Processo nº 511/2017
(Autos de recurso jurisdicional)
Data: 13/Julho/2017
Assuntos: Pedido de certidões
Artigo 15º do Estatuto do advogado
SUMÁRIO
O advogado, enquanto tal, requerendo nessa qualidade, fazendo-o expressamente ao abrigo do artigo 15º do Estatuto do Advogado, ainda que não munido de uma procuração, tem o direito a que lhe seja passada uma certidão, mesmo não indicando o fim a que a destina, desde que não se trate de matéria confidencial, secreta ou reservada.
Para além da sua qualidade de advogado, o recorrente alegou ainda que aquela informação se destina à ponderação de eventual instauração de acção judicial em Tribunal (ainda não pendente), bem como relativamente a um processo pendente (CV2-12-0004-CAO), no qual o signatário era mandatário e cujo objecto abrangia a actividade desta subconcessionária durante todo o período da subconcessão.
Face a essas circunstâncias, não se vislumbra que a pretensão do recorrente seja meramente caprichosa, pelo contrário, estamos convictos de que o mesmo se encontra no exercício da sua profissão.
Por outro lado, estatui-se no artigo 15º do Regulamento Administrativo nº 6/2002 que a Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos deve promover a publicação no Boletim Oficial da RAEM, até 31 de Janeiro de cada ano, da lista dos promotores de jogo licenciados, daí que não se vê que os elementos solicitados pelo recorrente, a saber, a identidade dos promotores de jogo registados junto de determinada subconcessionária, se possam considerar como reservados ou secretos.
O Relator,
________________
Tong Hio Fong
Processo nº 511/2017
(Autos de recurso jurisdicional)
Data: 13/Julho/2017
Recorrente:
- A
Entidade Recorrida:
- Director da Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
A, com sinais nos autos, inconformado com a douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo que julgou improcedente a acção para prestação de informação, recorreu jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“1. Sobre a matéria objecto de recurso pronunciaram-se dois Acórdãos do TSI, o Acórdão n.º 182/2013 e o Acórdão n.º 214/2013. A jurisprudência e a doutrina em Portugal também denotaram divisões sobre a questão, mas a mais influente e numerosa reflecte a posição veiculada no Acórdão 182/2013 no sentido de que o art. 15º do EA é distinto do art. 67º do CPA, estando os advogados sujeitos ao art. 15º do EA, e não ao 67º do CPA.
2. O advogado, enquanto tal, requerendo nessa qualidade, fazendo-o expressamente ao abrigo do artigo 15º do EA, tem o direito a que lhe seja passado um certificado, mesmo não indicando o fim a que a destina, desde que não se trate de matéria não confidencial, secreta ou reservada. O direito em causa encontra-se igualmente concretizado nos artigos 117º, n.º 2 e 124º, n.º 1 do CPC.
3. A norma do EA é uma norma especial que se aparta do regime geral consagrado no CPA talhado para o acesso à informação em relação ao comum dos interessados.
4. As normas do CPA e as do EA têm natureza diferente: as do CPA são “não proibitivas”, as do EA são “permissivas”, sendo que o advogado “é um permanente interessado, detentor de um interesse privado e, ao mesmo tempo, de um interesse público”. O art. 15º do EA concede uma prerrogativa, um privilégio. O advogado deve ser visto como um colaborador da Justiça, um pilar do Estado de Direito, com um estatuto que lhe confere a dignidade inerente às suas funções, o que resulta de diversas disposições, incluindo da Lei Básica, citadas no Ac. 182/2013.
5. Na interpretação constante da Sentença recorrida, a norma do art. 15º do EA não teria conteúdo normativo algum. Tal constitui violação do conhecido princípio de interpretação de acordo com o qual se deve atribuir à lei um efeito útil, e não uma mera redundância.
6. Nos termos do art. 5º/1 do CD, o advogado está sujeito a segredo profissional, o qual constitui um “dever fundamental do advogado”, que “é depositário dos segredos e informações confidenciais dos seus clientes”, estabelecendo o art. 6º do CD que os advogados “não podem … revelar factos que constituam segredo profissional”.
7. A aplicação aos advogados do art. 67º do CPA nos termos aplicado na Sentença implicaria a violação do segredo profissional relativamente a vários dos pedidos feitos em nome e em representação de interesses alheios.
