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Proc. nº 565/2017
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 27 de Julho de 2017
Descritores:
-Acidente de trabalho
-Responsabilidade pelos danos

SUMÁRIO:

Se um trabalhador acidentado prestava serviço para a sua entidade patronal (subempreiteira) no local da obra que a empreiteira estava contratada para levar a cabo, a responsabilidade pelo pagamento de indemnização correspondente, que havia sido transferida pelo subempreiteiro para a Seguradora, caberá a esta, se não ficar provado que entre a subempreiteira e a empreiteira houve um acordo no sentido de esta assumir, pelos acidentes verificados no local da obra, a responsabilidade que depois transmitiu à sua seguradora.





Proc. nº 565/2017

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I - Relatório
A (cônjuge do falecido B), C e D (estes na qualidade de filhos e herdeiros de E, mãe do falecido), todos com os demais sinais identificadores nos autos, representados pelo Ministério Público, intentaram no TJB (Proc. nº LB1-14-0020-LAE) a acção especial emergente de acidente de trabalho contra a “F” pedindo a condenação desta no pagamento das seguintes importâncias:
- MOP 30.000,00 relativas a despesa de funeral;
- MOP 1.000.000,00 relativas a indemnização por morte;
- Juros de mora à taxa legal até integral pagamento.
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Na oportunidade foi admitida a intervenção processual da “G”,
*
Foi nos referidos autos proferida sentença, a qual julgou totalmente procedente a acção e condenou a ré “F” a pagar aos autores as peticionadas quantias em termos que aqui damos por reproduzidos.
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Contra essa sentença foi interposto recurso jurisdicional pela ré “F”, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“A. O presente recurso vem interposto da Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo e que condenou a Ré, F, no pagamento de uma indemnização de MOP$850.000,00 para A e MOP$150.000,00 a C e D;
B. a Recorrente, F, alegou na sua contestação que:
Há um acordo entre a segurada da Ré, “H”, e a “I”, mediante o qual o Consortium assumia qualquer responsabilidade sobre qualquer acidente ocorrido no local da obra (parcela 3 da obra de construção de habitação pública do Bairro da Ilha Verde).
Sendo que essa responsabilidade foi transferida pelo Consortium para a Seguradora, G
Aliás, este acordo vem sendo respeitado por todos.
O que motivou já a indemnização de alguns sinistrados de acidentes ocorridos naquela obra.
Razões que levaram à notificação da G, para estar presente nas tentativas de conciliação;
C. Tendo o Meritíssimo Juiz transposto, todos estes factos, para a Base Instrutória, quesitos 12.º a 16.º,
D. Acabando por julgar, mal, como não provados os quesitos 12.º a 15.º.
E. Sustentou o seu julgamento pela ausência de prova produzida a tal respeito, pelo testemunho da G e pela certidão que ordenou extrair da participação, da tentativa de conciliação, e da sentença homologatória do LB1-16-0142-LAE;
F. Do que resultaria, que a F aceitou a responsabilidade por acidente de trabalho, ocorrido naquela obra, e pagou a indemnização a um trabalhador de um subempreiteiro.
G. Acontece, no entanto, que o acidente do LB1-16-0142-LAE não ocorreu na obra da ilha verde, mas sim na oficina do tal subempreiteiro, como consta aliás, na participação do sinistro.
H. Razão, única, pela qual a F aceitou naquele sinistro a responsabilidade e pagou a indemnização.
I. Assim, no entender do Meritíssimo Juiz a quo, se a F pagou uma vez, deveria pagar sempre...
J. Curiosamente, este raciocínio só se aplica Ré F, ora recorrente pois, o facto da G ter pago a trabalhadores de subempreiteiros, naquela mesma obra, como foi confirmado pela funcionária da G, não colheu o mesmo entendimento por parte do Meritíssimo Juiz a quo.
K. Ora, todas as testemunhas confirmaram que a apólice da interveniente G abrangia os trabalhadores dos subempreiteiros.
L. Tendo as testemunhas G, escriturária da I e a M, funcionária da G, confirmado o pagamento pela G, de indemnizações por acidentes de trabalho ocorridos naquele estaleiro a trabalhadores de subempreiteiros;
M. Pelo que o Meritíssimo Juiz a quo errou ao não dar como provado os quesitos 13.º, 14.º, e 15.º.
N. Devendo, por essa razão, ser anulada a decisão sobre a matéria de facto;
O. Concedendo que as testemunhas disseram desconhecer um acordo expresso tal como está mencionado no quesito 12.º da base instrutória.
