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Processo nº 496/2017
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 20 de Julho de 2017
Recorrentes: A (Autor)
B, SARL (Ré)
Recorridos: Os mesmos

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I - RELATÓRIO
  Por sentença de 19/01/2017, julgou-se a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou-se a Ré B, SARL a pagar ao Autor A a quantia de MOP$114,180.00, acrescida de juros moratórios à taxa legal.
Dessa decisão vêm recorrer o Autor e a Ré, alegando, em sede de conclusões, os seguintes:
O Autor, A:
1. Versa o presente recurso sobre a parte da douta Sentença na qual foi julgada parcialmente improcedente ao ora Recorrente as quantias pelo mesmo reclamadas a título de trabalho prestado em dia de descanso semanal, feriados obrigatórios e pela prestação de 30 minutos de trabalho para além do período normal diário por cada dia de trabalho efectivo;
2. Salvo o devido respeito, está o Recorrente em crer que a douta Sentença enferma de um erro de aplicação de Direito quanto à concreta forma de cálculo devida pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal, feriado obrigatórios e prestação de 30 minutos de trabalho para além do período normal diário por cada dia de trabalho e, nesta medida, se mostra em violação ao disposto nos artigos 10.º, 17.º, 19.º e 20.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, razão pela qual deve a mesma ser julgada nula e substituída por outra que atenda à totalidade dos pedidos reclamados pelo Autor na sua Petição Inicial;
Em concreto,
3. Ao condenar a Ré a pagar ao Autor apenas uma quantia em singelo pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal não gozado, o Tribunal a quo terá procedido a uma interpretação menos correcta do disposto na al. a) do n.º 6 do art. 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, na medida em que de acordo com o referido preceito se deve entender que o mesmo trabalho deve antes ser remunerado em dobro do salário normal, entendido enquanto duas vezes a retribuição normal por cada dia de trabalho prestado em dia de descanso semanal, acrescido de um outro dia de descanso compensatório, tal qual tem vindo a ser seguido pelo Tribunal de Segunda Instância;
4. De onde, resultando provado que durante todo o período da relação laboral o ora Recorrente não gozou dos respectivos dias de descanso semanal deve a Recorrida ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$47,000.00 a título do dobro do salário - e não só de apenas MOP$23,500.00 correspondente a um dia de salário em singelo conforme resulta da decisão ora posta em crise - acrescida de juros até efectivo e integral pagamento, devendo manter-se a restante condenação da Ré no pagamento da quantia devida a título de não gozo de dias de descanso compensatório em virtude do trabalho prestado em dia de descanso semanal;
Acresce que,
5. Contrariamente ao decidido pelo douto Tribunal a quo, não parece correcto concluir que pela prestação de trabalho nos dias de feriados obrigatórios se deva proceder ao desconto do valor do salário em singelo já pago;
6. Pelo contrário, salvo melhor opinião, a fórmula correcta de remunerar o trabalho prestado em dia de feriado obrigatório nos termos do disposto no artigo 20.° do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril – ainda que a determinar em sede de liquidação de execução de Sentença – será conceder ao Autor, ora Recorrente, um "acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal, para além naturalmente da retribuição a que tem direito" – o que equivale matematicamente ao triplo da retribuição normal – conforme tem vindo a ser entendido pelo Tribunal de Segunda Instância;
Por último,
7. Contrariamente ao entendimento sufragado pelo douto Tribunal a quo, está o ora Recorrente em crer que a situação de "tolerância" de 30 minutos para a conclusão de tarefas não acabadas contante do n.º 4 do artigo 10.° do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, tão-só se justifica para situações ocasionais, isto é, para situações esporádicas, não podendo tal circunstância se transformar em regra;
8. De onde, tendo a Recorrida transformado em regra a obrigatoriedade de o ora Recorrente ter de comparecer com uma antecedência de 30 minutos antes do início do seu horário normal de trabalho, deve a mesma ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$19.000,00, acrescida de juros até integral e efectivo pagamento, pela prestação pelo mesmo de 30 minutos de trabalho por dia para além do seu período normal diário.
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A Ré respondeu à motivação do recurso do Autor, nos termos constantes a fls. 415 a 428, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do mesmo.
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A Ré, B, SARL:
1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo douto Tribunal Judicial de Base que julgou a acção procedente e condenou a Ré, ora Recorrente, no pagamento de uma indemnização no valor global de MOP$114.180.00 sendo MOP$14.180,00 a título de subsídio de alimentação, MOP$23.000,00 a título de subsídio de efectividade, MOP$23.500,00 a título de descanso semanais, MOP$23.500,00 a título de não gozo dos dias de descanso compensatório, MOP$18.000,00 a título de comparticipação no alojamento descontadas e MOP$12,000.00 pelas 16 horas de trabalho prestadas para além do período normal de trabalho em cada ciclo de 21 dias de trabalho, acrescidas de juros moratórias à taxa legal a contar do transito em julgado da sentença que procede à liquidação do quantum indemnizatório e condenando a Ré, ora Recorrente, a pagar ao Autor o montante correspondente ao trabalho prestado em dias de feriado obrigatórios e às bonificações ou remunerações adicionais incluindo gorjetas pagas ao operários residentes, a liquidar em execução de sentença.
2. A ora Recorrente vem impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, nomeadamente a matéria fáctica vertida em todos os quesitos porquanto da prova produzida em sede de julgamento nunca poderiam os referidos quesitos terem sido provados tendo esta matéria fáctica sido, salvo devido respeito, incorrectamente julgada pelo Douto Tribunal a quo e também no plano do Direito aplicável ao caso concreto, a sentença proferida a final nunca poderia ter decidido como decidiu em violação e por incorrecta aplicação das normas jurídicas que lhe servem de fundamento, estando em crer que a decisão assim proferida pelo douto Tribunal de Primeira Instância padece dos seguintes vícios de erro de julgamento e erro na aplicação do direito, bem como padece de nulidade por falta de fundamentação decorrente da violação do ónus da alegação por parte do Autor ora, Recorrido.
3. O Tribunal a quo deu como assente e provada a seguinte factualidade com interesse para o presente recurso: "Entre 9 de Setembro de 1999 e 3 de Março de 2003, o Autor esteva ao serviço da 1ª Ré (B), prestando funções de "guarda de segurança" enquanto trabalhador não residente (1º), conforme informação prestada pelo Gabinete para os Recursos Humanos da RAEM (GRH) o Autor exerceu a sua prestação de trabalho para a 1ª Ré ao abrigo de um Contrato de prestação de Serviço celebrado entre a 1ª Ré e a C, Lda.(2°), mais informado pelo GRH que se trata do Contrato de Prestação de Serviços nº 2/99 (Cfr. Doc. 1 e 2) (3°) e o referido contrato foi sucessivamente objecto de apreciação, fiscalização e aprovação por parte da entidade Publica competente( 4).
4. Durante todo o tempo que prestou trabalho o Autor sempre respeitou os períodos e horários de trabalho fixados pela Ré (5°) e durante todo o tempo que prestou trabalho o Autor prestou trabalho nos locais (postos de trabalho) indicados pela Ré e que era, fixados pela 1ª Ré de acordo com as suas exclusivas necessidades (6°). Ficando ainda provado que durante o tempo que prestou trabalho para a 1ª Ré, o Autor nunca deu qualquer falta injustificada (7°) e ainda que durante o período em que prestou trabalho a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$7,500.00 a título de salário base mensal (8°), para um período de trabalho de 8 horas de trabalho por dia e de 6 horas por semana (9°).
