Proc. nº 468/2017
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 27 de Julho de 2017
Descritores:
-Direito à informação
-Acção para prestação de informação e passagem de certidão
-Promotores de jogo
-Regra do precedente
SUMÁRIO:
I. O art. 67º do CPA estabelece as condições de acesso aos arquivos e registos administrativos, permitindo a obtenção de certidões de documentos nominativos às pessoas a quem os dados digam respeito ou a terceiros que demonstrem ter nelas um interesse directo e pessoal.
II. Revela esse interesse o advogado que, apelando ao art. 15º do Estatuto do Advogado, requer a prestação de informação, dizendo carecer dela para, como mandatário, a utilizar no âmbito de um processo judicial em curso e de outro a instaurar.
III. A natureza acerca da confidencialidade de um documento ou de uma informação carece de um diploma definidor e regulador dos respectivos termos, que em Macau ainda não existe.
IV. Se a pretensão versa simplesmente sobre a identificação dos promotores de jogo que estão registados num determinado casino, e não sobre a divulgação de dados pessoais de cada um, nem tinha por objectivo obter informação específica e de índole substantiva ou material de “factos e informações de que eles [promotores de jogo] tomem conhecimento no exercício da sua actividade” (cfr. art. 21º do Regulamento Administrativo nº 6/2002), ou seja, se o requerente não quer saber de que modo os promotores estão a exercer a sua actividade, que relações especiais de vantagem têm com a concessionária de jogo que os dotassem de alguns mecanismos de privilégio, etc., nada impede a satisfação do pedido ao abrigo do art. 67º do CPA.
V. Quando no exercício da discricionariedade administrativa, a Administração age num determinado sentido, deve, em coerência, manter-se futuramente fiel a esse sentido decisório em casos iguais, quer no plano substantivo/objectivo, quer do ponto de vista jurídico-legal, ficando auto-vinculada a decidi-los de modo igual. É a isto que, em traços largos, alguma doutrina já chamou a “regra do precedente”, apanágio e berço da common law, mas que, entre nós, apenas por simpatia serve de aconchego no campo da violação do princípio da igualdade.
Proc. nº 468/2017
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.
I – Relatório
A, advogado, titular do BIRM nº XXX, com domicílio profissional na Avenida da Amizade, nº 555, edifício Landmark, XXº andar, em Macau, -----
Instaurou no Tribunal Administrativo de Macau (Proc. nº 286/17-PICPPC) -----
Acção para prestação de informação e passagem de certidão -----
Contra o Director da Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos, que indeferiu o seu requerimento da passagem de certidão datado de 24/02/2017, pedindo a intimação da entidade requerida para lhe emitir uma certidão de informação sobre todos os promotores de jogo (pessoas singulares ou colectivas) registados junto da concessionária “B, SA”.
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Na oportunidade foi proferida sentença que julgou improcedente a acção.
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Contra tal decisão foi interposto o presente recurso jurisdicional, em cujas alegações o requerente Dr. A apresentou as seguintes conclusões:
“a) Por mero lapso, a Sentença contém um erro de facto que deverá ser rectificado ou desconsiderado em face dos documentos juntos.
b) Sobre a matéria objecto de recurso pronunciaram-se dois Acórdãos do TSI, o Acórdão nº 182/2013 e o Acórdão nº 214/2013. A jurisprudência e a doutrina em Portugal também denotaram divisões sobre a questão, mas a mais influente e numerosa reflecte a posição veiculada no Acórdão 182/2013.
c) O advogado, enquanto tal, requerendo nessa qualidade, fazendo-o expressamente ao abrigo do artigo 15º do EA, tem o direito a que lhe seja passada uma certidão, mesmo não indicando o fim a que a destina, desde que não se trate de matéria não confidencial, secreta ou reservada. O direito em causa encontra-se igualmente concretizado nos artigos 117º, n.º 2 e 124º, n.º 1 do CPC.
d) A norma do EA é uma norma especial que se aparta do regime geral consagrado no CPA talhado para o acesso à informação em relação ao comum dos interessados.
e) As normas do CPA e as do EA têm natureza diferente: as do CPA são “não proibitivas”, as do EA são “permissivas”, sendo que o advogado “é um permanente interessado, detentor de um interesse privado e, ao mesmo tempo, de um interesse público”. O art. 15º do EA concede uma prerrogativa, um privilégio. O advogado deve ser visto como um colaborador da Justiça, um pilar do Estado de Direito, com um estatuto que lhe confere a dignidade inerente às suas funções, o que resulta de diversas disposições, incluindo da Lei Básica, citadas no Ac. 182/2013.
f) Na interpretação constante da Sentença recorrida, a norma do art. 15º do EA não teria conteúdo normativo algum. Tal constitui violação do conhecido princípio de interpretação de acordo com o qual se deve atribuir à lei um efeito útil, e não uma mera redundância.
g) Nos termos do art. 5º/1 do CD, o advogado está sujeito a segredo profissional, o qual constitui um “dever fundamental do advogado”, que “é depositário dos segredos e informações confidenciais dos seus clientes”, estabelecendo o art. 6º do CD que os advogados “não podem... revelar factos que constituam segredo profissional”.
h) A aplicação aos advogados do art. 67º do CPA nos termos aplicado na Sentença implicaria a violação do segredo profissional relativamente a muitos dos seus pedidos feitos em nome e em representação de interesses alheios.