P. Mas mesmo sem prova produzida em relação ao acordo expresso do quesito 12.º, isso não invalida toda a prova produzida em relação à cobertura do seguro da interveniente;
Q. Assim, dúvidas não restam que a responsabilidade pelos acidentes ocorridos no local da obra da Ilha verde havia sido transferida para a G, o que vem sendo assumido por esta;
R. Em consequência, deverão ser julgados provados os quesitos 13.º a 15.º, contrariamente ao decidido pelo Meritíssimo Juiz a quo.
S. O que, facilmente, fará concluir que a responsabilidade por acidentes naquela obra, seja de trabalhadores próprios do consórcio, quer de trabalhadores de subempreiteiros, é da responsabilidade da interveniente G
T. Pelo que não é a Recorrente que deve ser condenada a indemnizar mas sim a Interveniente G
U. O Tribunal a quo violou os Art. 50.º n.º 2, al. f), n.º 4, n.º 6, n.º 9 e n.º 10 do Dec-Lei n.º 40/95/M e Arts. 558.º n.º 1 do C.P.C.
Termos em que,
Sempre com o mui Douto suprimento de Vossas Excelências, deverá:
a) a matéria de facto em crise ser anulada e ampliado o julgamento nos termos supra expostos;
b) ser revogada a Sentença do Tribunal a quo que condenou a Ré, F, no pagamento de uma indemnização de MOP$850.000,00 para A e MOP$150.000,00 a C e D.”
*
A interveniente “G” respondeu ao recurso nos seguintes termos conclusivos:
“1. A Ré Recorrente estribou a sua defesa - e, consequentemente, a responsabilidade da Interveniente Recorrida - na circunstância de existir um acordo entre a segurada da Ré “H”, e a “I”, Matéria que foi extraída da contestação para a Base Instrutória, correspondente ao quesito 12.º da base instrutória.
2. A Recorrente não impugna a resposta que foi dada ao quesito 12.º, mas os quesitos que impugna não se podem dissociar deste, nem estes podem ser interpretados sem aquele. Aqueles estão interligados, sendo os quesitos 13.º, 14.º e 15.º uma consequência lógica do quesito 12.º.
3. Ao quesito 12.º da base instrutória respondeu o tribunal a quo: Não provado.
4. A Recorrente admite, tanto na alegação, como nas conclusões, terem as testemunhas dito que desconheciam um acordo expresso tal como o que se menciona no quesito 12.º da base instrutória,
5. Contrariamente ao que pretende a Recorrente, tal facto é, e foi, fundamental ao desfecho do processo, pois que o quesito 12.º encerra o essencial da tese da Recorrente. Questão primeira dos autos, e da qual dependiam todas as outras, era a de saber se existiu ou não o referido acordo.
6. O ónus da prova relativamente aos factos invocados pela Ré Recorrente, mormente o quesito 12.º, cabia a esta, por recurso às regras sobre a repartição de tal ónus, no caso o artigo 335.º do Código Civil - o que não logrou fazer.
7. Decorre da alegação da Recorrente que, ainda que não se tenha provado o acordo entre a sua segurada a “H”, e a “I”, ainda assim se justificava pela prova dos quesitos 13.º, 14.º e 15.º a condenação da Interveniente Recorrida, e que, mesmo sem prova produzida em relação ao acordo, isso não invalidaria a prova produzida em relação à cobertura do seguro da Interveniente.
8. Não se trata de invalidar ou não a prova produzida em relação à cobertura do seguro da Interveniente; trata-se, isso sim, da prova da qual dependia a procedência da sua pretensão, isto é, a existência do acordo entre a sua segurada a “H”, e a “I”; mediante o qual o “Consortium” assumia qualquer responsabilidade sobre qualquer acidente ocorrido no local da obra (parcela 3 da obra de construção de habitação pública do Bairro da Ilha Verde).