5. Aquando do recrutamento do Autor no Nepal foi garantido ao Autor que teria direito a alimentação e alojamento gratuitos em Macau (10°) e que resulta do ponto 3.1 do Contrato de Prestação de Serviços n° 2/96, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) a quantia de "(...) $20,00 patacas diárias por pessoa, a titulo de subsidio de alimentação." ( 11°). Que entre 09/09/1999 e 03/02/2003, a Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a titulo de subsidio de alimentação ou nunca entregou ao Autor qualquer tipo de alimentos e/ou géneros (12°)
6. O Tribunal considerou ainda que ficou provado que: "Resulta do ponto 3.3 do Contrato de Prestação de Serviços n° 2/99, que "(...) decorridos os primeiros 30 dias de prestação de trabalho por parte do trabalhador (leia-se a Autor) este terá direito, para além da remuneração supra referida, às bonificações ou remunerações adicionais que a 1ª outorgante (leia-se as Rés) paga aos operários residentes no território." (13°) e que entre 09/09/1999 e 03/02/2003 a Ré nunca pagou ao Autor quaisquer bonificações ou remunerações adicionais, incluindo gorjetas que pagou a todos os demais trabalhadores residentes, incluindo guardas de segurança (14°)
7. Resulta do ponto 3.4 Do Contrato de Prestação de Serviços n° 2/99 ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) "(...) um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço" (15°) e que durante todo o período da relação laboral o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte da Ré. (16°) e ainda que entre 09/09/1999 e 03/02/2003 a Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia de subsídio de efectividade (17º)
8. Entre 09/09/1999 e 03/02/2003, a Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a titulo de subsidio de alimentação ou nunca entregou ao Autor qualquer tipo de alimentas e/ou géneros (18°) e que a 1ª Ré nunca concedeu ao Autor um período de descanso consecutivo por cada conjunto de quatro semanas ou fracção, sem prejuízo da correspondente retribuição (19°), a 1ª Ré nunca fixou ao Autor um outro dia de descanso compensatório do trabalho prestado em dia de descanso semanal (20°) e que a 1ª Ré nunca atribuiu ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal (21°) e que entre 09/09/1999 e 03/02/2003 o Autor prestou a sua actividade durante os feriados obrigatórios (22°) e ainda que a 1ª Ré nunca atribuiu ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado nos referidos dias de feriado obrigatórios (23°)
9. Durante o período em que o Autor prestou trabalho para a 1ª Ré , a 1ª Ré procedeu ao desconto da quantia de HKD750,00 sobre o salário mensal do Autor, a título de "comparticipação nos custos de alojamento" (24°) e o referido desconto no salário do Autor era operado de forma automática e independentemente de o trabalhador (leia-se do Autor) residir ou não na habitação que lhe era providenciada pela 1ª Ré (24° A). Mesmo que o Autor optasse por residir fora da residência que lhe era destinada pela 1ª Ré sempre lhe seriam descontado a quantia de HK$750,00 por cada mês (24° B). Em cada residência residiam cerca de 8 trabalhadores (guardas de segurança de origem Nepalesa) cada um dos quais "pagava" à 1ª Ré a quantia de HK$750,00 (24° C). Era expressamente proibido ao Autor (e aos demais trabalhadores de origem Nepalesa que com ele residia) receber quaisquer visitas e/ou familiares no referido apartamento (24° E). Sendo, igualmente, expressamente vedado a entrada de quaisquer pessoas do sexo feminino em qualquer dos alojamentos "providenciados" pela 1ª Ré (24°F)
10. Foi considerado pelo Tribunal a quo que: "Durante todo o período da relação de trabalho com a Ré, o Autor prestou a sua actividade num regime de turnos rotativos (25°) Durante todo o período da relação de trabalho, o Autor exerceu a sua actividade para a Ré num regime de 3 turnos rotativos de 8 horas por dia
Turno A: das 08h às 16h
Turno B: das 16h às 00h
Turno C: das 00h às 08h (26°)
Os turnos respeitavam sempre a uma mesma ordem sucessiva de rotatividade (A-C)-(BC)-(C-B) após a prestação pelo Autor (e pelos demais trabalhadores não residentes e guardas de segurança) de sete dias de trabalho contínuo e consecutivo. (26° A). Daqui resultava que, entre o fim da prestação de trabalho no turno C (00h às 8 horas) e o inicio da prestação de trabalho no turno B (16 horas às 00 horas) o Autor prestava a sua actividade num total de 16 horas de trabalho (correspondente a dois períodos de 8 horas cada) num período total de 24 horas (26° C) e que a 1ª Ré nunca pagou ao Autor uma qualquer quantia (em singelo e/ou adicional) pelo trabalho prestado pelo Autor durante os dois períodos de 8 horas cada prestado num período de 24 horas em cada ciclo de 21 dias de trabalho consecutivo (27°).
11. O douto Tribunal na resposta aduziu os seguintes factos na resposta à matéria de facto:"Concretamente, atendemos ao depoimento prestado pela testemunha apresentada pelo Autor, com a razão de ciência que melhor resulta da acta da audiência, que revelou conhecimento directo dos factos sobre que depôs, num depoimento que se revelou sóbrio e não comprometido, tendo explicado que não era política da Ré permitir o gozo de descansos semanais (não sendo tal trabalho sido pago alem de um dia normal); explico ainda, a este propósito, que nunca foi dado qualquer dia de descanso compensatório. Explicou ainda a testemunha que não foi pago qualquer subsídio de efectividade ou qualquer compensação pela prestação de trabalho em dias de feriado obrigatório; quanto a estes últimos, a resposta restritiva decorre da circunstância de a testemunha ter explicado que o Autor (à sua semelhança) gozava 24 dias deférias anuais, não tendo, no entanto, conseguido concretizar exactamente o período em que tal sucedia, razão por que não houve prova suficiente dos dias de feriado obrigatório em que o Autor prestou trabalho. Explicou ainda a testemunha que nunca foram pagas quaisquer quantias a título de subsídio de alimentação, gorjetas ou outras remunerações além do salário. Mais explicou a testemunha que a Ré não forneciam refeições mas tão só um local onde os trabalhadores podiam tomar a refeição que traziam de casa. A testemunha inquirida afirmou ainda que, a título de alojamento, a Ré cobrava a quantia mensal de 750 HKD mesmo que os trabalhadores optassem por residir fora das residências fornecidas pela Ré. Mais relatou ainda a testemunha, de forma detalhada, como se processavam os turnos de trabalho e a sua rotatividade, precisamente nos termos que ficaram provados.
Cumpre ainda referir que nenhuma prova de sentido contrário foi produzida, quer testemunhal, quer documental, que permitisse pôr em causa o depoimento prestado em audiência pela testemunha, nomeadamente nenhum registo que comprove ter o autor alguma vez faltado ao serviço ou que lhe tivesse sido paga qualquer quantia, e a que titulo, além do que resultou provado(...).»
12. Relativamente à Recorrente B o Recorrido não apresentou na sua petição inicial qualquer prova documental que evidencie a existência de qualquer relação laboral entre este a Ré isto porque ao longo dos anos já decorridos a Ré não dispõe de dados que lhe permitam confirmar se efectivamente o Autor trabalhou ou não como guarda de segurança da B e, por sua vez, o Autor também não faz prova cabal do mesmo, tendo a Ré B , tendo a ora Recorrente vindo a declarar-se como parte ilegítima na acção, arguindo a absolvição da instância, contudo no Despacho Saneador o Meritíssimo Juiz veio a considerar que o Autor, ora Recorrido, é parte legítima da acção relegando todos os factos para a Base Instrutória.
13. Facto que a Recorrente não concorda rejeitando também tal decisão a qual também impugna isto porque a inexistência de qualquer documento que comprove a relação laboral entre o Recorrido e a Recorrente e ainda a fls. 172 dos autos a informação do Corpo de Polícia de Segurança Pública a declarar que nos registo dos Serviços de Migração até ao dia 26/09/2016 não existia qualquer registo sobre a permanência em Macau do Sr. A, é mais do que claro que não poderia o Digno Tribunal dar como provado desde logo o quesito 1°, 2° e 3° e em consequência todos os outros, devendo ter declarado a absolvição da instancia, pelo que, nesta senda, entende a recorrente que o Digno Tribunal a quo violou a douta sentença recorrida a aplicação da lei e o disposto no artigo 413°, e) do CPC, pelo que deverá a sentença proferida ser revogada e substituída por outra que declare a absolvição da instância por ilegitimidade do Autor.
14. Contudo, e caso assim não seja entendido, da prova produzida em sede de julgamento a resposta a todos os quesitos e a fundamentação supra transcrita teriam necessariamente de ser diferentes, pelo que estamos perante um claro erro de julgamento e isso pode ser comprovado já que neste processo foi deferida a documentação das declarações prestadas na audiência de julgamento, existindo por isso suporte de gravação, o que permitirá ao douto Tribunal de Segunda Instância melhor avaliar, e decidir, sobre o ora invocado erro na apreciação da prova, aqui expressamente se requerendo a reapreciação da matéria de facto, nos termos admitidos no art. 629º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi art. 1º do Código de Processo do Trabalho, tendo sido ouvida apenas uma única testemunha, D, cujo testemunho pode ser escutado nas passagens gravadas em 15.11.2016,. do CD 1, tradutor 1, excerto 10.03.10 até ao excerto 11.55.04 minuto 04:05 e no qual se comprova que o depoimento da única testemunha ouvida em julgamento é genérico, mais parecendo um verdadeiro depoimento de parte sem que tivesse a testemunha conseguido concretizar se em relação ao Autor as coisas se passavam como se haviam passando em relação a si mesma.
15. Não se podendo olvidar o facto de no início da audiência a própria testemunha ter declarado que fora Autor numa acção em tudo semelhante àquela em que veio depor, o que tende a revelar a parcialidade do seu depoimento. Por isso, nunca poderia o Tribunal a quo ter dado como provado que o Autor não recebeu os subsídios a que alega ter direito, ou que nunca faltou sem conhecimento e autorização da Ré, ou que aquele nunca gozou dias de descanso semanal ou se, a cada 21 dias, trabalhava 16 horas em cada período de 24! Tanto mais que o próprio Autor ora afirma que não teve nenhum descanso semanal ora afirma que nunca deu qualquer falta injustificada (quesito 7), ou que nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização previa por parte da 1ª Ré (quesito 16).
16. Afirma o Autor ao longo do seu articulado que gozou de períodos de ausência ao trabalho( Cfr. arti. 12° da PI) para a testemunha vir depois dizer que o mesmo trabalhou continuamente. Contudo, parece insuficiente admitir que a procedência do pedido do Autor seja feita com base num único depoimento genérico e sem que a testemunha tivesse trabalho diariamente a par com o Autor, tal como afirma em audiência (CD1, excerto 10.03.14, minutos 00.00) desconhecendo por isso a verdadeira situação do mesmo. Isto quando à Ré se tornou impossível contradizer documentalmente o depoimento da testemunha porquanto a presente demanda só se iniciou volvidos mais de 10 anos sobre o termo da relação laboral, não estando a mesma portanto obrigada a manter nos seus arquivos a documentação atinente a todos os seus trabalhadores.
17. Mas mais se diga quanto à matéria vertida nos quesitos 2, 3 e 4, que não poderia o Tribunal ter dado como provado tal matéria, já que existe qualquer prova nos autos nem da parte da testemunha foi dado qualquer depoimento que comprovasse que o Autor foi informado pelo GRH que este trabalhador estava adstrito ao referido Contrato de Prestação de Serviços, e ainda quanto à matéria vertida no quesito 8° relativamente à retribuição mensal já que não existe nos autos qualquer documento a comprovar tal montante salarial, pelo que também aqui pecou o Digno Tribunal a quo quando deu como provados tais factos, pelo que, após reapreciação da prova efectuada em juízo por parte desse Venerando Tribunal da Segunda Instância deverá ser proferido douto Acórdão que julgue procedente o invocado vício de erro de julgamento ao dar por provados os quesitos 3°, 5°, 8° a 17° da Douta Base Instrutória, os quais serão de dar por não provados.
