualquer outro meio de prova de igualou de superior valor que possa pôr em causa a sua credibilidade, certeza ou justeza, razão pela qual deve a douta Decisão manter-se (sem prejuízo do alegado pelo ora Recorrido em sede das suas Alegações de Recurso);
3. Ademais, a leitura das passagens da gravação transcritas pelas Recorrentes - bem como a audição completa e contínua do teor das declarações prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento - apenas confirma que a testemunha inquirida revelou seriedade e não comprometimento, bem como um conhecimento directo dos factos sobre os quais foi chamada a depor;
Em concreto,
4. Contrariamente ao alegado pelas Recorrentes em caso algum se pode concluir que quer a matéria vertida nos pontos G e H da Matéria Assente, como quesitos 1.º a 29.º (leia-se, TODOS OS QUESITOS) da Base Instrutória terão sido incorrectamente julgados pelo Tribunal;
5. É, no mínimo, “atrevimento” virem as Recorrentes alegar que desconhecem o regime de turnos dos seus funcionários por “não mais disporem de dados para determinarem da efectificação de tais turnos”... fazendo com que se possa concluir que seriam os próprios trabalhadores (croupiers, guardas de segurança, cozinheiros, etc.,) quem procedia eles próprios à marcação dos seus horários de trabalho, pondo em risco a necessária laboração contínua e permanente das Recorrentes...
6. Depois, quanto à demais matéria de facto, as Recorrentes mais não fazem do que apresentar a sua directa - mas infundada - discordância quanto à sua apreciação, mas sem que nada de concreto adiantem quanto às razões para tais discordância(s), refugiando-se em argumentos de ordem geral e por vezes descontextualizados em puro desrespeito pelo Princípio da livre apreciação da prova;
7. Ademais, não obstante as Recorrentes transcreverem (grande parte) do depoimento prestado pela testemunha ouvida em juízo, fazem-no sem especificar a propósito de cada um dos concretos factos por si postos em crise e, bem assim, sem indicar em que medida se impunha uma resposta diferente da que foi dada pelo Tribunal a quo tendo em conta o concreto conteúdo do testemunho prestado, de onde se retira que as Recorrentes não deram integral cumprimento ao “especial ónus de alegação” imposto pelo art. 599.º do CPC - e que em caso algum se pode ter por satisfeito com a mera reprodução/transcrição do testemunho prestado em juízo - razão pela qual deve ser rejeitado o Recurso nesta parte;
Sem prescindir,
8. Salvo melhor entendimento, não parece correcto concluir que resulta da matéria de facto provada que: o Autor deu faltas ao serviço e que pediu dias de dispensa com autorização da Ré, porquanto o que resulta da mesma matéria de facto provada foi que: “Durante todo o período em que o Autor prestou trabalho, o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho, sem conhecimento e autorização prévia por parte das Rés”e que “o Autor gozava 24 dias de férias anuais” e “nenhum registo que comprove ter o autor alguma vez faltado ao serviço”, o que acredita ser manifestamente distinto...;
9. Ou melhor, em caso algum se poderá aceitar que o facto de ter resultado provado que durante todo o período da relação de trabalho o Autor nunca deu qualquer falta injustificada nem qualquer falta sem conhecimento e autorização prévia por parte da Ré possa, por si só, igualmente fazer com se conclua resultar da matéria de facto provada que: o Autor deu faltas ao serviço e que pediu dias de dispensa com autorização da Ré...;
10. A ser assim - ressalvado o devido respeito por diferente entendimento - as Recorrentes procuram alegar matéria nova que extravasa os limites formais da matéria controvertida - razão pela qual está precludida a possibilidade sua apreciação;
Mas ainda que assim não se entenda,
11. Contrariamente ao alegado, o Contrato de Prestação de Serviço ape estipula o mínimo das condições remuneratórias a favor dos trabalhador que venham a ser recrutados ao seu abrigo, sendo que nada impede que se' fixadas outras desde que mais favoráveis;
12. De onde, o facto de as Recorrentes terem pago ao Autor, a título de salário diário, uma quantia que se mostra superior ao mínimo diário constante do Contrato de Prestação de Serviços, em caso algum faz com que as mesmas deixem de estar obrigadas a pagar as demais quantias (remuneratórias ou não) que igualmente se obrigaram a pagar relativamente a cada uma das “vertentes contratuais” (leia-se, contrato de prestação de serviços e contrato individual de trabalho) e, em concreto, devidas ao Recorrido a título de subsídio de alimentação, subsídio de efectividade e outras bonificações ou remunerações adicionais;
Sem prescindir,
13. Salvo melhor opinião, a afirmação em sede de Alegações de Recurso de que a atribuição ao Recorrido do subsídio de alimentação constante do Contrato de Prestação de Serviço só é devido quando o trabalhador presta serviço efectivo, consubstancia matéria de excepção que há muito deveria ter sido alegada pelas Rés, maxime em sede de Contestação, pelo que não o tendo feito em momento próprio, precludido se mostra o direito de o fazer agora...