8. O advogado não age normalmente na base de um interesse pessoal, mas de terceiro. E não age, por isso, normalmente na base de um interesse directo. Haverá casos em que está em causa também em particular os interesses específicos do advogado, como para aferir se quer aceitar o patrocínio do caso (pois é seu dever “recusar o patrocínio injusto” – art. 2º do CD) ou averiguar de eventuais incompatibilidades.
9. A aplicação do art. 67º aos advogados no exercício da sua profissão, acabaria por tornar mais difícil o exercício do direito à informação por parte de um advogado do que de um cidadão comum, porque o advogado não estaria em posição de demonstrar facilmente um interesse pessoal e directo. Tal constitui um desvirtuamento do disposto no art. 15º do EA, do art. 67º do CPA e das normas da Lei Básica, do EA, do CD, entre outras, citadas nas alegações, para onde remete.
10. Acresce, ainda, num plano mais genérico, que é dever do advogado pugnar “pela boa aplicação das leis” e “pelo aperfeiçoamento das instituições” (art. 12º do CD).
11. Estas normas e as demais citadas no Ac. 182/2013 revelam que o advogado tem uma função e um papel social de prossecução do interesse público, de zelar pela legalidade e pela melhoria da prática das instituições, distinto do comum dos cidadãos.
12. As considerações feitas sobre o papel e função social dos advogados, tal como articulados no Acórdão 182/2013, servem para efeitos interpretativos, pois “Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas” (art. 8º/3 do CC). Distinguir o advogado dos cidadãos comuns para efeitos de obtenção de informações é a solução mais acertada: contribui para a defesa dos interesses dos cidadãos, torna o acesso à justiça processual e procedimental mais barata e acessível, contribui para a protecção do segredo profissional, contribui para uma sociedade mais transparente, contribui para o combate às arbitrariedades administrativas (pois os tribunais só as podem ilegalizar quando trazidas ao seu conhecimento por advogados, em decorrência do princípio do pedido) e contribui para a melhoria das instituições.
13. O Procurador Adjunto do TSI no Ac. 182/2013 manifestou-se no sentido aqui pugnado.
15. Entendendo-se que o art. 15º do EA nada acrescenta ao art. 67º do CPA (no fundo, que é “letra morta”) e que são aplicáveis os requisitos do art. 67º do CPA, estavam de qualquer modo preenchidos os requisitos do art. 67º do CPA, por o recorrente ter demonstrado a existência, em concreto, de um interesse legítimo subjacente ao seu pedido de informação.
15. O Magistrado do MP no Proc. n.º 286/17-PICPPC entendeu que existe interesse legítimo no pedido, pugnando pelo seu deferimento. Aquele Magistrado pareceu revelar inclinação para uma posição jurídica tertium genus sobre a relação entre o advogado e o art. 67º do CPA, segundo a qual o cumprimento do interesse legítimo deriva da própria “especialidade da profissão de advogado”. De facto, se se considerar, contrariamente ao que entende o recorrente, que os advogados estão sujeitos ao disposto no art. 67º do CPA, o apelo à qualidade de advogado no requerimento lhe atribui, por si, uma forte presunção de interesse legítimo, interesse derivado da sua qualidade de advogado.
16. De qualquer modo, os motivos invocados pelo recorrente seriam manifestamente suficientes para se considerar preenchido o requisito de interesse legítimo:
(i) junção de documentos como meio de prova a um processo judicial pendente devidamente identificado; e
(ii) para efeitos de instauração de acção judicial.
17. Sobre o princípio do acesso à informação, escrevem Lino Ribeiro e José Cândido Pinho, que “pode explicar-se por esta ideia simples: o que a Administração sabe, o administrado tem o direito de saber”. Lino Ribeiro e José Cândido Pinho referem que este requisito se destinará a “evitar que a administração fique demasiado exposta à intromissão pura e simples, à mercê da mais reles curiosidade”.
18. Não é defensável que a junção de prova documental em processo judicial ou para efeitos de instauração de acção judicial possa constituir reles curiosidade, não seja útil, não satisfaça uma necessidade concreta, não proporcione a realização de um objectivo, não atribua uma utilidade presente ou futura, ou que não constitua um interesse sério, real e proveitoso, seja reprovável pela ordem jurídica e não tutelada pelo direito: art. 1º do CPC.
19. Não existe base nos autos para considerar que o pedido do advogado signatário possa assentar em “mera razão caprichosa ou de mera curiosidade”.