18. Mas ainda que improceda o recurso na parte respeitante à impugnação da decisão que dirimiu a matéria de facto, urge ainda questionar se o Autor teria direito a receber todos os créditos que reclama nos termos em que a sentença ora posta em crise os concedeu e a resposta só pode ser em sentido negativo, pois no que diz respeito ao subsídio de alimentação e ao subsídio de efectividade o Douto Tribunal a quo condenou ora Recorrente a pagar ao Autor a quantia de MOP$14.180,00 a título de subsídio de alimentação e a quantia de MOP$23.000,00 a título de subsídio de efectividade tendo dado como provado os supra transcritos quesitos 11°, 12°, 15° e 17°.
19. Numa situação como à dos autos em que à data da contratação do Autor estava em vigor o Despacho n.° 12/GM/88, de 1 de Fevereiro - o qual regia a contratação de trabalhadores não residentes - o Venerando Tribunal de Segunda Instância pronunciou-se do seguinte modo: «Tendo sido celebrado um contrato de prestação de serviços entre a Ré e a Sociedade [...] Lda., em que se estipula, entre outros, o mínimo das condições remuneratôrias a favor dos trabalhadores que venham a ser recrutados por essa sociedade e afectados ao serviço da Ré, estamos em face de um contrato a favor de terceiro, pois se trata de um contrato em que a Ré (empregadora do Autor e promitente da prestação) garante perante a Sociedade [...] Lda. (promissória) o mínimo das condições remuneratôrios a [avor dos trabalhadores estranhos ao contrato (beneficiários). »
20. Ou seja, o contrato de prestação de serviços funciona como uma garantia do mínimo das condições remuneratórias a cumprir por parte da entidade promitente ou empregadora, sendo portanto de analisar se aquando do início da relação laboral os trabalhadores ficaram individualmente prejudicados face ao resultado que teriam se a entidade empregadora cumprisse apenas com aqueles mínimos das condições remuneratárias. Se o ora Recorrente se tivesse limitado a cumprir com os mínimos a que se obrigou, o Autor teria auferido um salário idêntico ao nível médio dos salários praticados para desempenho equivalente, num mínimo de $100.00 patacas diárias, acrescida de $20,00 patacas diárias por pessoa a título de subsídio de alimentação, ou seja, MOP$3,600.00 mensais, ao qual poderia acrescer um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço. Mas a verdade é que o Autor, por força do contrato de trabalho que celebrou com a ora Ré, auferiu mensalmente o valor de MOP$7500.00, ou seja, mais do dobro dos aludidos montantes, ficando assim devidamente cumpridas e verificadas as condições remuneratórias mínimas previstas no contrato de prestação de serviços.
21. Assim, salvo devido respeito por melhor opinião, tendo no caso concreto a ora Ré efectivamente proporcionado ao Autor uma remuneração muito superior àquela a que se comprometeu por força do contrato a que alude a alínea B) dos factos assentes, não se vislumbra em que medida se possa ter o referido contrato de prestação de serviços por violado e nem em que medida possa o Autor considerar-se prejudicado donde nunca poderia proceder os pedidos formulados pelo Autor a titulo de subsídio de alimentação e de efectividade.
22. Mas ainda que assim não se entenda sempre se diga que, o pedido formulado a título de subsídio de alimentação não poderia proceder, isto porque entendeu o douto Tribunal a quo que o Autor teria direito a receber MOP20 por 709 dias de trabalho que mediaram entre o dia 25 de Fevereiro de 2001 e 3 de Fevereiro de 2003, contudo não se comprovou que entre estas datas o Autor tenha trabalhado 709 dias. O que se provou foi que durante o período em que o Autor prestou trabalho nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte da Ré resultando assim assumido pelo Autor que teve períodos de "dispensa ao trabalho remunerados e/ou não remunerados e autorizados pela Ré". Perguntando-se então quantos dias o Autor faltou ao trabalho com conhecimento e autorização da Ré? É que a parca matéria fáctica alegada pelo Autor não pode conduzir, sem mais, à procedência do pedido. E tendo ainda resultado apurado que o Autor teve férias, que deu faltas ao serviço e que pediu dias de dispensa com autorização da Ré mas não se comprova (nem tão pouco foi alegado) quais são esses dias.
23. E se não foram alegados esses dias, e sendo os subsídios de alimentação e de efectividade atribuídos em função da efectiva prestação de trabalho, como poderá o Tribunal determinar quais os dias em que o Autor trabalhou e quais efectivamente os dias em que o Autor tem direito a tais subsídios? Pelo que não parece que não estaria o Tribunal a quo em condições de determinar quais os dias relativos aos quais o Autor tem direito ao subsídio de alimentação, pois, o subsídio de alimentação, conforme tem vindo a ser entendimento unânime da doutrina e jurisprudência, trata-se de um acréscimo salarial que pressupõe necessariamente a prestação efectiva de trabalho por parte do seu beneficiário tal como doutamente defendido por esse Venerando Tribunal de Segunda Instância em diversos arestos dos quais se destaca o proferido em 13.04.2014 no processo 414/2012.
24. Pelo que para que houvesse condenação da Ré, ora Recorrente, no pagamento desta compensação, deveria o Autor ter alegado e provado quantos foram os dias de trabalho efectivamente por si prestados que não sucedeu, estando, aliás, a decisão em contradição com a factualidade provada (cfr. resposta ao quesito 7º e 16°) pelo que, salvo devido respeito por melhor opinião, não tendo sido alegados nem provados os factos essenciais de que depende a atribuição do mencionado subsídio de alimentação, ou seja, a prestação efectiva de trabalho, não poderia o douto Tribunal ter condenado a Recorrente nos termos em o fez, padecendo assim a douto sentença nesta parte do vício de erro de julgamento da matéria de facto e na aplicação do Direito, devendo consequentemente ser revogada e substituída por outra que absolva a Recorrente do pagamento de compensação a título de subsidio de alimentação.
25. Quanto ao subsídio de efectividade veio a apurar-se que o mesmo fazia parte do contrato de prestação de serviços 2/99 e ainda que o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte da Ré, também por definição e conforme resulta do aludido contrato de prestação de serviços, o subsídio de efectividade visa premiar a efectiva prestação do trabalho, sendo que nos presentes autos não foi feita qualquer prova relativamente à assiduidade do Autor, não se tendo apurado quantos dias de trabalho efectivo ele prestou e nem quantas vezes faltou ao serviço, pelo contrário, resulta dos autos (e da matéria de facto provada) que o Autor deu faltas ao serviço, ainda que justificadas, não tendo porém sido tais faltas quantificadas, nem se determinando quando foram dadas. E por isso, se questiona como foi possível ao Tribunal a quo fixar os dias que fixou para cálculo das compensações se não sabe quantos foram os dias de faltas justificadas? Não estava o Tribunal a quo em condições de concluir que em cada um dos meses em que durou a relação laboral o Recorrido não deu faltas ao serviço por forma a concluir que tinha o mesmo direito a perceber um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias.
26. Mais uma vez deixou a decisão recorrida escapar que o próprio Autor alega não ter trabalhado todos os dias, sendo insuficiente a matéria de facto apurada nos presentes autos que permita ao Tribunal a quo sustentar a condenação da Recorrente a pagar ao Recorrido qualquer montante a título de subsídio de efectividade. Devendo assim ser revogada e substituída por outra que absolva a Recorrente do peticionado, ou caso assim não se entenda, o que apenas por mera cautela de patrocínio se poderá conceder, que tãosomente condene a Recorrente a pagar ao Recorrido a compensação a título de subsídio de efectividade e de subsídio de alimentação que se venham a liquidar em sede de execução de sentença, nos termos do preceituado no n° 2 do artigo 564° do CPC.
27. Quanto à compensação do trabalho prestado em dia de descanso semanal e com relevo para a apreciação de tais pedidos deu o Tribunal a quo por provado o constante nos quesitos 18°, 19°, 20° e 21°, contudo se questiona como é que tendo resultado que o recorrido foi expressamente dispensado do trabalho (com ou sem remuneração) e que teve faltas justificadas, como pode o Tribunal entender decidir o n° de dias devidos e não gozados pelo Recorridos a que se faz alusão a fls. 225 verso e 226 da sentença?
28. Estando provadas as dispensas para o trabalho remuneradas e os 24 dias de férias anuais, tal como referido pelo Meritíssimo Juiz a quo no relatório da resposta à matéria de facto, sem que a testemunha conseguisse determinar em que dias o Autor gozou tais dias de férias anuais (Cfr. agravação CD1-excerto 11.04.38 a 00:34 minutos e excerto 11.05.31 a partir dos 00 minutos) nunca poderia o Tribunal ter condenado a Recorrente ao pagamento da quantia ue são contraditórios por MOP$23.500,00 + MOP$23.500,00 (descansos compensatórios) sem que se provasse o número de dias concretos que o Autor deixou de gozar o seu descanso semanal, pelo que se verifica assim uma errada aplicação do Direito e erro no julgamento da matéria de facto por parte do Tribunal a quo na condenação da recorrente nas quantias peticionadas a título de trabalho prestado em dia de descanso semanal e em dias feriados, em violação do princípio do dispositivo consagrado no art. 5º do CPC e bem assim o disposto nos artigos 17° e 19° do DL 24/89/M, devendo assim a sentença ser revogada e substituída por outra que absolva a Recorrente do peticionado, ou caso assim não se entenda, o que apenas por mera cautela de patrocínio se poderá conceder, que tão-somente condene a Recorrente a pagar ao Recorrida a compensação a título de trabalho prestado em dia de descanso semanal e em dias feriados que se venham a liquidar em sede de execução de sentença, nos termos do preceituado no n° 2 do artigo 564° do CPC.