9. Nenhuma prova foi produzida que invalidasse a cobertura do seguro da Recorrente.
10. Tendo naufragado a tese vertida pela Recorrente na matéria do quesito 12.º, também os quesitos 13.º, 14.º e 15.º não podem ser dados como provados, pois que daquele são uma decorrência.
11. A Recorrente entende que foram mal julgados os pontos 13.º, 14.º e 15.º da Base Instrutória, e que uma correcta análise dos depoimentos das testemunhas justificam, só por si, respostas diversas das que foram dadas. Porém, não assinala a que quesito ou quesitos indica os depoimentos que extracta da prova gravada.
12. Dos depoimentos das testemunhas transcritos, evidente resulta que, nenhum justifica a alteração do quesito 14.º que rezava “Aliás, este acordo vem sendo respeitado por todos.”
13. Dos depoimentos transcritos pode resultar que a apólice da Interveniente cobria também os trabalhadores de subempreiteiros. Mas em que circunstâncias? Quando? Como? Tal não resultou demonstrado. O que resultou demonstrado é que nem sempre a apólice da Recorrida Interveniente era accionada.
14. Independentemente da procedência da impugnação da matéria de facto, há que concluir pela improcedência do recurso.
15. O tribunal “a quo” valorou adequadamente os documentos de que mandou extrair certidão, particularmente a participação a fls. 410, com tradução a fls. 411, de onde se retira que aqueles referem como local do sinistro de trabalho o Lote 3 da habitação pública do Bairro da Ilha Verde.
16. A invocação da Recorrente de que a apólice da F servia apenas para os acidentes ocorridos fora do local da obra só tem lugar na alegação de recurso, pelo que é extemporânea.
17. O Tribunal “a quo” deu como não provado que havia um acordo entre a H e a I”, mediante o qual o consortium assumia qualquer responsabilidade sobre qualquer acidente ocorrido no local da obra.
18. Andou bem, pois do depoimento das testemunhas se inferiu que nunca existiu tal acordo e que, apesar de terem existido pagamentos de indemnizações tanto da F como da G, não se conseguiu provar que tais pagamentos se assemelharam a situações idênticas à dos autos.
19. O que resultou provado é que à data do acidente, a H tinha a sua responsabilidade por acidentes de trabalho dos seus trabalhadores validamente transferida para a Ré Recorrente F, mediante contrato de seguro.
20. O Tribunal “a quo”, face à matéria dada como provada, considerou, e bem, que a responsabilidade pelo pagamento da compensação pertencia à entidade patronal do sinistrado e, em consequência do contrato de seguro, celebrado entre esta e a F, competia à Recorrente o pagamento do mesmo.
21. É a entidade patronal - que paga a remuneração e exerce o seu poder de autoridade sobre o trabalhador - a responsável directa perante este e não o empreiteiro geral,
22. Não sendo este quem responde directamente perante o trabalhador na acção especial emergente de acidente de trabalho pelas consequências do sinistro, já que o sinistrado não era seu trabalhador subordinado.
23. Quanto muito o empreiteiro geral terá um papel facultativo e nunca obrigatório na subscrição de um contrato de seguro de acidentes de trabalho para todos os trabalhadores dos subempreiteiros,
24. Em que, caso este exista, poderá ser accionado quando o subempreiteiro tenha falhado com esta obrigação.
25. Podendo até, no limite, a Companhia de Seguros do empreiteiro geral pagar e em seguida vir exercer o direito de regresso sobre a entidade patronal do sinistrado.
26. Mas a existência deste seguro do empreiteiro geral nunca poderá ser obrigatório ou compulsório, mas sim e sempre num sentido subsidiário e facultativo, devendo tal obrigação recair, só e apenas para a entidade patronal do sinistrado sob pena de se subverter a responsabilidade inerente à figura do empregador directo do sinistrado.
27. Ora, in casu e desta forma, existindo um seguro de trabalho subscrito pela entidade patronal do sinistrado deverá ser esta a Companhia de seguros a responsável pelo pagamento da correspondente indemnização laboral.
28. Pela improcedência das conclusões alinhadas pela Recorrente há-de também improceder o recurso, mantendo-se na ordem jurídica a douta sentença proferida em 1.ª instância.”