20. A exigência de demonstração de o advogado requerente ser mandatário “devidamente constituído” constitui violação da lei, entre outros, do próprio art. 15º do EA. E a identificação do cliente e a especificação do objectivo e propósito específicos do pedido em face de acção a instaurar podem constituir violação de sigilo profissional.
21. Ao identificar um outro processo específico a que juntaria a prova, o recorrente deu informação específica, sendo jurisprudência que são as partes, não o tribunal, que têm o dever de obtenção da prova. O recorrente foi mais longe do que uma prática judiciária e administrativa imemorial, nos termos da qual aos advogados basta alegar que o documento se destina a ser junto a processo judicial. A mudança desta prática teria efeitos práticos nefastos na vida dos advogados e custos para os cidadãos, para a administração e para os tribunais.
22. O facto de já ter feito pedidos similares em 2013 não releva, pois os promotores de jogo registados em 2013 não são os mesmos dos registados em 2017, pois o registo é anual, pelo que a informação obtida seria concretamente distinta. E mesmo que se tratasse de novo pedido da mesma informação, estaria sempre a DICJ estaria sujeita ao princípio da decisão, ao abrigo do art. 9º do CPA.
23. No Ofício objecto dos autos, o Director da DICJ não invocou, nem referiu, falta de interesse legítimo como motivo do indeferimento do requerimento do recorrente.
24. O recorrido violou o princípio da igualdade e a regra do precedente, tendo a sentença errado na aplicação deste princípio ao caso dos autos.
25. O recorrente havia feito no passado recente quatro pedidos de informação similares e todos foram deferidos. Tal como se refere no Acórdão do TUI nº 40/2007, houve mudança de critério, sem qualquer fundamento material: nos primeiros quatro foi prestada a informação, no último não foi. Quando foi negada a informação, não foi apresentado qualquer motivo para a mudança de critério ou a mudança de decisão.
26. Houve identidade de requisitos subjectivos (o requerido é o mesmo). E havia uma identidade objectiva dos quatro pedidos anteriores e do pedido objecto dos autos: em todos se pedia uma lista de promotores de jogo registados junto de concessionárias ou subconcessionárias. E havia ainda uma identidade normativa, pois estava em causa em todos os pedidos a aplicação das normas do art. 15º do EA, do art. 67º do CPA e da legislação de jogo eventualmente aplicável. Não foi alegada pela DICJ alteração de circunstâncias. E não houve fundamentação de facto ou de direito relativamente à mudança de posição. Isto é, a DICJ fundamentou porque é que indeferia o pedido, mas não apresentou os motivos pelos quais mudou de critério e afastou a regras do precedente, quando é jurisprudência do TUI que “O afastamento da regra do precedente obriga a fundamentar as razões de facto e de direito que justificam uma tal preterição do precedente”.
Termos em que deverá dar integral provimento ao recurso, revogando-se a Sentença recorrida e substituindo-a por outra que intime o Director da DICJ a prestar, na íntegra, a informação solicitada em prazo a fixar na Sentença nos termos do art. 112º do CPAC.”
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Ao recurso respondeu a entidade recorrida nos seguintes termos conclusivos:
“1. A questão determinante da qualidade de contra-interessado X Macau, S.A. não reside apenas na identidade subjectiva da pessoa objecto do dever de sigilo da cláusula 92º do contrato de subconcessão, mas também no facto de aquela subconcessionária ser a interveniente no procedimento administrativo de licenciamento dos promotores de jogo e de ser a pessoa jurídica a quem os documentos arquivados na DICJ dizem respeito e que foram objecto do pedido de certidão.
2. A lista de todos os promotores de jogo registados junto da subconcessionária X Macau, S.A., consiste na informação contida em documentos ou conjunto de documentos submetida por aquela subconcessionária ao Governo da RAEM e existentes nos arquivos da DICJ.
3. A informação solicitada é apta a revelar pormenores da actividade de exploração de jogos de fortuna ou azar na RAEM da subconcessionária X Macau, S.A., correndo-se risco de comprometer a sua competitividade e o seu desempenho, caso a mesma seja revelada.
4. É inegável o interesse contraposto ao do autor, no caso controvertido, por parte da X Macau, S.A., tanto mais por a esta dizerem respeito os documentos arquivados na DICJ e que foram objecto do pedido de certidão pelo ora Requerente.