29. Já quanto à comparticipação nos custos de alojamento baseou a sentença recorrida da condenação da Recorrente neste ponto determinando que: "Cremos que, à falta de qualquer outra justificação que se mostra indevido o desconto de forma automática da quantia de HK$750,00 por cada mês, atenta, desde logo, a obrigação assumida de disponibilizar aquando da contratação de alojamento gratuito (cfr. facto provado 10, pelo que terá de devolvera quantia de MOP$18.000,00 a título de devolução da "comparticipação no alojamento" (Mop$750.00 x 24 meses)." No entanto, não foi alegado pelo Autor, ora Recorrido, que foi a Recorrente quem garantiu o alojamento gratuito em Macau. Isto porque os factos constitutivos do direito, depois de subsumidos, permitem concluir pelo pedido alegado que existe uma outra entidade responsável pelo recrutamento, ou seja uma agência de recrutamento, o qual não pode ser olvidado pelo Digno Tribunal a quo, entidade que nada tem a ver com a Ré e estes factos, não estão também suficientemente alegados para permitir uma condenação pelo Tribunal.
30. Por outro lado, não violou a Recorrente o preceituado no artigo 9° do Despacho 12/GM/88 nem tão pouco a alínea a) e b) do artigo 9° do Decreto-lei 24/89/M porquanto não resultou dos autos que a Recorrente não tenha fornecido alojamento ao Autor, nem que tivesse obrigado o Autor a adquirir ou utilizar quaisquer bens ou serviços por si fornecido, aquilo que foi apurado é que a Ré procedeu a uma dedução do salário do Autor a título de comparticipação nos custos de alojamento, não decorrendo da Lei que a entidade patronal esteja obrigada a arcar com as despesas de água, luz, gás, limpeza e manutenção dos alojamentos que fornece,
31. E que a dedução no salário do Autor era operada de forma automática e independentemente de o trabalhador (leia-se Autor) residir ou não na habitação que lhe era pela Ré e/ou agência de emprego ... mas afinal, neste caso concreto, o Autor deixou de residir em tal habitação que tinha sido fornecida pela Recorrente? Tal questão ficou sem resposta. Já que sendo obrigação da entidade patronal garantir alojamento - mas já não proceder ao pagamento das despesas com água, luz, gás, limpeza e manutenção dos alojamentos que fornece - e não se tendo provado em concreto se o Autor residiu fora do alojamento que lhe foi fornecido pela Ré e que mesmo assim esta continuou a descontar a aludida quantia, o Tribunal a quo não poderia senão absolver a Recorrente do pedido.
32. Pelo que também aqui não poderá proceder o pedido do Recorrido, verificando-se assim uma errada aplicação do Direito e erro no julgamento da matéria de facto por parte do Tribunal a quo na condenação da recorrente nas quantias aqui peticionadas, violando assim o princípio do dispositivo consagrado no art. 5° do CPC e bem assim o disposto nos artigos 17° e 19° do DL 24/89/M. Devendo assim a sentença ser revogada e substituída por outra que absolva a Recorrente do peticionado, ou caso assim não se entenda, o que apenas por mera cautela de patrocínio se poderá conceder, que tãosomente condene a Recorrente a pagar ao Recorrido a compensação a título de comparticipação dos custos de alojamento que se venham a liquidar em sede de execução de sentença, nos termos do preceituado no n° 2 do artigo 564° do CPC.
33. No que diz respeito à reclamação das compensações pelo trabalho efectuado em regime de turno e trabalho extraordinário à semelhança do ocorrido com o subsídio de alimentação o Recorrente limitou-se a invocar factos genéricos, já que nem o Recorrido alega especificadamente quais os factos que permitam concluir que tenha direito a pedir qualquer tipo de compensação a esse titulo, nem a própria testemunha. Todo o testemunho é genérico e indirecto sem conhecimento real e concreto da situação do recorrido, pois até declara que nunca trabalhou com o Recorrido e nem o recorrido nem a testemunha concretizam datas, dias de trabalho efectivamente prestado, quando é que tais turnos coincidiam e quais os dias, e se ficou provado que o Recorrido dava faltas ao serviço (ainda que justificadas) ou pedia dispensas, como pode o Tribunal determinar com certeza quais os dias em que o Autor estava de turno? Ou ainda se eram ou não despendidas horas extraordinárias? Motivo pelo qual também aqui o Tribunal andou mal ao condenar a Recorrente, em violação do art. 5° do CPC e do art. 10º do DL 24/89/M.
34. Mas mais se saliente um facto importante que o Tribunal deveria ter tido também em consideração, já que se reporta à relação laboral, in totum, que são as férias anuais gozadas pelo Autor. Na verdade, o Tribunal para o cômputo de todas as compensações devidas pelos créditos reclamados pelo Recorrido tem que ter em conta todos os dias de trabalho bem como todos os dias de férias, feriados e descansos gozados para efectivamente proceder ao cálculo das mesmas. Ora, não tendo sido alegado pelo Recorrido mas tendo sido dito pela testemunha que os guardas Nepaleses tinham direito a 24 dias de férias anuais e não se sabendo quando, em cada ano, o Autor, ora Recorrido, gozou as férias anuais, porque a testemunha não logrou concretizar em audiência, pergunta-se mais uma vez como pode o Tribunal a quo, estabelecer com toda a certeza os dias para cômputo das compensações relativas aos feridos obrigatórios e descansos semanais, subsídio de efectividade, subsídio de alimentação e trabalho extraordinário nos turnos?
35. Face a esta falta de previsão por parte do Digno Tribunal no apuramento das compensações a atribuir ao Recorrido entende a Recorrente, sempre com todo o respeito, que padece a douta decisão dos vícios de erro de julgamento da matéria de facto e erro na aplícação do direito devendo assim a sentença ser revogada e substituída por outra que absolva a Recorrente do peticionado, ou caso assim não se entenda, o que apenas por mera cautela de patrocínio se poderá conceder, que tão-somente condene a Recorrente a pagar ao Recorrido a compensação a título de trabalho extraordinário que se venham a liquidar em sede de execução de sentença, nos termos do preceituado no n° 2 do artigo 564° do CPC.
36. Entendeu o Tribunal a quo que tendo em conta o ponto 3.3 do Contrato de prestação de Serviços 2/99 teria o Autor direito a perceber as bonificações ou remunerações adicionais incluindo gorjetas pagas aos operários residentes a liquidar em execução de sentença podendo ainda ler-se na decisão recorrida que,
"Resulta do ponto 3.3. do Contrato de Prestação de Serviço n° 5/98 que "(...) decorridos os primeiros 30 dias de prestação de trabalho por parte do trabalhador (leia-se o Autor) este terá direito, para além da remuneração supra referida às bonificações ou remunerações adicionais que a 1ª Outorgante (leia-se a primeira Ré) paga aos operários residentes no território" (sublinhado e destacado nossos), resultando ainda da sentença que : Entre 25/02/2001 e 03/02/2003 a Ré nunca pagou ao Autor quaisquer bonificações ou remunerações adicionais, incluindo gorjetas que pagou a todos os demais trabalhadores residentes, incluindo guardas de segurança (9°) "
37. Com o devido respeito entende a Recorrente que o Tribunal a quo interpretou mal a aludida cláusula no que ao pagamento das gorjetas diz respeito, pois resulta claramente da supra transcrita cláusula que os trabalhadores não residentes teriam direito às bonificações ou remunerações adicionais PAGAS pela Recorrente aos operários residentes havendo que distinguir o que sejam as gratificações pagas pela entidade patronal do que sejam as gratificações pagas por terceiros, cumprindo não confundir o que seja o seu pagamento e a sua distribuição. E as gratificações pagas pela entidade patronal, tem carácter de recompensa, visando premiar e incentivar o trabalhador face ao seu bom desempenho competindo a cada empresa, determinar as condições de atribuição de tais gratificações, tais como a assiduidade, a angariação de clientes, o resultado atingido na prestação do seu trabalho, etc., não sendo as mesmas atribuída caso não se verifiquem tais requisitos.
38. No caso ficou por comprovar (e até mesmo por alegar) quais foram as bonificações ou remunerações adicionais que a Recorrente pagou aos trabalhadores residentes. Mas uma coisa é certa ... nessas bonificações ou remunerações adicionais não será de incluir as gorjetas porque não são as mesmas pagas pela aqui Recorrente, mas sim pelos seus Clientes. E a verdade, é que não tinha a Recorrente nenhum dever de pagar ao Autor nenhuma gorjeta, tal como não existia esse dever para com nenhum dos seus trabalhadores residentes pois ao contrário do que o Autor pretendeu transparecer e veio a ser erradamente admitido pelo Tribunal, as gorjetas não correspondem a uma prestação do empregador mas sim de um terceiro e como tal não estão abrangidas pela sobredita cláusula salientando-se que a nova lei das relações de trabalho ( Lei 7/2008) enquadra as gorjetas no conceito de "remuneração variável" (cfr. artigo 2° alínea 5) e não como remuneração de base o que reforça o argumento que a sua distribuição não constitui uma verdadeira obrigação para a entidade patronal e mais se relevando que em audiência a testemunha quanto a este ponto se baseou apenas no contrato de prestação de serviço , tendo sido muito parco na resposta. Por isso, nunca poderia o Tribunal ter condenado a Recorrente ao pagamento das bonificações ou remunerações adicionais, incluindo gorjetas, por falta de preenchimento do requisito para tal, pelo que não poderá a Recorrente senão ser absolvida do sobredito pedido.