i) O advogado não age normalmente na base de um interesse pessoal, mas de terceiro. E não age, por isso, na base de um interesse directo. Haverá casos em que está em causa também em particular os interesses específicos do advogado, como para aferir se quer aceitar o patrocínio do caso (pois é seu dever “recusar o patrocínio injusto” - art. 2º do CD) ou averiguar de eventuais incompatibilidades.
j) A aplicação do art. 67º aos advogados no exercício da sua profissão, acabaria por tornar mais difícil o exercício do direito à informação por parte de um advogado do que de um cidadão comum, porque o advogado não estaria em posição de demonstrar facilmente um interesse pessoal e directo. Tal constitui um desvirtuamento do disposto no art. 15º do EA, do art. 67º do CPA e das normas da Lei Básica, do EA, do CD, entre outras, citadas nas alegações, para onde remete.
k) Acresce, ainda, num plano mais genérico, que é dever do advogado pugnar “pela boa aplicação das leis” e “pelo aperfeiçoamento das instituições” (art. 12º do CD).
l) Estas normas e as demais citadas no Ac. 182/2013 revelam que o advogado tem uma função e um papel social de prossecução do interesse público, de zelar pela legalidade e pela melhoria da prática das instituições, distinto do comum dos cidadãos.
m) As considerações feitas sobre o papel e função social dos advogados, tal como articulados no Acórdão 182/2013, servem para efeitos interpretativos, pois “Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas” (art. 8º/3 do CC). Distinguir o advogado dos cidadãos comuns para efeitos de obtenção de informações é a solução mais acertada: contribui para a defesa dos interesses dos cidadãos, torna o acesso à justiça processual e procedimental mais barata e acessível, contribui para a protecção do segredo profissional, contribui para uma sociedade mais transparente, contribui para o combate às arbitrariedades administrativas (pois os tribunais só as podem ilegalizar quando trazidas ao seu conhecimento por advogados, em decorrência do princípio do pedido) e contribui para a melhoria das instituições.
n) O Procurador Adjunto do TSI no Ac. 182/2013 manifestou-se no sentido aqui pugnado.
o) Entendendo-se que o art. 15º do EA nada acrescenta ao art. 67º do CPA (no fundo, que é 'letra morta') e que são aplicáveis os requisitos do art. 67º do CPA, estavam de qualquer modo preenchidos os requisitos do art. 67º do CPA, por o recorrente ter demonstrado a existência, em concreto, de um interesse legítimo subjacente ao seu pedido de informação.
p) O Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal Administrativo entendeu que existe interesse legítimo no pedido, pugnando pelo seu deferimento.
q) Aquele Magistrado parece revelar inclinação para uma posição jurídica tertium genus sobre a relação entre o advogado e o art. 67º do CPA, segundo a qual o cumprimento do interesse legítimo deriva da própria “especialidade da profissão de advogado”. De facto, se se considerar, contrariamente ao que entende o recorrente, que os advogados estão sujeitos ao disposto no art. 67º do CPA, o apelo à qualidade de advogado no requerimento lhe atribui, por si, uma forte presunção de interesse legítimo, interesse derivado da sua qualidade de advogado.
r) De qualquer modo, os motivos invocados pelo recorrente seriam suficientes para se considerar preenchido o requisito de interesse legítimo: (i) junção de documentos como meio de prova a um processo judicial pendente devidamente identificado e (ii) recolha de informação para efeitos de ponderação de instauração de acção judicial.
s) Sobre o princípio do acesso à informação, escrevem Uno Ribeiro e José Cândido Pinho, que “pode explicar-se por esta ideia simples: o que a Administração sabe, o administrado tem o direito de saber”. Uno Ribeiro e José Cândido Pinho referem que este requisito se destinará a “evitar que a administração fique demasiado exposta à intromissão pura e simples, à mercê da mais reles curiosidade”.
t) Não é defensável que a junção de prova documental em processo judicial ou para efeitos de instauração de acção judicial possa constituir reles curiosidade, não seja útil, não satisfaça uma necessidade concreta, não proporcione a realização de um objectivo, não atribua uma utilidade presente ou futura, ou que não constitua um interesse sério, real e proveitoso, seja reprovável pela ordem jurídica e não tutelada pelo direito: art. 1º do CPC.
u) Não existe base nos autos para considerar que o pedido do advogado signatário possa assentar em “mera razão caprichosa ou de mera curiosidade”.
v) A identificação do cliente e a especificação do objectivo e propósito específicos do pedido em face de acção a instaurar podem constituir violação de sigilo profissional.
w) Ao identificar um outro processo específico a que juntaria a prova, o recorrente deu informação específica, sendo jurisprudência que são as parte, não o tribunal, que têm o dever de obtenção da prova.
x) O Tribunal refere que o recorrente já havia feito o mesmo pedido em 2013. Ora, os promotores de jogo registados em 2013 não são os mesmos dos registados em 2017, pois o registo é anual, pelo que a informação obtida seria concretamente distinta.
y) Mesmo que se tratasse de novo pedido da mesma informação, estaria sempre sujeito ao princípio da decisão, ao abrigo do art. 9º do CPA.
z) Um advogado não tem de explicar à administração por que é que está a pedir em 2017 o que já pediu em 2013. Quem avalia a necessidade ou utilidade dos documentos é o advogado, não a administração. O recorrente não tem de provar à administração se um determinado elemento de prova será aproveitado ou não num processo judicial.
aa) O recorrido violou o princípio da igualdade e da regra do precedente.
