Processo n. 447/2017 (Recurso Laboral)
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 27 de Julho de 2017
Descritores:
- Contrato de trabalho
- Salário
- Gorjetas
- Descanso semanal, anual, feriados obrigatórios
SUMÁRIO:
I. A composição do salário, através de uma parte fixa e outra variável, admitida pelo DL n. 101/84/M, de 25/08 (arts. 27º, n.2 e 29º) e pelo DL n. 24/89/M, de 3/04 (arts. 25º, n.2 e 27º, n.1) permite a integração das gorjetas na segunda.
II. Ao abrigo do DL 24/89/M (art. 17º, n.1, 4 e 6, al. a), tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”); mas se nele prestar serviço terá direito ao dobro da retribuição (salário x2).
III. Se o trabalhador prestar serviço em feriados obrigatórios remunerados na vigência do DL 24/89/M, além do valor do salário recebido efectivamente pela prestação, terá direito a uma indemnização equivalente a mais dois de salário (salário médio diário x3).
Proc. nº 447/2017
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.
I – Relatório
A, casado, de nacionalidade nepalesa, residente habitualmente em XXX, no Reino Unido, titular do Passaporte Nepales no. XXX, emitido pelas autoridades competentes do Nepal, instaurou no juízo laboral do TJB (Proc. nº LB1-16-0012-LAC) contra:
1- B - B, SARL, com sede na Avenida de Lisboa, XXX, Macau;
2- C LIMITADA, com sede na Avenida de Almeida Ribeiro n.º 2-B, XX andar, freguesia da Sé, Macau,
acção de processo comum do trabalho,
pedindo que a 1ª Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia total de MOP$377.820,00 (2ª Ré Agência de Emprego A-P Limitada foi absolvida do pedido, cf. fls. 213 e ss.), acrescida de juros legais até integral e efectivo pagamento, assim discriminadas:
- MOP$33.320,00 a título de subsídio de alimentação;
- MOP$60.000,00 a título de subsídio de efectividade;
- MOP$108.000,00 pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal;
- MOP$54.000,00 pela falta de um dia de descanso compensatório pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal;
- MOP$22.500,00 a título de trabalho prestado em dia de feriado obrigatório remunerado;
- O montante correspondente às bonificações ou remunerações adicionais incluindo as gorjetas que a Ré pagou aos operários residentes, a liquidar em execução de sentença;
- MOP$45.000,00 a título de devolução das quantias de comparticipação no alojamento descontadas;
- MOP$27.500,00, pelas 16 horas de trabalho prestadas para além do período normal de trabalho em cada ciclo de 21 dias de trabalho;
- MOP$27.500,00 pela prestação de 30 minutos de trabalho para além do período normal diário por cada dia de trabalho efectivo.
Pediu ainda que a 2ª ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de MOP$ 18.000,00, como devolução das quantias por este pagas a título de “colocação em emprego” e juros respectivos.
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A 2ª ré foi absolvida do pedido no despacho saneador por prescrição do crédito reclamado.
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Foi proferida sentença que julgou parcialmente provada e procedente a acção e, consequência, condenou a 1ª Ré a pagar ao Autor, a título de créditos laborais, a quantia global de MOP 128.665,00 (sendo 17.540,00 a título de subsídio de alimentação, 28.500,00 a título de subsídio de efectividade, 23.500,00 a título de descansos semanais, 23.500,00 a título do não gozo dos dias de descanso compensatório, 21.375,00 a título de comparticipação no alojamento descontadas, 14.250,00 pelas 16 horas de trabalho prestadas para além do período normal de trabalho em cada ciclo de 21 dias de trabalho), acrescida juros moratórios à taxa legal a contar do trânsito em julgado da sentença que procede à liquidação do “quantum” indemnizatório, absolvendo no mais a Ré do pedido.
Mais foi a Ré condenada a pagar ao Autor o montante correspondente ao trabalho prestado em dias de feriado obrigatório e às bonificações ou remunerações adicionais incluindo as gorjetas pagas aos operários residentes, a liquidar em execução de sentença.
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Contra esta sentença foram interpostos dois recursos jurisdicionais, um pelo autor da acção, outro pela ré.
O autor concluiu as suas alegações do seguinte modo:
“1. Versa o presente recurso sobre a parte da douta Sentença na qual foi julgada parcialmente improcedente ao ora Recorrente as quantias pelo mesmo reclamadas a título de trabalho prestado em dia de descanso semanal, feriados obrigatórios e pela prestação de 30 minutos de trabalho para além do período normal diário por cada dia de trabalho efectivo;
2. Salvo o devido respeito, está o Recorrente em crer que a douta Sentença enferma de um erro de aplicação de Direito quanto à concreta forma de cálculo devida pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal, feriado obrigatórios e prestação de 30 minutos de trabalho para além do período normal diário por cada dia de trabalho e, nesta medida, se mostra em violação ao disposto nos artigos 10.º, 17.º, 19.º e 20.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, razão pela qual deve a mesma ser julgada nula e substituída por outra que atenda aos pedidos reclamados pelo Autor na sua Petição Inicial;
Em concreto,
3. Ao condenar a Ré a pagar ao Autor apenas urna quantia em singelo pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal não gozado, o Tribunal a quo terá procedido a urna interpretação menos correcta do disposto na al. a) do n.º 6 do art. 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, na medida em que de acordo com o referido preceito se deve entender que o mesmo trabalho deve antes ser remunerado em dobro do salário normal, entendido enquanto duas rezes a retribuição normal por cada dia de trabalho prestado em dia de descanso semanal, acrescido de um outro dia de descanso compensatório, tal qual tem vindo a ser seguido pelo Tribunal de Segunda Instância;
4. De onde, resultando provado que durante todo o período da relação laboral o ora Recorrente não gozou dos respectivos dias de descanso semanal deve a Recorrida ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$47,000.00 a título do dobro do salário - e não só de apenas MOP$23,500.00 correspondente a um dia de salário em singelo conforme resulta da decisão ora posta em crise - acrescida de juros até efectivo e integral pagamento, devendo manter-se a restante condenação da Ré no pagamento da quantia devida a título de não gozo de dias de descanso compensatório em virtude do trabalho prestado em dia de descanso semanal;
Acresce que,
5. Contrariamente ao decidido pelo douto Tribunal a quo, não parece correcto concluir que pela prestação de trabalho nos dias de feriados obrigatórios se deva proceder ao desconto do valor do salário em singelo já pago;
6. Pelo contrário, salvo melhor opinião, a fórmula correcta de remunerar o trabalho prestado em dia de feriado obrigatório nos termos do disposto no artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril - ainda que a determinar em sede de liquidação de execução de Sentença - será conceder ao Autor, ora Recorrente, um “acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal, para além naturalmente da retribuição a que tem direito” - o que equivale matematicamente ao triplo da retribuição normal - conforme tem vindo a ser entendido pelo douto Tribunal de Segunda Instância;
Por último,
7. Contrariamente ao entendimento sufragado pelo douto Tribunal a quo, está o ora Recorrente em crer que a situação de “tolerância” de 30 minutos para a conclusão de tarefas não acabadas contante do n.º 4 do artigo 10.º do Decreto-Lei n. º 24/89/M, de 3 de Abril, tão-só se justifica para situações ocasionais, isto é, para situações esporádicas, não podendo tal circunstância se transformar em regra;
8. De onde, tendo a Recorrida transformado em regra a obrigatoriedade de o ora Recorrente ter de comparecer com uma antecedência de 30 minutos antes do início do seu horário normal de trabalho, deve a mesma ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia pela prestação de 30 minutos de trabalho por dia para além do seu período normal diário.
Nestes termos e nos de mais de Direito que V. Exas. encarregar-se-ão de suprir, deve a douta Sentença ser julgada nula e substituída por outra que atenda aos pedidos tal qual supra formulados, assim se fazendo a já costumada JUSTIÇA!”
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A ré, B respondeu ao recurso, concluindo as suas contra-alegações pelo seguinte modo:
“I - Vem o Autor colocar em crise a douta sentença recorrida por entender que andou mal o Tribunal de Primeira Instância ao adoptar o entendimento seguido pelo Tribunal de Última Instância a respeito do pagamento do trabalho prestado em dia de descanso semanal condenando assim a Ré, Recorrida, apenas ao valor correspondente a um salário em singelo e não ao dobro pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, mais alegando o Autor que o tribunal a quo terá procedido a uma interpretação menos correcta do disposto na alínea a), nº 6 do artigo 17º do DL 24/89/M de 3 de Abril.
II - No entanto, e quanto à forma de cálculo adoptada para apuramento de eventual compensação quanto aos descansos semanais a Recorrida concorda com a formula adoptada pelo Tribunal a quo que mais não é do que a formula que é apresentada pelo Tribunal De Última Instancia, pois tal apuramento mais não segue senão o que está escrito na lei já que estabelece o nº 6, alínea a) do artigo 17º do aludido diploma legal que: “O trabalho prestado em dia de descanso semanal deve ser pago:
a) Aos trabalhadores que auferem salário mensal, pelo dobro da retribuição.”
Referindo-se a lei ao trabalho que deve ser pago pelo dobro da retribuição e não à compensação que deve ser paga pelo dobro, referindo-se muito concretamente ao valor do trabalho efectuado em dia de descanso semanal e não ao valor da compensação.
III - Pelo que a interpretação literal da lei foi bem feita pelo Tribunal a quo e pelo Tribunal de Última Instância, sendo, aliás, esta mesma interpretação a perfilhada pelo Dr. Miguel Quental, Ilustre mandatário do ora Recorrente, no seu livro “Manual de Formação de Direito do Trabalho em Macau”, pags. 283 e 284, quando diz: “Da nossa parte, sempre nos pareceu como mais correcto que a expressão “dobro da retribuição normal” queria significar para os trabalhadores que auferem um salário mensal o direito a auferir o equivalente a 100% da mesma retribuição, a acrescer ao salário já pago.”, bem como a posição do Professor Teixeira Garcia no seu livro “Lições do Direito do Trabalho” Parte II, pago 186, nota 18.
IV - Assim, e de acordo com decisões de Tribunais Superiores de Macau, designadamente com a decisão nº 28/2007 proferida pelo Tribunal de Última Instância, de acórdão datado de 21 de Setembro de 2007, nas situações em que o trabalhador já tenha recebido o salário normal correspondente ao trabalho prestado nos dias de descanso semanal, só terá então direito a receber outro tanto, e não em dobro, porquanto o trabalhador já foi pago em singelo, pelo que, caso resulte que o Recorrente não foi pago pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal, - o que não se concede -, este apenas terá direito a receber outro tanto da remuneração diária média, mas não em dobro, tal como é reclamado, devendo, por isso, improceder o recurso apresentado pelo Recorrente.
V - O Recorrente vem também colocar em crise a sentença proferida pelo Tribunal “a quo” na parte em que faz o cálculo quanto à compensação pelo trabalho prestado em dia de feriado.
VI - Ora, entende a Recorrida que o cálculo apurado pelo Tribunal “a quo”, que vai na mesma senda do Tribunal De Última Instância, mais uma vez, faz uma interpretação acertada da lei pois de acordo com o nº 1 do artigo 20º do mesmo diploma, “O trabalho prestado pelos trabalhadores nos dias de feriado obrigatório, referidos no nº 3 do artigo anterior, dá direito a um acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal (...) ”, i.e. se o trabalhador prestar trabalho no dia de feriado obrigatório para além do salário que já recebeu em singelo, terá direito ao dobro a título de compensação e não ao triplo, como erradamente é interpretado pelo Recorrente, indo no mesmo sentido o Tribunal de Última Instância sendo entendimento deste Tribunal Superior que tendo o trabalhador sido remunerado em singelo pelo trabalho prestado em dia de feriado obrigatório, o mesmo só terá direito a auferir o dobro da sua retribuição (cfr. Decisão nº 28/2007 proferida pelo Tribunal de Última Instância, acórdão datado de 21 de Setembro de 2007).