5. A concessionária Y Casino, S.A., na qualidade de concedente da X Macau, S.A., tem ainda um interesse contraposto ao do Recorrente, na exacta medida em que os efeitos de uma decisão judicial que determine a revelação da informação dos documentos da segunda, implica um afastamento do regime de confidencialidade acordado pelas partes na cláusula 92ª do contrato de subconcessão, tendo um interesse coincidente ao da entidade Recorrida na improcedência do pedido de emissão de certidão posto em crise.
6. Pelo que deveria ter procedido a excepção de ilegitimidade passiva, por omissão dos contra interessados.
7. O legislador pretendeu atribuir um carácter mais reservado a parte da informação respeitante ao procedimento de licenciamento dos promotores de jogo de fortuna ou azar, optando por apenas dar publicidade à lista anual dos promotores de jogos licenciados, não identificando as concessionárias junto das quais os mesmos exercem a sua actividade.
8. Tal como submeteu os promotores de jogo, seus principais empregados e colaboradores, a um dever de sigilo relativamente aos factos e informações de que tomem conhecimento no exercício da sua actividade, mesmo após a sua cessação de funções.
9. O contrato de subconcessão previu a regra da confidencialidade na sua cláusula 92ª, vertendo assim a vontade do legislador para o contrato de subconcessão.
10. A informação solicitada faz parte dos «documentos produzidos (…) pela subconcessionária, em cumprimento do disposto no regime das concessões referido na cláusula sexta», caindo assim no que a cláusula 92ª do contrato de concessão identifica como informação de «carácter confidencial».
11. A sua disponibilização a terceiros, sem o consentimento da subconcessionária, constituirá uma violação da referida cláusula, o que fará o Governo da RAEM incorrer nas respectivas consequências do seu incumprimento perante a X Macau, S.A., nomeadamente, em sede de responsabilidade contratual.
12. O direito à informação contida nos arquivos e registos administrativos só deve ser atendido a quem prove ter um interesse legítimo e, particularmente no que toca aos documentos nominativos, a quem demonstre ter um interesse directo e pessoal no conhecimento da informação; terá assim de haver demonstração de que se trata de um interesse sério.
13. O artigo 15º do EA permite que os Advogados possam «no exercício da sua profissão (…) requerer (…) a passagem de certidões sem necessidade de exibir procuração», tal não dispensando a verificação dos requisitos dos artigos 66º e 67º.
14. A actividade do advogado não é insindicável.
15. As normas do artigo 67º do CPA e do artigo 15º do EA não colidem nem se excluem, nem tão pouco este último estabelece uma disciplina própria na matéria.
16. O interesse sério não se presume, tem de ser demonstrado e verdade é que o Recorrente não logrou provar ter um interesse sério na informação que solicitou.
17. O direito à informação conferido pelos artigos 66º e 67º do CPA aos particulares não está na esfera de discricionariedade da administração, sendo sim um acto vinculado, dependente do preenchimento dos requisitos ali previstos, pelo requerente, que ainda assim não logrou prová-los, não havendo assim lugar à aplicação de regra do precedente.
Nestes termos e nos mais de Direito, que o mui ilustre Tribunal certamente suprirá, deve ser confirmada a sentença recorrida, negando-se provimento ao recurso.”
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O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o seguinte douto parecer:
“Para os devidos efeitos, perfilhamos a sensata jurisprudência que inculca (cfr. aresto do TSI no processo n.º 98/2012): A delimitação objectiva de um recurso jurisdicional afere-se pelas conclusões das alegações respectivas (art. 589º, nº 3, do CPC). As conclusões funcionam como condição da actividade do tribunal “ad quem” num recurso jurisdicional que tem por objecto a sentença e à qual se imputam vícios próprios ou erros de julgamento. Assim, se as alegações e respectivas conclusões visam sindicar algo que não foi sequer discutido, nem decidido na 1ª instância, o recurso terá que ser julgado improvido.
Em esteira, basta-nos apreciar as conclusões inseridas nas alegações de fls. 116 a 139 dos autos. Adiantando a conclusão, inclinamos a entender que o presente recurso jurisdicional não merece provimento.