bb) O recorrente havia feito no passado recente quatro pedidos de informação similares e todos foram deferidos. Tal como se refere no Acórdão do TUI nº 40/2007, houve mudança de critério, sem qualquer fundamento material: nos primeiros quatro foi prestada a informação, no último não foi. Quando foi negada a informação, não foi apresentado qualquer motivo para a mudança de critério ou a mudança de decisão.
cc) Houve identidade de requisitos subjectivos (o requerente e o requerido eram os mesmos). E havia uma identidade objectiva dos quatro pedidos anteriores e do pedido objecto dos autos: em todos se pedia uma lista de promotores de jogo registados junto de concessionárias ou subconcessionárias. E havia ainda uma identidade normativa, pois estava em causa em todos os pedidos a aplicação das normas do art. 15º do EA, do art. 67º do CPA e da legislação de jogo eventualmente aplicável. Não foi alegada pela DICJ alteração de circunstâncias. E não houve fundamentação de facto ou de direito relativamente à mudança de posição. Isto é, a DICJ fundamentou porque é que indeferia o pedido, mas não apresentou os motivos pelos quais mudou de critério e afastou a regras do precedente, quando é jurisprudência do TUI que “O afastamento da regra do precedente obriga a fundamentar as razões de facto e de direito que justificam uma tal preterição do precedente”.
dd) Os argumentos usados pelo Tribunal para indeferir o pedido quanto a este fundamento não devem proceder.
Termos em que deverá dado integral provimento ao recurso, revogando-se a Sentença recorrida e substituindo-a por outra que intime o Director da DICJ a prestar, na íntegra, a informação solicitada em prazo a fixar na Sentença nos termos do art. 112º do CPAC.
Assim fazendo a habitual Justiça.”
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A entidade recorrida respondeu ao recurso, concluindo a sua contra-alegação nos seguintes termos conclusivos:
“A) A questão determinante da qualidade de contra-interessado B, S.A. não reside apenas na identidade subjectiva da pessoa objecto do dever de sigilo da cláusula 92.º do contrato de concessão, mas também no facto de aquela concessionária ser a interveniente no procedimento administrativo de licenciamento dos promotores de jogo e de ser a pessoa jurídica a quem os documentos arquivados na DICJ dizem respeito e que foram objecto do pedido de certidão;
B) A lista de todos os promotores de jogo registados junto da concessionária B S.A., consiste na informação contida em documentos ou conjunto de documentos submetida pela concessionária B, S.A. ao Governo da RAEM e existentes nos arquivos da DICJ;
C) A informação solicitada é apta a revelar pormenores da actividade de exploração de jogos de fortuna ou azar na RAEM da concessionária B, S.A., correndo-se risco de comprometer a sua competitividade e o seu desempenho, caso a mesma seja revelada;
D) É inegável o interesse contraposto ao do autor, no caso controvertido, por parte da B, S.A., tanto mais por a esta dizerem respeito os documentos arquivados na DICJ e que foram objecto do pedido de certidão pelo ora Requerente;
E) Pelo que deveria ter procedido a excepção de ilegitimidade passiva, por omissão do contra interessado;
F) O legislador pretendeu atribuir um carácter mais reservado a parte da informação respeitante ao procedimento de licenciamento dos promotores de jogo de fortuna ou azar, optando por apenas dar publicidade à lista anual dos promotores de jogos licenciados, não identificando as concessionárias junto das quais os mesmos exercem a sua actividade;
G) Tal como submeteu os promotores de jogo, seus principais empregados e colaboradores, a um dever de sigilo relativamente aos factos e informações de que tomem conhecimento no exercício da sua actividade, mesmo após a sua cessação de funções;
H) O contrato de concessão previu a regra da confidencialidade na sua cláusula 92.ª, vertendo assim a vontade do legislador para o contrato de concessão;
I) A informação solicitada faz parte dos «documentos produzidos (...) pela concessionária, em cumprimento do disposto no regime das concessões referido na cláusula sexta», caindo assim no que a cláusula 92.ª do contrato de concessão identifica como informação de «carácter confidenciai»;
J) A sua disponibilização a terceiros, sem o consentimento da concessionária, constituirá uma violação da referida cláusula, o que fará o Governo da RAEM incorrer nas respectivas consequências do seu incumprimento perante a respectiva concessionária, nomeadamente, em sede de responsabilidade contratual;
K) O direito à informação contida nos arquivos e registos administrativos só deve ser atendido a quem prove ter um interesse legítimo e, particularmente no que toca aos documentos nominativos, a quem demonstre ter um interesse directo e pessoal no conhecimento da informação; terá assim de haver demonstração de que se trata de um interesse sério;
L) O artigo 15º do EA permite que os Advogados possam «no exercício da sua profissão (...) requerer (...) a passagem de certidões sem necessidade de exibir procuração», tal não dispensando a verificação dos requisitos dos artigos 66º e 67º;
M) As normas do artigo 67º do CPA e do artigo 15º do EA não colidem nem se excluem, nem tão pouco este último estabelece uma disciplina própria na matéria;
N) o interesse sério não se presume, tem de ser demonstrado e verdade é que o Recorrente não logrou provar ter um interesse sério na informação que solicitou;
O) O direito à informação conferido pelos artigos 66º e 67º do CPA aos particulares não está na esfera de discricionariedade da administração, sendo sim um acto vinculado, dependente do preenchimento dos requisitos ali previstos, pelo requerente, que ainda assim não logrou prová-los, não havendo assim lugar à aplicação da regra do precedente.