VII - Assim, caso resulte provado que o Autor, ora Recorrente, tenha trabalhado em feriados obrigatórios e se for possível determinar o número de dias que prestou trabalho em dia de feriado obrigatório - o que deveras se não concede -, tendo em conta que o Autor foi sempre remunerado pela sua prestação de trabalho em dias de feriados obrigatórios no valor de um dia de salário normal diário, o mesmo apenas teria direito a receber o dobro do salário normal diário por cada dia de trabalho prestado em dia de feriado obrigatório e nunca o triplo. Devendo, por isso, improceder também aqui o recurso apresentado pelo Recorrente.
VIII - O Recorrente recorre também da decisão que absolveu a Ré, ora Recorrida, relativamente à prestação dos 30 minutos de trabalho para além do período normal diário por cada dia de trabalho efectivo e também aqui a Recorrente não tem razão pois como se pode ler no n.º 1 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, sob a epígrafe “Duração do Trabalho”, “Nenhum trabalhador deve normalmente prestar mais do que oito horas de trabalho por dia e quarenta e oito por semana, devendo o período normal de trabalho ser interrompido por um intervalo de duração não inferior a trinta minutos, de modo a que os trabalhadores não prestem mais de cinco horas de trabalho consecutivo.”
IX - E o n.º 4 do mesmo artigo preceitua o seguinte (negrito nosso): “Os períodos fixados no nº 1 não incluem o tempo necessário à preparação para o início do trabalho e à conclusão de transacções, operações e serviços começados e não acabados, desde que no seu conjunto não ultrapassem a duração de trinta minutos diários”, parecendo-nos a lei bastante clara neste sentido, de que se a finalidade dos 30 minutos se destinar a actividades para a preparação do início do trabalho, este período de tempo não será tido em conta para a contabilização do tempo de trabalho (“duração do trabalho”) e como tal, não poderá ser considerado como trabalho extraordinário.
X - Ora, conforme alegado pelo Recorrente na sua petição inicial, por solicitação da Ré, ora Recorrida, este deveria comparecer no local de trabalho 30 minutos antes (nem mais, nem menos) do início de cada turno, para efeitos de preparação para o início do trabalho que teria de prestar naquele dia, durante o qual o Recorrente e os seus colegas guardas de segurança eram informados acerca dos seus postos de trabalho, dos clientes tidos por “suspeitos” e das questões de segurança a ter conta.
XI - Ora, sempre se diga que todo esse conjunto de informações se enquadra na “preparação para o início do trabalho” de onde poderemos concluir que mesmo verificada a finalidade supra descrita e desde que não excedidos os 30 minutos imediatamente antes do início de cada turno, este período de 30 minutos não poderá ser considerado como trabalho extraordinário, porquanto não consubstancia qualquer violação à lei, e tal como explanado na sentença recorrida e proferida em primeira Instancia “ (...) Aliás, o Autor peticiona precisamente este período de tempo a título de trabalho extraordinário) pelo que se entende que esse tempo de trabalho está contido na margem de flexibilidade dada pelo legislador. Improcederá, nesta parte, o pedido.”, pelo que e face a todo o exposto não tem também aqui o Recorrente qualquer razão no recurso que apresenta, devendo o mesmo ser considerado totalmente improcedente.
Assim, e nestes termos, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser considerado totalmente improcedente, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.”
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No recurso da B, foram apresentadas as seguintes conclusões alegatórias:
“1 - Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo douto Tribunal Judicial de Base que julgou a acção procedente e condenou a Ré, ora Recorrente, no pagamento de uma indemnização no valor global de MOP$128.665.00 sendo MOP$17.540,00 a título de subsídio de alimentação, MOP$28.500,00 a título de subsídio de efectividade, MOP$23.500,00 a título de descanso semanais, MOP$23.500,00 a título de não gozo dos dias de descanso compensatório, MOP$ 21.375,00 a título de comparticipação no alojamento descontadas e MOP$14,250.00 pelas 16 horas de trabalho prestadas para além do período normal de trabalho em cada ciclo de 21 dias de trabalho, acrescidas de juros moratórias à taxa legal a contar do transito em julgado da sentença que procede à liquidação do quantum indemnizatório e condenando a Ré, ora Recorrente, a pagar ao Autor o montante correspondente ao trabalho prestado em dias de feriado obrigatórios e às bonificações ou remunerações adicionais incluindo gorjetas pagas ao operários residentes, a liquidar em execução de sentença.
2 - A ora Recorrente vem impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, nomeadamente a matéria fáctica vertida em todos os quesitos porquanto da prova produzida em sede de julgamento nunca poderiam os referidos quesitos terem sido provados tendo esta matéria fáctica sido, salvo devido respeito, incorrectamente julgada pelo Douto Tribunal a quo e também no plano do Direito aplicável ao caso concreto, a sentença proferida a final nunca poderia ter decidido como decidiu em violação e por incorrecta aplicação das normas jurídicas que lhe servem de fundamento, estando em crer que a decisão assim proferida pelo douto Tribunal de Primeira Instância padece dos seguintes vícios de erro de julgamento e erro na aplicação do direito, bem como padece de nulidade por falta de fundamentação decorrente da violação do ónus da alegação por parte do Autor ora, Recorrido.
3 - O Tribunal a quo deu como assente e provada a seguinte factualidade com interesse para o presente recurso: “Entre 1 de Agosto de 1998 e 21 de Julho de 2003, o Autor esteva ao serviço da 1ª Ré (B), prestando funções de “guarda de segurança” enquanto trabalhador não residente (A), conforme informação prestada pelo Gabinete para os Recursos Humanos da RAEM (GRH) o Autor exerceu a sua prestação de trabalho para a 1ª Ré ao abrigo de um Contrato de prestação de Serviço celebrado entre a 1ª Ré e a Sociedade E - Serviços de Apoio e Gestão Empresarial Cia, Lda. (B).
4 - Durante todo o tempo que prestou trabalho o Autor prestou trabalho nos locais (postos de trabalho) indicados pela Ré (C) e ainda que durante o período em que prestou trabalho a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP$ 7,800.00 a título de salário base mensal (D), e que durante o tempo em que prestou trabalho para a I a Ré sempre respeitou os períodos e horários de trabalho fixados pela Ré (1º) e nunca deu nenhuma falta injustificada (2º) para um período de trabalho de 8 horas de trabalho por dia e de 6 horas por semana (3º).
5 - Aquando do recrutamento do Autor no Nepal foi garantido ao Autor que teria direito a alimentação e alojamento gratuitos em Macau (4º) e que resulta do ponto 3.1 do Contrato de Prestação de Serviços nº 5/96, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) a quantia de “ (...) $20,00 patacas diárias por pessoa, a título de subsídio de alimentação.” (5º). Que entre 01/08/1998 e 21/07/2003, a Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a titulo de subsidio de alimentação ou nunca entregou ao Autor qualquer tipo de alimentos e/ou géneros (6º)
6 - O Tribunal considerou ainda que ficou provado que: “Resulta do ponto 3.3 do Contrato de Prestação de Serviços nº 5/96, que “ (...) decorridos os primeiros 30 dias de prestação de trabalho por parte do trabalhador (leia-se a Autor) este terá direito, para além da remuneração supra referida, às bonificações ou remunerações adicionais que a 1ª outorgante (leia-se as Rés) paga aos operários residentes no território.” (7º) e que entre 01/08/1998 e 21/07/2003 a Ré nunca pagou ao Autor quaisquer bonificações ou remunerações adicionais, incluindo gorjetas que pagou a todos os demais trabalhadores residentes, incluindo guardas de segurança (8º)
7 - Resulta do ponto 3.4 Do Contrato de Prestação de Serviços nº 5/96 ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) “ (...) um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço” (9º) e que durante todo o período da relação laboral o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte da Ré. (10º) e ainda que entre 01/08/1998 e 21/07/2003 a Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia de subsídio de efectividade (11º)
8 - Entre 01/08/1998 e 31/12/2002, a Ré nunca fixou ao Autor em cada período de 7 dias um período de descanso de 24 horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição (12º) e que a 1ª Ré nunca concedeu ao Autor um período de descanso consecutivo por cada conjunto de quatro semanas ou fracção, sem prejuízo da correspondente retribuição (13º), a 1ª Ré nunca fixou ao Autor um outro dia de descanso compensatório do trabalho em consequência do trabalho prestado em dia de descanso semanal (14º) e que a 1ª Ré nunca atribuiu ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal (15º) e que entre 01/08/1998 e 21/07/2003 o Autor prestou a sua actividade durante os feriados obrigatórios (16º) e ainda que durante o referido período de tempo a 1ª Ré nunca atribuiu ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado nos referidos dias de feriado obrigatórios (17º)
9 - Durante o período em que o Autor prestou trabalho para a 1ª Ré, a 1ª Ré procedeu ao desconto da quantia de HKD750,00 sobre o salário mensal do Autor, a título de “comparticipação nos custos de alojamento “(18º) e o desconto no salário do Autor era operado de forma automática e independentemente de o trabalhador (leia-se do Autor) residir ou não na habitação que lhe era providenciada pela 1ª Ré (18º B). Mesmo que o Autor optasse por residir fora da residência que lhe era destinada pela 1ª Ré sempre lhe seriam descontado a quantia de HK$750,00 por cada mês (18º C). Em cada residência residiam cerca de 8 trabalhadores (guardas de segurança de origem Nepalesa) cada um dos quais “pagava” à 1 é a quantia de HK$ 750,00 (18º D). Era expressamente proibido ao Autor (e aos demais trabalhadores de origem Nepalesa que com ele residia) receber quaisquer visitas e/ou familiares no referido apartamento (18º F). Sendo, igualmente, expressamente vedado a entrada de quaisquer pessoas do sexo feminino em qualquer dos alojamentos “providenciados” pela 1ª Ré (18º E)
10 - Foi considerado pelo Tribunal a quo que: “Durante todo o período da relação de trabalho com a Ré, o Autor prestou a sua actividade num regime de turnos rotativos (19º) Durante todo o período da relação de trabalho, o Autor exerceu a sua actividade para a Ré num regime de 3 turnos rotativos de 8 horas por dia
Turno A: das 08h às 16h
Turno B: das 16h às 00h
Turno C: das 00h às 08h (20º)
E a 1ª Ré nunca pagou ao Autor uma qualquer quantia (em singelo e/ou adicional) pelo trabalho prestado pelo Autor durante os dois períodos de 8 horas cada prestado num período de 24 horas em cada ciclo de 21 dias de trabalho consecutivo (21º).