14. Certo é que, a respeito da atribuição (ou não) do subsídio de alimentação ao Autor, ora Recorrido, as Recorrentes limitaram-se na sua Contestação a afirmar que: o mesmo foi sempre pago aos seus trabalhadores; que as Rés sempre forneceram refeições diárias aos Autores e a todos os seus colegas, e que todos os casinos dispunham de uma cantina, o que resultou tudo NÃO PROVADO;
Acresce que,
15. A mera junção pela 1.ª Recorrente (em sede de audiência de discussão e julgamento) de uma declaração de rendimentos do Recorrido referente aos anos de 2001 e 2002, apenas e tão-só comprova que a mesma terá declarado tais valores junto da Direcção dos Serviços de Finanças da RAEM para efeitos de pagamento de imposto profissional, mas já não demonstra - por si só - que as referidas quantias (e a que concreto título) tenham sido efectivamente recebidas pelo Recorrido...;
16. Seja como for - e a ser verdade que o Autor terá recebido por parte da 1.ª Recorrente as quantias pela mesma declaradas para efeitos de pagamento de imposto profissional - tal só deixa ver que o Autor não terá dado faltas ao serviço (pelo menos, faltas injustificadas e não remuneradas) porquanto, de outro modo, não mais teria auferido o seu salário por inteiro… contrariamente ao que a 1.ª Recorrente se esforça por concluir...;
17. Certo é que, apenas a 1.ª Recorrente - e não o ora Recorrido - está em condições de explicar que montantes salariais foram (e a que título) pagos ao Autor ao longo da relação de trabalho, e os documentos juntos em audiência nada elucidam a tal respeito, conforme bem concluiu o Tribunal a quo;
18. Depois, em matéria de subsídio de efectividade, o que tem vindo a ser concluí pelo Tribunal de Segunda Instância é que: “ (...) as faltas justificadas não são consideradas como fundamento de exclusão do subsídio em apreço ” (Cfr. o Ac. do TSI, Processo n.º 308/2014, de 24/06/2014), razão pela qual o mesmo é devido e ainda que se aceite que o Autor “deu faltas ao serviço e que pediu dias de dispensa com autorização da Ré ”, razão pela qual deve improceder todo o alegado pelas Recorrentes a tal respeito;
19. Quanto trabalho prestado em dia de descanso semanal e dia de descanso compensatório, a 1.ª Recorrente limita-se a manifestar a sua discordância de ordem geral e sem que avance um único elemento documental que se mostre capaz de abalar a convicção do Tribunal a quo, razão pela qual deve também aqui improceder o Recurso apresentado;
20. Não obstante, parece ter escapado à 1.ª Recorrente que tanto aquando da formulação do pedido pelo Autor como da condenação pelo Tribunal a quo, foi tido em conta os 24 dias de férias anuais em que se ausentava para o Nepal, razão pela qual deve igualmente improceder o alegado a este respeito;
21. Quanto à comparticipação nos custos de alojamento, está o Recorrido em crer que as questões agora suscitadas pelas Recorrentes há muito o deviam ter sido feitas, por forma a poderem ter sido objecto de apreciação por parte do Tribunal a quo, razão pela qual precludido se encontra o direito das Recorrentes, não podendo as mesmas vir agora a ser levadas em conta, porquanto está vedada a sua apreciação pelo Tribunal de Recurso;
22. Não obstante, as Recorrentes olvidam por completo que resulta da matéria PROVADA que a quantia de HK$750,00 era cobrada “mesmo que os trabalhadores optassem por residir fora das residências fornecidas pela Ré”, razão pela qual se torna completamente irrelevante as dúvidas ou pertinências que as Recorrentes tão-só agora pretendem suscitar;
23. Quanto ao trabalho por turnos e trabalho extraordinário, as Recorrentes limitam-se a tecer comentários de ordem geral, sem que apresentem um único argumento convincente da sua razão;
24. A respeito das bonificações ou remunerações adicionais, incluindo gorjetas, as Recorrentes mais não fazem do que procurar “tapar com uma peneira” a interpretação que reiteradamente tem vindo a ser seguida pelo Tribunal de Segunda Instância a respeito da natureza jurídica das gorjetas e, bem assim, da obrigatoriedade do seu pagamento aos ex-trabalhadores da 1.ª Recorrente;
Por último,
25. Não deixará certamente de constituir uma discussão jurídica interessante a questão de saber se à luz da Nova Lei das Relações de Trabalho - na qual as gorjetas surgem enquadradas no conceito de “remuneração variável” - tendo as mesmas (gorjetas) sido contratualmente fixadas as mesmas serão ou não devidas por constituírem uma “verdadeira obrigação para a entidade patronal” ;
26. Porém, porquanto o Recorrido acredita tratar-se de uma pertinência jurídica que ultrapassa seguramente o âmbito da concreta legislação a aplicar nos presentes autos, a sua concreta discussão terá de aguardar para outra e quiçá melhor oportunidade...
Termos em que devem ser aceites as presentes Alegações de Reposta e julgado improcedente o Recurso apresentado pelas Recorrentes, assim se fazendo a costumada Justiça!».
*
Cumpre decidir.
***
II – Os Factos
A sentença teve por provada a seguinte factualidade:
1) Entre 03 de Dezembro de 1998 e 21 de Julho de 2003, o Autor esteve ao serviço da 1.ª Ré (STDM), prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (cfr. doc.1). (A)
2) O Autor foi recrutado pela Sociedade D - Serviço de Apoio e Gestão Empresarial Cia, Lda. - e exerceu a sua prestação de trabalho ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços n.º 5/98 celebrado entre a referida Agência de Emprego e a 1.ª Ré (STDM (Cfr. doc. 2 e 3). (B)
3) Por força do Despacho n.º 01949/IMO/SEF/2003, do Senhor Secretário para a Economia e Finanças da RAEM, de 17/07/2003, foi autorizada a transferência das autorizações concedidas para a contratação do Autor (e dos demais 280 trabalhadores não residente) por parte da 1.ª Ré (STDM) para a 2.a Ré (SJM), com efeitos a partir de 21/07/2003 (Cfr. doc. 4). (C)
4) Entre 22/07/2003 e 05/03/2011, o Autor esteve ao serviço da 2.ª (SJM), prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (D)
5) Durante todo o tempo que prestou trabalho, o Autor sempre prestou a sua actividade nos locais (postos de trabalho) indicados pelas Rés. (E)
6) Durante o período que prestou trabalho, as Rés pagaram ao Autor quantia de Mop$7,500.00, a título de salário de base mensal. (F)
7) Durante todo o período da relação de trabalho com as Rés, o Autor prestou a sua actividade num regime de turnos rotativos. (G)
8) Durante todo o período da relação de trabalho, o Autor exerceu a sua actividade para a 1.ª Ré (STDM) num regime de 3 turnos rotativos de 8 horas por dia:
Turno A: (das 08h às 16h)
Turno B: (das 16h às 00h)
Turno C: (das 00h às 08h) (H)
9) Resulta do ponto 3.1. do Contrato de Prestação de Serviços n.º 5/98 celebrado entre a Ré e a Agência de Emprego), ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) a quantia de “(...) $20,00 patacas diárias por pessoa, a título de subsídio de alimentação”. (1.º)
10) Entre 03/12/1998 e 21/07/2003, a 1.ª Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação ou nunca entregou ao Autor qualquer tipo de alimentos e/ou géneros. (2.º)
11) Entre 22/07/2003 e 31/03/2010, a 2.a Ré (SJM) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação. (3.º)