39. Face a todo o acima exposto se concluiu também que a decisão em crise padece do vício de falta de fundamentação decorrente da violação do ónus da alegação por parte do Recorrido, isto porque a decisão em crise mantém na íntegra as conclusões incoerentes feitas na petição inicial, mantendo por responder a questões/vícios que a seguir se enumeram: (i) ter o Autor trabalhado todos os dias da semana, embora reconheça ter faltado algumas vezes com autorização prévia da 1ª Ré; (ii) Quantos foram esses dias de faltas justificadas e quando foram gozados os 24 dias de férias anuais? (iii) Deverá ser atendida a "média" de 30 dias por ano de faltas autorizadas, como o autor concede na nota 1 ao art.º 22° da petição inicial? Que factos suportam esta conclusão?
40. Com todo o devido respeito, as incoerências e violação do ónus de alegação por parte do recorrido só poderia, em nossa modesta opinião, ser resolvida pelo Tribunal de Primeira Instância de uma de duas formas: Ou dava a oportunidade ao Autor para aperfeiçoar a petição inicial, apresentando nova peça consistente e coerente que permitissem uma decisão clara e esclarecida: ou dava por provado apenas e tão só os factos que se encontram efectivamente provados e suficientemente alegados. O que o Tribunal a quo não podia fazer foi o que fez, ou seja, factualizar as conclusões do Autor (não suportadas em factos) e os factos incoerentes e contraditórios que se mantêm na íntegra. Esta decisão, por essa razão, padece também de vício de falta de fundamentação decorrente do ónus da violação do ónus de alegação por parte do Recorrido, sendo, por isso, nula.
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O Autor respondeu à motivação do recurso da Ré, nos termos constantes a fls. 430 a 454, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do mesmo.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II - FACTOS
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
1. Entre 09 de Setembro de 1999 e 03 de Março de 2003, o Autor esteve ao serviço da Ré, prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (1.º)
2. Conforme informação prestada pelo Gabinete para os Recursos Humanos da RAEM (GRH), o Autor exerceu a sua prestação de trabalho para a Ré ao abrigo de um Contrato de Prestação de Serviços celebrado entre a Ré e a C, Lda. (2.º)
3. Mais foi informado pelo GRH que se trata do Contrato de Prestação de Serviços n.º 2/99 (Cfr. doc. 1 e 2). (3.º)
4. O referido Contrato de Prestação de Serviços foi sucessivamente objecto de apreciação, fiscalização e aprovação por parte da Entidade Pública competente. (4.º)
5. Durante o tempo que prestou trabalho, o Autor sempre respeitou os períodos e horários de trabalho fixados pela Ré. (5.º)
6. Durante o tempo que prestou trabalho, o Autor prestou trabalho nos locais (postos de trabalho) indicados pela Ré e que eram fixados pela Ré de acordo com as suas exclusivas necessidades. (6.º)
7. Durante o tempo que prestou trabalho para a Ré, o Autor nunca deu qualquer falta injustificada. (7.º)
8. Durante o período que prestou trabalho, a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$7,500.00, a título de salário de base mensal. (8.º)
9. Para um período de trabalho de 8 horas de trabalho por dia e de 6 dias por semana. (9.º)
10. Aquando do recrutamento do Autor no Nepal foi garantido ao Autor que teria direito a alimentação e alojamento gratuitos em Macau. (10.º)
11. Resulta do ponto 3.1. do Contrato de Prestação de Serviços n.º 2/99, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) a quantia de “(…) $20,00 patacas diárias por pessoa, a título de subsídio de alimentação”. (11.º)
12. Entre 09/09/1999 e 03/02/2003, a Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação ou nunca entregou ao Autor qualquer tipo de alimentos e/ou géneros. (12.º)
13. Resulta do ponto 3.3. do Contrato de Prestação de Serviços n.º 2/99, que “(…) decorridos os primeiros 30 dias de prestação de trabalho por parte do trabalhador (leia-se o Autor), este terá direito, para além da remuneração supra referida, às bonificações ou remunerações adicionais que a 1.º outorgante (leia-se, as Rés) paga aos operários residentes no Território”. (13.º)
14. Entre 09/09/1999 e 03/02/2003, a Ré nunca pagou ao Autor quaisquer bonificações ou remunerações adicionais incluindo-se as gorjetas que pagou a todos os demais trabalhadores residentes, incluindo guardas de segurança. (14.º)
15. Resulta do ponto 3.4. do Contrato de Prestação de Serviços n.º 2/99, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) “(…) um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço”. (15.º)
16. Durante todo o período da relação laboral, o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho, sem conhecimento e autorização prévia por parte da Ré. (16.º)
17. Entre 09/09/1999 e 03/02/2003, a Ré nunca atribuiu ao Autor uma qualquer quantia a título de subsídio mensal de efectividade. (17.º)
18. Entre 09/09/1999 e 28/12/2002, a Ré nunca fixou ao Autor, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição. (18.º)
19. A Ré nunca concedeu ao Autor um período de descanso consecutivo de quatro dias por cada conjunto de quatro semanas ou fracção, sem prejuízo da correspondente retribuição. (19.º)
20. A Ré nunca fixou ao Autor um outro dia de descanso compensatório em consequência do trabalho prestado em dia de descanso semanal. (20.º)
21. A Ré nunca atribuiu ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal. (21.º)
22. Entre 09/09/1999 e 03/02/2003 o Autor prestou a sua actividade durante feriados obrigatórios para a Ré. (22.º)
23. A Ré nunca atribuiu ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado nos referidos dias de feriados obrigatórios. (23.º)
24. Durante todo o período em que o Autor prestou trabalho para a Ré, a Ré procedeu ao desconto da quantia de HKD$750,00.00 sobre o salário mensal do Autor, a título de “comparticipação nos custos de alojamento”. (24.º)
25. O referido desconto no salário do Autor era operada de forma automática, e independentemente de o trabalhador (leia-se, do Autor) residir ou não na habitação que lhe era providenciada pela Ré. (24.º-A)
26. Mesmo que o Autor optasse por residir fora da residência que lhe era destinada pela Ré, sempre lhe seria descontado a quantia de HK$750,00 por cada mês. (24.º-B)
27. Em cada residência residiam cerca de 8 trabalhadores (guardas de segurança de origem nepalesa), cada um dos quais “pagava” à Ré a quantia de HK$750,00. (24.º-C)
28. Era expressamente proibido ao Autor (e aos demais trabalhadores de origem nepalesa que com ele residia) receber quaisquer visitas e/ou familiares no referido apartamento. (24.º-E)
29. Sendo, igualmente, expressamente vedado a entrada de quaisquer pessoas de sexo feminino em qualquer dos alojamentos “providenciados” pela Ré. (24.º-F)
30. Durante todo o período da relação de trabalho com a Ré, o Autor prestou a sua actividade num regime de turnos rotativos. (25.º)
31. Durante todo o período da relação de trabalho, o Autor exerceu a sua actividade para a Ré (B) num regime de 3 turnos rotativos de 8 horas por dia:
Turno A: (das 08h às 16h)
Turno B: (das 16h às 00h)
Turno C: (das 00h às 08h) (26.º)
32. Os turnos respeitavam sempre uma mesma ordem sucessiva de rotatividade (A-C)-(B-A)-(C-B), após a prestação pelo Autor (e pelos demais trabalhadores não residentes e guardas de segurança) de sete dias de trabalho contínuo e consecutivo. (26.º-A)
33. Daqui resultava que, entre o fim da prestação de trabalho no turno C (00h às 08h) e o início da prestação de trabalho no turno B (16h às 00h), o Autor prestava a sua actividade num total de 16 horas de trabalho (correspondente a dois períodos de 8 horas cada) num período total de 24 horas. (26.º-B)
34. Entre o fim da prestação de trabalho no turno B (16h às 00h) e o início da prestação de trabalho no turno A (8h às 16h) o Autor prestava a sua actividade num total de 16 horas de trabalho (correspondente a dois períodos de 8 horas cada) num período total de 24 horas. (26.º-C)
35. A Ré nunca pagou ao Autor uma qualquer quantia (em singelo e/ou adicional) pelo trabalho prestado pelo Autor durante os dois períodos de 8 horas cada prestado num período de 24 horas, em cada ciclo de 21 dias de trabalho contínuo e consecutivo. (27.º)
36. Por ordem da Ré, o Autor estava obrigado a comparecer no seu local de trabalho devidamente uniformizado com, pelo menos, 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno. (28.º)
37. O Autor sempre compareceu no início de cada turno com a antecedência de, pelo menos, 30 minutos. (29.º)
38. Período durante o qual o Autor estava sujeito às ordens e instruções da Ré. (30.º)
39. A Ré nunca atribuiu ao Autor uma qualquer quantia salarial pelo período de 30 minutos que antecediam o início de cada turno e relativamente ao qual o Autor permaneceu sob as ordens e as instruções da Ré. (31.º)
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III – FUNDAMENTAÇÃO
1. Recurso da Ré
1.1. Da excepção da ilegitimidade
Vem a Ré, em sede do recurso da sentença final, impugnar uma decisão proferida no âmbito do despacho saneador pela qual se julgou a sua legitimidade passiva.
Trata-se duma impugnação manifestamente extemporânea, visto que nos termos do nº 1 do artº 591º do CPCM, o prazo para a interposição do recurso é de 10 dias, a contar da notificação da decisão.
Ora, por carta de notificação expedida em 14/06/2016 (fls. 153 dos autos), a mandatária da Ré foi notificada da supra decisão, mas nada reagiu.
Decorrido o prazo legal da interposição do recurso, não pode Ré, em sede do recurso da sentença final, impugnar uma decisão tomada anteriormente.