11 - O douto Tribunal na resposta aduziu os seguintes factos na resposta à matéria de facto: “Concretamente, atendemos ao depoimento prestado pela testemunha apresentada pelo Autor, com a razão de ciência que melhor resulta da acta da audiência, que revelou conhecimento directo dos factos sobre que depôs, num depoimento que se revelou sóbrio e não comprometido, tendo explicado que não era política da Ré permitir o gozo de descansos semanais (não sendo tal trabalho sido pago alem de um dia normal); explico ainda, a este propósito, que nunca foi dado qualquer dia de descanso compensatório. Explicou ainda a testemunha que não foi pago qualquer subsídio de efectividade ou qualquer compensação pela prestação de trabalho em dias de feriado obrigatório; quanto a estes últimos, a resposta restritiva decorre da circunstância de a testemunha ter explicado que o Autor (à sua semelhança) gozava 24 dias de férias anuais, não tendo, no entanto, conseguido concretizar exactamente o período em que tal sucedia, razão por que não houve prova suficiente dos dias de feriado obrigatório em que o Autor prestou trabalho. Explicou ainda a testemunha que nunca foram pagas quaisquer quantias a título de subsídio de alimentação, gorjetas ou outras remunerações além do salário. Mais explicou a testemunha que a Ré não forneciam refeições mas tão só um local onde os trabalhadores podiam tomar a refeição que traziam de casa. A testemunha inquirida afirmou ainda que, a título de alojamento, a Ré cobrava a quantia mensal de 750 HKD mesmo que os trabalhadores optassem por residir fora das residências fornecidas pela Ré. Mais relatou ainda a testemunha, de forma detalhada, como se processavam os turnos de trabalho e a sua rotatividade, precisamente nos termos que ficaram provados.
Cumpre ainda referir que nenhuma prova de sentido contrário foi produzida, quer testemunhal, quer documental, que permitisse pôr em causa o depoimento prestado em audiência pela testemunha, nomeadamente nenhum registo que comprove ter o autor alguma vez faltado ao serviço ou que lhe tivesse sido paga qualquer quantia, e a que titulo, além do que resultou provado (...).»
12 - Da prova produzida em sede de julgamento a resposta a todos os quesitos e a fundamentação supra transcrita teriam necessariamente de ser diferentes, pelo que estamos perante um claro erro de julgamento e isso pode ser comprovado já que neste processo foi deferida a documentação das declarações prestadas na audiência de julgamento, existindo por isso suporte de gravação, o que permitirá ao douto Tribunal de Segunda Instância melhor avaliar, e decidir, sobre o ora invocado erro na apreciação da prova, aqui expressamente se requerendo a reapreciação da matéria de facto, nos termos admitidos no art. 629º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi art. 1º do Código de Processo do Trabalho, tendo sido ouvida apenas uma única testemunha, D, cujo testemunho pode ser escutado nas passagens gravadas em 22.11.2016, do CD 1, tradutor 1, excerto 10.07.13 até ao excerto 11.35.24 e no qual se comprova que o depoimento da única testemunha ouvida em julgamento é genérico, mais parecendo um verdadeiro depoimento de parte sem que tivesse a testemunha conseguido concretizar se em relação ao Autor as coisas se passavam como se haviam passando em relação a si mesma.
13 - Não se podendo olvidar o facto de no início da audiência a própria testemunha ter declarado que fora Autor numa acção em tudo semelhante àquela em que veio depor, o que tende a revelar a parcialidade do seu depoimento. Por isso, nunca poderia o Tribunal a quo ter dado como provado que o Autor não recebeu os subsídios a que alega ter direito, ou que nunca faltou sem conhecimento e autorização da Ré, ou que aquele nunca gozou dias de descanso semanal ou se, a cada 21 dias, trabalhava 16 horas em cada período de 24! Tanto mais que o próprio Autor ora afirma que não teve nenhum descanso semanal ora afirma que nunca deu qualquer falta injustificada (quesito 2).
14 - Afirma o Autor ao longo do seu articulado que gozou de períodos de ausência ao trabalho (Cfr. arti. 12º da PI) para a testemunha vir depois dizer que o mesmo trabalhou continuamente (Cfr. gravação em 22.11.2016 no CD 1, excerto 10.34.17 até 11.07 a 11.27). Contudo, parece insuficiente admitir que a procedência do pedido do Autor seja feita com base num único depoimento genérico e ainda mais quando a testemunha afirma que trabalhou apenas 1 ano - em 2003 - com o Autor (Cfr. CD1 excerto 10.07.13, minuto 2:40). Isto quando à Ré se tornou impossível contradizer documentalmente o depoimento da testemunha porquanto a presente demanda só se iniciou volvidos 13 anos sobre o termo da relação laboral, não estando a mesma portanto obrigada a manter nos seus arquivos a documentação atinente a todos os seus trabalhadores e não dispondo da mesma.
15 - Mas ainda que improceda o recurso na parte respeitante à impugnação da decisão que dirimiu a matéria de facto, urge ainda questionar se o Autor teria direito a receber todos os créditos que reclama nos termos em que a sentença ora posta em crise os concedeu e a resposta só pode ser em sentido negativo, pois no que diz respeito ao subsídio de alimentação e ao subsídio de efectividade o Douto Tribunal a quo condenou ora Recorrente a pagar ao Autor a quantia de MOP$17.540,00 a título de subsídio de alimentação e a quantia de MOP$28.500,00 a título de subsídio de efectividade tendo dado como provado os supra transcritos quesitos 5º, 6º, 9º, 11º e 18º.
16 - Numa situação como à dos autos em que à data da contratação do Autor estava em vigor o Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro - o qual regia a contratação de trabalhadores não residentes - o Venerando Tribunal de Segunda Instância pronunciou-se do seguinte modo: «Tendo sido celebrado um contrato de prestação de serviços entre a Ré e a Sociedade […] Lda., em que se estipula, entre outros, o mínimo das condições remuneratórias a favor dos trabalhadores que venham a ser recrutados por essa sociedade e afectados ao serviço da Ré, estamos em face de um contrato a favor de terceiro, pois se trata de um contrato em que a Ré (empregadora do Autor e promitente da prestação) garante perante a Sociedade […] Lda. (promissória) o mínimo das condições remuneratórios a favor dos trabalhadores estranhos ao contrato (beneficiários).»
17 - Ou seja, o contrato de prestação de serviços funciona como uma garantia do mínimo das condições remuneratórias a cumprir por parte da entidade promitente ou empregadora, sendo portanto de analisar se aquando do início da relação laboral os trabalhadores ficaram individualmente prejudicados face ao resultado que teriam se a entidade empregadora cumprisse apenas com aqueles mínimos das condições remuneratórias. Se o ora Recorrente se tivesse limitado a cumprir com os mínimos a que se obrigou, o Autor teria auferido um salário idêntico ao nível médio dos salários praticados para desempenho equivalente, num mínimo de $100.00 patacas diárias, acrescida de $20,00 patacas diárias por pessoa a título de subsídio de alimentação, ou seja, MOP$3,600.00 mensais, ao qual poderia acrescer um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço. Mas a verdade é que o Autor, por força do contrato de trabalho que celebrou com a ora Ré, auferiu mensalmente o valor de MOP$7.800.00, ou seja, mais do dobro dos aludidos montantes, ficando assim devidamente cumpridas e verificadas as condições remuneratórias mínimas previstas no contrato de prestação de serviços.
18 - Assim, salvo devido respeito por melhor opinião, tendo no caso concreto a ora Ré efectivamente proporcionado ao Autor uma remuneração muito superior àquela a que se comprometeu por força do contrato a que alude a alínea B) dos factos assentes, não se vislumbra em que medida se possa ter o referido contrato de prestação de serviços por violado e nem em que medida possa o Autor considerar-se prejudicado donde nunca poderia proceder os pedidos formulados pelo Autor a titulo de subsídio de alimentação e de efectividade.
19 - Mas ainda que assim não se entenda sempre se diga que, o pedido formulado a título de subsídio de alimentação não poderia proceder, isto porque entendeu o douto Tribunal a quo que o Autor teria direito a receber MOP20 por 877 dias de trabalho que mediaram entre o dia 25 de Fevereiro de 2001 e 21 de Julho de 2003, contudo não se comprovou que entre estas datas o Autor tenha trabalhado 877 dias. O que se provou foi que durante o período em que o Autor prestou trabalho nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte da Ré resultando assim assumido pelo Autor que teve períodos de “dispensa ao trabalho remunerados e/ou não remunerados e autorizados pela Ré”. Perguntando-se então quantos dias o Autor faltou ao trabalho com conhecimento e autorização da Ré? É que a parca matéria fáctica alegada pelo Autor não pode conduzir, sem mais, à procedência do pedido. E tendo ainda resultado apurado que o Autor teve 24 dias de férias anuais, que deu faltas ao serviço e que pediu dias de dispensa com autorização da Ré mas não se comprova (nem tão pouco foi alegado) quais são esses dias.
20 - E se não foram alegados esses dias, e sendo os subsídios de alimentação e de efectividade atribuídos em função da efectiva prestação de trabalho, como poderá o Tribunal determinar quais os dias em que o Autor trabalhou e quais efectivamente os dias em que o Autor tem direito a tais subsídios? Pelo que não parece que não estaria o Tribunal a quo em condições de determinar quais os dias relativos aos quais o Autor tem direito ao subsídio de alimentação, pois, o subsídio de alimentação, conforme tem vindo a ser entendimento unânime da doutrina e jurisprudência, trata-se de um acréscimo salarial que pressupõe necessariamente a prestação efectiva de trabalho por parte do seu beneficiário tal como doutamente defendido por esse Venerando Tribunal de Segunda Instância em diversos arestos dos quais se destaca o proferido em 13.04.2014 no processo 414/2012.
21 - Pelo que para que houvesse condenação da Ré, ora Recorrente, no pagamento desta compensação, deveria o Autor ter alegado e provado quantos foram os dias de trabalho efectivamente por si prestados que não sucedeu, estando, aliás, a decisão em contradição com a factualidade provada (Cfr. resposta ao quesito 6º) pelo que, salvo devido respeito por melhor opinião, não tendo sido alegados nem provados os factos essenciais de que depende a atribuição do mencionado subsídio de alimentação, ou seja, a prestação efectiva de trabalho, não poderia o douto Tribunal ter condenado a Recorrente nos termos em o fez, padecendo assim a douto sentença nesta parte do vício de erro de julgamento da matéria de facto e na aplicação do Direito, devendo consequentemente ser revogada e substituída por outra que absolva a Recorrente do pagamento de compensação a título de subsidio de alimentação.
22 - Quanto ao subsídio de efectividade veio a apurar-se que o mesmo fazia parte do contrato de prestação de serviços 5/96 e ainda que o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte da Ré, também por definição e conforme resulta do aludido contrato de prestação de serviços, o subsídio de efectividade visa premiar a efectiva prestação do trabalho, sendo que nos presentes autos não foi feita qualquer prova relativamente à assiduidade do Autor, não se tendo apurado quantos dias de trabalho efectivo ele prestou e nem quantas vezes faltou ao serviço, pelo contrário, resulta dos autos (e da matéria de facto provada) que o Autor deu faltas ao serviço, ainda que justificadas, não tendo porém sido tais faltas quantificadas, nem se determinando quando foram dadas. E por isso, se questiona como foi possível ao Tribunal a quo fixar os dias que fixou para cálculo das compensações se não sabe quantos foram os dias de faltas justificadas? Não estava o Tribunal a quo em condições de concluir que em cada um dos meses em que durou a relação laboral o Recorrido não deu faltas ao serviço por forma a concluir que tinha o mesmo direito a perceber um subsidio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias.