12) Resulta do Contrato de Prestação de Serviços n.º 5/98 celebrado entre a Ré e a Agência de emprego, que “(...) decorridos os primeiros 30 dias de prestação de trabalho por parte do trabalhador (leia-se o Autor), este terá direito, para além da remuneração supra referida, às bonificações ou remunerações adicionais que a 1.º outorgante (leia-se, as Rés) paga aos operários residentes no Território”. (4.º)
13) Entre 03/12/1998 e 21/07/2003, a 1.ª Ré (STDM) nunca pagou ao Autor quaisquer bonificações ou remunerações adicionais, incluindo gorjetas. (5.º)
14) Resulta do ponto 3.4. do Contrato de Prestação de Serviços n.º 5/98 celebrado entre a 1.ª Ré e Agência de Emprego, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) “(...) um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço”. (6.º)
15) Durante todo o período em que o Autor prestou trabalho, o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte das Rés. (7.º)
16) Entre 03/12/1998 e 21/07/2003, a 1.ª Ré (STDM) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade. (8.º)
17) Entre 22/07/2003 e 03/2010, a 2.ª Ré (SJM) nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade. (9.º)
18) Entre 03/12/1998 e 31/12/2002, a 1.ª Ré (STDM) nunca fixou ao Autor, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição. (10.º)
19) A 1.ª Ré nunca concedeu ao Autor um período de descanso consecutivo de quatro dias por cada conjunto de quatro semanas ou fracção, sem prejuízo da correspondente retribuição. (11.º)
20) A 1.ª Ré nunca fixou ao Autor um outro dia de descanso compensatório em consequência do trabalho prestado em dia de descanso semanal. (12.º)
21) A 1.ª Ré (STDM) nunca conferiu ao Autor um qualquer outro dia de descanso compensatório. (13.º)
22) Entre 03/12/1998 e 21/07/2003 o Autor prestou a sua actividade durante feriados obrigatórios para a 1.ª Ré. (14.º)
23) A 1.ª Ré (STDM) nunca pagou ao Autor uma qualquer quantia adicional (leia-se, um qualquer acréscimo salarial) pelo trabalho prestado nos referidos dias de feriado obrigatórios. (15.º)
24) Entre 22/07/2003 e 31/12/2008 o Autor prestou a sua actividade durante feriados obrigatórios para a 2.ª Ré. (16.º)
25) A 2.ª Ré (SJM) nunca pagou ao Autor qualquer quantia adicional (leia-se, qualquer acréscimo salarial) pelo trabalho prestado nos referidos dias de feriado obrigatórios. (17.º)
26) Durante o período em que o Autor prestou trabalho, as Rés procederam a uma dedução no valor de HKD750,00.00 sobre o salário mensal do Autor, a título de “comparticipação nos custos de alojamento”. (18.º)
27) Aquando da contratação do Autor no Nepal, foi garantido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes de origem Nepalesa) alojamento gratuito em Macau. (18.º -A)
28) A referida dedução no salário do Autor era operada de forma automática, e independentemente de o trabalhador (leia-se, do Autor) residir ou não na habitação que lhe era providenciada pela 1.ª Ré. (18.º -B)
29) As Rés nunca pagaram ao Autor qualquer quantia (em singelo e/ou adicional) pelo trabalho prestado pelo Autor durante os dois períodos de 8 horas cada prestado num período de 24 horas, em cada ciclo de 21 dias de trabalho contínuo e consecutivo. (19.º).
***
III – O Direito
A - Do 1º recurso (do autor da acção)
1- Do descanso semanal
A sentença partiu da ideia de que os dias de trabalho semanal efectivamente prestado que deveria ser de descanso, face à lei, seriam compensados com dois salários diários. E, então, ao apuramento logrado (44.000,00) descontou o valor dos dias que já foram realmente remunerados em singelo (22.000,00), com o que encontrou o montante indemnizatório a conferir ao autor: MOP$ 22.000,00.
O autor, porém, entende que a fórmula deve ser outra, supondo que, para além do valor em singelo já recebido ainda tem direito a mais dois valores de salário diário, para além do que já recebeu. E, deste jeito, sustenta que a indemnização deveria ter sido fixada em 44.000,00.
Ora, sobre este assunto, tem este TSI vindo a decidir de forma insistente (v.g., ver os Acs. TSI de 15/05/2014, Proc. nº 61/2014, de 15/05/2014, Proc. nº 89/2014, de 29/05/2014, Proc. nº 627/2014; 29/01/2015, Proc. nº 713/2014; 4/02/2015, Proc. nº 956/2015; de 8/06/2016, Proc. nº 301/2016) que a fórmula utilizada pelo TJB não é mais correcta.
Com efeito, no que a este assunto concerne, vale o disposto no art. 17º, nºs 1, 4 e 6, al. a), do DL nº 24/89/M.
Nº1: Tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”).
Nº4: Mas, se trabalhar nesse dia, fica com direito a gozar outro dia de descanso compensatório e, ainda,
Nº 6: Receberá em dobro da retribuição normal o serviço que prestar em dia de descanso semanal.
Portanto, como o trabalhador trabalhou o dia de descanso semanal terá direito ao dobro do que receberia, mesmo sem trabalhar (n.º 6, al. a)).
Como remunerar, então, este dia de trabalho prestado em dia que seria de descanso semanal?
Ora bem. Numa 1ª perspectiva, se o empregador pagou o valor devido (pagou o dia de descanso que sempre teria que ser pago), falta pagar o trabalho prestado. E como o prestado é pago em dobro, tem o empregador que pagar duas vezes a “retribuição normal” (o diploma não diz o que seja retribuição normal, mas entende-se que se refira ao valor remuneratório correspondente a cada dia de descanso, que por sua vez corresponde a um trinta avos do salário mensal).
Numa 2ª perspectiva, se se entender que o empregador pagou um dia de salário pelo serviço prestado, continuam em falta:
- Um dia de salário (por conta do dobro fixado na lei), e ainda,
- O devido (o valor de cada dia de descanso, que não podia ser descontado, face ao art. 26º, n.º 1);
E, em qualquer caso, sem prejuízo da remuneração correspondente ao dia de “descanso compensatório” a que se refere o art. 17º, nº4 - desde que peticionada, como foi o caso, - quando nele se tenha prestado serviço (neste sentido, v.g., Ac. TSI, de 15/05/2014, Proc. nº 89/2014).
Quanto à remuneração pelo dia de descanso semanal, temos, portanto, que a fórmula a utilizar será AxBx2.
Não faria, aliás, sentido que fosse de outra maneira. Na verdade, se o trabalhador, mesmo sem prestar serviço nesse dia de descanso (v.g., domingo), sempre auferiria o correspondente valor (uma vez que a entidade patronal não lho pode descontar), não faria sentido que, indo trabalhar nesse dia apenas passasse a receber em singelo o trabalho efectivamente prestado. Seria injusto que apenas se pagasse ao trabalhador esse dia de serviço, que deveria ser de folga e descanso. Que vantagem teria então o trabalhador por prestar serviço a um domingo, se, além do que receberia mesmo sem trabalhar, apenas lhe fosse pago o valor do trabalho efectivamente prestado nesse dia de folga como se tratasse de uma dia normal de trabalho?!
Por isso é que o legislador previu que o trabalho efectivamente prestado nesses dias pelo trabalhador, além do valor que já lhes seria devido em qualquer caso, fosse compensado em dobro pelo valor da retribuição normal diária. Quando a lei fala em dobro refere-se, obviamente, à forma de remunerar esse serviço efectivamente prestado nesses dias de descanso, sem atender, claro, ao valor da remuneração a que sempre teria direito correspondente ao dia de descanso.