Face ao exposto, é de rejeitar o recurso nesta parte.
1.2. Da impugnação da decisão da matéria de facto
Vem a Ré impugnar a decisão da matéria de facto, “nomeadamente a matéria fáctica vertida em todos os quesitos porquanto da prova produzida em sede de julgamento nunca poderiam os referidos quesitos terem sido provados”.
  A impugnação da Ré traduz-se simplesmente numa impugnação genérica e não específica, o que viola o nº 1 do artº 599º do CPCM, razão pela qual fica rejeitado o recurso nesta parte.
  Caso assim não entenda, sempre diremos que tal impugnação não merece provimento.
  Em primeiro lugar, o Tribunal a quo deu a matéria como provada não só com base na prova testemunhal, mas sim também na prova documental existente nos autos, nomeadamente os documentos nºs 1 (cópia do Contrato de Prestação de Serviço nº 2/99) e 2 (lista dos trabalhadores renovados) juntos à petição inicial (v. da fundamentação da formação da convicção de fls. 215 dos autos).
  Em segundo lugar, é consabido que segundo o princípio da livre apreciação das provas previsto n° 1 do artigo 558.° do CPC, “O tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”.
  A justificar tal princípio e aquilo que permite a existência do mesmo, temos que o Tribunal a quo beneficia não só do seu prudente juízo e experiência, como da mais-valia de um contacto directo com a prova, nomeadamente, a prova testemunhal, o qual se traduz no princípio da imediação e da oralidade.
  Sobre o princípio da imediação ensina o Ilustre Professor Anselmo de Castro (in Direito Processual Civil, I, 175), que “é consequencial dos princípios da verdade material e da livre apreciação da prova, na medida em que uma e outra necessariamente requerem a imediação, ou seja, o contacto directo do tribunal com os intervenientes no processo, a fim de assegurar ao julgador de modo mais perfeito o juízo sobre a veracidade ou falsidade de uma alegação”.
  Já Eurico Lopes Cardoso escreve que “os depoimentos não são só palavras, nem o seu valor pode ser medido apenas pelo tom em que foram proferidas. Todos sabemos que a palavra é só um meio de exprimir o pensamento e que, por vezes, é um meio de ocultar. A mímica e todo o aspecto exterior do depoente influem, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhe.” (in BMJ n.º 80, a fIs. 220 e 221)
  Por sua vez Alberto dos Reis dizia, que “Prova livre quer dizer prova apreciada pelo julgador seguindo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei. Daí até à afirmação de que o juiz pode decidir como lhe apetecer, passando arbitrariamente por cima das provas produzidas, vai uma distância infinita. (...) A interpretação correcta do texto é, portanto, esta: para resolver a questão posta em cada questão, para proferir decisão sobre cada facto, o tribunal aprecia livremente as provas produzidas, forma sua convicção como resultado de tal apreciação e exprime-a na resposta. Em face deste entendimento, é evidente que, se nenhuma prova se produziu sobre determinado facto, cumpre ao tribunal responder que não está provado, pouco importando que esse facto seja essencial para a procedência da acção” (in Código de Processo Civil anotado, Coimbra Editora IV, pago 570-571.)
  É assim que “(...) nem mesmo as amarras processuais concernentes à prova são constritoras de um campo de acção que é característico de todo o acto de julgar o comportamento alheio: a livre convicção. A convicção do julgador é o farol de uma luz que vem de dentro, do íntimo do homem que aprecia as acções e omissões do outro. Nesse sentido, princípios como os da imediação, da aquisição processual (art. 436º do CPC), do ónus da prova (art. 335º do CC), da dúvida sobre a realidade de umfacto (art. 437º do CPC), da plenitude da assistência dos juízes (art. 557º do CPC), da livre apreciação das provas (art. 558º do CPC), conferem lógica e legitimação à convicção. Isto é, se a prova só é "livre" até certo ponto, a partir do momento em que o julgador respeita esse espaço de liberdade sem ultrapassar os limites processuais imanentes, a sindicância ao seu trabalho no tocante à matéria de facto só nos casos restritos no âmbito do arts. 599º e 629º do CPC pode ser levada a cabo. Só assim se compreende a tarefa do julgador, que, se não pode soltar os demónios da prova livre na acepção estudada, também não pode hipotecar o santuário da sua consciência perante os dados que desfilam à sua frente. Trata-se de fazer um tratamento de dados segundo a sua experiência, o seu sentido de justiça, a sua sensatez, a sua ideia de lógica, etc. É por isso que dois cidadãos que vestem a beca, necessariamente diferentes no seu percurso de vida, perante o mesmo quadro de facto, podem alcançar diferentes convicções acerca do modo como se passaram as coisas. Não há muito afazer quanto a isso.” (Ac. do TSI de 20/09/2012, proferido no Processo n° 551/2012)
  Deste modo, “A reapreciação da matéria de facto por parte desta Relação tem um campo muito restrito, limitado, tão só, aos casos em que ocorre flagrantemente uma desconformidade entre a prova produzida e a decisão tomada, nomeadamente quando não exista qualquer sustentabilidade face à compatibilidade da resposta com a respectiva fundamentação” (Ac. do STJ de 21/01/2003, in www.dgsi.pt)
  Com efeito, “não se trata de um segundo julgamento até porque as circunstâncias não são as mesmas, nas respectivas instâncias, não bastando que não se concorde com a decisão dada, antes se exige da parte que pretende usar desta faculdade a demonstração da existência de erro na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efectivamente, no caso, foram produzidos.(...).” (Ac. do RL de 10/08/2009, in www.dgsi.pt.)
  Ou seja,
  Uma coisa é não agradar à Ré o resultado da avaliação que se faz da prova, o que parece ser o caso, e outra bem diferente é detectarem-se no processo de formação da convicção do julgador erros claros de julgamento, incluindo eventuais violações de regras e princípios de direito probatório, o que, salvo devido respeito não sucede no caso sub judice carecendo em absoluto a Ré de razão ao invocar a violação de tal princípio.
  A Ré insurge-se quanto à resposta dada aos quesitos com base no depoimento da testemunha e retirando do mesmo o sentido que mais lhe convém, olvidando a restante prova produzida nos autos, nomeadamente a prova documental.
  Ora,
  Em face da prova efectivamente produzida e atentas as regras e entendimento acima enunciados, não assiste razão à Ré ao colocar em causa a apreciação e julgamento da matéria de facto realizada pelo Tribunal a quo que não poderia ter decidido em sentido diverso daquele que decidiu.
1.3. Da comparticipação nos custos de alojamento
Ficou provado que “Aquando do recrutamento do Autor no Nepal foi garantido ao Autor que teria direito a alimentação e alojamento gratuitos em Macau”.
Segundo a cláusula 4.4 do Contrato de Prestação de Serviço nº 2/99, é a agência de emprego quem se responsabiliza pelo fornecimento de alojamento adequado aos trabalhadores recrutados no exterior.
Por outro lado, a cláusula 1 do mesmo Contrato diz expressamente que foi a agência de emprego quem contratou os trabalhadores de origem Nepalesa, os quais são posteriormente cedidos à Ré.
Nesta conformidade e em conjugação do teor do Contrato de Prestação de Serviço em referência e da factualidade provada, não se nos afigura que a Ré tenha assumido a obrigação de fornecer o alojamento gratuito ao Autor e aos demais trabalhadores não residente de origem Nepalesa recrutados ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviço nº 2/99.
Contudo, prevê-se na al. a) do artº 9º do DL nº 24/89/M, que é proibido ao empregador “obrigar o trabalhador a adquirir ou a utilizar serviços fornecidos pelo empregador ou por pessoa por ele indicada”.
Será que o Autor ficou obrigado a residir no alojamento fornecido pela Ré?
A resposta, para nós, não deixa de ser positiva, pois ficou provado que “… mesmo que o trabalhador (leia-se, o Autor) optasse por residir fora da residência que lhe era destinada pela Ré, sempre lhe seria descontado a quantia de HK$750,00 por cada mês”.
Assim, não temos qualquer dúvida em afirmar que a conduta da Ré violou a al. a) do artº 9º do DL nº 24/89/M, pelo que terá de devolver ao Autor a quantia condenada.
Não merece censura a sentença recorrida nesta parte.
1.4. Das bonificações ou remunerações adicionais, incluindo gorjetas
No caso em apreço, o Autor formulou o pedido no sentido de que a Ré fosse condenada a pagar-lhe “o montante correspondente às bonificações ou remunerações adicionais incluindo gorjetas que a Ré pagou aos operários residentes, a determinar nos termos do artigo 392º, nº 1, alínea c) ou alínea b) a liquidar em execução da sentença, por força do disposto no artigo 564º, nº 2 do Código de Processo Civil, ex vi artº 1º do CPT”.
Estamos perante um pedido genérico cuja admissibilidade depende da verificação duma das condicões previstas no artº 392º do CPC, a saber:
1. É permitido formular pedidos genéricos:
a) Quando o objecto mediato da acção seja uma universalidade;
b) Quando não seja ainda possível determinar, de modo definitivo, as consequências do facto ilícito, ou o lesado pretenda usar da faculdade que lhe confere o artigo 563.º do Código Civil;
c) Quando a fixação do quantitativo esteja dependente de prestação de contas ou de outro acto que deva ser praticado pelo réu.
2. Nos casos das alíneas a) e b) do número anterior o pedido pode concretizar-se em prestação determinada por meio do incidente de liquidação, quando para o efeito não caiba o processo de inventário; não sendo liquidado na acção declarativa, observa-se o disposto no n.º 2 do artigo 564.º
Já no âmbito do processo congénere nº 326/2017, este TSI, por acórdão de 29/06/2017, decidiu a sua inadmissibilidade nos seguintes termos:
  “…Da matéria provada não resulta quais sejam as bonificações ou remunerações adicionais que a 1ª ré tenha pago aos seus trabalhadores residentes, embora se tenha provado que a ré vinha pagando bonificações ou remunerações adicionais, incluindo gorjetas.