23 - Mais uma vez deixou a decisão recorrida escapar que o próprio Autor alega não ter trabalhado todos os dias, sendo insuficiente a matéria de facto apurada nos presentes autos que permita ao Tribunal a quo sustentar a condenação da Recorrente a pagar ao Recorrido qualquer montante a título de subsídio de efectividade. Devendo assim ser revogada e substituída por outra que absolva a Recorrente do peticionado, ou caso assim não se entenda, o que apenas por mera cautela de patrocínio se poderá conceder, que tão somente condene a Recorrente a pagar ao Recorrido a compensação a título de subsídio de efectividade e de subsídio de alimentação que se venham a liquidar em sede de execução de sentença, nos termos do preceituado no nº 2 do artigo 564º do CPC.
24 - Quanto à compensação do trabalho prestado em dia de descanso semanal e com relevo para a apreciação de tais pedidos deu o Tribunal a quo por provado o constante nos quesitos 12º, 13º, 14º e 15º, contudo se questiona como é que tendo resultado que o recorrido foi expressamente dispensado do trabalho (com ou sem remuneração) e que teve faltas justificadas, como pode o Tribunal entender decidir o nº de dias devidos e não gozados pelo Recorridos a que se faz alusão a fls. 320 e 321 da sentença?
25 - Estando provadas as dispensas para o trabalho remuneradas e os 24 dias de férias anuais, tal como referido pelo Meritíssimo Juiz a quo no relatório da resposta à matéria de facto, sem que a testemunha conseguisse determinar em que dias o Autor gozou tais dias de férias anuais (Cfr. agravação CD1 - excerto 10.34.17 a 24:19 minutos e excerto 11.33.48 a partir dos 00:45 minutos e excerto 11.34.58 a partir das 00:11 e excerto 11:35:24 a partir das 00:19 minutos) nunca poderia o Tribunal ter condenado a Recorrente ao pagamento da quantia de MOP$ 23.500,00 + MOP$ 23.500,00 (descansos compensatórios) sem que se provasse o número de dias concretos que o Autor deixou de gozar o seu descanso semanal, pelo que com todo o respeito se afirma que se verifica assim uma errada aplicação do Direito e erro no julgamento da matéria de facto por parte do Tribunal a quo na condenação da recorrente nas quantias peticionadas a título de trabalho prestado em dia de descanso semanal e em dias feriados, em violação do princípio do dispositivo consagrado no art. 5º do CPC e bem assim o disposto nos artigos 17º e 19º do DL 24/89/M, devendo assim a sentença ser revogada e substituída por outra que absolva a Recorrente do peticionado, ou caso assim não se entenda, o que apenas por mera cautela de patrocínio se poderá conceder, que tão-somente condene a Recorrente a pagar ao Recorrido a compensação a título de trabalho prestado em dia de descanso semanal que se venham a liquidar em sede de execução de sentença, nos termos do preceituado no nº 2 do artigo 564º do CPC.
26 - Já quanto à comparticipação nos custos de alojamento baseou a sentença recorrida da condenação da Recorrente neste ponto determinando que: “Cremos que, à falta de qualquer outra justificação que se mostra indevido o desconto de forma automática da quantia de HK$750,00 por cada mês, atenta, desde logo, a obrigação assumida de disponibilizar aquando da contratação de alojamento gratuito (cfr. facto provado 8, pelo que terá de devolver a quantia de MOP$ 21.375,00 a titulo de devolução da “comparticipação no alojamento” (Mop$750.00 x 28,5 meses).” No entanto, não foi alegado pelo Autor, ora Recorrido, que foi a Recorrente quem garantiu o alojamento gratuito em Macau. Isto porque os factos constitutivos do direito, depois de subsumidos, permitem concluir pelo pedido alegado que existe uma outra entidade responsável pelo recrutamento, ou seja uma agência de recrutamento, o qual não pode ser olvidado pelo Digno Tribunal a quo, entidade que nada tem a ver com a Ré e estes factos, não estão também suficientemente alegados para permitir uma condenação pelo Tribunal.
27 - Por outro lado, não violou a Recorrente o preceituado no artigo 9º do Despacho 12/GM/88 nem tão pouco a alínea a) e b) do artigo 9º do Decreto-lei 24/89/M porquanto não resultou dos autos que a Recorrente não tenha fornecido alojamento ao Autor, nem que tivesse obrigado o Autor a adquirir ou utilizar quaisquer bens ou serviços por si fornecido, aquilo que foi apurado é que a Ré procedeu a uma dedução do salário do Autor a título de comparticipação nos custos de alojamento, não decorrendo da Lei que a entidade patronal esteja obrigada a arcar com as despesas de água, luz, gás, limpeza e manutenção dos alojamentos que fornece,
28 - E que a dedução no salário do Autor era operada de forma automática e independentemente de o trabalhador (leia-se Autor) residir ou não na habitação que lhe era pela Ré e/ou agência de emprego... mas afinal, neste caso concreto, o Autor deixou de residir em tal habitação que tinha sido fornecida pela Recorrente? Tal questão ficou sem resposta. Já que sendo obrigação da entidade patronal garantir alojamento - mas já não proceder ao pagamento das despesas com água, luz, gás, limpeza e manutenção dos alojamentos que fornece - e não se tendo provado em concreto se o Autor residiu fora do alojamento que lhe foi fornecido pela Ré e que mesmo assim esta continuou a descontar a aludida quantia, o Tribunal a quo não poderia senão absolver a Recorrente do pedido.
29 - Pelo que também aqui não poderá proceder o pedido do Recorrido, verificando-se assim uma errada aplicação do Direito e erro no julgamento da matéria de facto por parte do Tribunal a quo na condenação da recorrente nas quantias aqui peticionadas, violando assim o princípio do dispositivo consagrado no art. 5º do CPC e bem assim o disposto nos artigos 17º e 19º do DL 24/89/M. Devendo assim a sentença ser revogada e substituída por outra que absolva a Recorrente do peticionado, ou caso assim não se entenda, o que apenas por mera cautela de patrocínio se poderá conceder, que tão-somente condene a Recorrente a pagar ao Recorrido a compensação a título de comparticipação dos custos de alojamento que se venham a liquidar em sede de execução de sentença, nos termos do preceituado no nº 2 do artigo 564º do CPC.
30 - No que diz respeito à reclamação das compensações pelo trabalho efectuado em regime de turno e trabalho extraordinário à semelhança do ocorrido com o subsídio de alimentação o Recorrente limitou-se a invocar factos genéricos, já que nem o Recorrido alega especificadamente quais os factos que permitam concluir que tenha direito a pedir qualquer tipo de compensação a esse título, nem a própria testemunha. Todo o testemunho é genérico e indirecto pois até declara que apenas trabalhou com o Recorrido no ano de 2003 e nem o recorrido nem a testemunha concretizam datas, dias de trabalho efectivamente prestado, quando é que tais turnos coincidiam e quais os dias, e se ficou provado que o Recorrido dava faltas ao serviço (ainda que justificadas) ou pedia dispensas, como pode o Tribunal determinar com certeza quais os dias em que o Autor estava de turno? Ou ainda se eram ou não despendidas horas extraordinárias? Motivo pelo qual também aqui com todo o respeito se afirma que o Tribunal andou mal ao condenar a Recorrente, em violação do art. 5º do CPC e do art. 10º do DL 24/89/M.
31 - Mas mais se saliente um facto importante que o Tribunal deveria ter tido também em consideração, já que se reporta à relação laboral, in totum, que são as férias anuais gozadas pelo Autor, já que o Tribunal para o cômputo de todas as compensações devidas pelos créditos reclamados pelo Recorrido tem que ter em conta todos os dias de trabalho bem como todos os dias de férias, feriados e descansos gozados para efectivamente proceder ao cálculo das mesmas. Ora, não tendo sido alegado pelo Recorrido mas tendo sido dito pela testemunha que os guardas Nepaleses tinham direito a 24 dias de férias anuais e não se sabendo quando, em cada ano, o Autor, ora Recorrido, gozou as férias anuais, porque a testemunha não logrou concretizar em audiência (Cfr. CD 1 - Excerto 11.35.24 do minuto 00:19 ao 00:37), pergunta-se mais uma vez como pode o Tribunal a quo, estabelecer com toda a certeza os dias para cômputo das compensações relativas aos feridos obrigatórios e descansos semanais, subsídio de efectividade, subsídio de alimentação e trabalho extraordinário nos turnos?
32 - Face a esta falta de previsão por parte do Digno Tribunal no apuramento das compensações a atribuir ao Recorrido entende a Recorrente, sempre com todo o respeito, que padece a douta decisão dos vícios de erro de julgamento da matéria de facto e erro na aplicação do direito devendo assim a sentença ser revogada e substituída por outra que absolva a Recorrente do peticionado, ou caso assim não se entenda, o que apenas por mera cautela de patrocínio se poderá conceder, que tão-somente condene a Recorrente a pagar ao Recorrido a compensação a título de trabalho extraordinário que se venham a liquidar em sede de execução de sentença, nos termos do preceituado no nº 2 do artigo 564º do CPC.
33 - Entendeu o Tribunal a quo que tendo em conta o ponto 3.3 do Contrato de prestação de Serviços 5/96 teria o Autor direito a perceber as bonificações ou remunerações adicionais incluindo gorjetas pagas aos operários residentes a liquidar em execução de sentença podendo ainda ler-se na decisão recorrida que,
“Resulta do ponto 3.3. do Contrato de Prestação de Serviço nº 5/98 que “ (…) decorridos os primeiros 30 dias de prestação de trabalho por parte do trabalhador (leia-se o Autor) este terá direito, para além da remuneração supra referida às bonificações ou remunerações adicionais que a 1ª Outorgante (leia-se a primeira Ré) paga aos operários residentes no território” (sublinhado e destacado nossos), resultando ainda da sentença que: Entre 25/02/2001 e 21/07/2003 a Ré nunca pagou ao Autor quaisquer bonificações ou remunerações adicionais, incluindo gorjetas que pagou a todos os demais trabalhadores residentes, incluindo guardas de segurança (9º) ”
34 - Com o devido respeito entende a Recorrente que o Tribunal a quo interpretou mal a aludida cláusula no que ao pagamento das gorjetas diz respeito, pois resulta claramente da supra transcrita cláusula que os trabalhadores não residentes teriam direito às bonificações ou remunerações adicionais PAGAS pela Recorrente aos operários residentes havendo que distinguir o que sejam as gratificações pagas pela entidade patronal do que sejam as gratificações pagas por terceiros, cumprindo não confundir o que seja o seu pagamento e a sua distribuição. E as gratificações pagas pela entidade patronal, tem carácter de recompensa, visando premiar e incentivar o trabalhador face ao seu bom desempenho competindo a cada empresa, determinar as condições de atribuição de tais gratificações, tais como a assiduidade, a angariação de clientes, o resultado atingido na prestação do seu trabalho, etc., não sendo as mesmas atribuída caso não se verifiquem tais requisitos.
35 - No caso ficou por comprovar (e até mesmo por alegar) quais foram as bonificações ou remunerações adicionais que a Recorrente pagou aos trabalhadores residentes. Mas uma coisa é certa... nessas bonificações ou remunerações adicionais não será de incluir as gorjetas porque não são as mesmas pagas pela aqui Recorrente, mas sim pelos seus Clientes. E a verdade, é que não tinha a Recorrente nenhum dever de pagar ao Autor nenhuma gorjeta, tal como não existia esse dever para com nenhum dos seus trabalhadores residentes pois ao contrário do que o Autor pretendeu transparecer e veio a ser erradamente admitido pelo Tribunal, as gorjetas não correspondem a uma prestação do empregador mas sim de um terceiro e como tal não estão abrangidas pela sobredita cláusula salientando-se que a nova lei das relações de trabalho (Lei 7/2008) enquadra as gorjetas no conceito de “remuneração variável” (cfr. artigo 2º alínea 5) e não como remuneração de base o que reforça o argumento que a sua distribuição não constitui uma verdadeira obrigação para a entidade patronal e mais se relevando que em audiência a testemunha quanto a este ponto se baseou apenas no contrato de prestação de serviço, tendo sido muito parco na resposta. Por isso, nunca poderia o Tribunal ter condenado a Recorrente ao pagamento das bonificações ou remunerações adicionais, incluindo gorjetas, por falta de preenchimento do requisito para tal, pelo que não poderá a Recorrente senão ser absolvida do sobredito pedido.