Nestes termos e nos mais de Direito, que o mui ilustre Tribunal certamente suprirá, deve ser confirmada a sentença recorrida, negando-se provimento ao recurso.”
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O recorrente apresentou, entretanto, a peça de fls. 159 e sgs., chamando a atenção para o facto de a entidade recorrida não ter formulado qualquer requerimento no sentido de ser apreciada a matéria em que decaiu na sentença recorrida, pelo que não deve ser conhecida no recurso.
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Foi, então, proferido o despacho de fls. 160, que, por falta de requerimento ao abrigo do arts. 590º e 613º, nº5, do CPC, declarou não apreciar a referida matéria.
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Contra esse despacho foi apresentada reclamação por parte do Director da Direcção da Inspecção e Coordenação de Jogos da RAEM (fls. 162-165), a que o recorrente respondeu (fls. 168-170), uma e outro em termos que aqui damos por integralmente reproduzidos.
O digno Magistrado do MP emitiu o seguinte parecer:
«Vem o presente recurso jurisdicional interposto da sentença de 25 de Abril de 2017, do Tribunal Administrativo, que julgou improcedente a acção de intimação para prestação de informação e passagem de certidão, intentada por A contra o Director da Inspecção e Coordenação de Jogos.
A sentenciada improcedência ancorou-se na norma do artigo 67.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo, uma vez que o requerente, enquanto terceiro, não teria demonstrado o interesse directo e pessoal, próprio ou de cliente, exigido pela norma.
Já na pendência do recurso foi proferido o despacho de fls. 160, de recusa da apreciação da matéria inserta nos artigos 7.º a 36.º da contra-alegação do recorrido, do que este reclamou para a conferência.
I - Quanto à reclamação para a conferência:
Na sua peça de contra-alegação, o recorrido abordou praticamente toda a temática versada na sentença recorrida. Em parte para se congratular com o acerto da decisão; e em parte para se lamentar, alvitrando que outra deveria ter sido a decisão, o que sucedeu nomeadamente com a questão da legitimidade e com o fundamento da confidencialidade.
Mas em lado algum requer, ou dá sequer a entender, que pretende ver ampliado o âmbito do recurso nos termos admitidos pelo artigo 590.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Parece-nos que a norma é clara, no sentido de exigir à parte vencedora que requeira a reapreciação, em sede de recurso, do(s) fundamento(s) em que ela, parte vencedora, decaiu.
O vocábulo requerer convoca uma tomada de posição inequívoca, no sentido de pedir, solicitar, pretender, exigir... Obviamente que essa tomada de posição não se satisfaz com um “não requerimento”.
Pois bem, o recorrido nada requereu. Aproveitou a alegação para dirigir algumas críticas à decisão, mas daí a expressar a vontade, a pretensão, de ampliação do âmbito do recurso vai um passo muito grande.
Mais. A sua hipotética vontade de ver ampliado o recurso nem sequer ressuma tacitamente da sua alegação, pois não resulta inequivocamente dela, nem das respectivas conclusões, nem do pedido que formula a final, pelo que nenhum amparo lhe pode advir do acórdão que traz a terreiro para caucionar a sua pretensão.
Deve, em suma, ser indeferida a reclamação.
II - Quanto ao recurso:
Concordamos com a tese expendida na douta sentença recorrida, que, no fundo, sufraga a doutrina emanada do acórdão de 9 de Maio de 2013, do Tribunal de Segunda Instância, tirado no âmbito do processo n. º 214/2013. Todavia, não temos por certo que a exigência prevista no artigo 67.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo, não se mostrasse preenchida, como acabou por concluir a decisão impugnada.
Vejamos.
No seu requerimento, dirigido ao Director da Inspecção e Coordenação de Jogos, o requerente invocou, em primeira linha, a sua qualidade de advogado e o artigo 15.º do Estatuto do Advogado, em vista da obtenção da informação certificada que almejava. Mas invocou também, por cordialidade e para os efeitos tidos por convenientes, que o principal motivo profissional por que dirige a V.a Ex.ª este pedido de informação reside particularmente no facto de esta informação ser potencialmente relevante para efeitos da acção judicial a intentar no Tribunal Judicial de Base, bem como relativamente a processo pendente na qual o signatário é mandatário, a acção declarativa n.º CV2-12-0004-CAO e cujo objecto abrange a actividade desta subconcessionária durante o período da subconcessão.
Igualmente verteu estes fundamentos, respectivamente nos artigos 3.º e 4.º da sua petição de intimação, comprovando o aí alegado com o doc. n.º 1 entregue com a petição. Nem o alegado nem o documento foram impugnados.
Posto isto, parece que, não podendo a pretensão ser satisfeita pela via do artigo 15.º do Estatuto do Advogado - que aliás exclui da possibilidade de acesso os documentos de carácter reservado ou secreto, como sucede com documentos nominativos, que, assim, caem no campo da restrição prevista no artigo 67.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo -, nada impedia que ela fosse satisfeita em função do interesse demonstrado, substanciado na eventual propositura de acção judicial e para utilização na acção declarativa n.º CV2-12-0004-CAO, em que é mandatário.
Estava, salvo melhor juízo, preenchida a exigência da demonstração do interesse, quando o acesso é pedido por terceiros, como era o caso, conforme previsto no artigo 67.º do Código do Procedimento Administrativo. E se dúvidas houvesse sobre o preenchimento do requisito interesse directo e pessoal, poderia e deveria a entidade requerida instar o requerente a removê-las, o que não sucedeu.