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
“1). Em 08 de Outubro de 2013, cerca das 14.20 horas o sinistrado estava na parcela 3 da obra de construção de habitação pública do Bairro da Ilha Verde, em Macau. (A)
2). O sinistrado auferia da sua entidade patronal o salário mensal de MOP$15.000,00. (B)
3). A responsabilidade relativa a acidentes de trabalho havia sido transferida para a Ré “F”, pela entidade patronal “H”, ao abrigo da apólice de seguro nº 5-W0301893-WCA-E011, com o período de validade de 10/04/2013 a 09/04/2014. (C)
4). O sinistrado nasceu em 25/01/1952. (D)
5). Nas circunstâncias referidas em A), o sinistrado prestava a sua actividade profissional sob a autoridade, direcção e fiscalização da sua entidade patronal, a companhia “H”, com sede na XXXXXXXXXXXXXXXXXXX, em Macau, em execução de contrato de trabalho com esta celebrado. (1º)
6). Por sua vez a companhia “H” havia sido subcontratada pela companhia responsável pela obra, a “I”. (2º)
7). O referido em 1) ocorreu no tempo de trabalho, quando o sinistrado, que se encontrava na já mencionada parcela 3 da obra de construção de habitação pública do Bairro da Ilha Verde, no exercício da sua actividade profissional como condutor de camião basculante, o que fazia sob determinação da sua entidade patronal, e aguardava a finalização do enchimento da caixa de carga do camião basculante com lamas que estavam a ser retiradas da obra. (3º)
8). Na circunstância referida em 3.º), a escavadora que estava a retirar e transportar lamas da cave B1 para o rés-do-chão, depositando-as depois na caixa de carga do camião basculante, era operada por um outro trabalhador da obra de nome J. (4º)
9). Numa dessas manobras de colocação de lamas na caixa de carga do camião basculante, um tubo de aço de cerca de 3 metros de comprimento e 30 centímetros de diâmetro, que se encontrava metido na lama, caiu da pá da escavadora, indo atingir o sinistrado que se encontrava de pé, ao lado do camião basculante, a aguardar a finalização do enchimento. (5º)
10). Do embate do tubo de ferro com o corpo do sinistrado resultaram, fractura na região lombar da coluna vertebral e fractura da pélvis, tendo o mesmo sido transportado para o serviço de urgência do Centro Hospitalar Conde de S. Januário, onde foi submetido a primeiros socorros, vindo, contudo, a falecer pelas 14.35, do mesmo dia 8 de Outubro de 2013. (6º)
11). Do relatório de autópsia de fls. 235 a fls. 237, que aqui se dá por integralmente reproduzido, resulta que a morte do sinistrado foi devida às fracturas das costelas e bacia, originadas pela acção extremamente violenta, de natureza contundente, conjugada com insuficiência cardíaca aguda, com mudança patológica de órgãos, provocada pela cardiopatia hipertensiva, concluindo que o presente caso se trata de uma morte acidental que ocorreu durante a prestação de serviço. (7º)
12). O sinistrado faleceu no estado de casado com a primeira A. (8º)
13). O sinistrado contribuía, de forma regular, para a alimentação de sua mãe E. (9º)
14). Que, entretanto, faleceu, em data posterior à morte do sinistrado, em princípios de Novembro de 2013, (tendo sido cremada a 8/11/2013) sucedendo-lhe, na qualidade de filhos e herdeiros, os segundos AA. (10º)
15). Não houve lugar a quaisquer despesas médicas, tendo a primeira A. pago as despesas com o funeral e a trasladação do cadáver do sinistrado para o exterior. (11º)
16). A G, foi notificada para estar presente nas tentativas de conciliação. (16º)”.
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III – O Direito
1 – Vem o presente recurso jurisdicional interposto da sentença que condenou a Seguradora demandada “F” no pagamento de uma indemnização por danos sofridos na sequência de um acidente laboral de que adveio a morte ao trabalhador B, que foi marido da 1ª autora e irmão dos 2º e 3º autores.
Defende a recorrente que este acidente havia sido abrangido pelo acordo celebrado entre a segurada da ré “H” e o consórcio “I” mediante o qual este consórcio assumia a responsabilidade sobre qualquer acidente ocorrido no local da obra, que depois transferiu para a seguradora “G”, interveniente dos autos. Razão pela qual sustenta a sua absolvição e, em vez disso, a condenação da interveniente.