36 - Face a todo o acima exposto se concluiu também que a decisão em crise padece do vício de falta de fundamentação decorrente da violação do ónus da alegação por parte do Recorrido, isto porque a decisão em crise mantém na íntegra as conclusões incoerentes feitas na petição inicial, mantendo por responder a questões/vícios que a seguir se enumeram: (i) ter o Autor trabalhado todos os dias da semana, embora reconheça ter faltado algumas vezes com autorização prévia da 1ª Ré; (ii) Quantos foram esses dias de faltas justificadas e quando foram gozados os 24 dias de férias anuais? (iii) Deverá ser atendida a “média” de 30 dias por ano de faltas autorizadas, como o autor concede na nota 1 ao art.º 22º da petição inicial? Que factos suportam esta conclusão?
37 - Com todo o devido respeito, as incoerências e violação do ónus de alegação por parte do recorrido só poderia, em nossa modesta opinião, ser resolvida pelo Tribunal de Primeira Instância de uma de duas formas: Ou dava a oportunidade ao Autor para aperfeiçoar a petição inicial, apresentando nova peça consistente e coerente que permitissem uma decisão clara e esclarecida: ou dava por provado apenas e tão só os factos que se encontram efectivamente provados e suficientemente alegados. O que o Tribunal a quo não podia fazer foi o que fez, ou seja, factualizar as conclusões do Autor (não suportadas em factos) e os factos incoerentes e contraditórios que se mantêm na íntegra. Esta decisão, por essa razão, padece também de vício de falta de fundamentação decorrente do ónus da violação do ónus de alegação por parte do Recorrido, sendo, por isso, nula.
Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente Recurso e, em conformidade,
deverá ser declarada nula a sentença recorrida nos termos nos termos do disposto no artigo 571º, n.º 1 al. b), ex vi do artigo 43º do CPT, com as demais consequências legais.
Sem prescindir, e caso assim não se entenda, deverá ser revogada a sentença recorrida nos termos supra explanados, com as demais consequências da lei,
Termos em que farão V. Exas. a costumada JUSTIÇA!”
*
O autor da acção respondeu a este 2º recurso, formulando as seguintes conclusões:
“1. Contrariamente ao alegado pela Recorrente, não se vislumbra da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento um qualquer erro ou vício quanto à decisão da matéria de facto posta em crise;
2. Pelo contrário, o Tribunal a quo apreciou e conheceu com detalhe o fundo da causa, enquadrando devidamente os factos no Direito aplicável e em conformidade com a prova produzida, tendo formado a sua convicção ao abrigo dos seus poderes de livre apreciação e mediante uma análise séria, crítica e descomprometida das provas carreadas e/ou produzidas em sede de audiência de julgamento e com desenvolvida especificação das razões e dos fundamentos convincentes da mesma convicção e sem que exista nos autos um qualquer outro meio de prova de igualou de superior valor que possa pôr em causa a sua credibilidade, certeza ou justeza, razão pela qual deve a douta Decisão manter-se (sem prejuízo do alegado pelo ora Recorrido em sede das suas Alegações de Recurso);
3. Ainda que tenha optado por não apresentar ou trazer a juízo uma qualquer prova documental ou testemunhal que pudesse contradizer e/ ou contrariar quer o alegado pelo Autor, a Recorrente insurge-se contra o testemunho prestado em sede de audiência, porquanto a testemunha ouvida já havia sido “Autor numa acção em tudo semelhante àquela em que veio depor (...) ” o que faz com que pareça “um verdadeiro depoimento de parte”;
4. Acontece, porém, que a leitura das passagens da gravação transcritas pela Recorrente - bem como a audição completa e contínua do teor das declarações prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento - apenas confirma que a testemunha inquirida revelou seriedade e não comprometimento, bem como um conhecimento directo dos factos sobre os quais foi chamada a depor - e relativamente aos quais a Recorrente teve suficiente oportunidade para pedir todos os esclarecimentos que entendeu convenientes e/ou necessários;
Em concreto,
5. A Recorrente impugna a decisão de TODA a matéria de facto por entender que “da prova produzida em sede de julgamento nunca poderiam os referidos quesitos terem sido provados”;
6. Porém, ao longo das suas (longas) Alegações de Recurso (repetidas, aliás, quase na íntegra nas suas Conclusões) a Recorrente mais não faz do que apresentar a sua directa - mas infundada - discordância quanto à apreciação e decisão da matéria de facto levada a cabo pelo Tribunal a quo, mas sem nada adiantar de concreto quanto às razões da mesma discordância, refugiando-se em argumentos de ordem geral, por vezes descontextualizados, em puro desrespeito ao Princípio da livre apreciação da prova;
7. Ademais, não obstante a Recorrente transcrever (grande parte) do depoimento prestado pela testemunha ouvida em juízo, fá-lo muitas vezes sem especificar a propósito de cada um dos concretos fados por si postos em crise em que medida se impunha uma resposta diferente da que foi dada pelo Tribunal a quo e, como tal, não deu integral cumprimento ao “especial ónus de alegação” que resulta do disposto no art. do 599.º do CPC, razão pela qual deve improceder o Recurso nesta parte;
Mas ainda que assim não se entenda,
8. Esforça-se a Recorrente por convencer que ao longo da relação de trabalho que manteve com o Recorrido (e demais trabalhadores não residentes) sempre cumpriu com os mínimos das condições remuneratórias constantes dos Contratos de Prestação de Serviço, por confronto entre os valores mínimos prometidos e os valores salariais mensalmente auferidos pelo Recorrido (e demais trabalhadores não residentes);
9. Porém, o Contrato de Prestação de Serviço apenas estipula o mínimo das condições remuneratórias a favor dos trabalhadores que venham a ser recrutados ao seu abrigo, sendo que, in casu, tais condições remuneratórias foram definidas da seguinte forma: um mínimo de $100,00 patacas diárias, acrescida de $20,00 patacas diárias por pessoa, a título de subsídio de alimentação, (...) de bonificações ou remunerações adicionais (...) de um subsídio mensal de efectividade;
10. De onde, contrariamente ao alegado, o facto de a Recorrente ter pago ao Autor, a título de salário diário, uma quantia que se mostra superior ao mínimo diário constante do Contrato de Prestação de Serviços, em caso algum faz com que a mesma deixe de estar obrigada a pagar as demais quantias (remuneratórias ou não) que igualmente se obrigou a pagar ao ora Recorrido (e aos demais trabalhadores não residentes), vista a diferente natureza e os concretos fins a que cada uma das prestações se destina e que em caso algum se confundem;
Depois,
11. Em momento nenhum anterior nos presentes autos a Recorrente terá impugnado ou sequer feito prova contrária dos dias de trabalho (ou de não trabalho) que o Autor alegou ter prestado, razão pela qual é estranho que o venha a fazer em sede de Alegações de Recurso;
12. Ora, salvo melhor entendimento, a alegação de que a atribuição do subsídio de alimentação constante do Contrato de Prestação de Serviços só é devido quando o trabalhador presta serviço efectivo configura matéria de excepção que há muito deveria ter sido alegada pela Ré, Recorrente, maxime em sede de Contestação, pelo que não o pode vir fazer agora, porque precludido se mostra o seu direito de impugnação;
13. Veja-se, aliás, que, em concreto, a respeito da atribuição (ou não) do subsídio de alimentação ao Autor, ora Recorrido, a Recorrente limitou-se na sua Contestação a afirmar que: o mesmo foi sempre pago aos seus trabalhadores; que a Ré sempre forneceu refeições diárias aos Autores e a todos os seus colegas, e que todos os casinos dispunham de uma cantina (Cfr. o alegado sob os artigos 114.º a 116.º da Contestação), sendo certo que toda a referida matéria foi julgada como NÃO PROVADA... , e sem que a Ré, Recorrente, por único momento se tivesse esforçado por explicar que concretas condições eram necessárias com vista à atribuição (ou não) ao Recorrido - e aos demais trabalhadores - do referido subsídio de alimentação... ;
14. Contrariamente ao que alegado, não é correcto concluir que resulta da matéria de facto provada que: o Autor deu faltas ao serviço e que pediu dias de dispensa com autorização da Ré mas não se comprova (nem tão pouco foi alegado) quais são esses dias;
15. Do mesmo modo, salvo o devido respeito por diferente entendimento, em caso algum se aceita que um determinado quesito possa ser interpretado à contrário, por forma a se extrair do mesmo o seu sentido contrário;
16. Ora, em concreto, o que resulta da matéria de facto provada é que: Durante o tempo que prestou trabalho, o Autor sempre respeitou os períodos e horários de trabalho fixados e que o Autor nunca deu qualquer falta injustificada ou qualquer falta sem conhecimento e autorização prévia por parte da Ré o que parece muito distinto do alegado pela Ré...
Sem prescindir,
17. Em relação à atribuição ao Recorrido do subsídio de efectividade, apenas se elucida a Recorrente a respeito da interpretação que tem vindo a ser pacificamente seguida pelo Tribunal de Segunda Instância, ao decidir que: “as faltas justificadas não são consideradas como fundamento de exclusão do subsídio em apreço” (Cfr. o Ac. do TSI, Processo n.º 308/2014, de 24/06/2014); ou que: “Em relação ao subsídio de efectividade, vista a sua natureza e fins, não se manifestam as razões que levam a considerar que a sua atribuição esteja excluída numa situação de não assiduidade justificada ao trabalho. Se o patrão autoriza uma falta, seria forçado retirar ao trabalhador uma componente retributiva da sua prestação laboral, não devendo o trabalhador ser penalizado por uma falta em que obteve anuência para tal e pela qual o patrão também assumiu a sua responsabilidade” (Cfr. Ac. do TSI, Processo n.º 815/2016, de 19/01/2017);
18. De onde se retira que, mesmo que se entenda resultar da matéria de facto assente e provada que o Autor “deu faltas ao serviço e que pediu dias de dispensa com autorização da Ré” - conforme vem referido pela Recorrente e que que tão-só e apenas por completude de raciocínio e dever se bom patrocínio se avança e admite - ainda assim se justifica a condenação da Recorrente na quantia reclamada pelo Recorrido a título de subsídio de efectividade, razão pela qual também por aqui a douta Sentença se deve manter e improceder o Recurso apresentado;
19. A respeito do trabalho prestado em dia de descanso semanal, a Recorrente limita-se a manifestar a sua discordância de ordem geral e sem que avance um único elemento documental ou testemunhal que se mostre capaz de abalar a convicção do Tribunal a quo, razão pela qual deve também aqui improceder;
20. Depois, quiçá terá escapado à própria Recorrente que, aquando da formulação do seu pedido relativo ao descanso semanal e ao descanso compensatório, o Autor teve em devida conta os 24 dias que anualmente se ausentava para o Nepal - tendo igualmente os mesmos dias sido efectivamente tornados em conta pelo Tribunal a quo aquando da determinação da quantia devida pela Recorrente ao Recorrido em consequência do trabalho prestado em dia de descanso semanal e descanso compensatório, pelo que em caso algum se verifica qualquer vício na douta Sentença
21. Quanto à comparticipação nos custos de alojamento, está o Recorrido em crer que as questões agora suscitadas pela Recorrente há muito o deviam ter sido feitas, por forma a poderem ter sido objecto de apreciação por parte do Tribunal a quo, razão pela qual se precludido se encontra o direito da Recorrente, não podendo as mesmas vir agora a ser levadas em conta, porquanto está vedada a sua apreciação pelo Tribunal de Recurso;
22. Certo é que, a tal respeito, a Recorrente olvida por completo o que resulta do Relatório de resposta à matéria de facto, onde se sublinha que a referida quantia era cobrada “mesmo que os trabalhadores optassem por residir fora das residências fornecidas pela Ré”, razão pela qual se torna completamente irrelevante a dúvida ou pertinência tão-só agora suscitada pela Recorrente...!