  Não só não resulta da matéria provada a sua definição material e quantificação, como nem sequer tal matéria vem alegada.
  Estamos em crer que mais do que uma dificuldade no cômputo daquilo que é devido, o que poderia passar por uma operação de liquidação em execução de sentença, como determinou o Mmo Juiz, na essência, estará mesmo em causa a especificação de um pedido que nem sequer está definido na sua génese.
  Será aceitável a parte pedir que o tribunal condene o patrão a pagar os suplementos que paga aos outros trabalhadores residentes, sem dizer em que é que esse pedido se traduz e se concretiza? Sem dizer a que suplementos se refere, qual a categoria dos beneficiados, a analogia de funções e qual o serviço dos beneficiários desses suplementos, partindo do facto comprovado de que a Ré pagou? Aceitar-se-ia que a parte trabalhadora pedisse ao tribunal que condenasse a pagar-lhe os salários em dívida pelo período por que perdurou a relação laboral sem os especificar?
  A factualidade em que vai radicar o pedido mostra-se crucial.
  Como salienta Alberto dos Reis, “… não pode ligar-se maior importância à formulação do pedido, do que à exposição dos fundamentos de facto. Que a menção das razões de direito ocupe lugar secundário, já o assinalámos; mas que a narração dos fundamentos de facto possa relegar-se para plano inferior ao da enunciação do pedido é proposição que temos por inexacta. O êxito da acção tanto depende da correcção do pedido, como da pertinência e suficiência dos fundamentos de facto; o advogado não tem que pôr maior cuidado na formulação do pedido, do que na apresentação do aspecto de facto da acção.”1
  A insuficiência que se assinala, neste caso, perpassa até pelos dois vectores: narração e pedido. Não dizendo quais esses suplementos remuneratórios ou abonatórios, os termos e qualidade dos destinatários das bonificações ou remunerações adicionais que pagou a todos os trabalhadores residentes (art. 13 dos factos), está bem de ver que o pedido formulado fica necessariamente inquinado.
  A questão que se equaciona estará essencialmente dependente da admissibilidade da formulação de pedidos genéricos, enquadrada no art. 392º do CPC.
  Não se estando perante um caso de universalidade (al.a) do n.º1); não se estando perante um caso de impossibilidade de determinação, de modo definitivo, das consequências do facto ilícito, nem se configurando uma situação prevista no art. 563º do CC (al. b) do n.º1); nem estando a fixação do quantitativo dependente da prestação de contas ou de outro acto que deva ser praticado pelo réu – pelo menos nada se requer nesse sentido – (al. c) do n.º 1) parece não ser aceitável o pedido nos termos em que o foi na acção.
  Nesta conformidade, por falta de pedido certo e concreto, ao abrigo do disposto nos artigos 139º, n.º 1 e n.º 2, al. a) e 230º, n.º 1, al. b) do CPC, absolver-se-á a Ré da instância, por se tratar de um pressuposto processual inominado,2 o que impede a apreciação de mérito, não se sufragando aqui o entendimento que configura o caso como de improcedência do pedido.3
  Esta insuficiência da petição mereceria, desde logo, um convite ao aperfeiçoamento, em tempo oportuno, a fim de evitar um desfecho do teor acima contemplado.4”
Somos a reiterar o que já anteriormente decidimos sobre esta matéria.
1.5. Da nulidade da sentença por falta de fundamentação
Entende a Ré que a sentença recorrida é nula por falta de fundamentação uma vez que não contém todos os factos necessários para a sua condenação dos créditos reclamados a título dos subsídios de alimentação e de efectividade, da compensação da prestação das horas extraordinárias, dos dias de descanso semanal, incluindo os respectivos dias de descano compensatório, e dos feriados obrigatórios não gozados, especialmente não tendo alegado e provado o nº de dias de trabalho efectivo e o nº de dias do descanso semanal e dos feriados obrigatórios não gozados.
  Sobre a questão suscitada, a jurisprudência (Ac. de 29/06/2017, Proc. nº 326/2017) recente deste TSI é no sentido seguinte:
  “…Invoca-se uma insuficiente fundamentação e afigura-se-nos que a Ré, ora recorrente, tem razão, na medida em que o Mmo Juiz se terá baseado num cômputo de dias que vêm alegados pelo A., não se alcançando em que bases se louvou para o seu cálculo.
  A recorrente coloca bem a questão, ao imputar o vício à sentença proferida - independentemente do enquadramento jurídico efectuado – nos seguintes termos:
  “(…) a decisão em crise padece do vício de falta de fundamentação decorrente da violação do ónus da alegação por parte do Recorrido já que mantém na íntegra as conclusões incoerentes feitas na petição inicial, mantendo por responder a questões/vícios tais como: (i)ter o Autor trabalhado todos os dias da semana, embora reconheça ter faltado algumas vezes com autorização prévia da 1ª Ré; (ii)Quantos foram esses dias de faltas justificadas e quando foram gozados os 24 dias de férias anuais? (iii) Deverá ser atendida a "média" de 30 dias por ano de faltas autorizadas, como o autor concede na nota 1 ao art. 22° da petição inicial? Que factos suportam esta conclusão?”
  De certa forma pode-se dizer que o Mmo Juiz terá efectuado o seu cálculo com base na alegação do A. que ressalva na nota ao art. 27º da p. i. de que o A. não trabalhou 30 dias por cada ano civil, após o desconto do tempo relativo à prescrição. Mas se se se baseia nesse pressuposto de facto, logo a douta sentença peca por não se saber em que bases assentou essa fixação da matéria de facto – presumida apenas a partir da fundamentação de direito na sentença proferida, já que essa factualidade não está concretizada no capítulo em que se dá por assente a matéria de facto -, sendo certo que se trata de matéria que foi impugnada pelo A. e é certo que o A. não trabalhou durante todo o período em que esteve ao serviço da A., de forma ininterrupta, pois foi autorizado a ausentar-se. Dir-se-á que que o período de ausência era de 30 dias por ano. Mas onde está a comprovação de que assim era e que assim era de facto? O A. alegou e formulou o pedido nessa base, mas comprovou-o?
  Estamos em crer que essa incompleição não pode deixar de ser suprida, havendo que aditar, se necessário, o ou os quesitos necessários referentes à concretização dos dias de trabalho efectivo prestado e desconto dos 30 dias em cada ano, tal como alegado na nota ao artigo 27º da p.i.
  Embora se acolha a linha jurisprudencial mais permissiva, no sentido de que sempre que o tribunal verificar o dano ou a prestação devida, mas não tiver elementos para fixar o seu valor, quer se tenha pedido um montante determinado ou formulado um pedido genérico, lhe cumpre relegar a fixação do montante indemnizatório para liquidação em execução de sentença, ao abrigo do disposto no art. 564º/2 do CPC5 - mesmo que se possa afirmar que se está a conceder uma nova oportunidade ao autor que tenha deduzido pedido líquido de provar o quantitativo devido, não se vislumbra qualquer ofensa do caso julgado, material ou formal, na medida em que a existência de danos já está provada e apenas não está determinado o seu exacto valor e só no caso de se não ter provado a existência de prestação devida é que se forma caso julgado material sobre tal objecto, impedindo nova prova do facto no posterior incidente de liquidação, estando subjacente a esta jurisprudência a ideia de que razões de justiça e de equidade impedem que se absolva a demandada uma vez demonstrada a sua obrigação -, a situação presente não consentirá essa via, na exacta medida em que houve já uma liquidação e o apuramento de uma base de cálculo, não se tendo o Mmo Juiz limitado a uma enunciação genérica de trabalho prestado não apurado.
  Ainda que que não se enjeite essa possibilidade, numa recondução a um completamento de matéria de facto, estamos em crer que a presente solução aponta para uma necessidade de exigência e de rigor, desde logo, para as próprias partes - muitas nem sequer aqui permanecendo, porventura desinteressando-se dos seus direitos aquando da cessação dos contratos, visto até o tempo entretanto decorrido -, não podendo elas facilitar na concretização e prova das prestações que dizem estar em dívida. Quanto se diz não retira de forma nenhuma o reconhecimento à tutela dos direitos dos trabalhadores que tenham sido violados, apenas se pretendendo a sua cooperação e responsabilização na realização da Justiça.
  Perante esta insuficiência, perante esta incompreensão sobre a forma como se atingiu aquele facto com que se jogou no cálculo efectuado, mais do que a falta a que alude o art. 571º, b) do CPC estaremos perante a situação prevista no art. 629º, n.º 4 do mesmo Código, o que implica a anulação da decisão proferida na parte relativa à concretização de quais e quantos os dias considerados no cálculo efectuado pelo Mmo Juiz, tendo em conta a necessidade de saber os dias concretos de trabalho e ausência para se poderem determinar as diferentes compensações. Ou seja, por exemplo, para efeitos de compensação de feriados obrigatórios, como está bem de ver, só há compensação se houve trabalho nesses dias. Mas independentemente dessa necessidade concretização, contemplada aliás, na decisão proferida, há uma outra quantificação que se tem de provar.
  Compreende-se que possa não ser fácil, mas aí o A. tem o ónus de provar, não se podendo remeter para uma alegação conclusiva de que trabalhou todos os dias menos 30 por ano. Tem de provar que assim foi e esmerar-se na prova que produz. Admite-se que essa alegação seja pobre, mas não se deixa de considerar que ela ainda consubstancia um facto que se mostra essencial e como tal tem de ser comprovado, na certeza de que o tribunal não pode suprir de todo a insuficiência de alegação das partes.
