打印全文
Processo nº 522/2017 Data: 13.07.2017
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Acidente de viação.
Crime de “ofensa grave à integridade física por negligência”.
Contradição insanável da fundamentação.
Pena.



SUMÁRIO

1. O vício de “contradição insanável da fundamentação” tem sido definido como aquele que ocorre quando se constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão.
Em síntese, quando analisada a decisão recorrida através de um raciocínio lógico se verifique que a mesma contém posições antagónicas ou inconciliáveis, que mutuamente se excluem e que não podem ser ultrapassadas.

2. A “factualidade – pelo Tribunal – dada como provada” é apenas a que como tal consta na decisão recorrida, e não qualquer outra pelo recorrente considerada, (nomeadamente, a que pelo mesmo foi declarada em audiência de julgamento), não havendo assim qualquer “contradição insanável” entre uma e outra.

O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo

Processo nº 522/2017
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, arguido com os sinais dos autos, respondeu no T.J.B., vindo a ser condenando pela prática como autor material de 1 crime de “ofensa grave à integridade física por negligência”, p. e p. pelos art°s 142, n.° 3 e 138°, al. c) do C.P.M., na pena de 1 ano e 5 meses de prisão suspensa na sua execução por 2 anos, na condição de, no prazo de 3 meses, pagar à R.A.E.M. a quantia de MOP$10.000,00, e na pena acessória de inibição de condução por 9 meses.

Em relação ao “pedido de indemnização civil”, decidiu-se condenar a demandada civil “COMPANHIA DE SEGUROS DA X (MACAU), S.A.”, (X保險(澳門)股份有限公司), a pagar à demandante B a quantia de MOP$301.989,00; (cfr., fls. 220 a 227 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Inconformado, o arguido recorreu.

Em síntese, imputa à decisão recorrida os vícios de “contradição insanável da fundamentação” e “excesso de pena”, pedindo a substituição da pena de prisão por uma pena de multa; (cfr., fls. 254 a 270).

*

Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 274 a 276).

*

Neste T.S.I., juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Na Motivação de fls.254 a 270 dos autos, o recorrente assacou, ao douto Acórdão em escrutínio (vide. fls.220 a 227 dos autos), uma contradição insanável da fundamentação consagrada na alínea b) do n.°2 do art.400° do CPP, e a ofensa do disposto nos arts.64° e segs. do Cód. Penal de Macau.
Antes de mais, sufragamos inteiramente as criteriosas explanações da ilustre Colega na douta Resposta (cfr. fls.274 a 276 dos autos), no sentido do não provimento dos recursos em apreço.
*
Na fundamentação (判案理由) do Acórdão em questão, o Tribunal a quo afirmou claramente que «嫌犯講述了意外發生的經過,…意外後其已盡量協助被害人並願意承擔有關的責任», e depois, chegou à conclusão de que «考慮到本案犯罪事實的不法程度屬較高、嫌犯犯罪的過失程度甚高…».
O recorrente opina que se verifica in casu a contradição insanável da fundamentação entre aquela afirmação e esta conclusão, porque a dita afirmação contradiz e é intrinsecamente incompatível com a conclusão extraída pelo Tribunal a quo no que respeite à ilicitude do facto e à culpa do ora recorrente.
Ora, assevera reiteradamente o venerando TUI que «A contradição insanável da fundamentação é um vício intrínseco da decisão, que consiste na contradição entre a fundamentação probatória da matéria de facto, bem como entre a matéria de facto dada como provada ou como provada e não provada. A contradição tem de se apresentar insanável ou irredutível, que não possa ser ultrapassada com o recurso à decisão recorrida no seu todo e às regras da experiência comum.» (cfr. Acórdãos nos Processos n.°4/2014 e n.°9/2015)
Para os devidos efeitos, vale ter presente que «Existe “contradição insanável da fundamentação” quando se constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão. Em suma, quando analisada a decisão recorrida se verifique que a mesma contém “posições antagónicas”, que mutuamente se excluem e que não podem ser ultrapassadas.» (de entre outros, Acórdão emanado pelo Venerando TSI nos Processos n.°341/2016 e n.°633/2016)
Em esteira destas sagazes orientações jurisprudenciais, entendemos que a invocação da contracção insanável da fundamentação deve de ser infundada. Antes de mais, impõe-se realçar que a narração do acidente pelo próprio recorrente e a sua voluntária assunção das responsabilidades para com a ofendida são boas condutas posteriores ao crime.
Daí decorre naturalmente que por natureza das coisas, não existe intrínseca ligação ou nexo de causalidade adequada entre tais condutas com a ilicitude e culpa. Nesta medida, as bondades posteriores do recorrente, sendo embora aplausível, não podem contradizer com a gravidade da ilicitude ou com a intensidade da culpa.
*
Repare-se que ao vertente caso se aplica a moldura penal definida no n.°3 do art.142° do Código Penal de Macau e agravada pelo disposto no n.°3 do art.93° da Lei n.°3/2007 (Lei do Trânsito Rodoviário), na qual se encontram os limites da graduação da pena concreta aplicável.
Neste esquema, e tendo em conta a gravidade da consequência que o crime provoca à ofendida, afigura-se-nos que a pena de um ano e cinco meses de prisão com suspensão da execução no período de dois anos cominada no aresto recorrido não se apresenta excessivamente severa, antes mostrando justa e equilibrada.
(…)”; (cfr., fls. 288 a 289).