23. Acresce que, em matéria de feriados o “atrevimento” ou “distracção” da Recorrente vai ao ponto de a mesma afirmar existir um erro de julgamento da matéria de facto e erro na aplicação de direito, porquanto “ (...) não se sabendo quando, em cada ano, o Autor, ora Recorrido, gozou férias anuais, porque a testemunha não logrou concretizar em audiência, pergunta-se mais uma vez como pode o Tribunal a quo, estabelecer com toda a certeza os dias para cômputo das compensações relativas aos feriados obrigatórios (...) ” ignorando por completo que, a respeito dos feriados obrigatórios, ter sido expressamente decidido pelo Tribunal a quo que: “a resposta restritiva decorre da circunstância de a testemunha ter explicado que o Autor (à sua semelhança) gozava de 24 dias de férias anuais, não tendo, no entanto, conseguido concretizar exactamente em que período tal sucedia, razão porque não houve prova suficiente dos dias de feriado obrigatório em que o Autor prestou trabalho”;
24. Ou seja, salvo melhor opinião, a Recorrente parece insurgir-se mesmo quando o Tribunal a quo decide em igual sentido àquele que a mesma se insurge...
25. Constituirá certamente uma discussão interessante a de saber se à luz da Nova Lei das Relações de Trabalho - na qual as “gorjetas” foram enquadradas no conceito de “remuneração variável” - se tendo as mesmas (gorjetas) sido contratualmente fixadas serão ou não devidas por ainda assim constituírem urna “verdadeira obrigação para a entidade patronal”;
26. Porém, porquanto se trata de uma pertinência que ultrapassa certamente o âmbito da concreta legislação a aplicar nos presentes autos, a sua discussão terá de ficar a aguardar para outra e quiçá melhor oportunidade...
Termos em que devem ser aceites as presentes Alegações de Reposta e julgado improcedente o Recurso apresentado pela Recorrente, assim se fazendo a costumada Justiça.”
*
Cumpre decidir.
***
II – Os Factos
A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
«1) Entre 1 de Agosto de 1998 e 21 de Julho de 2003, o Autor esteve ao serviço da 1ª Ré, prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente (cfr. doc. 1). (A)
2) Conforme informação prestada pelo Gabinete para os Recursos Humanos da RAEM (GRH), o Autor exerceu a sua prestação de trabalho para a 1.ª Ré ao abrigo de um Contrato de Prestação de Serviços celebrado entre a 1.ª Ré e a Sociedade E - Serviço de Apoio e Gestão Empresarial Cia, Lda. (B)
3) Durante o tempo que prestou trabalho, o Autor prestou trabalho nos locais (postos de trabalho) indicados pela 1ª Ré. (C)
4) Durante o período que prestou trabalho, a 1ª Ré pagou ao Autor a quantia de Mop$7,800.00, a título de salário de base mensal (cfr. doc. de fls. 28). (D)
5) Durante o tempo que prestou trabalho, o Autor sempre respeitou os períodos e horários de trabalho fixados pela 1ª Ré. (1.º)
6) Durante o tempo que prestou trabalho para a 1ª Ré, O Autor nunca deu qualquer falta injustificada. (2.º)
7) Para um período de trabalho de 8 horas de trabalho por dia e de 6 dias por semana. (3.º)
8) Aquando do recrutamento do Autor no Nepal foi garantido ao Autor que teria direito a alimentação e alojamento gratuitos em Macau. (4.º)
9) Resulta do ponto 3.1. do Contrato de Prestação de Serviços n.º 5/96, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) a quantia de “ (…) $20,00 patacas diárias por pessoa, a título de subsídio de alimentação”. (5.º)
10) Entre 01/08/1998 e 21/07/2003, a 1ª Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação ou nunca entregou ao Autor qualquer tipo de alimentos e/ou géneros. (6.º)
11) Resulta do ponto 3.3. do Contrato de Prestação de Serviços n.º 5/96, que “ (…) decorridos os primeiros 30 dias de prestação de trabalho por parte do trabalhador (leia-se o Autor), este terá direito, para além da remuneração supra referida, às bonificações ou remunerações adicionais que a 1.º outorgante (leia-se, as Rés) paga aos operários residentes no Território”. (7.º)
12) Entre 01/08/1998 e 21/07/2003, a 1ª Ré nunca pagou ao Autor quaisquer bonificações ou remunerações adicionais incluindo-se as gorjetas que pagou a todos os demais trabalhadores residentes, incluindo guardas de segurança. (8.º)
13) Resulta do ponto 3.4. do Contrato de Prestação de Serviços n.º 5/96, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) “ (…) um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço”. (9.º)
14) Durante todo o período da relação laboral, o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho, sem conhecimento e autorização prévia por parte da 1ª Ré. (10.º)
15) Entre 01/08/1998 e 21/07/2003, a 1ª Ré nunca atribuiu ao Autor uma qualquer quantia a título de subsídio mensal de efectividade. (11.º)
16) Entre 01/08/1998 e 31/12/2002, a 1ª Ré nunca fixou ao Autor, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição. (12.º)
17) A 1.º Ré nunca concedeu ao Autor um período de descanso consecutivo de quatro dias por cada conjunto de quatro semanas ou fracção, sem prejuízo da correspondente retribuição. (13.º)
18) A 1.º Ré nunca fixou ao Autor um outro dia de descanso compensatório em consequência do trabalho prestado em dia de descanso semanal. (14.º)
19) A 1ª Ré nunca atribuiu ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal. (15.º)
20) Entre 01/08/1998 e 21/07/2003 o Autor prestou a sua actividade durante feriados obrigatórios. (16.º)
21) Durante o referido período de tempo, a 1ª Ré nunca atribuiu ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado nos referidos dias de feriado obrigatórios. (17.º)
22) Durante todo o período em que o Autor prestou trabalho para a 1ª Ré, a 1ª Ré procedeu ao desconto da quantia de HKD$750,00.00 sobre o salário mensal do Autor, a título de “comparticipação nos custos de alojamento”. (18.º)
23) O desconto no salário do Autor era operada de forma automática, e independentemente de o trabalhador (leia-se, do Autor) residir ou não na habitação que lhe era providenciada pela 1ª Ré. (18.º-B)
24) Mesmo que o trabalhador (leia-se, do Autor) optasse por residir fora da residência que lhe era destinada pela 1ª Ré, sempre lhe seria descontado a quantia de HK$750,00 por cada mês. (18.º-C)
25) Em cada residência residiam cerca de 8 trabalhadores (guardas de segurança de origem nepalesa), cada um dos quais “pagava” à 1ª Ré a quantia de HK$750,00. (18.º-D)
26) Era expressamente proibido ao Autor (e aos demais trabalhadores de origem nepalesa que com ele residia) receber quaisquer visitas e/ou familiares no referido apartamento. (18.º-F)
27) Sendo, igualmente, expressamente vedado a entrada de quaisquer pessoas de sexo feminino em qualquer dos alojamentos “providenciados” pela 1ª Ré. (18.º-G)
28) Durante todo o período da relação de trabalho com a 1ª Ré, O Autor prestou a sua actividade num regime de turnos rotativos. (19.º)
29) Durante todo o período da relação de trabalho, o Autor exerceu a sua actividade para a 1.ª Ré (B) num regime de 3 turnos rotativos de 8 horas por dia:
Turno A: (das 08h às 16h)
Turno B: (das 16h às 00h)
Turno C: (das 00h às 08h) (20.º)
30) A 1ª Ré nunca pagou ao Autor uma qualquer quantia (em singelo e/ou adicional) pelo trabalho prestado pelo Autor durante os dois períodos de 8 horas cada prestado num período de 24 horas, em cada ciclo de 21 dias de trabalho contínuo e consecutivo. (21.º)
31) Por ordem da 1ª Ré, O Autor estava obrigado a comparecer no seu local de trabalho devidamente uniformizado com, pelo menos, 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno. (22.º)
32) O Autor sempre compareceu no início de cada turno com a antecedência de, pelo menos, 30 minutos. (23.º)
33) Período durante o qual o Autor estava sujeito às ordens e instruções da 1ª Ré. (24.º)
34) A 1ª Ré nunca atribuiu ao Autor uma qualquer quantia salarial pelo período de 30 minutos que antecediam o início de cada turno e relativamente ao qual o Autor permaneceu sob as ordens e as instruções da 1ª Ré. (25.º)»
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III – O Direito
A – Do 1º recurso (do autor da acção)
1 – Do descanso semanal
A sentença contemplou o autor com a indemnização no valor de MOP$ 47.000,00, a título de descanso semanal não gozado. A esta importância, porém, deduziu o valor efectivamente pago ao autor em singelo. E, por isso, achou a indemnização na quantia de MOP$ 23.500,00.
O autor discorda do método de cálculo da indemnização e defende no recurso que a indemnização deveria ser realmente de MOP$ 47.000,00, para além do já recebido em singelo.
Tem razão o recorrente.
Ora, sobre este assunto, tem este TSI vindo a decidir de forma insistente (v.g., ver os Acs. TSI de 15/05/2014, Proc. nº 61/2014, de 15/05/2014, Proc. nº 89/2014, de 29/05/2014, Proc. nº 627/2014; 29/01/2015, Proc. nº 713/2014; 4/02/2015, Proc. nº 956/2015; de 8/06/2016, Proc. nº 301/2016; Ac. do TSI, de 1/06/2017, Proc. nº 307/2017) que a fórmula utilizada pelo TJB não é correcta.
Com efeito, no que a este assunto concerne, vale o disposto no art. 17º, nºs 1, 4 e 6, al. a), do DL nº 24/89/M.
Nº1: Tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”).
Nº4: Mas, se trabalhar nesse dia, fica com direito a gozar outro dia de descanso compensatório e, ainda,
Nº 6: Receberá em dobro da retribuição normal o serviço que prestar em dia de descanso semanal.
Portanto, como o trabalhador trabalhou o dia de descanso semanal terá direito ao dobro do que receberia, mesmo sem trabalhar (n.º 6, al. a)).
Como remunerar, então, este dia de trabalho prestado em dia que seria de descanso semanal?
Ora bem. Numa 1ª perspectiva, se o empregador pagou o valor devido (pagou o dia de descanso que sempre teria que ser pago), falta pagar o trabalho prestado. E como o prestado é pago em dobro, tem o empregador que pagar duas vezes a “retribuição normal” (o diploma não diz o que seja retribuição normal, mas entende-se que se refira ao valor remuneratório correspondente a cada dia de descanso, que por sua vez corresponde a um trinta avos do salário mensal).