  Daqui decorre que, em todos os momentos em que ao longo da fundamentação expendida fazíamos alusão à necessidade de apurar o número de dias, se conclui que esse apuramento deve ser efectuado em sede de repetição do julgamento na parte pertinente e já não em sede de liquidação em execução de sentença, na medida em que se fica por perceber como se encontrou o número de dias de base do cálculo, descontados os dias de ausência, matéria que não foi levada à base instrutória, mas, ainda que incipientemente, foi alegada.”
Por ora, não se vê qualquer razão plausível para alterar a posição já anteriormente assumida.
1.6. Da compensação do trabalho prestado em dia de descanso semanal
Quanto à fórmula de compensação do descanso semanal, considerando que se trata de matéria mais do que analisada e decidida por este TSI6, vamo-nos remeter para a Jurisprudência quase uniforme deste Tribunal no sentido de que o trabalhador tem o direito de receber, por cada dia de descanso semanal não gozado, o dobro da remuneração correspondente, para além do salário-base já recebido, ou seja, o quantum compensatório é calculado pela fórmula seguinte: Nºs de dias não gozados X salário diário X 2.
Em relação aos feriados obrigatórios, a fórmula é a seguinte: Nºs de dias não gozados X salário diário X 3, para além do salário-base já recebido.
Para o dia de descanso compensatório, a fórmula é: Nºs de dias não gozados X salário diário X 1.
1.7. Do trabalho por turnos e trabalho extraordinário
Quanto à compensação da prestação das horas extraordinárias, o nº 1 do artº 10º do DL nº 24/89/M prevê que “Nenhum trabalhador deve normalmente prestar mais do que oito horas de trabalho por dia e quarenta e oito por semana, devendo o período normal de trabalho ser interrompido por um intervalo de duração não inferior a trinta minutos, de modo a que os trabalhadores não prestem mais de cinco horas de trabalho consecutivo”.
Ficou provado que o Autor prestou 16 horas de trabalho para além do seu período normal de trabalho (de 8 horas por dia e 48h por semana), em cada ciclo de 21 dias de trabalho contínuo e consecutivo.
Assim, o Autor tem o direito de ser compensado pela prestação de trabalho nestas horas extraordinárias.
Mais se provou que por ordem da Ré, o Autor estava obrigado a comparecer no seu local de trabalho devidamente uniformizado com, pelo menos, 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno e durante esses 30 minutos que antecediam o início de cada turno, os superiores hierárquicos do Autor distribuíam o trabalho pelos guardas de segurança (leia-se do Autor), v.g., indicando-lhe o seu concreto posto (local dentro do casino onde o mesmo se devia colocar), os clientes tidos por “suspeitos”, sendo ainda feito um relato sobre todas as questões de segurança a ter em conta no interior do Casino, ou mesmo da necessidade de qualquer participação em eventos especiais.
Serão que esses 30 minutos também contam para o efeito do cômputo da compensação de horas extraordinárias?
Nos termos do nº 4 do artº 10º do DL nº 24/89/M, o tempo necessário à preparação para o início do trabalho e à conclusão de transacções, operações e serviços começados e não acabados não é contado para efeitos da prestação das horas extraordinárias, desde que no seu conjunto não ultrapassem a duração de trinta minutos diários.
Assim, num primeiro momento e na letra da lei, parece que os referidos 30 minutos não devam ser considerados como horas extraordinárias de trabalho.
Salvo o devido respeito, achamos que a resposta não é tão linear.
Para nós, o legislador prevê simplesmente uma situação de tolerância de 30 minutos para os casos ocasionais de necessidade à preparação para o início do trabalho ou à conclusão de transacções, operações e serviços começados e não acabados, não tendo portanto qualquer intenção legislativa no sentido de permitir a entidade patronal a transformar como regra, exigindo o trabalhador a comparecer no local de trabalho sempre com antecedência de 30 minutos em todos os dias de trabalho, que é o caso.
Nesta conformidade, esses 30 minutos devem ser contados para o cômputo da compensação da prestação de trabalho em horas extraordinárias.
Porém, pelas razões já acima expendidas e na impossibilidade de determinação dos dias de serviço efectivo – tendo em vista as ausências autorizadas, para além das férias gozadas -, a Ré tem razão no que concerne à incerteza da liquidação, pelo que, na linha da jurisprudência acima citada, somos a considerar que importa apurar os dias em que se traduzirá a prestação devida.
1.8. Do subsídio de alimentação
  Sobre a natureza deste subsídio tomámos já posição:
  “Não se abalando a matéria dada como provada, de que o trabalhador durante todo o período da relação laboral, sem conhecimento e autorização prévia da Ré, nunca deu qualquer falta ao trabalho, reafirma-se a posição já anteriormente assumida neste TSI de que o subsídio de alimentação só é devido quando o trabalhador presta serviço7 e já não assim com o serviço de efectividade8.
  O subsídio de alimentação ou de refeição depende da prestação efectiva de trabalho, fazendo todo o sentido que assim seja, tendo até em vista a sua natureza e os fins a que se propõe. Destinar-se-á a fazer face a um custo suplementar a suportar por quem trabalha e por quem tem de comer fora de casa ou com custos acrescidos por causa do trabalho.
  É esta a Jurisprudência deste Tribunal, concretizada no acórdão n.º 376/2012, de 14/6.”
Importa, assim, no caso “sub judice”, proceder ao apuramento do número exacto de dias efectivamente prestado nos termos acima expostos.
1.9. Do subsídio de efectividade
No que respeita ao pedido do pagamento do subsídio de efectividade, prevê a cláusula 3.4 do Contrato de Prestação em referência que o trabalhador tem direito a um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço.
Ora, é já jurisprudência assente ao nível deste TSI de que a sua atribuição não está excluída numa situação de não assiduidade justificada ao trabalho.
Pois, “se o patrão autoriza uma falta seria forçado retirar ao trabalhador uma componente retributiva da sua prestação laboral, não devendo o trabalhador ser penalizado por uma falta em que obteve anuência para tal e pela qual o patrão também assumiu a sua responsabilidade.” (cfr. Ac. do TSI, de 25/07/2013, Proc. nº 322/2013).
Face ao expendido e tendo sido dado como provado que o Autor nunca, sem conhecimento e autorização prévia da Ré, deu qualquer falta ao trabalho, o recurso não deixa de se julgar não provido nesta parte.
*
2. Recurso do Autor
O objecto deste recurso passa por determinar qual a forma de apuramento da quantia devida ao trabalhador como compensação pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal e em dias de feriados obrigatórios.
  Ora, face às razões já expostas no ponto 1.6. do recurso da Ré, o recurso do Autor não deixa de se julgar provido.
*
Tudo visto, resta decidir.
*
IV – DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em:
1. conceder parcial provimento ao recurso interposto pela Ré B, decidindo-se:
a) anular parcialmente o julgamento de facto de forma a apurar os concretos dias de trabalho efectivamente prestado e a poder fixar-se a compensação relativa aos subsídios de alimentação, bem como as importâncias devidas a título de trabalho prestado em dias de descanso semanal, descanso compensatório, trabalho extraordinário e por turnos e feriados obrigatórios;
b) julgar procedente o recurso, revogando-se o decidido quanto ao pedido relativo a bonificações adicionais, incluindo gorjetas e, em consequência, absolver a Ré da instância nessa parte;
c) julgar não provido o recurso na parte restante, em consequência do que se mantém a sentença recorrida, nomeadamente na parte concernente à liquidação a que já procedeu quanto ao subsídio de efectividade e à comparticipação no alojamento.
2. conceder provimento ao recurso do Autor e, em consequência, revogar a sentença na parte respectiva e condenar a Ré ao acatamento das fórmulas acima referidas, no tocante aos dias de trabalho prestado em dias de descanso semana e aos feriados obrigatórios, “quantum”, em conformidade com o que vier a ser decidido após a repetição parcial do julgamento, nos termos acima definidos.
*
  Vai a Ré ainda condenada nos juros de mora nos termos definidos no Ac. do TUI, de 02/03/2011, Proc. nº 69/2010.
Custas pelas partes em função do decaimento.
Notifique e D.N..
*
RAEM, aos 20 de Julho de 2017.
________________________
Ho Wai Neng
_________________________
José Cândido de Pinho
_________________________
Tong Hio Fong
(Não acompanho o Acórdão na parte respeitante ao cálculo da compensação dos dias de descanso semanal e feriados obrigatórios, conforme a declaração de voto no Proc. nº 405/2017)

1 CPC Anot, II, Reim. 2005, 363

2 Ac. STJ, de 8/2/1994, CJ, Acs STJ 1994, 1º tomo, 95; Ac. do STJ, de 22/3/2007, Proc. n. 06S3961; Ac. RP, de 15/5/2006, Proc. n.º 0545375; Ac RC, de 30/1/2001, Proc. n.º 2183/2000. No mesmo sentido, Abrantes Geraldes, Temas da Ref…, Almedina, 1997, 155 e 156 e Viriato Lima, Manual de DPC, CFJJ, 2005, 145

3 Alberto dos Reis, Com., 3º vol., 186 e 187

4 Vd. autores e jurisprudência acima citada
5 Na linha de uma interpretação pioneira de Alberto dos Reis, CPC Anot, V, 71
6 Os Acs. do TSI, de 30/10/2014, Proc. nº 396/2014; de 23/10/2014, Proc. nº 338/2014; de 27/11/2014, Proc. nº 654/2014.
7 Ac. 376/2012, 322/2013, 78/2012 e 414/2012

8 Ac. 322/2013
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496/2017