Significa isto, assim, que a 1ª instância não poderia ter descontado o valor já pago de MOP$ 22.000,00.
Mas, por outro lado, não temos a certeza de que este seja o valor correcto, tendo em atenção de que ele não terá em conta os períodos de dispensa ao serviço, conforme facto provado nº 15 (art. 7º da BI).
Assim, e sem deixar de considerar a fórmula de cálculo acima definida, será caso para apuramento em sede própria quanto ao quantum compensatório, face à anulação parcial da sentença com vista à ampliação da matéria de facto e repetição de julgamento nessa parte (neste sentido, v.g. Acs. de 29/06/2017, Processos nºs 341/2017, 313/2017).
*
2- Dos feriados obrigatórios
A sentença, neste passo, considerou que o autor tinha direito a receber por cada dia de feriado obrigatório não gozado um acréscimo salarial nunca inferior ao dobro, a que haveria que deduzir-se o montante em singelo já pago por cada dia de serviço efectivamente prestado.
O recorrente insurge-se contra esta fórmula de cálculo, por entender violar o disposto no art. 20º, nº1, do DL nº 24/89/M, de 3/04.
Também aqui tem razão o recorrente, e uma vez mais na senda da posição que há muito tem vindo a ser o entendimento do TSI.
Repare-se no que foi dito, por exemplo, no acórdão proferido no Proc. deste TSI nº 824/2012, em 15/12/2012:
“Esta lei trouxe inovações: introduziu uma indemnização especial, chamemos-lhe assim, que a lei anterior não previa e alargou o leque dos dias feriados remunerados, pois aos previstos na lei anterior, somaram-se agora os três dias do Ano Novo Chinês (cfr. art. 19º, n.3). Portanto, o gozo desses dias é feito, não apenas sem perda de remuneração (já era assim na lei anterior), como ainda deve ser extraordinariamente compensado.
Se o trabalhador prestar serviço nesses dias, diz o diploma, além da remuneração normal, receberá ainda um acréscimo salarial não inferior ao dobro da retribuição normal (art. 20º, n. 1). O que quer dizer “não inferior”? Quer dizer que pode ser igual, mas não descer desse limite. E até pode ser superior, mas nesse caso só o empregador poderá fixar o valor, singularmente ou por acordo com o empregado. O que não pode é o tribunal, arbitrariamente subir acima dessa barreira.
Aqui chegados, de novo pensemos nas duas perspectivas acima avançadas: a de o trabalhador ter sido pago pelo valor do devido e a de ter sido remunerado pelo valor do serviço prestado. É bom que se equacionem estas duas acepções para se ver até que ponto a solução pode diferir.
1ª Perspectiva (pagamento do devido)
O empregador pagou ao trabalhador o valor remuneratório que, pela lei, sempre lhe seria devido (ou seja, pagou a “remuneração correspondente aos feriados…”: art. 19º, n.3, até porque não lhos podia descontar: art.26º, n.1).
Sendo assim, falta pagar ao trabalhador o seguinte: a remuneração do trabalho efectivamente prestado (um dia de salário), mais um acréscimo em dobro, nos termos do art. 20º, n. 1(mais dois dias). Tudo perfaz 3 (três) dias de valor pecuniário.
2ª Perspectiva (pagamento do prestado)
Nesta óptica, o empregador o que fez foi pagar ao trabalhador em singelo o valor do serviço prestado.
Todavia, falta pagar o acréscimo em dobro (2 x salário) e ainda o valor do devido (um dia). Tudo perfaz 3 (três) dias de valor pecuniário.
Como se vê, qualquer que seja o prisma por que se encare a situação, o resultado é o mesmo. A fórmula é, em ambas, salário diário x 3 ” (no mesmo sentido, por exemplo, os Acs. do TSI, de 31/03/2011, Proc. nº 202/2008).
Como se vê, a fórmula obriga a ter em consideração 3 dias de remuneração, para além do já recebido a título de salário mensal. Dito de outra maneira, terá que ser pago o dia de trabalho efectivamente prestado (singelo) acrescido do dobro do valor salarial diário.
Procede, pois, o recurso nesta parte.
Simplesmente, o quantum compensatório a este título deverá ser apurado nos termos que mais abaixo se dirão, face à anulação parcial da sentença para apuramento da pertinente matéria de facto (neste sentido, v.g. Acs. de 29/06/2017, Processos nºs 341/2017, 313/2017).
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B - Do 2º recurso (das rés da acção)
1- Do erro no julgamento da matéria de facto
Vislumbram as recorrentes um alegado erro na apreciação da matéria de facto, com destaque para as alíneas G) e H) da Matéria Assente e os artigos 18ºA) e 18ºB) da Base Instrutória.
Não tem razão, salvo o devido respeito. É que no recurso ora interposto o leitmotiv da fundamentação utilizada reside no facto de o tribunal apenas ter assentado as respostas à factualidade controvertida no depoimento da única testemunha do autor, que as recorrentes tomam como simplesmente genérico e parcial, uma vez que também ela fora autora numa outra acção dirigida contra as rés pelas mesmas razões de índole laboral.
Não podemos concordar. A testemunha sempre foi categórica sobre cada facto a que depôs, dizendo – e convencendo – que a sua situação sempre foi igual à do aqui autor ou vice-versa. Ou seja, essa testemunha deixou claro que ele e todos os seus colegas de trabalho viveram a mesma situação no que concerne aos diversos direitos laborais aqui alegadamente violados.
Tal testemunha mostrou, portanto, conhecer bem o quadro de facto em todos se moviam e em que forneciam a sua prestação de trabalho às rés (utilizou frequentemente o pronome pessoal “nos”, aludindo a si, ao autor e a outro colega devidamente identificado).
Não pode este TSI concluir, em suma, que o tribunal “a quo” fez uma má avaliação da factualidade tida como provada. Se a livre convicção do julgador da 1ª instância dificilmente poderia ser abalada, o elemento de prova testemunhal que as recorrentes sindicam, acaba, em nossa opinião, por confirmar o resultado de tal convicção.
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2- Do subsídio de alimentação
Defendem as recorrentes que o tribunal não podia proceder à sua condenação no pagamento do subsídio de alimentação concernente ao período de 9 de Abril de 2001 a 21 de Julho de 2003 e de 22 de Julho de 2003 a 31 de Março de 2010, pela simples razão de que se não sabe quantos dias ele terá faltado ao serviço.
Têm razão, quanto a este aspecto.