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O disposto do n.º 1 do art. 15º do Estatuto do Advogado republicado pelo D.L. n.º 42/95/M demonstra que a regalia aí consagrada aos advogados só tem lugar no exercício da profissão como advogado. E na nossa óptica, esta regalia tem por justificação e, deste modo, ainda por limite a nobre função de servidor da justiça e do direito (art. 1º, n.º 1, do Código Deontológico de Advogado homologado pelo Despacho n.º 121/GM/92).
A nosso ver, é razoavelmente sensível e concludente que ao impor a «terceiros» o ónus de demonstrar ter interesse directo e pessoal no n.º 2 do art. 67º do CPA, o legislador procura, cautelosa e prudentemente equilibrar os interesses em jogo, sejam estes opostos, sejam coincidentes.
Procedente à interpretação harmoniosa daquele art. 15º e este art. 67º que ficam na mesma hierarquia das fontes de direito, colhemos que exibindo a procuração ao exercer o direito de informação nos termos do n.º 2 do art. 67º do CPA, o advogado fica libertado do ónus de demonstrar ter interesse directo e pessoal, visto a procuração só por si constituir a prova plena do exercício da profissão.
No caso contrário – sem exibir a procuração, entendemos que nada justifica a libertação do sobredito ónus, pelo que o advogado fica adstrito ao mesmo ónus prescrito no n.º 2 do art. 67º do CPA. E aqui perfilhamos a sensata jurisprudência tirada pelo Venerando TSI no aresto emanado no seu Processo n.º 214/2013, aí se lê: «Não revela esse interesse o advogado que, dizendo carecer da certidão solicitada somente para “fins judiciais”, nada esclarece se o faz para si mesmo ou se assim age em representação de alguém para uso nalgum processo em curso ou a instaurar.»
Na nossa modesta opinião, aplica-se igualmente aos advogados a sagaz advertência doutrinal que assevera (Lino Ribeiro, José Cândido de Pinho: Código do Procedimento Administrativo de Macau – Anotado e Comentado, pp403): «Para finalizar, assinale-se que esse interesse tem que ser sério, assente em razões atendíveis, e útil, radicado numa necessidade real, cuja satisfação passa pela realização do direito à informação. Fora do seu campo de previsão, ficam todas as situações travestidas desse interesse, mas que verdadeiramente não passam de simples curiosidade ou vasculhice.»
Nesta linha de perspectiva, e considerando os argumentos aduzidos na petição inicial, extraímos que o ilustre autor e ora recorrente não podia ficar desonerado de demonstrar o interesse pessoal e directo no conhecimento dos elementos por si pretendidos e não cumpria tal ónus. De outro lado, a douta sentença da MMª Juiz a quo mostra equilibrada e inatacável.
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Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso jurisdicional.”
Corridos os vistos, cumpre decidir.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
Em 10.3.2017, o recorrente apresentou ao Director da Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos, um pedido com o seguinte teor:
“O requerente apresentou, em 26/08/2013, 04/10/2013 e 26/01/2015, pedidos de informação sobre promotores de jogo, os quais foram respondidos por ofícios da DICJ.
O Requerente pretende, uma vez mais, na sua qualidade de advogado e no exercício da sua actividade profissional, obter informação sobre todos os promotores de jogo (pessoas singulares ou colectivas) registados junto da concessionária X Macau, SA, nos termos do art. 23º do Regulamento Administrativo nº 6/2002. Trata-se de informação que não foi classificada como confidencial por nenhuma norma legal.
Mais requer que a informação lhe seja prestada sobre a forma de certificado ou outra similar que V. Exª entenda conveniente, desde que contenha a informação solicitada.
Como referido antes, o requerente crê, nos temos da lei e do Acórdão do TSI nº 182/2013, de 23 de Maio de 2013, que está autorizado a fazer este pedido alegando a mera qualidade de advogado, nos termos do art.º 15.º do Estatuto do Advogado. Todavia, e sem prejuízo, o requerente informa V. Exª, por cordialidade e para os efeitos tidos por convenientes, que o principal motivo profissional por que dirige a V. Exª este pedido de informação reside particularmente no facto de esta informação ser potencialmente relevante para efeitos de ponderação da acção judicial eventualmente a instaurar em Tribunal (ainda não pendente), bem como relativamente a processo pendente na qual o signatário é mandatário, a acção declarativa nº CV2-12-0004-CAO, e cujo objecto abrange a actividade desta subconcessionária durante todo o período da subconcessão, o que refere, subsidiariamente, ao abrigo do direito à informação previsto nos arts. 63º e ss. do CPA.