Numa 2ª perspectiva, se se entender que o empregador pagou um dia de salário pelo serviço prestado, continuam em falta:
- Um dia de salário (por conta do dobro fixado na lei), e ainda,
- O devido (o valor de cada dia de descanso, que não podia ser descontado, face ao art. 26º, n.º 1);
E, em qualquer caso, sem prejuízo da remuneração correspondente ao dia de “descanso compensatório” a que se refere o art. 17º, nº4 - desde que peticionada, como foi o caso, - quando nele se tenha prestado serviço (neste sentido, v.g., Ac. TSI, de 15/05/2014, Proc. nº 89/2014).
Quanto à remuneração pelo dia de descanso semanal, temos, portanto, que a fórmula a utilizar será AxBx2.
Não faria, aliás, sentido que fosse de outra maneira.
Na verdade, se o trabalhador, mesmo sem prestar serviço nesse dia de descanso (v.g., domingo), sempre já auferiria o correspondente valor (uma vez que a entidade patronal não lho pode descontar), não faria sentido que, indo trabalhar nesse dia apenas passasse a receber em singelo o trabalho efectivamente prestado. Seria injusto que apenas se pagasse ao trabalhador esse dia de serviço, que deveria ser de folga e descanso. Que vantagem teria então o trabalhador por prestar serviço a um domingo, se, além do que já receberia mesmo sem trabalhar, apenas lhe fosse pago o valor do trabalho efectivamente prestado nesse dia de folga como se tratasse de uma dia normal de trabalho?!
Por isso é que o legislador previu que o trabalho efectivamente prestado nesses dias pelo trabalhador, além do valor que já lhes seria devido em qualquer caso, fosse compensado em dobro pelo valor da retribuição normal diária. Quando a lei fala em dobro refere-se, obviamente, à forma de remunerar esse serviço efectivamente prestado nesses dias de descanso, sem atender, claro, ao valor da remuneração a que sempre teria direito correspondente ao dia de descanso.
Significa isto, assim, que a 1ª instância não poderia ter descontado o valor já pago de MOP$ 23.500,00.
Mas, o que verdadeiramente importa aqui asseverar é a fórmula de cálculo, que a sentença não respeitou. Dizemos isto porque, como se verá, por fazer parte do recurso da B, haverá que relegar para execução de sentença a liquidação do valor da indemnização a este título.
*
2 – Dos feriados obrigatórios
A sentença, neste passo, considerou que o autor tinha direito a receber por cada dia de feriado obrigatório não gozado um acréscimo salarial nunca inferior ao dobro, a que haveria que deduzir-se o montante em singelo já pago por cada dia de serviço efectivamente prestado.
Simplesmente, por não se ter apurado quais os dias de feriado obrigatório em que prestou trabalho, relegou a sua liquidação para execução de sentença.
O autor, ora recorrente, insurge-se contra a sentença na parte em que o tribunal decidiu que a prestação do trabalho deveria ser compensada apenas com mais um salário diário por cada dia de feriado não gozado, pois isso viola o disposto no art. 20º, nº1, do DL nº 24/89/M, de 2/04.
Tem razão o recorrente, uma vez mais.
Repare-se no que foi dito, por exemplo, no acórdão proferido no Proc. deste TSI nº 824/2012, em 15/12/2012:
“Esta lei trouxe inovações: introduziu uma indemnização especial, chamemos-lhe assim, que a lei anterior não previa e alargou o leque dos dias feriados remunerados, pois aos previstos na lei anterior, somaram-se agora os três dias do Ano Novo Chinês (cfr. art. 19º, n.3). Portanto, o gozo desses dias é feito, não apenas sem perda de remuneração (já era assim na lei anterior), como ainda deve ser extraordinariamente compensado.
Se o trabalhador prestar serviço nesses dias, diz o diploma, além da remuneração normal, receberá ainda um acréscimo salarial não inferior ao dobro da retribuição normal (art. 20º, n. 1). O que quer dizer “não inferior”? Quer dizer que pode ser igual, mas não descer desse limite. E até pode ser superior, mas nesse caso só o empregador poderá fixar o valor, singularmente ou por acordo com o empregado. O que não pode é o tribunal, arbitrariamente subir acima dessa barreira.
Aqui chegados, de novo pensemos nas duas perspectivas acima avançadas: a de o trabalhador ter sido pago pelo valor do devido e a de ter sido remunerado pelo valor do serviço prestado. É bom que se equacionem estas duas acepções para se ver até que ponto a solução pode diferir.
1ª Perspectiva (pagamento do devido)
O empregador pagou ao trabalhador o valor remuneratório que, pela lei, sempre lhe seria devido (ou seja, pagou a “remuneração correspondente aos feriados…”: art. 19º, n.3, até porque não lhos podia descontar: art.26º, n.1).
Sendo assim, falta pagar ao trabalhador o seguinte: a remuneração do trabalho efectivamente prestado (um dia de salário), mais um acréscimo em dobro, nos termos do art. 20º, n. 1(mais dois dias). Tudo perfaz 3 (três) dias de valor pecuniário.
2ª Perspectiva (pagamento do prestado)
Nesta óptica, o empregador o que fez foi pagar ao trabalhador em singelo o valor do serviço prestado.
Todavia, falta pagar o acréscimo em dobro (2 x salário) e ainda o valor do devido (um dia). Tudo perfaz 3 (três) dias de valor pecuniário.
Como se vê, qualquer que seja o prisma por que se encare a situação, o resultado é o mesmo. A fórmula é, em ambas, salário diário x 3 ”.
Como se acaba de ver, a fórmula obriga a ter em consideração 3 dias de remuneração, para além do já recebido a título de salário mensal. Dito de outra maneira, terá que ser pago o dia de trabalho efectivamente prestado (singelo) acrescido do dobro do valor salarial diário.
Procede, pois, o recurso nesta parte.
Simplesmente, o quantum compensatório a este título deverá ser apurado nos termos que mais abaixo se dirão, face à anulação parcial da sentença para apuramento da pertinente matéria de facto (neste sentido, v.g. Acs. de 29/06/2017, Processos nºs 341/2017, 313/2017).
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3 - Da presença ao serviço 30 minutos antes de cada turno laboral
O que se discute aqui é se a presença obrigatória dos trabalhadores no local de trabalho 30 minutos antes do início de cada turno laboral deve ser levada à conta de uma prestação efectiva de serviço.
O recorrente acha que sim; a sentença disse que não, com fundamento no disposto no art. 10º, nº4, do DL nº 24/89/M.
Certo é que, de acordo com o disposto nas respostas aos arts. 19º e 20º da BI, o autor estava obrigado a comparecer no seu local de trabalho devidamente uniformizado com a referida antecedência de 30 minutos.
Significa isto que o autor não era livre de comparecer, ou não, durante esse período que antecedia o início de cada turno de trabalho. Estava obrigado a fazê-lo porque assim lho era imposto pela entidade patronal e com carácter de regularidade.
Ora, tal não é o espírito da lei. O preceito citado apenas trata da possibilidade de o trabalhador poder ter que ultrapassar em 30 minutos (no conjunto) o tempo de trabalho fixado no nº1, desde que esse período de 30 minutos seja “necessário à preparação para o início do trabalho” (o que pressupõe que seja prévio ao início de cada turno), ou se mostre “necessário…à conclusão de transacções, operações e serviços começados e não acabados” (o que significa que é um tempo posterior ao termo de cada turno).
Como nos parece ser bom de ver, a intenção do legislador será não fazer recair sobre a entidade patronal o período de tempo que antecede o início de cada turno na preparação da jornada de trabalho (v.g., o tempo que dura a substituir a roupa da viagem pela que seja mais próxima ao exercício laboral), bem assim como o tempo que demora a concluir um serviço começado e não acabado (v.g., concluir as contas ou, como também se diz, “fechar a caixa”), assim se evitando abusos do trabalhador com artimanhas e estratégias de serviço vagaroso que visem prolongar o horário da prestação de trabalho.
Só que estas são sempre situações que, por natureza não têm carácter regular. Cremos, antes, que sejam excepcionais, que se verificarão apenas quando necessárias, logo, esporádicas e ocasionais.
Porém, este trabalhador estava obrigado a comparecer ao local de trabalho 30 minutos antes todos os dias. Portanto, aquilo que era uma situação excepcional foi convertida em situação de normalidade por iniciativa da entidade patronal B.
Sendo assim, este período deve ser englobado no cômputo da compensação pela prestação de trabalho em horas extraordinárias, uma vez que o autor devia apresentar-se nas instalações da empresa durante esse período devidamente uniformizado, estando por isso ao serviço desta.
Procede, por conseguinte, o recurso nesta parte (no mesmo sentido, ver Ac. do TSI, de 27/04/2017, Proc. nº 167/2017).
Porém, ficou provado que durante a relação laboral o autor terá dado faltas ao trabalho, embora com conhecimento e autorização prévia por parte da 1ª Ré (facto 14).
Assim, não se sabendo ao certo quantos dias ao certo o autor/recorrente se apresentou ao serviço com a referida antecedência, o quantum compensatório a este título deverá ser apurado nos termos que mais abaixo se dirão, face à anulação parcial da sentença para apuramento da pertinente matéria de facto (neste sentido, v.g. Acs. de 29/06/2017, Processos nºs 341/2017, 313/2017).
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B - Do 2º recurso (da ré da acção, B
1- Do erro no julgamento da matéria de facto
Está em causa verdadeiramente o valor do depoimento da única testemunha que depôs nos autos e que, segundo a ora recorrente, se limitou a afirmações genéricas e, além disso, parciais, uma vez que também ela, colega de trabalho do autor da presente acção, fora autor numa acção deste cariz.
Não podemos concordar. A testemunha sempre foi categórica sobre cada facto a que depôs, dizendo – e convencendo – que a sua situação sempre foi igual à do aqui autor ou vice-versa. Ou seja, essa testemunha deixou claro que ele e todos os seus colegas de trabalho viveram a mesma situação no que concerne aos diversos direitos laborais aqui alegadamente violados.
Tal testemunha mostrou, portanto, conhecer bem o quadro de facto em todos se moviam e em que forneciam a sua prestação de trabalho às rés (utilizou frequentemente o pronome pessoal “nos”, aludindo a si, ao autor e a outro colega devidamente identificado).
Não pode este TSI concluir, em suma, que o tribunal “a quo” fez uma má avaliação da factualidade tida como provada. Se a livre convicção do julgador da 1ª instância dificilmente poderia ser abalada, o elemento de prova testemunhal que as recorrentes sindicam, acaba, em nossa opinião, por confirmar o resultado de tal convicção.
De resto, a ora recorrente nem sequer cumpriu o ónus de especificação tal como resulta previsto no art. 599º, do CPC.
Improcede, pois, o recurso nesta parte.
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2 - Do subsídio de alimentação
Acha a recorrente que não podia proceder o pedido de condenação a este título, além do mais por não se saber quantos dias terá o autor faltado ao serviço.
Tem razão, quanto a este aspecto.