Sobre o assunto foi dito no Ac. do TSI, de 14/06/2012, Proc. nº 376/2012:
“Ora, este subsídio tem uma função social radicada numa despesa alimentar efectuada por causa da prestação de trabalho efectiva1. E embora tenha havido por parte da jurisprudência alguma tendência para o considerar prestação retributiva, a verdade é que nem por isso outra a associava, mesmo assim, à noção de trabalho efectivo, tal como, por exemplo, foi asseverado no Ac. da Relação de Lisboa de 29/06/1994, Proc. nº 092324 “ Quer a Jurisprudência, quer a Doutrina têm vindo a entender que o subsídio de alimentação, sendo pago regularmente, integra o conceito de retribuição .... Porém, estando ligada essa componente salarial à prestação de facto do trabalho, só será devida quando o trabalhador presta serviço efectivo à entidade patronal…”.2.
Com o art. 260º do Código do Trabalho Português, o panorama mudou de figura, pois o nº2, do art. 260º deixou claro que esse subsídio não devia ser considerado remuneração, salvo nos casos em que o seu valor excede o montante da despesa alimentar. E assim, terá ficado mais claro que ele só é assumido pelo empregador por causa da prestação efectiva de trabalho. Ele “visa compensar uma despesa diariamente suportada pelos trabalhadores quando realiza a sua actividade”3. Ou “…visa compensar uma despesa na qual o trabalhador incorre diariamente, sempre que vai trabalhar…” (destaque nosso)4.
Em Macau, não está regulada a atribuição destes subsídios, mas não cremos que o sentido da sua natureza que melhor se adequa à geografia local é aquele que atrás descrevemos. Por conseguinte, por não estar regulada na lei (DL nº 24/89/M), nem no referido contrato de prestação de serviços nº 45/94 (fls. 137 e sgs. dos autos), deveremos considerá-lo como compensação pela prestação de serviço efectivo.
Logo, da mesma maneira que deverá descontar-se o subsídio nos períodos de férias ou naqueles em que a pessoa está de licença de maternidade, também ele deve ser subtraído quando o trabalhador não prestou serviço por outra qualquer razão5.”
A ré/recorrente manifesta-se contra a sentença, por considerar que o autor, conforme a matéria de facto provada, chegou a faltar alguns dias ao serviço, mesmo com justificação ou autorização.
Mas, o acórdão deste TSI de 29/05/2014 (Proc. nº 627/2013) deu a resposta para esta questão:
«Contrariamente ao sustentado, não será de afirmar que se retira necessariamente do facto de o autor não faltar sem ser autorizado o facto implícito de ter faltado…. Esse facto pode ser compatibilizado … se dele se retirar que aí se enuncia uma regra que não deixou de ser observada: o trabalhador não podia faltar sem autorização; o trabalhador não faltou sem autorização; se faltasse tinha que ser autorizado. Daqui não se pode concluir que faltou autorizadamente, ou seja, que alguma vez tenha usado essa faculdade». Foi uma solução que seguida foi também no Ac. de 19/06/2014, no Proc. nº 189/2014, e no Ac. de 29/05/2014, Proc. nº 627/2013.
Sucede, contudo, que tal solução não dá resposta segura às situações em que tenha havido gozo efectivo dos dias de descanso anual e de feriados obrigatórios. Por outro lado, estamos em crer que uma leitura mais objectiva da resposta ao art. 7º da BI permite concluir que o trabalhador terá dado algumas faltas ao serviço, ainda que com autorização.
Assim, a melhor solução é aquela que propende para remeter a fixação da indemnização a este título para execução de sentença (assim foi decidido, por exemplo, nos Acs. de Ac. de 13/03/2014, Proc. nº 414/2012, 24/04/2014, Proc. nº 687/2013, 29/05/2014, Proc. nº 168/2014, 24/07/2014, Proc. nº 128/2014)”.
Não seguiremos, neste caso, porém, a tese de relegar a liquidação em execução de sentença, visto que há matéria que deverá ser de novo quesitada, tal como melhor se dirá mais adiante (neste sentido, v.g. Acs. de 29/06/2017, Processos nºs 341/2017, 313/2017).
*
3 – Do subsídio de efectividade
Resulta da resposta ao art. 6º da BI (facto 14) que ao autor era devido, na sequência do ponto 3.4 do Contrato de Prestação de Serviços nº 5/98 celebrado entre a 1ª ré (STDM) e a Agência de Emprego, “…um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço”.
As recorrentes acham ter ficado provado nos autos que o autor chegou a dar faltas ao serviço enquanto durou a relação laboral, sem que, porém, tenha sido possível saber quantos dias foram. Sendo assim, entendem que não podiam ser condenadas no pagamento do subsídio.
Ora bem. Este TSI tem entendido que a sua atribuição carece de uma prestação de trabalho regular e sem faltas (v.g., Acs. proferidos nos Procs. Nºs 376/2012; 189/2014). E
E diz mais este tribunal: “Em relação a este subsídio, vista a sua natureza e fins - já não se manifestam as razões que levam a considerar que a sua atribuição esteja excluída numa situação de não assiduidade justificada ao trabalho. Se o patrão autoriza uma falta seria forçado retirar ao trabalhador uma componente retributiva da sua prestação laboral, não devendo o trabalhador ser penalizado por uma falta em que obteve anuência para tal e pela qual o patrão também assumiu a sua responsabilidade” (Ac. de 25/07/2013, Proc. nº 322/2013).
Assim, “… se o trabalhador falta porque autorizado, por razões de descanso ou de férias, tal não implica que se considere que o trabalhador não foi assíduo e se lhe retire uma componente retributiva que resulta da própria redacção que atribui uma retribuição extra em função do mês anterior e já não de um determinado número de dias de trabalho efectivo.” (cit. ac.).
Deste modo, face à resposta ao art. 7º da BI, segundo o qual “durante todo o período em que o Autor prestou trabalho, o Autor não deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte das Rés”, parece ser claro que as eventuais ausências, porque consentidas, não podem relevar negativamente na esfera do trabalhador.
Razão pela qual não pode merecer provimento o recurso nesta parte.
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4 - Do descanso semanal
Vêm as recorrentes manifestar-se contra a atribuição do valor acima liquidado a título de descanso semanal.
Em sua opinião, uma vez que ficou provado que o autor teve faltas, ainda que justificadas, não seria possível especificar o número de dias devidos e não gozados por ele, ao contrário do que fez a sentença a fls. 216 e 217.
Tem razão, tal como se decidiu no TSI, de 27/04/2017, Proc. nº 167/2017, cujos termos aqui fazemos nossos.
Sucede, porém, que foi alegada matéria concernente aos dias de trabalho a que o autor terá faltado e que não foi quesitada, e que deverá constituir assim factualidade a que o tribunal “a quo” terá que voltar em sede de repetição de julgamento após a necessária quesitação (neste sentido, v.g. Acs. de 29/06/2017, Processos nºs 341/2017, 313/2017).