A circunstância de haverem sido anteriormente emitidas certidões sobre idêntico assunto parece-nos irrelevante e sem virtualidade para indiciar uma postura ilegal e abusiva por parte do requerente. O direito à informação, tal como se encontra delineado nos artigos 63.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo, não pode, atenta a sua natureza e finalidade, contemporizar com restrições não objectivadas em lei. Não há uma limitação legal do número de certificações a efectuar. As certidões de documentos, ou as certificações de elementos em poder das autoridades administrativas, têm que ser efectuadas as vezes que o interesse legítimo dos administrados o reclamar. Ponto é que estejam preenchidos os requisitos a que a lei as subordina.
No caso, estamos em crer que esses requisitos estavam preenchidos, pelo que a pretensão deveria ter logrado satisfação.
Ante o que fica dito, a douta sentença procedeu a uma incorrecta apreciação dos requisitos necessários para o acesso à informação, à luz do artigo 67.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo, pelo que deve ser revogada e substituída pela competente intimação a dirigir ao recorrido, no sentido de certificar, no prazo de 10 dias, o que lhe fora oportunamente requerido pelo recorrente».
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
1.º - Pelos ofícios com n.º de referência: 1227/CONF/2013, 1595/CONF/2013, 2000/CONF/2013 e 432/CONF/2015, respectivamente, foi o requerente notificado sobre as decisões de deferimento dos seus pedidos de informação sobre os promotores de jogo inscritos (cfr. fls. 53 a 55, 56 a 61, 62 a 64 e 65 a 67 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
2.º - Em 24/02/2017, o requerente apresentou o requerimento de certidão junto da entidade requerida solicitando uma certidão de informação sobre todos os promotores de jogo (pessoas singulares ou colectivas) registados junto da concessionária B, SA (cfr. fls. 22 a 23 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
3.º - Pelo ofício com n.º de referência: 685/DICJ/2017 datado de 03/03/2017, foi o requerente notificado da recusa do pedido apresentado (cfr. fls. 24 a 25 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
4.º - Em 10/03/2017, o requerente apresentou o requerimento junto da entidade requerida solicitando a reponderação do pedido (cfr. fls. 27 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
5.º - Em 27/03/2017, o requerente apresentou junto deste Tribunal o requerimento inicial dos presentes autos da acção para prestação de informação e passagem de certidão (cfr. fls. 2 dos autos).
6.º - Pelo ofício com n.º de referência: 932/DICJ/2017 datado de 30/03/2017, foi o requerente notificado da decisão que manteve a decisão anterior e os respectivos fundamentos (cfr. fls. 39 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
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III – O Direito
A – Da Reclamação
O despacho objecto da reclamação tem o seguinte teor:
“A entidade recorrida, nas suas alegações de resposta ao recurso jurisdicional apresentado pelo recorrente Dr. A, não fez expressamente uso da ampliação do objecto do recurso ao abrigo do disposto nos arts. 590º e 613º, nº5, ambos do CPC.
Face ao exposto, não se apreciará a matéria a que a entidade recorrida se refere nos arts. 7º a 36º do seu articulado alegatório.
Notifique ambas as partes.
*
Após trânsito, volte a concluir ”.
Ora, a matéria dos referidos artigos da alegação de resposta ao recurso interposto pelo Dr. A dizia respeito à ilegitimidade passiva (arts. 7º-24º) e sobre a confidencialidade da informação (arts. 25º-36º).
Quanto ao primeiro grupo (arts. 7º-24º), estaria em causa a questão da ilegitimidade passiva1 que o reclamante havia excepcionado e que a sentença impugnada considerou improcedente.
Quanto ao segundo grupo (arts. 25º-36º), estaria em discussão a natureza confidencial da informação requerida, que o tribunal igualmente julgou não existir.
Ora bem. A sentença, apesar da posição que tomou relativamente àqueles dois temas, acabou por julgar improcedente a acção em virtude de o requerente da informação não ter apresentado justificação para o pedido e, portanto, não ter demonstrado o interesse directo e pessoal na obtenção dos elementos em apreço e, ainda, pelo facto de não se aplicar aqui a chamada “regra do precedente”2.
Ora, prevenindo a possibilidade de o presente recurso jurisdicional poder vir a ser provido, deveria então a entidade recorrida requerer que esta mesma matéria viesse a ser apreciada pelo TSI, ao abrigo do disposto nos arts. 590º e 613º, nº5, do CPC, por serem fundamentos de defesa em que ela tinha decaído.
Não nos iludamos. O tribunal de recurso só pode conhecer desta matéria invocada pela entidade recorrida “desde que esta o requeira” (art. 590º, nº1, do CPC). Não basta à parte voltar a falar do assunto nas suas alegações de resposta. Isso é o que frequentemente vemos nas contra-alegações de quem é recorrido. Só que tal procedimento não obriga o tribunal superior a voltar ao conhecimento desses fundamentos em que tenha havido decaimento. O tribunal de recurso só procederá ao reexame se tal lhe for expressamente requerido. E tal não foi feito.
Razão pela qual, e acompanhando, aliás, a douta posição do digno Magistrado do MP, somos a julgar improcedente a reclamação.
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B - Do recurso jurisdicional
1 – O caso
O recorrente, ao abrigo do art. 15º do Estatuto do Advogado e demais legislação aplicável, dirigiu-se à entidade administrativa com o intuito de obter informação sobre todos os promotores de jogo (pessoas singulares ou colectivas) registados junto da concessionária “B, SA”, nos termos do art. 23º do Regulamento Administrativo nº 6/2002.