Vejamos, pois.
Efectivamente, a recorrente tinha dado conta na sua contestação do referido acordo entre a sua segurada (“I”) e o consórcio citado (cfr. art. 5º do articulado), acrescentando que a responsabilidade pelos acidentes no local da obra seria posteriormente transferida para “G” (art. 6º do articulado).
Ora bem. Está provado que o infeliz acidentado era empregado da empresa “H” (resposta ao art. 1º da Base Instrutória) e que esta tinha transferido a responsabilidade pelos acidentes de trabalho dos seus empregados para a “F” (alínea C) dos Factos Assentes).
Portanto, em princípio nada inculca que outra entidade seguradora, que não a “F”, deva ser responsabilizada pela indemnização respeitante a este acidente.
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2 – Sabemos, porém, que “H” era subempreiteira e que a empreiteira da obra era o já aludido consórcio “I”.
E as questões essenciais são, pois, agora estas:
- Havia ou não um acordo entre “H” (sub-contratada) e I” (empreiteira), pelo qual a responsabilidade pelos acidentes de trabalho ocorridos no local da obra seria assumida pela empreiteira?
- Se sim, a empreiteira transferiu a responsabilidade que assumiu para a interveniente “G” ?
A essencialidade destas questões reside no facto de, caso esta factualidade se mostrasse demonstrada, a responsabilidade que a seguradora “F” assumiu contratualmente deixaria de ser accionável no caso presente.
Acontece que os arts. 12º e 13º da Base Instrutória - onde essa matéria foi incluída nos factos sujeitos a demonstração - foram dados por não provados.
E é neste ponto que se cruza o núcleo da alegação da recorrente, quando chama a atenção para o erro na apreciação da matéria de facto constante dos arts. 12º a 15º.
Contudo, não podemos subscrever esta posição.
Quanto ao art. 12º, por exemplo (“Há um acordo entre a segurada da Ré, “H” e a “I”, mediante o qual o Consortium assumia qualquer responsabilidade sobre qualquer acidente ocorrido no local da obra (parcela 3 da obra de construção de habitação pública no Bairro da Ilha Verde)?” não resulta das respostas transcritas indicação sobre a existência desse acordo.
Aliás, o próprio depoimento de K – sócio da empregadora da vítima “H” – é claro no sentido de da afirmação da inexistência desse acordo (“Não houve acordo”, disse).
Ora, esta seria a testemunha mais importante ou relevante para eliminar a dúvida subjacente ao quesito em apreço. E não tem este TSI melhores e mais seguros elementos que levem a convencer-nos de que a resposta foi mal dada.
Portanto, se não houve esse acordo - e ele era fundamental para que se pudesse aceitar que, através dele, a seguradora da entidade patronal do trabalhador falecido pudesse ficar de fora da responsabilidade que livre e contratualmente assumiu, uma vez que a responsabilidade respectiva seria então da seguradora do empreiteiro consórcio I” - nada temos a censurar ao facto de o art. 12º ter sido dado por não provado.
Ora, esta mesma conclusão acaba por ter inevitáveis reflexos no quadro da restante matéria quesitada nos artigos 13º (“Sendo que essa responsabilidade foi transferida pelo Consortium para a Seguradora “G”), 14º (“Aliás, este acordo vem sendo respeitado por todos”) e 15º (“O que motivou já a indemnização de alguns sinistrados de acidentes ocorridos naquela obra”).
É que a eventual força substantiva destes factos no âmbito da transferência de responsabilidade só a teria se o art. 12º tivesse sido provado. Quer dizer, uma vez que não houve acordo, parece claro que o arts. 13º a 15º (que não têm autonomia material relevante, porque arrancam do pressuposto da existência do acordo).
E se isto se diz dos arts. 13º a 15º do mesmo modo se diz do art. 16º (“Razões que levaram à notificação da G para estar presente nas tentativas de conciliação”).
A resposta que foi dada (“Provado apenas que a G foi notificada para estar presente nas tentativas de conciliação”) mostra bem que o tribunal não pôde fazer o indispensável nexo de ligação entre a presença da seguradora nas diligências referidas e o acordo alegadamente pressuposto.
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3 - Portanto, e repetindo, toda esta matéria dos arts. 13º a 16º da Base Instrutória só teria eventual importância se estivesse demonstrado o acordo a que se fazia referência no art. 12º.