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5- Da comparticipação nos custos do alojamento
Entendem as recorrentes não poderem ser responsabilizadas pelo pagamento da comparticipação nos custos do alojamento, por não terem sido elas quem por ela se responsabilizou, mas sim a sociedade/agência de emprego D, que nada tem que ver com as rés/recorrentes.
Contudo, atendendo à factualidade provada nos factos 26, 27 e 28, não há modo de escapar à responsabilidade das rés.
Aliás, a posição do TSI nesta matéria é aquela a que a sentença fez referência na sua fundamentação, para o que citou, por exemplo, o Ac. de 25/07/2013, e a que acrescentamos também, v.g., o de 11/06/2015, Proc. nº 395/2015 e dos quais resulta que as rés assumiram o compromisso de respeito pelas estipulações e condições laborais acordadas pela “agência”.
De resto, não parece que possa proceder agora a argumentação de que a importância descontada mensalmente (facto 26) sirva para cobrir despesas de água, luz, gás, limpeza e manutenção dos alojamentos, se o alojamento deveria ter sido gratuito, tal como provado foi na resposta dada ao art. 18º da BI. É que, a aceitar-se a tese das recorrentes, o alojamento deixaria de ser gratuito.
Improcede, pois, o recurso nesta parte.
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6 – Do trabalho por turnos e trabalho extraordinário
Insistem as recorrentes na tónica de que o autor da acção terá dado faltas ao serviço, além de ter gozado 24 dias de férias anuais. E a partir destes factos avançam para o raciocínio dedutivo segundo o qual não podia o tribunal apurar os dias em que ele teria efectuado serviço extraordinário nos turnos. Estaria assim, portanto, posta a descoberto mais uma errada avaliação da matéria de facto.
Têm razão, procedendo o recurso nesta parte.
Contudo, e ao contrário do que se tem decidido quanto a esta questão (em que se tem relegado a liquidação do valor indemnizatório a este título para execução de sentença, conforme, v.g., Ac. deste TSI, de 27/04/2017, Proc. nº 167/2017), haverá que ampliar a matéria de facto para o que o processo deverá baixar à 1ª instância, nos termos que mais adiante se dirão.
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7 – Das bonificações ou remunerações adicionais, incluindo gorjetas
Defendem as recorrentes que não tinham que pagar ao autor quaisquer gorjetas, primeiro porque não ficou provado quais foram as bonificações ou remunerações adicionais que pagou aos trabalhadores aos residentes, segundo porque as gorjetas não são pagas por si, mas pelos seus clientes, que devem ser tidos por terceiros.
Quanto ao primeiro argumento, ele tem que ver com a matéria do ponto 3.3 do Contrato de Prestação de Serviços nº 5/98, segundo o qual o trabalhador, após 30 dias de prestação de serviço, teria direito, para além da remuneração normal, às bonificações adicionais, incluindo as gorjetas, que a 1ª ré paga aos operários residentes em Macau (facto 12).
É com o devido respeito que fazemos nosso o teor do aresto proferido no Proc. nº 341/2017, em 29/06/2017, que ora se transcreve:
“Da matéria provada não resulta quais sejam as bonificações ou remunerações adicionais que a 1ª ré tenha pago aos seus trabalhadores residentes, embora se tenha provado que a ré vinha pagando bonificações ou remunerações adicionais, incluindo gorjetas.
Não só não resulta da matéria provada a sua definição material e quantificação, como nem sequer tal matéria vem alegada.
Estamos em crer que mais do que uma dificuldade no cômputo daquilo que é devido, o que poderia passar por uma operação de liquidação em execução de sentença, como determinou o Mmo Juiz, na essência, estará mesmo em causa a especificação de um pedido que nem sequer está definido na sua génese.
Será aceitável a parte pedir que o tribunal condene o patrão a pagar os suplementos que paga aos outros trabalhadores residentes, sem dizer em que é que esse pedido se traduz e se concretiza? Sem dizer a que suplementos se refere, qual a categoria dos beneficiados, a analogia de funções e qual o serviço dos beneficiários desses suplementos, partindo do facto comprovado de que a Ré pagou? Aceitar-se-ia que a parte trabalhadora pedisse ao tribunal que condenasse a pagar-lhe os salários em dívida pelo período por que perdurou a relação laboral sem os especificar?
A factualidade em que vai radicar o pedido mostra-se crucial.
Como salienta Alberto dos Reis, “… não pode ligar-se maior importância à formulação do pedido, do que à exposição dos fundamentos de facto. Que a menção das razões de direito ocupe lugar secundário, já o assinalámos; mas que a narração dos fundamentos de facto possa relegar-se para plano inferior ao da enunciação do pedido é proposição que temos por inexacta. O êxito da acção tanto depende da correcção do pedido, como da pertinência e suficiência dos fundamentos de facto; o advogado não tem que pôr maior cuidado na formulação do pedido, do que na apresentação do aspecto de facto da acção.”6
A insuficiência que se assinala, neste caso, perpassa até pelos dois vectores: narração e pedido. Não dizendo quais esses suplementos remuneratórios ou abonatórios, os termos e qualidade dos destinatários das bonificações ou remunerações adicionais que pagou a todos os trabalhadores residentes (art. 13 dos factos), está bem de ver que o pedido formulado fica necessariamente inquinado.
A questão que se equaciona estará essencialmente dependente da admissibilidade da formulação de pedidos genéricos, enquadrada no art. 392º do CPC.
Não se estando perante um caso de universalidade (al. a) do n.º1); não se estando perante um caso de impossibilidade de determinação, de modo definitivo, das consequências do facto ilícito, nem se configurando uma situação prevista no art. 563º do CC (al. b) do n.º1); nem estando a fixação do quantitativo dependente da prestação de contas ou de outro acto que deva ser praticado pelo réu – pelo menos nada se requer nesse sentido – (al. c) do n.º 1) parece não ser aceitável o pedido nos termos em que o foi na acção.
Nesta conformidade, por falta de pedido certo e concreto, ao abrigo do disposto nos artigos 139º, n.º 1 e n.º 2, al. a) e 230º, n.º 1, al. b) do CPC, absolver-se-á a Ré da instância, por se tratar de um pressuposto processual inominado,7 o que impede a apreciação de mérito, não se sufragando aqui o entendimento que configura o caso como de improcedência do pedido.8
Esta insuficiência da petição mereceria, desde logo, um convite ao aperfeiçoamento, em tempo oportuno, a fim de evitar um desfecho do teor acima contemplado.9”
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8 – Da falta de fundamentação
Por fim, as recorrentes imputaram à sentença a nulidade decorrente da falta de fundamentação em virtude de ter assentado nas incoerentes conclusões levadas à petição inicial pelo autor.