O requerente disponibiliza-se a prestar qualquer esclarecimento adicional ou juntar qualquer documento que V. Exª entenda útil para efeitos do presente requerimento, bem como a assistir os Serviços dirigidos por V. Exª se tal estiver ao seu alcance.
Mais requer que a informação solicitada no presente requerimento seja prestada com a brevidade possível, dentro do prazo legal para o efeito.”
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A questão que se coloca no presente recurso é saber se o recorrente, enquanto advogado, ao formular junto de entidade pública pedido de informação, não obstante o disposto no artigo 15º do Estatuto do Advogado, está ou não sujeito ao regime previsto no artigo 67º do Código do Procedimento Administrativo, relativamente à demonstração de interesse directo e pessoal.
O problema agora colocado pelo recorrente não é novo, uma vez que já foi objecto de apreciação e pronúncia por dois Acórdãos deste TSI, a saber, nos Processos nº 214/2013 e 182/2013, respectivamente.
Segundo o Acórdão proferido no âmbito do Processo nº 214/2013, entendeu que o artigo 15º do Estatuto do Advogado não colide com o comando geral do artigo 67º do Código do Procedimento Administrativo, na medida em que a circunstância de o advogado poder ter acesso a certidões sem necessidade de exibir procuração não significa que ele não tenha que demonstrar o interesse nos elementos a certificar, seja para si mesmo seja para o constituinte que ele representa.
Enquanto o Acórdão proferido no Processo nº 182/2013 entendeu que o advogado, enquanto tal, requerendo nessa qualidade, fazendo-o expressamente ao abrigo do artigo 15º do Estatuto do Advogado, ainda que não munido de uma procuração, tem o direito a que lhe seja passada uma certidão, mesmo não indicando o fim a que a destina, desde que não se trate de matéria confidencial, secreta ou reservada.
Temos duas opiniões divergentes, salvo o devido respeito, somos a entender que a melhor solução para o caso seria a adoptada por este último Acórdão, daí que por razões de economia processual, cita-se a seguinte parte do aresto, com a qual concordamos e que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais:
“O advogado deve ser visto como um colaborador da Justiça, um pilar do Estado de Direito, com um estatuto que lhe confere a dignidade inerente às suas funções, o que resulta de diversas disposições da Lei Básica (artigos 36º, enquanto assegura aos residentes a assistência pelo advogado na defesa dos seus direitos, 87º, enquanto faz o os advogados participar da indigitação de juízes, 92º, enquanto possibilita ao Governo o estabelecimento de disposições para o exercício da advocacia), posição reafirmada na Lei de Bases da Organização Judiciária (artigo 11º, n.º 2, 58º, 67º), papel plasmado nos diplomas que estruturam e regulamentam o exercício da profissão forense (regulação que a própria LB chama a si), tais como o EA, Estatuto da Associação Pública do Advogado, Regulamento do CSA (Conselho Superior da Advocacia), Código Deontológico, que impõem a sua participação em órgãos tutelares das magistraturas e a intervenção imposta em todos os diplomas adjectivos de natureza estruturante (CPC, CPAC e CPP - Código de Processo Civil, Código de Processo Administrativo Contencioso, Código de processo Penal).
Depois, este direito que decorre daquela qualidade de advogado, na recolha do material indispensável ao múnus de que está investido, encontra-se igualmente concretizado nos artigos 117º, n.º 2 e 124º, n.º 1 do CPC, nos termos do qual o advogado pode consultar ou pedir certidões de qualquer processo, mesmo não tendo tido intervenção no caso, sem que se lhe exija que revele interesse atendível em as obter, consagrando-se até aí, nos tribunais, o princípio da publicidade do processo, salvaguardadas as excepções que vêm expressamente previstas, nomeadamente no artigo 118º.
Acresce que as normas acima transcritas promanam de diplomas normativos de igual força hierárquica e nem se pode dizer que a lei posterior revoga a lei anterior, pois que não só o princípio não vale para as normas especiais, face ao que dispõe o artigo 6º, n.º 3 do CC, como ainda os requisitos referentes à necessidade do requerente exibir um interesse legítimo já existia nas normas do pretérito CPA de 1994 (artigos 63º e 64º) e o legislador de 1995, ao republicar o EA não podia ignorar que havia já um diploma que restringia aquele acesso. Se essa restrição abrangesse o advogado, a norma do artigo 15º ficaria sem sentido. Ora, não estamos em crer que tenha sido intenção do legislador de 99 revogar o direito concedido ao advogado, vista a natureza particular e as regras próprias, técnicas e deontológicas, do exercício da sua profissão.