Daí que não interesse escalpelizar, sequer, a prova numa tentativa de inverter o sentido das respostas a estes artigos 13º a 16º.
Aliás, o facto de a transcrição efectuada pela recorrente poder inculcar a ideia de que o seguro convencionado pelo consórcio empreiteiro também serviria para cobrir acidentes a trabalhadores de subempreiteiros em nada altera a responsabilidade concreta que aqui está a ser accionada.
Mesmo que, porventura, isso fosse verdade, tal não seria suficiente para livrar a seguradora da entidade patronal do acidentado da sua responsabilidade reparadora e para a conferir à seguradora da empreiteira. Uma coisa é independente da outra e com diferentes reflexos jurídicos.
Na verdade, o que verdadeiramente interessaria para que a “G” pudesse ser responsabilizada só poderia residir numa convenção, num acordo contratual válido entre “H” e “I”, em que esta assumia a responsabilidade pelos acidentes ocorridos na obram, que posteriormente transferisse validamente para a referida seguradora. Mas, insistimos, isso não foi provado.
E sendo assim, fica exposta a responsabilidade da entidade patronal do acidentado (“H”), que depois transferiu para a ré recorrente “F”, face ao disposto nos arts. 3º, al. e) e 4º do DL nº 40/95/M.
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4 - É certo que, como se disse já neste tribunal, “ O supracitado artigo [art. 4º cit.] dispõe que o sujeito que tem o dever de assumir a responsabilidade é a “entidade patronal”, importando delimitar o conceito.
No art.º 3.º do mesmo Decreto-Lei tem-se a seguinte definição da “entidade patronal”: “toda e qualquer pessoa, singular ou colectiva, a quem o trabalhador presta, directa ou indirectamente, os seus serviços ou a sua actividade laboral, independentemente da natureza e da forma do acto pelo qual esses serviços ou actividade laboral são estabelecidos.     Para melhor explicação do âmbito do supracitado conceito, podemos comparar a sua definição com a de “empregador” no art.º 2.º, al. a) do Decreto-Lei n.º 24/89/M: “entende-se por empregador toda e qualquer pessoa, singular ou colectiva que directamente disponha da actividade laboral de um trabalhador, conforme contrato de trabalho com ele estabelecido, independentemente da forma que o contrato revista e do critério de cálculo da remuneração, que pode ser dependência do resultado efectivamente obtido.”
Para o conceito de empregador, no Decreto-Lei n.º 24/89/M exigem-se os requisitos constitutivos de “contrato de trabalho com ele estabelecido”, “directamente disponha da actividade laboral de um trabalhador” e “remuneração”, mas no Decreto-Lei n.º 40/95/M, exige-se apenas “toda e qualquer pessoa, singular ou colectiva, a quem o trabalhador presta, directa ou indirectamente, os seus serviços ou a sua actividade laboral”.
Donde se alcança que o legislador de 95 optou por uma noção mais ampla e abrangente.
No Decreto-Lei n.º 40/95/M, sendo um regime jurídico da reparação por danos emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais, o diploma focaliza a determinação e efectivação da responsabilidade da reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais e a conceptualização da “entidade patronal” não tem por pressuposto o estabelecimento de uma relação jurídica laboral como no Decreto-Lei n.º 24/89/M” (Ac. do TSI, de 22/07/2012, Proc. nº 388/2012).
E certo é também, na mesma linha do acórdão citado, que “ I - Ao contrário do que se passa no regime jurídico das relações laborais que decorre do DL nº 24/89/M (alterado pelo DL nº 32/90), que estabelece uma relação directa entre empregador e trabalhador, em que um tem o outro directamente sob a sua autoridade e direcção, no regime jurídico dos acidente laborais, tal relação directa de emprego deixa de constituir factor central para a assunção de responsabilidade, deixando, por isso, de ser importante a natureza do acto pelo qual os serviços são prestados (pode ser contrato de trabalho, cedência precária e temporária, “empréstimo”, locação de mão de obra, etc.). II - Se uma empresa, que detém o vínculo laboral com um trabalhador, o cede, porém, a empresa terceira, que lhe dá ordens e instruções como se fosse a sua empregadora durante o período de cedência, será esta, enquanto “tomadora do serviço” a responsável pelos sinistros que venham a ocorrer no local de trabalho vitimando o trabalhador. III - E se o trabalhador vier a sofrer um acidente de trabalho, será a seguradora desta empresa – empresa beneficiária da actividade do trabalhador – para quem for a transferida a responsabilidade pelos acidentes de trabalho, a responsável pela indemnização.” (Ac. do TSI, de 18/04/2013, Proc. nº 59/2013).