Também aqui, porém, somos a chamar à colação o teor do acórdão deste TSI de 29/06/2017 acima referido:
  “Diga-se, desde já, que não é só o número de dias de trabalho efectivo e do número das ausências que estará em causa, mas ainda a determinação de quais os dias em que o trabalho foi prestado, pois que essa concretização se mostra essencial para determinadas rubricas, como é o caso da compensação pelos dias de feriados obrigatórios não gozados. (…)
Temos presentes as diferentes soluções adoptadas nos Proc.ºs 167/2017 e 307/2017, dando conta de que aqueles processos não eram exactamente iguais, nomeadamente, não tendo o primeiro sido contestado.
A questão que ora se coloca vinha já sendo anunciada, quando, em passos vários, tivemos necessidade de dizer que a liquidação se faria em sede própria, perspectivando-se uma anulação de sentença com repetição do julgado na parte respectiva ou uma liquidação de execução de sentença.
Invoca-se uma insuficiente fundamentação e afigura-se-nos que a Ré, ora recorrente, tem razão, na medida em que o Mmo Juiz se terá baseado num cômputo de dias que vêm alegados pelo A., não se alcançando em que bases se louvou para o seu cálculo.
A recorrente coloca bem a questão, ao imputar o vício à sentença proferida - independentemente do enquadramento jurídico efectuado – nos seguintes termos:
“(…) a decisão em crise padece do vício de falta de fundamentação decorrente da violação do ónus da alegação por parte do Recorrido já que mantém na íntegra as conclusões incoerentes feitas na petição inicial, mantendo por responder a questões/vícios tais como: (i)ter o Autor trabalhado todos os dias da semana, embora reconheça ter faltado algumas vezes com autorização prévia da 1ª Ré; (ii)Quantos foram esses dias de faltas justificadas e quando foram gozados os 24 dias de férias anuais? (iii) Deverá ser atendida a "média" de 30 dias por ano de faltas autorizadas, como o autor concede na nota 1 ao art. 22° da petição inicial? Que factos suportam esta conclusão?”
De certa forma pode-se dizer que o Mmo Juiz terá efectuado o seu cálculo com base na alegação do A. que ressalva na nota ao art. 27º da p. i. de que o A. não trabalhou 30 dias por cada ano civil, após o desconto do tempo relativo à prescrição. Mas se se se baseia nesse pressuposto de facto, logo a douta sentença peca por não se saber em que bases assentou essa fixação da matéria de facto – presumida apenas a partir da fundamentação de direito na sentença proferida, já que essa factualidade não está concretizada no capítulo em que se dá por assente a matéria de facto -, sendo certo que se trata de matéria que foi impugnada pelo A. e é certo que o A. não trabalhou durante todo o período em que esteve ao serviço da A., de forma ininterrupta, pois foi autorizado a ausentar-se. Dir-se-á que que o período de ausência era de 30 dias por ano. Mas onde está a comprovação de que assim era e que assim era de facto? O A. alegou e formulou o pedido nessa base, mas comprovou-o?
Estamos em crer que essa incompleição não pode deixar de ser suprida, havendo que aditar, se necessário, o ou os quesitos necessários referentes à concretização dos dias de trabalho efectivo prestado e desconto dos 30 dias em cada ano, tal como alegado na nota ao artigo 27º da p.i.
   Embora se acolha a linha jurisprudencial mais permissiva, no sentido de que sempre que o tribunal verificar o dano ou a prestação devida, mas não tiver elementos para fixar o seu valor, quer se tenha pedido um montante determinado ou formulado um pedido genérico, lhe cumpre relegar a fixação do montante indemnizatório para liquidação em execução de sentença, ao abrigo do disposto no art. 564º/2 do CPC10 - mesmo que se possa afirmar que se está a conceder uma nova oportunidade ao autor que tenha deduzido pedido líquido de provar o quantitativo devido, não se vislumbra qualquer ofensa do caso julgado, material ou formal, na medida em que a existência de danos já está provada e apenas não está determinado o seu exacto valor e só no caso de se não ter provado a existência de prestação devida é que se forma caso julgado material sobre tal objecto, impedindo nova prova do facto no posterior incidente de liquidação, estando subjacente a esta jurisprudência a ideia de que razões de justiça e de equidade impedem que se absolva a demandada uma vez demonstrada a sua obrigação -, a situação presente não consentirá essa via, na exacta medida em que houve já uma liquidação e o apuramento de uma base de cálculo, não se tendo o Mmo Juiz limitado a uma enunciação genérica de trabalho prestado não apurado.
   Ainda que não se enjeite essa possibilidade, numa recondução a um completamento de matéria de facto, estamos em crer que a presente solução aponta para uma necessidade de exigência e de rigor, desde logo, para as próprias partes - muitas nem sequer aqui permanecendo, porventura desinteressando-se dos seus direitos aquando da cessação dos contratos, visto até o tempo entretanto decorrido -, não podendo elas facilitar na concretização e prova das prestações que dizem estar em dívida. Quanto se diz não retira de forma nenhuma o reconhecimento à tutela dos direitos dos trabalhadores que tenham sido violados, apenas se pretendendo a sua cooperação e responsabilização na realização da Justiça.
   Perante esta insuficiência, perante esta incompreensão sobre a forma como se atingiu aquele facto com que se jogou no cálculo efectuado, mais do que a falta a que alude o art. 571º, b) do CPC estaremos perante a situação prevista no art. 629º, n.º 4 do mesmo Código, o que implica a anulação da decisão proferida na parte relativa à concretização de quais e quantos os dias considerados no cálculo efectuado pelo Mmo Juiz, tendo em conta a necessidade de saber os dias concretos de trabalho e ausência para se poderem determinar as diferentes compensações. Ou seja, por exemplo, para efeitos de compensação de feriados obrigatórios, como está bem de ver, só há compensação se houve trabalho nesses dias. Mas independentemente dessa necessidade concretização, contemplada aliás, na decisão proferida, há uma outra quantificação que se tem de provar.
   Compreende-se que possa não ser fácil, mas aí o A. tem o ónus de provar, não se podendo remeter para uma alegação conclusiva de que trabalhou todos os dias menos 30 por ano. Tem de provar que assim foi e esmerar-se na prova que produz. Admite-se que essa alegação seja pobre, mas não se deixa de considerar que ela ainda consubstancia um facto que se mostra essencial e como tal tem de ser comprovado, na certeza de que o tribunal não pode suprir de todo a insuficiência de alegação das partes.