O acto em crise negou a satisfação do pedido porque:
i) A informação pretendida caía no âmbito da cláusula 92º/1 do contrato de concessão da “B, S.A.”
ii) Os promotores de jogo têm um dever de sigilo previsto no art. 21º do Regulamento Administrativo nº 6/2002, concluindo por isso “recair na excepção do art. 15º do Estatuto dos Advogados”
iii) A situação deveria ser equacionada junto do Tribunal do respectivo processo com vista à emissão da certidão e levantamento da natureza confidencial da informação a requerer.
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2 – Questão prévia.
Assunto semelhante a este foi já tratado neste mesmo TSI (Ac. de 23/05/2013, Proc. nº 182/2013). Aí se discutia se o advogado então requerente tinha o direito de, ao abrigo do art. 15º do Estatuto do Advogado, chegar ao conhecimento sobre quais as concessionárias ou subconcessionárias para quem estavam duas pessoas, uma singular e outra colectiva, autorizadas a exercer a actividade de promoção de jogos.
Como é fácil de constatar, a diferença em relação ao caso presente reside na circunstância de o objecto do pedido se referir desta vez, não à indicação das concessionárias ou subconcessionárias para as quais alguém presta a actividade de promoção de jogo, mas sim à comunicação sobre a identidade das pessoas que estão licenciadas a prestar a mesma actividade promotora para a “B SA”.
Assinalada, embora, esta diferença, no essencial a questão é a mesma no tocante à questão substantiva fundamental, que é a de se saber se terceiros podem alcançar a informação sobre a identidade de quem, e para quem, presta a actividade de promoção de jogo. Este é o pano de fundo do tema decidendo.
Importa, no entanto, começar por arrumar as coisas no seu devido lugar. É que não nos podemos esquecer que naqueles autos (Proc. nº 182/2013) estava simplesmente em causa um alegado direito de informação radicado numa mera qualidade de advogado por parte do requerente a coberto do art. 15º do Estatuto do Advogado. Foi, aliás, por tal razão que o aqui relator se viu na necessidade de lavrar um voto de vencido, por discordar que aquela qualidade de advogado lhe garantia, sem mais ou a se, o acesso à informação, ao passo que o acórdão então lavrado concluiu que sim.
Ora, o que aqui está em discussão é parcialmente diferente.
Na verdade, não obstante o recorrente ter referido expressamente o art. 15º do EA como suporte jurídico da sua pretensão, quando em 23/02/2017 requereu directamente à Administração a informação em apreço, ele não deixou concomitantemente de assentar o pedido em razões de índole profissional alicerçadas na circunstância de os elementos pretendidos servirem de informação relevante3:
a) Para efeitos de acção judicial a intentar no Tribunal Judicial de Base;
b) Para efeito de processo já ali pendente com o nº CV2-12-0004-CAO, na qual é mandatário, e cujo objecto abrange a actividade da aludida subconcessionária durante todo o período da subconcessão.
Ou seja, mais do que convictos, estamos agora seguros de que o requerente não se refugiou simplesmente na mera qualidade de advogado (art. 15º cit.) e, em vez disso, foi mais além ao ponto de caracterizar o interesse que se supõe necessário à obtenção dos elementos peticionados, tal como o art. 67º do CPA proclama4.
O mesmo é dizer que, sendo diferentes os pressupostos de facto em jogo em ambos os processos, estamos em condições de partir para a análise do caso, de acordo com as regras aplicáveis, nomeadamente indagando se os fundamentos da recusa manifestadas no acto serão de manter ou de excluir.
Vejamos, pois.
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3 – Da bondade jurídica da decisão
3.1 – Do art. 15º do Estatuto do Advogado
Já no ponto anterior fomos dando conta da circunstância de o recorrente ter revelado o seu interesse em chegar ao conhecimento dos elementos solicitados.
Voltemos a esta questão, porque ela fez parte de um dos fundamentos do acto e da sentença recorrida.
Quanto a este aspecto, somos a repetir o que este mesmo TSI já por uma vez afirmou: “Na verdade, se eles “podem solicitar em qualquer tribunal ou repartição pública o exame de processos, livros ou documentos…, bem como requerer verbalmente ou por escrito a passagem de certidões, sem necessidade de exibir procuração”, a satisfação dessa solicitação carece da revelação de dois importantes requisitos: a) que tais documentos ou que a certidão não recaiam sobre elementos ou documentos, com carácter secreto ou reservado; b) que a solicitação perante o tribunal ou repartição pública esteja a ser feita “No exercício da sua profissão”.