Contudo, a ideia que brota dos referidos arestos é a de que nem sempre a entidade patronal - de um certo ponto de vista formal, digamos - se torna responsável pelos acidentes dos seus trabalhadores, pois pode acontecer que outra pessoa (uma empresa de construção civil, por exemplo,) assuma essa mesma responsabilidade dentro de certas circunstâncias.
Tal é o que sucede em sede de um “ fenómeno muito próximo daquilo a que alguma doutrina estrangeira apelida “Locação de mão-de-obra”.
Ainda que esta figura não tenha na RAEM amparo legal, isto é, mesmo não estando prevista e regulamentada, pode sempre acontecer que uma empresa ceda o seu trabalhador a outra, de quem irá receber ordens directas, com quem se vai relacionar constante e directamente, inserindo-se no meio empresarial do tomador do serviço. Muitas vezes sucede que entre as duas empresas ou há relações de dependência, ou de parceria, ou pertencem ao mesmo grupo ou são sócias de uma mesma outra grande sociedade.
Coisa parecida sucede, frequentemente, nas chamadas “falsas subempreitadas”, em que a empresa que tem a seu cargo a execução de um serviço vai cedendo a outrem a execução desse serviço sem o carácter de uma verdadeira subcontratualização.
E acontece isso também nos chamados “empréstimos” em que uma empresa, com o acordo do seu trabalhador (por exemplo, nela pouco utilizado, por qualquer razão), o empresta a outra durante um determinado período. Os “empréstimos” de jogadores entre clubes de futebol são bom exemplo do que se acaba de dizer.
Na locação de mão de obra, assim como na falsa subempreitada e nos ditos “empréstimos”, quem dispõe à partida dos “seus” trabalhadores coloca-os simplesmente à disposição de outro empresário, que lhes vão pagar o salário e dar ordens, com quem se relacionam constante e directamente. Os trabalhadores ficam inseridos no meio empresarial do tomador do serviço, muito mais do que no de quem os contratou inicialmente; o “fornecedor” do trabalhador acaba por ser em muitos dos citados casos mero intermediário. Por vezes é o que acontece com a figura do “merchandage”, termo que provém do Direito Francês, que pode ser traduzido como a comercialização do trabalho com a exploração pura e simples, através de uma empresa interposta com características mais ou menos nítidas e que é proibida em vários países.
Tanto num caso como noutro, entende-se que a relação empregatícia passa a ficar estabelecida, pelo menos enquanto dura a prestação de serviço, entre o trabalhador e o tomador do serviço ou actividade laboral. (…)” (Ac. do TSI, de 18/04/2013, Proc. nº 59/2013).
Ora, a situação dos autos é diferente.
Com efeito, de acordo com o teor da resposta afirmativa ao art. 1º da Base Instrutória, o que está apurado é que o acidentado prestava a sua actividade profissional sob autoridade, direcção e fiscalização da sua entidade patronal, a empresa “H” e em execução de contrato com esta celebrado nas circunstâncias referidas em A), ou seja, no circunstancialismo de tempo e lugar em que o acidente se verificou.
Isto é, e para rematar, o infeliz trabalhador em causa estava ao serviço da sua entidade patronal, que por sua vez tinha a responsabilidade pelos acidentes de trabalho transferida para a ré recorrente, “F”.
Logo, face à matéria provada ao art. 12º da BI, a restante factualidade dos arts. 13º a 16º, mesmo que estivessem ‘provados, seria irrelevante em qualquer caso. De qualquer modo, como eles estão dependentes do art. 12º, a sorte que este teve na resposta correcta que mereceu é a sorte que eles mesmos também logram.
*
5- Significa isto que o recurso não pode ter êxito.
***
IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.
TSI, 27 de Julho de 2017
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong









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