Processo nº 672/2016
(Recurso Contencioso ― Reclamação para a conferência)
Data: 27/Julho/2017
Reclamante:
- A Corporation
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
A Corporation, recorrente nos autos acima cotados, inconformada com o despacho do relator que indeferiu a realização da inquirição de testemunhas, vem pedir que seja a questão submetida à conferência, por entender em sentido contrário.
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Devidamente notificada, respondeu a entidade recorrida Sua Ex.ª o Chefe do Executivo, pugnando pela improcedência da reclamação.
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O Digno Magistrado do Ministério Público deu o seguinte douto parecer:
“Ressalvado respeito pela opinião diferente, inclinamos a entender que o douto despacho posto em crise não merece censura alguma, e não tem cabimento a Reclamação apresentada pela recorrente – a sociedade comercial «A Corporation».
Em primeiro lugar, a recorrente/reclamante reconheceu, e bem, que a prova da factualidade dos arts. 3º, 7º, 8º, 41º e 46º a 49º da petição, bem como dos arts. 2º a 4º, 7º e 10º a 12º da contestação devem ser feita só por documentos, não sendo admitida a prova testemunhal.
Em segundo lugar, a matéria aduzida nos artigos atrás especificados não se reportam à simples interpretação do contexto do documento, mas contém em si os próprios factos que apenas podem ser comprovados por prova documental, pelo que não se aplica ao caso sub iudice o disposto no n.º 3 do art. 387º do Código Civil.
Em terceiro lugar, afigura-se-nos que nos arts. 48º e 49º da petição inicial, a recorrente/reclamante aduziu meramente conclusões extraídas por si dos factos alegados nos arts. 46º e 7º da mesma peça, e as quais não carecem de provas.
E como prudentemente assevera o MMa Relator no despacho em escrutínio, nos arts. 10º a 12º da contestação a entidade recorrida aduziu apenas matéria jurídica que igualmente não carece de prova, e ainda não tem a ver com a interpretação do contexto do documento.
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Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedente a Reclamação em apreço.”
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II) FUNDAMENTAÇÃO
Consta do despacho reclamado o seguinte:
“Quanto ao requerimento de prova, dispõe o nº 2 do artigo 65º do CPAC que o relator deve limitar a produção de prova aos factos que considerem relevantes para a decisão da causa e sejam susceptíveis de prova pelos meios requeridos.
No caso vertente, considerando que os factos indicados pela recorrente, cuja produção de prova é requerida, são factos conclusivos, opiniões jurídicas ou factos cuja prova depende exclusivamente de documentos, não se vislumbra pertinência na audição das testemunhas arroladas.
Nestes termos, e sem necessidade de delongas considerações, indefere-se a diligência de inquirição de testemunhas requerida.
Notifique.
Após, cumpra o disposto no artigo 68º do CPAC.”
Salvo o devido respeito, somos a entender que está correcta a decisão reclamada.
Confessa a recorrente que a prova da factualidade dos artigos 3º, 7º, 8º, 41º e 46º a 49º da petição de recurso e artigos 2º a 4º, 7º, 10º a 12º da contestação deve ser feita por documentos, mas entende que haveria vantagem em ouvir as testemunhas arroladas no que respeita à interpretação do contexto dos mesmos, tal como previsto e permitido nos termos do disposto no artigo 387º, nº 3 do Código Civil.
Ora vejamos qual o conteúdo dos artigos 3º, 7º, 8º, 41º e 46º a 49º da petição de recurso:
Artigo 3º - “Convidada para o efeito, a Recorrente apresentou a sua proposta, que foi admitida, e participou, como “Concorrente nº 2”, na consulta para a “Empreitada de Construção da Superestrutura do Parque de Materiais e Oficina do Sistema de Metro Ligeiro – C385R” (doravante a “Consulta”), realizada pelo Governo da Região Administrativa Especial de Macau (“RAEM”), e promovida pelo Gabinete para as Infraestruturas de Transportes (doravante “GIT”).”
Artigo 7º - “Sendo a ora Recorrente uma das participantes na Consulta, foi notificada da Adjudicação pelo GIT através do referido Documento nº 2 no dia 18 de Agosto de 2016.”
Artigo 8º - “Na referida carta, foi a Recorrente informada da Adjudicação à CECC, tendo sido fixado à Recorrente prazo de 30 dias para - querendo – recorrer contenciosamente da Adjudicação, nos termos legais.”
Artigo 41º - “Por forma a satisfazer estes critérios, a Recorrente indicou para os cargos de Adjunto de Director de Obra e Adjunto de Encarregado Geral respectivamente os Srs. B e C, que constam como funcionários da representação permanente da Recorrente em Guangdong desde respectivamente 1994 e 2001, tudo conforme documentação de suporte apresentada pela Recorrente no processo de Consulta, e constante do processo instrutor, i.e., um período de serviço que permitiria à Recorrente obter respectivamente 1.5 e 1.0 pontos, de acordo com as regras do Programa de Consulta vertidas no Ponto 4.2 do Documento nº 5.”
Artigo 46º - “In casu, a Recorrente é uma representação permanente da A Corporation, sociedade constituída de acordo com as leis da República Popular da China, com sede em 中國北京..., tal como resulta da cópia da certidão emitida pela Conservatória dos Registos de Bens Móveis e Comercial da RAEM, que protesta juntar como Documento nº 6.”