É, aliás, por isso, que o STA em Portugal, a respeito do art. 15º do Estatuto dos Advogados de Macau, chegou a afirmar que “I - O direito ao exame de processos, livros ou documentos, bem como à obtenção de certidões dos mesmos, conferido aos advogados pelo respectivo Estatuto em Macau no n. 1 do seu art. 15º (aprovado pelo DL n. 31/91/M, de 6 de Maio) assume natureza instrumental, já que pressupõe o exercício pelo advogado, ou de mandato judicial, ou de consultadoria jurídica ou de representação voluntária. II - O advogado, quando desligado de uma relação profissional deste tipo, não detém por si o direito a que se refere a conclusão anterior”5
Assim sendo, o simples apelo a este dispositivo não surte os desígnios de uma pretensão certificativa, se o advogado (mesmo que não precise de exibir procuração) não mostra representar os interesses de alguém (seu constituinte) no exercício do seu “munus” ou não revela que o interesse lhe pertence particularmente e em exclusivo. Ou seja, se o advogado se dirige à Direcção de Serviços e pede uma certidão de um elemento arquivado ou ali registado, deve dizer se a informação que solicita é para si mesmo ou se é para o seu representado; e, em qualquer circunstância, deve revelar a utilidade concreta da informação requerida pela via da certidão, de modo a que a entidade emitente possa avaliar do interesse directo e pessoal nos moldes acima referidos. Na hipótese de o interesse directo e pessoal ser do próprio advogado, deverá esclarecer em que termos ele o demonstra.6” (Ac. do TSI, de 9/05/2013; Proc. nº 214/2013).
Por isso mesmo o aludido aresto acrescentou:
“É, aliás, por isso, que o STA em Portugal, a respeito do art. 15º do Estatuto dos Advogados de Macau, chegou a afirmar que “I - O direito ao exame de processos, livros ou documentos, bem como à obtenção de certidões dos mesmos, conferido aos advogados pelo respectivo Estatuto em Macau no n. 1 do seu art. 15 (aprovado pelo DL n. 31/91/M, de 6 de Maio) assume natureza instrumental, já que pressupõe o exercício pelo advogado, ou de mandato judicial, ou de consultadoria jurídica ou de representação voluntária. II - O advogado, quando desligado de uma relação profissional deste tipo, não detém por si o direito a que se refere a conclusão anterior”7
Em suma, o advogado que se sirva do art. 15º do EA deve demonstrar o interesse próprio ou de outrem de quem seja mandatário. Ora, foi isso o que fez o recorrente no requerimento apresentado directamente à DICJ, conforme já acima constatado.
E, portanto, o art. 67º do CPA não pode mostrar-se aqui desrespeitado, ao contrário do que o afirmou a sentença.
Quer isto dizer que, relativamente a este tema específico, não se colocam aqui quaisquer obstáculos ao deferimento da pretensão.
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3.2 – Da natureza confidencial da matéria em causa
O outro fundamento do acto estribava-se no art. 92º, nº1 do Contrato de Concessão, o qual dispõe:
“Os contratos produzidos pelo Governo ou pela concessionária, em cumprimento do disposto regime das concessões referido na cláusula sexta têm carácter confidencial, apenas podendo ser disponibilizados a terceiros mediante autorização da outra parte”.
A sentença repeliu este argumento, nos seguintes termos:
“…aqui se trata puramente elementos sobre a identificação dos promotores de jogo e o seu local de trabalho, em nada se fala da divulgação do sistema comercial da actividade desses promotores do jogo. Sobre esta matéria, o Tribunal não se deixa de aderir e aqui se transcreve o que se detalhadamente analisou no douto aresto do Tribunal de Segunda Instância, no processo nº 182/2013,m de 23/05/2013:…”.
Ou seja, por entender que o objecto da pretensão não é a divulgação de dados pessoais e que a informação pretendida não estava coberta pelo dever de sigilo a que respeita o art. 21º do Regulamento Administrativo nº 6/20028, não podia proceder o indicado fundamento do acto.
Ora, acontece que esta matéria nem foi objecto do recurso por parte do recorrente Dr. A, nem a entidade recorrida fez uso do disposto no art. 590º, nº1 do CPC ao não ter requerido, mesmo a título subsidiário, a ampliação do objecto do recurso, prevenindo a necessidade da sua apreciação.
Sendo assim, podemos dizer que, quanto a este fundamento da sentença, ele deve dar-se por adquirido definitivamente, sem possibilidade de alteração. O mesmo é dizer: a matéria em apreço não tem natureza sigilosa.
E nem sequer tem natureza confidencial, pois a classificação de confidencialidade carece de um diploma definidor e regulador dos respectivos termos, o que em Macau ainda não existe.
Aliás, e só para terminar este aspecto, somos a entender mais duas coisas:
Antes de mais nada, o que o recorrente pretendia com o requerimento que fez que junto da Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos não era informação específica e de índole substantiva ou material de “factos e informações de que eles [promotores de jogo] tomem conhecimento no exercício da sua actividade” (cfr. art. 21º cit.). O requerente, com efeito, não queria saber de que modo os promotores estavam a exercer a sua actividade, que relações especiais de vantagem teriam com a concessionária de jogo que os dotassem de alguns mecanismos de privilégio, etc., etc.
Em segundo lugar, não cremos que a simples identidade dos promotores de jogo esteja arredado do conhecimento do público em geral. É que, além do seu registo comercial após a atribuição de uma licença de promotor de jogo (art. 5º, nº1, RA 6/2002), também por outro lado a DICJ deve promover a divulgação pública através da publicação no Boletim Oficial da RAEM, até 31 de Janeiro de cada ano, da lista de promotores de jogo licenciado (art. 15º do RA citado), o que mostra bem que a identidade dos promotores não é, de modo nenhum, matéria de natureza secreta, confidencial ou sigilosa, que o tribunal deva levantar em pedido próprio, ao contrário do também ficou mencionado o acto em apreço.
E, por fim, nem o art. 92º do Contrato de Concessão serve aqui de algum préstimo, uma vez que o nº1 deste preceito apenas confere carácter confidencial aos “documentos produzidos pelo governo ou pela concessionária, em cumprimento do disposto no regime das concessões referido na cláusula sexta…”. Com efeito, nenhum documento com características foi pedido pelo recorrente que a concessionária dispusesse, mas tão só e simplesmente informação sobre a identidade dos promotores que estivessem registados na concessionária “B SA”.
