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Processo n.º 644/2017 Data do acórdão: 2017-7-20 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– auxílio à imigração clandestina
– matéria de facto
– conluio

S U M Á R I O
1. No caso dos autos, está provado em primeira instância que os dois imigrantes clandestinos em causa, antes de serem transportados na sampana conduzida pelo arguido, pagaram as despesas de imigração clandestina a um outro indivíduo e que foi em conluio com outrem, para obter vantagem para si próprio ou para terceiros, que o arguido transportou aqueles dois na sampana.
2. Tal expressão de tom genérico “em conluio com outrem”, sem ser acompanhada de qualquer facto provado concreto que dê para suportar a verificação desse conluio, é meramente conclusiva (por desprovida de sentido útil, no plano fáctico de coisas falando), e como tal deve ser considerada como não escrita ou inexistente.
3. Assim sendo, há que passar a condenar o arguido recorrente em sede do tipo legal de auxílio simples à imigração clandestina do art.º 14.º, n.º 1, da Lei n.º 6/2004, por falta de factos provados que suportem a formação do juízo judicial de verificação da participação dele como co-autor daquele indivíduo recebedor das despesas de imigração, na prática do crime de auxílio qualificado do n.º 2 desse artigo incriminador.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 644/2017
(Recurso em processo penal)
 Arguido recorrente: A




ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA
REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por acórdão proferido a fls. 81 a 86v do Processo Comum Colectivo n.º CR4-16-0387-PCC do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, ficou condenado o arguido A, aí já melhor identificado, como autor material de dois crimes consumados de auxílio (qualificado à imigração clandestina), p. e p. pelo art.o 14.º, n.º 2, da Lei n.º 6/2004, de 2 de Agosto, na pena de cinco anos e quatro meses de prisão por cada, e, em cúmulo jurídico dessas duas penas, na pena única de cinco anos e oito meses de prisão.
Inconformado, veio o arguido recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), alegando, em essência, na motivação apresentada a fls. 92 a 95 dos presentes autos correspondentes, que ele só deveria ser condenado em sede do tipo legal de auxílio simples à imigração clandestina p. e p. pelo art.º 14.º, n.º 1, da dita Lei, e que, fosse como fosse, deveriam ser reduzidas as suas penas parcelares e única, com aplicação até do art.º 66.º, n.º 2, alínea c), do Código Penal (CP), e depois do art.º 48.º do CP no sentido de suspensão da execução da nova pena única, esperadamente, de três anos de prisão.
Ao recurso, respondeu o Ministério Público a fls. 101 a 105 dos autos, no sentido de manutenção do julgado.
Subido o recurso, a Digna Procuradora-Adjunta emitiu parecer a fls. 115 a 117, opinando pelo não provimento do recurso.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos e com pertinência à decisão, sabe-se que a fundamentação fáctica do acórdão recorrido se encontra escrita a fls. 82v a 83 dos autos, cujo teor se dá por aqui integralmente reproduzido como fundamentação fáctica do presente aresto de recurso.
Segundo a matéria de facto provada em primeira instância: o arguido transportou numa sampana por ele conduzida dois indivíduos residentes do Interior da China para Macau (indivíduos esses não possuidores de qualquer documento que lhes permitisse entrar em Macau); antes de entrarem na sampana em causa, esses dois indivíduos já pagaram despesas de imigração clandestina a um outro indivíduo; o arguido fez isto de modo livre, voluntário e consciente, em conluio com outrem, para obter vantagem para si ou para terceiros, sabendo que isto não era permitida por lei e como tal era punível.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Sempre se diz que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
No caso concreto dos autos, está provado em primeira instância que os dois imigrantes clandestinos em causa, antes de serem transportados na sampana conduzida pelo arguido, pagaram as despesas de imigração clandestina a um outro indivíduo e que foi em conluio com outrem, para obter vantagem para si próprio ou para terceiros, que o arguido transportou aqueles dois na sampana.
Entretanto, para além da expressão de tom genérico “em conluio com outrem”, a factualidade provada em primeira instância não contém quaisquer factos concretos a suportar a verificação desse conluio, nem tão-pouco qualquer facto a apontar que tal indivíduo que recebeu as despesas de imigração clandestina em causa fez parte de “outrem” com que agiu o arguido em conluio.
Por aí se vê que tal expressão “em conluio com outrem”, sem ser acompanhada de qualquer facto provado concreto que dê para suportar a verificação desse conluio, é meramente conclusiva (por desprovida de sentido útil, no plano fáctico de coisas falando), e como tal deve ser considerada como não escrita ou inexistente.
Assim sendo, procede a pretensão do arguido, no sentido de que ele tem que passar a ser condenado em sede do tipo legal de auxílio simples à imigração clandestina do art.º 14.º, n.º 1, da Lei n.º 6/2004, por falta de factos provados que suportem a formação do juízo judicial de verificação da participação do arguido como co-autor daquele indivíduo recebedor das despesas de imigração, na prática do crime de auxílio do n.º 2 desse artigo incriminador.
Cabe agora medir as penas do arguido à luz da moldura penal de dois a oito anos de prisão prevista no n.º 1 do mesmo art.º 14.º:
Vistas todas as circunstâncias fácticas já apuradas em primeira instância com pertinência à medida concreta das penas aos padrões vertidos nos art.os 40.º, n.os 1 e 2, 65.º, n.os 1 e 2, e 71.º, n.os 1 e 2, do CP, é de aplicar três anos de prisão ao arguido por cada um dos crimes de auxílio simples, e, em cúmulo jurídico dessas duas penas, na pena única de três anos e nove meses de prisão.
Observa-se que a descontento do arguido, não há lugar a pretendida atenuação especial das penas dos crimes de auxílio simples, posto que devido às necessidades da prevenção geral deste tipo legal de crimes, é de medir a pena dentro da correspondente moldura normal.
E com as penas parcelares e única de prisão acima achadas “de novo”, naufraga também o pedido do arguido de fixação das penas no respectivo mínimo legal.
Estando a “nova” pena única de prisão acima dos três anos de prisão, é inviável a priori a suspensão da execução da prisão em sede do art.º 48.º, n.º 1, do CP.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar parcialmente provido o recurso, passando a condenar o arguido como autor material de dois crimes consumados de auxílio p. e p. pelo art.º 14.º, n.º 1, da Lei n.º 6/2004, na pena de três anos de prisão por cada, e, em cúmulo jurídico, na pena única de três anos e nove meses de prisão.
Pagará o arguido dois terços das custas do recurso, e duas UC de taxa de justiça por causa do decaimento parcial do recurso.
Fixam em mil e oitocentas patacas os honorários do Ex.mo Defensor Oficioso do arguido, ficando dois terços desta quantia por conta do arguido e o outro terço a ser pago pelo Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância.
Macau, 20 de Julho de 2017.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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