*

Cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 221-v a 223, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem o identificado arguido recorrer do Acórdão que o condenou como autor material da prática de 1 crime de “ofensa grave à integridade física por negligência”, p. e p. pelos art°s 142, n.° 3 e 138°, al. c) do C.P.M., nos termos que atrás se deixaram explicitados.

Entende que o Acórdão recorrido padece de “contradição insanável da fundamentação” e “excesso de pena”, pedindo a substituição da pena de prisão por uma pena de multa.

Vejamos se tem razão.

–– Comecemos, pelo alegado vício de “contradição”.

Como repetidamente temos afirmado o vício de “contradição insanável da fundamentação” tem sido definido como aquele que ocorre quando “se constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão”; (cfr., v.g. os recentes Acs. deste T.S.I. de 26.01.2017, Proc. n.° 776/2016, de 16.02.2017, Proc. n.° 341/2016 e de 27.04.2017, Proc. n.° 275/2017).

Em síntese, quando analisada a decisão recorrida através de um raciocínio lógico se verifique que a mesma contém posições antagónicas ou inconciliáveis, que mutuamente se excluem e que não podem ser ultrapassadas.

Na opinião do ora recorrente, incorreu o Tribunal a quo na apontada “contradição” dado que “perante a matéria de facto dada como provada não poderia concluir por um elevado grau de ilicitude e de negligência”.

Cremos haver equívoco.

Com efeito, e antes de mais, há que ter presente que a “factualidade – pelo Tribunal – dada como provada” é apenas a que como tal consta na decisão recorrida, (e que, no caso, vem elencada a fls. 222-v a 223), e não qualquer outra pelo recorrente considerada, (nomeadamente, a que pelo mesmo foi declarada em audiência de julgamento).

Nesta conformidade, e independentemente do demais, atenta a referida “factualidade dada como provada”, e, assente estando as “lesões causadas à ofendida” – que até levaram a qualificar a conduta do arguido como a prática de 1 crime de “ofensa grave à integridade física” – e tendo presente a “forma como ocorreu o acidente” – um choque pela traseira, depois de a ofendida ter imobilizado o seu motociclo para ceder passagem a quem tivesse prioridade, e desta forma, com “única e exclusiva culpa do arguido”, que seguindo atrás daquela não conseguiu travar o seu veículo – nenhuma “contradição” existe.

–– Passemos, agora, para a “pena”.

Pois bem, ao crime pelo arguido cometido – em virtude de ser um “crime cometido no exercício da condução” – cabe a pena de 1 ano e 1 mês a 3 anos de prisão ou pena de multa de 130 a 360 dias; (cfr., art°s 142°, n.° 3 e 138°, al. c) do C.P.M. e art. 93°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007).

Como se viu, foi o recorrente condenado na pena de 1 ano e 5 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos, (na condição de, no prazo de 3 meses, pagar à R.A.E.M. o quantum de MOP$10.000,00).

E, ponderando no atrás expendido, cremos que, também aqui, nenhuma censura merece o decidido.

Vejamos.

Prescreve o art. 40° do C.P.M. que:

“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.

Por sua vez, temos entendido que “Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 19.01.2017, Proc. n.° 530/2016, de 09.03.2017, Proc. n.° 180/2017 e 23.03.2017, Proc. n.° 241/2017).

Ponderando na factualidade dada como provada e no estatuído no art. 64° do C.P.M. entendeu o Tribunal a quo que inadequada era a pena (alternativa) de multa, tendo optado pela de prisão; (cfr., fls. 224-v).

E, atento o aí preceituado – “Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição” – afigura-se-nos que bem andou o Tribunal a quo, já que também nós entendemos que inadequada seria uma pena de multa.

A “sinistralidade rodoviária” tem vindo a adquirir proporções (extremamente) preocupantes, e em face dos seus resultados, muitas vezes trágicos e/ou mortais, (muito) fortes são as necessidades de prevenção deste tipo de ilícito.

Por sua vez, ponderando na atrás referida moldura penal, e estando a pena a 4 meses do seu mínimo, não atingindo sequer o seu meio, evidente é que inexiste margem para qualquer redução.

Cabe aqui consignar também que como decidiu o Tribunal da Relação de Évora:

“I - Também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico, pelo que o tribunal de recurso deve intervir na pena (alterando-a) apenas e só quando detectar incorrecções ou distorções no processo de determinação da sanção.
II - Por isso, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de apreciação livre reconhecida ao tribunal de 1ª instância nesse âmbito.
III - Revelando-se, pela sentença, a selecção dos elementos factuais elegíveis, a identificação das normas aplicáveis, o cumprimento dos passos a seguir no iter aplicativo e a ponderação devida dos critérios legalmente atendíveis, justifica-se a confirmação da pena proferida”; (cfr., o Ac. de 22.04.2014, Proc. n.° 291/13, in “www.dgsi.pt”, aqui citado como mera referência, e Acórdão do ora relator de 09.03.2017, Proc. n.° 180/2017, de 23.03.2017, Proc. n.° 241/2017 e de 11.05.2017, Proc. n.° 344/2017).

E, como no mesmo sentido decidiu este T.S.I.: “Não havendo injustiça notória na medida da pena achada pelo Tribunal a quo ao arguido recorrente, é de respeitar a respectiva decisão judicial ora recorrida”; (cfr., o Ac. de 24.11.2016, Proc. n.° 817/2016).

Dest’arte, e outra questão não havendo a apreciar, visto está que o recurso terá que improceder.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Custas pelo arguido com taxa de justiça que se fixa em 6 UCs.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 13 de Julho de 2017
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 522/2017 Pág. 16

Proc. 522/2017 Pág. 15