Aduz-se ainda um outro argumento que pode justificar um regime especial para o acesso do advogado à informação sem as restrições de que comunguem quaisquer outros interessados. Salvaguardado que fica o direito ao acesso a matérias sigilosas, reservadas, sujeitas a segredo, relativas à reserva e intimidade pessoal, também ele, o advogado, está sujeito ao dever de segredo e, assim, ter de justificar para que pretende uma determinada informação, digamos que em matéria aberta, estar-se ia a onerar desequilibradamente os interesses em jogo, podendo essa imposição comprometer o êxito do seu constituinte ou ainda mero consulente, pois que teria que anunciar os fins de um procedimento porventura cautelar que sempre haveria que salvaguardar.
Nem sequer o interesse do advogado é sempre recondutível, disjuntivamente a um interesse de um seu actual ou potencial cliente ou a um interesse particular e pessoal do advogado. Pode perspectivar-se uma terceira possibilidade, como a dos casos em que o advogado, que se identifique como tal, mediante exibição da respectiva cédula profissional, pretenda ponderar se aceita ou não o patrocínio ou a defesa e isto sem necessidade de juntar ou sequer exibir procuração. Não deixará ele de proceder a uma avaliação do assunto entre mãos, conflituante ou não com outros interesses de cujo patrocínio esteja incumbido, só a ele cabendo avaliar, tratando-se, reafirma-se, de matéria não reservada.
Para além de que as normas do CPA e a referida norma do EA têm natureza diferente: estas são normas permissivas, enquanto aquelas que permitem a luminosidade da actividade administrativa perante um determinado interesse concreto que ali é debatido ou se cruza com qualquer outro, se podem considerar mais não proibitivas. A conciliação não deixa de ser possível se se considerar que um advogado, enquanto tal, é um permanente interessado, detentor de um interesse privado e, ao mesmo tempo, de um interesse público. Este argumento que se recolhe em parecer da Ordem dos Advogados portuguesa reforça a natureza diferente das normas e a especialidade das matérias reguladas numas e noutras. Nas primeiras estamos perante situações que posicionam o interessado sobre um determinado objecto numa qualquer situação jurídica, devendo ser a acessibilidade ao objecto da consulta aferida em função desse concreto interesse; na norma do EA, trata-se de uma norma estatutária que concede uma prerrogativa, um privilégio, facilita um instrumento de trabalho a um certo tipo de profissionais que não deixam também de participar da prossecução do interesse público.
Depois, se assim não se entendesse, a norma do EA mostrar-se-ia inútil, na medida em que sem procuração (com ela já age em nome do seu representado), justificando o interesse, enquanto terceiro, sempre teria acesso à informação e certidões nos termos do artigo 67º, n.º 2 do CPA. Não sem que se anote que a intervenção do advogado “corresponde algo mais do que o simples poder de uma pessoa se fazer representar no procedimento, porque envolve uma representação institucionalizada, em que o representante aparece investido das especiais prerrogativas e privilégios da sua profissão”.
Várias têm sido as decisões, em termos de Jurisprudência Comparada - não obstante bastantes em sentido contrário, reconhece-se -, que vão no sentido de considerar esta norma do EA de natureza especial num quadro normativo que nos é próximo, proclamando-se o princípio da “administração aberta” ou do arquivo aberto”, princípio do arquivo aberto que se destina a “superar a tradicional «arcana imperii» tornando os arquivos administrativos acessíveis a qualquer um (...) e, sobretudo, na prática, às organizações dedicadas à promoção de interesses colectivos e aos representantes dos «mass media». Ele facultará aos cidadãos «uti universi» informações em primeira mão sobre as atitudes, orientações e projectos da Administração, munindo-os de meios indispensáveis à sua participação, enquanto agentes cívicos, em quaisquer campos da acção administrativa, sobretudo naqueles que mais interesse despertam na opinião pública. Sob este ponto de vista o princípio do arquivo aberto organiza, no plano administrativo, o direito cívico que se filia na liberdade de dar, de receber e de procurar informações. É, portanto, um instrumento do direito à informação, hoje incluído por muitos no catálogo dos direitos fundamentais do cidadão.” Na verdade, o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos vem sendo considerado como um direito fundamental cujo sacrifício só se justifica quando confrontado com direitos e valores constitucionais de igual ou maior valia, como são os relativos à segurança, à investigação criminal e á reserva da intimidade das pessoas.