Artigo 47º - “Por seu turno, a representação permanente de Guangdong – onde trabalham os trabalhadores em causa – é uma representação permanente “分公司”da mesmíssima sociedade, conforme resulta claro da certidão de registo dessa representação permanente, cuja cópia protesta juntar como Documento nº 7.”
Artigo 48º - “Ou seja, para efeitos da lei da RAEM, todas estas representações permanentes são na realidade uma e a mesma sociedade – a Recorrente.”
Artigo 49º - “Assim, resulta claro que, na realidade, os trabalhadores em causa são efectivamente trabalhadores da Recorrente, devendo assim a sua experiência ser valorada em conformidade, devendo a pontuação parcial da Recorrente neste item ser aumentada em 2.5 pontos, correspondentes a 1.5 pontos relativos à experiência do Sr. B e 1.0 pontos correspondentes à experiência do Sr. C, tudo conforme o Ponto 4.2 do Mapa dos Critérios de Avaliação e Valores de Classificação previsto no parágrafo 22 do Programa de Consulta, o que desde já se requer.”
E em relação à contestação, a recorrente pretende fazer contraprova da seguinte matéria:
Artigo 2º - “No entanto, a Recorrente não participou na referida Consulta.”
Artigo 3º - “A Proposta a que a Recorrente faz referência, como tendo sido por si apresentada à Consulta foi, de facto, apresentada pela sua Representação Permanente em Macau, nessa mesma qualidade.”
Artigo 4º - “Dito de outra forma, a suposta Proposta à Consulta da A Corporation foi apresentada em nome da sua Representação Permanente em Macau (vide Proposta apresentada à Consulta pela Representação Permanente da A Corporation, constante do processo administrativo, junto aos presentes autos).”
Artigo 7º - “Acontece que, se atendermos à declaração apresentada à Consulta, para aquele efeito, a mesma foi apresentada em nome da Representação Permanente da A Corporation, sediada em Macau, e não da Empresa-mãe, sediada em Pequim (Doc.2).”
Artigo 10º - “A garantia bancária, para efeitos de caução provisória, foi emitida pelo Bank of X – Macau Branch a favor da Representação Permanente da A Corporation, sediada em Macau (Doc.3).”
Artigo 11º - “A própria Proposta Comercial foi emitida em nome da Representação Permanente da A Corporation, sediada em Macau (Doc.4).”
Artigo 12º - “Tendo a demais documentação que instruiu a Proposta sido emitida, na sua grande maioria, em nome da Representação Permanente da A Corporation, sediada em Macau (vide Proposta apresentada à Consulta pela Representação Permanente da A Corporation, constante do processo administrativo, junto aos presentes autos).”
Preceitua o nº 3 do artigo 65º do CPAC que “o juiz ou o relator devem limitar a produção de prova aos factos que considerem relevantes para a decisão da causa e sejam susceptíveis de prova pelos meios requeridos”.
Ora bem, analisado o teor da matéria de facto indicada pela recorrente, somos a entender que a prova daquela matéria só poderá ser feita mediante prova documental e não por testemunhas.
No fundo, para saber se a recorrente apresentou proposta e se esta foi admitida, ou se participou como concorrente na consulta para determinada empreitada, bem como se alguma vez foi notificada por carta, são questões que só se provam por documentos.
Quanto à questão de saber se a Recorrente alguma vez indicou os Srs. B e C para os cargos de Adjunto de Director de Obra e Adjunto de Encarregado Geral, como sendo funcionários da representação permanente da recorrente, também só se prova por documentos.
E para saber se a recorrente é uma representação permanente da A Corporation, sociedade essa constituída na República Popular da China, com sede em 中國北京..., não restam minimamente dúvidas de que só pode ser a prova através da respectiva certidão de registo.
O mesmo acontece em relação à emissão da garantia bancária, para efeitos de caução provisória, e da própria proposta comercial, ou seja, para saber a favor de quem foi emitida a referida garantia bancária e em que nome foi emitida a respectiva proposta comercial, também não temos dúvidas de que só se provam por documentos.
Embora o nº 3 do artigo 387º do Código Civil admita a produção de prova testemunhal para efeitos de interpretação do contexto do documento, mas o que se discute no caso não é a questão de interpretação do sentido que as partes deram a esses documentos, o que está em causa é saber se as representações permanentes são na realidade uma e a mesma sociedade, para efeitos da lei da RAEM, e se na realidade, os trabalhadores em causa são efectivamente trabalhadores da recorrente, para que a sua experiência possa ser valorada na avaliação, não sendo estes, na nossa opinião, questões de facto, antes constituem matéria de direito que compete ao tribunal apreciar em sede própria.
Nesta medida, não se vislumbrando que a matéria de facto indicada pela recorrente seja susceptível de prova por testemunhas, nenhuma pertinência há na produção da prova testemunhal, pelo que há-de manter o despacho reclamado.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em julgar improcedente a presente reclamação, confirmando a decisão reclamada.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 5 U.C.
Notifique.
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RAEM, 27 de Julho de 2017
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Fui presente João A. G. Gil de Oliveira
Joaquim Teixeira de Sousa
Reclamação (Proc. 672/2016) Página 10