   Daqui decorre que, em todos os momentos em que ao longo da fundamentação expendida fazíamos alusão à necessidade de apurar o número de dias, se conclui que esse apuramento deve ser efectuado em sede de repetição do julgamento na parte pertinente e já não em sede de liquidação em execução de sentença, na medida em que se fica por perceber como se encontrou o número de dias de base do cálculo, descontados os dias de ausência, matéria que não foi levada à base instrutória, mas, ainda que incipientemente, foi alegada”.
Concordamos com esta fundamentação, por traduzir uma situação que nos presentes autos se repete. Com efeito, como se pode constatar no art. 44º da petição inicial e nota 3 a fls. 9 desse articulado, a sentença arrancou da circunstância de o autor ter admitido faltado ao serviço, por dispensa, cerca de 30 dias em média em cada ano civil.
Só que esta matéria, teria que ser levada à base instrutória a fim de ser dada a oportunidade de o autor fazer a respectiva prova, por ser seu o respectivo ónus probatório. E tal não foi observado. E o apuramento concreto dos dias de ausência é necessário para se aquilatar do quantum compensatório sob diversos ângulos (descanso semanal, feriados, etc.).
É esta a razão para não se remeter o apuramento desse quantum para liquidação em execução de sentença, mas sim para accionar o mecanismo previsto no art. 629º, nº4, do CPC, tal como se decidiu no referido aresto (também o Ac. do TSI, de 29/06/2017, Proc. nº 313/2017).
***
IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em:
1 - Conceder parcial provimento ao recurso interposto pelas rés STDM e SJM, decidindo-se:
a) Anular parcialmente a sentença de forma a apurar os concretos dias de trabalho efectivamente prestado e a poder fixar-se a compensação relativa aos subsídios de alimentação, bem como as importâncias devidas a título de trabalho prestado em dias de descanso semanal, descanso compensatório, trabalho extraordinário e por turnos e feriados obrigatórios;
b) Revogar o decidido quanto ao pedido relativo a bonificações adicionais, incluindo gorjetas e, em consequência, absolver a Ré da instância nessa parte;
1.1- Julgar não provido o recurso na parte restante, em consequência do que se mantém a sentença recorrida, nomeadamente na parte concernente à liquidação a que já procedeu quanto ao subsídio de efectividade e à comparticipação no alojamento.
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2 – Conceder provimento ao recurso do autor e, em consequência, revogar a sentença na parte respectiva e condenar a 1ª ré STDM no pagamento dos períodos de trabalho prestado em dias de descanso semanal e aos feriados obrigatórios de acordo com as fórmulas acima referidas, cujo “quantum” concreto, porém, será apurado em conformidade com o que vier a ser decidido após a repetição parcial do julgamento, nos termos acima definidos.
Vão ainda as rés STDM e SJM condenadas nos juros de mora nos termos definidos no Ac. do TUI, de 2/03/2011, Proc. nº 69/2010.
Custas pelas partes em função do decaimento.
TSI, 06 de Julho de 2017
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong (com declaração de voto que se segue)
Lai Kin Hong


落敗聲明

針對合議庭裁判中關於周假日及強制性假日的補償問題,根據《勞資關係法律制度》(第24/89/M號法令)第17條第6款a項的規定,本人認為在每周休息日提供工作的工作者,雇主須向其支付平常報酬的雙倍,而在計算雙倍的報酬時,應理解為本身日工資加上另一日的補償。除此之外,根據《勞資關係法律制度》第17條第4款的規定,如在每周休息日提供工作,工作者亦有權享受一天補假。通過以下例子可能比較容易理解:假設工作者的每月收入為9000元,如其在某個周假日提供工作,本人認為他有權多收取一天工資即300元及享受一天補假,但倘若雇主不讓他享受補假,則工作者有權在提供工作後多收取兩天工資即600元的補償,即是所謂的“三工”(本身日工資+一天工資+一天補假)。

至於強制性假日的補償方面,根據《勞資關係法律制度》第19條第3款及20條第1款的規定,本人認為如在強制性假日提供工作,除了有權收取本身的日工資外,工作者亦有權收取不少於兩倍平常報酬的補充工資,即是所謂的“三工” (本身日工資+兩天工資補償)。

合議庭大多數意見認為工作者在周假日及強制性假日提供工作,除了本身的日工資外,還有權收取三天的工資補償,換言之,如工作者在上述假日提供工作,變相有權收取“四工”。引用上述例子,假設工作者的每月收入為9000元,如其在周假日或強制性假日提供工作,除了每月的固定月薪外,工作者還有權要求雇主支付900元的補償(日計,300元x3)。

在充分尊重不同見解的情況下,本人認為根據上述所引用的法律規定,工作者在周假日及強制性假日提供工作,僅有權收取“三工”(當中已包含本身的日工資),而並非除了本身原有的工資外,再多收取“三工”,因為後者變相讓工作者收取“四工”。

本人不同意合議庭裁判中對周假日及強制性假日工作所定出的賠償金,因此作出本落敗聲明。

Tong Hio Fong
06/07/2017
1 Neste ponto, corrige-se a posição anteriormente tomada no proc. nº 781/2011.
2 No sentido de que só deve ser pago nos períodos de prestação efectiva de serviço, ainda Ac. R.P. de 6/05/1995, Proc. nº 9411201; É por isso que ele não deve ser pago nos subsídios de férias e de Natal (Ac. R.E., de 21/09/2004, Proc. nº 1535/04-2).
3 Luis M. Telles de Meneses Leitão, in Direito de Trabalho, Almedina, 2008, pag. 349. No mesmo sentido, Bernardo da Gama Lobo Xavier, Manual de Direito do Trabalho, Verbo, pag. 547 e Diogo Vaz Marecos, in Código do Trabalho anotado, Coimbra Editora e Wolters Kluver, pag. 662-663.
4 Pedro Romano Martinez e outros, in Código do Trabalho anotado, 5ª edição, 2007, pag. 498.
5 A não ser nas situações em que a não prestação se fica a dever a causa imputável ao empregador e em que, apesar disso, o trabalhador teve que efectuar a despesa alimentar.
6 - CPC Anot, II, Reim. 2005,363
7 - Ac. STJ, de 8/2/1994, CJ, Acs STJ 1994, 1º tomo, 95; Ac. do STJ, de 22/3/2007, Proc. n. 06S3961; Ac. RP, de 15/5/2006, Proc. n.º 0545375; Ac RC, de 30/1/2001, Proc. n.º 2183/2000. No mesmo sentido, Abrantes Geraldes, Temas da Ref…, Almedina, 1997, 155 e 156 e Viriato Lima, Manual de DPC, CFJJ, 2005, 145
8 - Alberto dos Reis, Com., 3º vol., 186 e 187
9 - Vd. autores e jurisprudência acima citada
10 - Na linha de uma interpretação pioneira de Alberto dos Reis, CPC Anot, V, 71
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405/2017 60