Não deixa, aliás, de ser curioso que a Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos tenha satisfeito pedido idêntico formulado pelo mesmo recorrente ao longo de 4 anos, conforme é referido no art. 21º da petição inicial, o que a recorrida expressamente aceita no art. 44º da contestação.
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3.3 – A sentença utilizou, ainda outro argumento, de certo modo relacionado com o já tratado no último parágrafo do ponto 2.2 deste aresto. Tem que ver com a invocada regra do precedente que o recorrente teria suscitado, ao alegar que a recorrida já tinha satisfeito, por quatro vezes em anos anteriores, idênticos pedidos, circunstância que a obrigaria a voltar a satisfazer esta pretensão.
Ora bem. Do que se trata é de um comportamento que a Administração deve observar sempre que se situar no âmbito de uma actividade discricionária e que se traduz no seguinte: quando no exercício da discricionariedade administrativa, ela age num determinado sentido, deve, em coerência, manter-se futuramente fiel a esse sentido decisório em casos iguais, quer no plano substantivo/objectivo, quer do ponto de vista jurídico-legal, ficando auto-vinculada a decidi-los de modo igual. Em traços largos é a isto que alguma doutrina (Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J, Pacheco Amorim, Código de Procedimento Administrativo, 2ª ed., pág. 101) já chamou a “regra do precedente”, apanágio e berço da common law, mas que, entre nós, apenas por simpatia pode servir de aconchego no campo da violação do princípio da igualdade (na jurisprudência local (Ac. do TUI, de 11/03/2007, Proc. nº 40/2007).
A sentença disse que inexistia a violação do princípio da igualdade (nessa pretensa vertente da “regra do precedente”).
O recorrente discorda, ao alegar a existência de quatro pedidos de informação similares que foram (todos) deferidos, sem não encontrar justificação para o indeferimento daquele que esteve na origem do presente processo.
Pois bem. Em rigor, esta questão não deveria ser discutida como eixo central da causa de pedir no âmbito destes autos, uma vez que não está em discussão a apreciação da ilegalidade do acto em apreço, mas sim a existência do direito subjectivo à informação, que o acto negou. Ou seja, não interessa muito concluir que o acto é ilegal porque violou o princípio da igualdade para a partir daí se concluir que, por ser ilegal com esse fundamento, já o “direito à informação” deteria ter sido satisfeito. O que verdadeiramente importa é, repete-se, apurar se o direito invocado existe, efectivamente, na esfera do requerente ou se a Administração podia negar-se a satisfazer a pretensão.
Ainda assim, tem interesse esclarecer, tal como o assevera a sentença, que não estamos no domínio da discricionariedade. Desde que verificados os requisitos previstos na lei (v.g., art. 15º do EA; 67º do CPA) a Administração tem que satisfazer o “direito à informação”. O que significa que a sua actuação é vinculada. Logo, não nos parece que, para se acudir à esfera jurídica do recorrente carecida de tutela, deva ser chamada à colação a “regra do precedente”, como suporte autónomo, ou não, do princípio da igualdade, pois esse é domínio próprio de uma actuação discricionária.
E pelo que já acima se disse, a DICJ não podia negar este direito à informação, porque os elementos a obter não caracterizam matéria confidencial, nem sigilosa.
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IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida e determinando o Director da DICJ a emitir a certidão nos exactos termos pretendidos no prazo de 7 dias.
Sem custas.
TSI, 27 de Julho de 2017
Fui presente José Cândido de Pinho
Joaquim Teixeira de Sousa Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Subscrevo o Acórdão, sem prejuízo da reponderação sobre a eventual ilegalidade do conteúdo do artº 15º do Regulamento Administrativo nº 6/2002 face à regra geral estabelecida no artº 67º/2 do CPA, que é uma lei ordinária.
1 No entender da DICJ haveria que estar nos autos, pelo lado passivo, também a contra-interessada “Galaxy Casino, SA”.
2 O requerente tinha invocado na petição a circunstância de já anteriormente (por 4 vezes) ter feito idênticos pedidos, que sempre foram satisfeitos.
3 É, pois, errada a nota 4 em rodapé a fls. 11 da sentença, quando alerta que apenas no requerimento datado de 10/03/2017 o requerente referiu o art. 63º do CPA e a necessidade dos elementos para efeito do processo judicial nº CV2-12-0004-CAO. Com efeito, já no requerimento de 23/02/2017 o interessado explicou que um dos motivos por que fazia o pedido radicava na sua utilização posterior no âmbito daquele processo judicial pendente no TJB, em que era mandatário.
4 Esta é a razão capital que leva o ora relator a não pensar que se aplique ao caso vertente a opinião que manifestou no acima aludido voto de vencido.
5 Ac. STA de 24/11/1998, Proc. nº 042729
6 Isto mesmo o conclui o Parecer da PGR nº 000201994, de 9/02/1995, segundo o qual “ Os advogados e os solicitadores não têm acesso aos dados previstos na referida disposição legal, salvo quando representem contribuintes a que esses dados digam respeito, ou terceiros com «interesse directo e pessoal»”.
7 Ac. STA de 24/11/1998, Proc. nº 042729
8 Republicado com alterações no Regulamento Administrativo nº 27/2009.
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468/2017 30