7. Claro, que este acesso não pode ser universal, ilimitado e irrestrito, mesmo para o advogado, não podendo esse direito e prerrogativa do advogado conviver com o capricho, a teimosia, a devassa, mas tudo que não seja contemporizável com os princípios do equilíbrio, do bom senso, havendo que descortinar do requerimento do advogado se ele se compagina abstractamente com qualquer interesse abstractamente configurável como decorrente ou servindo os fins profissionais que se propõe. É nesta conformidade que entendemos o interesse que a citada Jurisprudência requer e que alguma dela não deixa de plasmar nas diferentes fundamentações.”
No caso vertente, o recorrente pretendia obter informação sobre a identidade dos promotores de jogo registados junto da subconcessionária X Macau, S.A..
Dispõe o nº 1 do artigo 15º do Estatuto do Advogado que “no exercício da sua profissão, o advogado pode solicitar em qualquer tribunal ou repartição pública o exame de processos, livros ou documentos que não tenham carácter reservado ou secreto, bem como requerer verbalmente ou por escrito a passagem de certidões, sem necessidade de exibir procuração.”
Em boa verdade, para além da sua qualidade de advogado, o recorrente alegou ainda que aquela informação se destina à ponderação de eventual instauração de acção judicial em Tribunal (ainda não pendente), bem como relativamente a um processo pendente (CV2-12-0004-CAO), no qual o signatário era mandatário e cujo objecto abrangia a actividade desta subconcessionária durante todo o período da subconcessão.
Nestas circunstâncias, não se vislumbra que a pretensão do recorrente seja meramente caprichosa, pelo contrário, estamos convictos de que o mesmo se encontra no exercício da sua profissão.
E mesmo que se entenda dever o recorrente demonstrar que tenha interesse na obtenção do documento, somos a entender que as razões invocadas pelo mesmo são suficientes para o preenchimento do pressuposto de interesse directo e pessoal a que se alude no nº 2 do artigo 67º do CPA.
Por outro lado, o recorrente apenas vem pedir a identidade dos promotores de jogo registados junto da subconcessionária X Macau, S.A., sem qualquer exigência sobre a menção das actividades concretamente desenvolvidas pelos mesmos nos casinos dessa mesma subconcessionária ou sobre a sua clientela, e sendo verdade que a Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos deve promover a publicação no Boletim Oficial da RAEM, até 31 de Janeiro de cada ano, da lista dos promotores de jogo licenciados, conforme o estipulado no artigo 15º do Regulamento Administrativo nº 6/2002, não se vê que os elementos solicitados agora pelo recorrente se possam considerar como reservados ou secretos.
Desta forma, há-de julgar procedente o presente recurso jurisdicional, revogando a sentença recorrida e, em consequência, sendo fixado o prazo de 10 dias para a prestação da informação requerida.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em conceder provimento ao recurso jurisdicional, revogando a sentença recorrida e, em consequência, determinando a prestação da informação requerida pelo recorrente no prazo de 10 dias.
Sem custas por a entidade recorrida beneficiar da isenção subjectiva.
Registe e notifique.
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RAEM, 13 de Julho de 2017
Tong Hio Fong
João A. G. Gil de Oliveira
Mai Man Ieng
Subscrevo o Acórdão no sentido de julgar procedente o recurso, revogando a sentença recorrida e em substituição determinando a prestação das informações solicitadas, pura e simplesmente com fundamento no artº 15º do Regulamento Administrativo nº 6/2002, citado na fundamentação do presente Acórdão, que torne excepcionalmente acessíveis pelo público os elementos que em princípio deveriam ter sido classificados como integrantes no âmbito dos documentos nominativos, a que se refere o artº 67º/2 do CPA, sem prejuízo da eventual ilegalidade do conteúdo do artº 15º desse regulamento face à regra geral estabelecida no artº 67º/2 do CPA, que é uma lei ordinária.
Lai Kin Hong
Recurso Jurisdicional 511/2017 Página 25