Sobre o assunto foi dito no Ac. do TSI, de 14/06/2012, Proc. nº 376/2012:
“Ora, este subsídio tem uma função social radicada numa despesa alimentar efectuada por causa da prestação de trabalho efectiva1. E embora tenha havido por parte da jurisprudência alguma tendência para o considerar prestação retributiva, a verdade é que nem por isso outra a associava, mesmo assim, à noção de trabalho efectivo, tal como, por exemplo, foi asseverado no Ac. da Relação de Lisboa de 29/06/1994, Proc. nº 092324 “ Quer a Jurisprudência, quer a Doutrina têm vindo a entender que o subsídio de alimentação, sendo pago regularmente, integra o conceito de retribuição .... Porém, estando ligada essa componente salarial à prestação de facto do trabalho, só será devida quando o trabalhador presta serviço efectivo à entidade patronal…”.2.
Com o art. 260º do Código do Trabalho Português, o panorama mudou de figura, pois o nº2, do art. 260º deixou claro que esse subsídio não devia ser considerado remuneração, salvo nos casos em que o seu valor excede o montante da despesa alimentar. E assim, terá ficado mais claro que ele só é assumido pelo empregador por causa da prestação efectiva de trabalho. Ele “visa compensar uma despesa diariamente suportada pelos trabalhadores quando realiza a sua actividade”3. Ou “…visa compensar uma despesa na qual o trabalhador incorre diariamente, sempre que vai trabalhar…” (destaque nosso)4.
Em Macau, não está regulada a atribuição destes subsídios, mas não cremos que o sentido da sua natureza que melhor se adequa à geografia local é aquele que atrás descrevemos. Por conseguinte, por não estar regulada na lei (DL nº 24/89/M), nem no referido contrato de prestação de serviços nº 45/94 (fls. 137 e sgs. dos autos), deveremos considerá-lo como compensação pela prestação de serviço efectivo.
Logo, da mesma maneira que deverá descontar-se o subsídio nos períodos de férias ou naqueles em que a pessoa está de licença de maternidade, também ele deve ser subtraído quando o trabalhador não prestou serviço por outra qualquer razão5.”
A ré/recorrente manifesta-se contra a sentença, por considerar que o autor, conforme a matéria de facto provada, chegou a faltar alguns dias ao serviço, mesmo com justificação ou autorização.
Mas, o acórdão deste TSI de 29/05/2014 (Proc. nº 627/2013) deu a resposta para esta questão:
«Contrariamente ao sustentado, não será de afirmar que se retira necessariamente do facto de o autor não faltar sem ser autorizado o facto implícito de ter faltado…. Esse facto pode ser compatibilizado … se dele se retirar que aí se enuncia uma regra que não deixou de ser observada: o trabalhador não podia faltar sem autorização; o trabalhador não faltou sem autorização; se faltasse tinha que ser autorizado. Daqui não se pode concluir que faltou autorizadamente, ou seja, que alguma vez tenha usado essa faculdade». Foi uma solução que seguida foi também no Ac. de 19/06/2014, no Proc. nº 189/2014, e no Ac. de 29/05/2014, Proc. nº 627/2013.
Sucede, contudo, que tal solução não dá resposta segura às situações em que tenha havido gozo efectivo dos dias de descanso anual e de feriados obrigatórios. Por outro lado, estamos em crer que uma leitura mais objectiva da resposta ao art. 7º da BI permite concluir que o trabalhador terá dado algumas faltas ao serviço, ainda que com autorização.
Assim, a melhor solução é aquela que propende para remeter a fixação da indemnização a este título para execução de sentença (assim foi decidido, por exemplo, nos Acs. de Ac. de 13/03/2014, Proc. nº 414/2012, 24/04/2014, Proc. nº 687/2013, 29/05/2014, Proc. nº 168/2014, 24/07/2014, Proc. nº 128/2014)”.
Não seguiremos, neste caso, porém, a tese de relegar a liquidação em execução de sentença, visto que há matéria que deverá ser de novo quesitada, tal como melhor se dirá mais adiante (neste sentido, v.g. Acs. de 29/06/2017, Processos nºs 341/2017, 313/2017).
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3 – Do subsídio de efectividade
As mesmas razões levam a recorrente a insurgir-se contra a liquidação efectuada na sentença recorrida do montante devido a este título.
Este TSI tem entendido que a sua atribuição carece de uma prestação de trabalho regular e sem faltas (v.g., Acs. proferidos nos Procs. Nºs 376/2012; 189/2014).
E diz mais este tribunal: “Em relação a este subsídio, vista a sua natureza e fins - já não se manifestam as razões que levam a considerar que a sua atribuição esteja excluída numa situação de não assiduidade justificada ao trabalho. Se o patrão autoriza uma falta seria forçado retirar ao trabalhador uma componente retributiva da sua prestação laboral, não devendo o trabalhador ser penalizado por uma falta em que obteve anuência para tal e pela qual o patrão também assumiu a sua responsabilidade” (Ac. de 25/07/2013, Proc. nº 322/2013).
Assim, “… se o trabalhador falta porque autorizado, por razões de descanso ou de férias, tal não implica que se considere que o trabalhador não foi assíduo e se lhe retire uma componente retributiva que resulta da própria redacção que atribui uma retribuição extra em função do mês anterior e já não de um determinado número de dias de trabalho efectivo.” (cit. ac.).
Ora sendo assim, face à matéria dos factos 6) (resposta ao art. 2º da BI) e 14 (resposta ao art. 10º da BI), segundo a qual “o Autor nunca deu qualquer falta injustificada” e que “durante todo o período da relação laboral, o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte da 1ª Ré”, parece ser claro que as eventuais ausências, porque consentidas, não podem relevar negativamente na esfera do trabalhador.
Razão pela qual não pode merecer provimento o recurso nesta parte.
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4 – Do descanso semanal
Vem a recorrente manifestar-se contra a atribuição do valor acima liquidado a título de descanso semanal.
Em sua opinião, uma vez que ficou provado que o autor teve faltas, ainda que justificadas, não seria possível especificar o número de dias devidos e não gozados por ele, ao contrário do que fez a sentença recorrida.
Tem razão, tal como se decidiu no TSI, de 27/04/2017, Proc. nº 167/2017, cujos termos aqui fazemos nossos.
Sucede, porém, que foi alegada matéria concernente aos dias de trabalho a que o autor terá faltado e que não foi quesitada, e que deverá constituir assim factualidade a que o tribunal “a quo” terá que voltar em sede de repetição de julgamento após a necessária quesitação (neste sentido, v.g. Acs. de 29/06/2017, Processos nºs 341/2017, 313/2017).
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5 - Da comparticipação nos custos do alojamento
Entende a recorrente não poder ser responsabilizada pelo pagamento da comparticipação nos custos do alojamento, por não ter sido ela quem por ela se responsabilizou, mas sim a sociedade/agência de emprego E, que nada tem que ver com as rés/recorrentes.
Contudo, a posição do TSI nesta matéria é aquela a que a sentença fez referência na sua fundamentação, para o que citou, por exemplo, o Ac. de 25/07/2013, e a que acrescentamos também, v.g., o de 11/06/2015, Proc. nº 395/2015 e dos quais resulta que a ré assumiu o compromisso de respeito pelas estipulações e condições laborais acordadas pela agência “Sociedade E”.
De resto, não parece que possa proceder agora a argumentação de que a importância descontada mensalmente sirva para cobrir despesas de água, luz, gás, limpeza e manutenção dos alojamentos, se o alojamento deveria ter sido gratuito, tal como provado foi na resposta dada ao art. 15-A da BI. É que, a aceitar-se a tese das recorrentes, o alojamento deixaria de ser gratuito (neste sentido, v.g., Acs. do TSI, de 29/06/2017, Proc. nº 326/2017 e Proc. nº 341/2017).
Improcede, pois, o recurso nesta parte.
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6 - Do trabalho por turnos e trabalho extraordinário
A recorrente reitera a ideia de que o autor da acção deu faltas ao serviço. Também com base nisso, defende que não podia o tribunal apurar os dias em que ele teria efectuado serviço extraordinário nos turnos.
Tem razão, procedendo o recurso nesta parte.
Contudo, e ao contrário do que se tem decidido quanto a esta questão (em que se tem relegado a liquidação do valor indemnizatório a este título para execução de sentença, conforme, v.g., Ac. deste TSI, de 27/04/2017, Proc. nº 167/2017), haverá que ampliar a matéria de facto para o que o processo deverá baixar à 1ª instância, nos termos que mais adiante se dirão.
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7 - Das bonificações ou remunerações adicionais, incluindo gorjetas
Defende a recorrente que não tinha que pagar ao autor quaisquer bonificações ou gorjetas ao autor, primeiro por não ter ficado provado quais foram as bonificações ou remunerações adicionais que pagou aos trabalhadores aos residentes, segundo porque as gorjetas não são pagas por si, mas pelos seus clientes, que devem ser tidos por terceiros.
Quanto ao primeiro argumento, ele tem que ver com a matéria do ponto 3.3 do Contrato de Prestação de Serviços nº 5/98, segundo o qual o trabalhador, após 30 dias de prestação de serviço, teria direito, para além da remuneração normal, às bonificações adicionais, incluindo as gorjetas, que a 1ª ré paga aos operários residentes em Macau (facto 11).
Esta matéria do recurso foi, porém, já ponderada recentemente por este TSI em termos que achamos adequados, motivo pelo qual para eles remetemos, fazendo-os nossos para os devidos e legais efeitos (Ac. proferido no Proc. nº 341/2017, em 29/06/2017), e que a seguir se transcrevem:
“Da matéria provada não resulta quais sejam as bonificações ou remunerações adicionais que a 1ª ré tenha pago aos seus trabalhadores residentes, embora se tenha provado que a ré vinha pagando bonificações ou remunerações adicionais, incluindo gorjetas.
Não só não resulta da matéria provada a sua definição material e quantificação, como nem sequer tal matéria vem alegada.
Estamos em crer que mais do que uma dificuldade no cômputo daquilo que é devido, o que poderia passar por uma operação de liquidação em execução de sentença, como determinou o Mmo Juiz, na essência, estará mesmo em causa a especificação de um pedido que nem sequer está definido na sua génese.
Será aceitável a parte pedir que o tribunal condene o patrão a pagar os suplementos que paga aos outros trabalhadores residentes, sem dizer em que é que esse pedido se traduz e se concretiza? Sem dizer a que suplementos se refere, qual a categoria dos beneficiados, a analogia de funções e qual o serviço dos beneficiários desses suplementos, partindo do facto comprovado de que a Ré pagou? Aceitar-se-ia que a parte trabalhadora pedisse ao tribunal que condenasse a pagar-lhe os salários em dívida pelo período por que perdurou a relação laboral sem os especificar?
A factualidade em que vai radicar o pedido mostra-se crucial.
Como salienta Alberto dos Reis, “… não pode ligar-se maior importância à formulação do pedido, do que à exposição dos fundamentos de facto. Que a menção das razões de direito ocupe lugar secundário, já o assinalámos; mas que a narração dos fundamentos de facto possa relegar-se para plano inferior ao da enunciação do pedido é proposição que temos por inexacta. O êxito da acção tanto depende da correcção do pedido, como da pertinência e suficiência dos fundamentos de facto; o advogado não tem que pôr maior cuidado na formulação do pedido, do que na apresentação do aspecto de facto da acção.”6
A insuficiência que se assinala, neste caso, perpassa até pelos dois vectores: narração e pedido. Não dizendo quais esses suplementos remuneratórios ou abonatórios, os termos e qualidade dos destinatários das bonificações ou remunerações adicionais que pagou a todos os trabalhadores residentes (art. 13 dos factos), está bem de ver que o pedido formulado fica necessariamente inquinado.
A questão que se equaciona estará essencialmente dependente da admissibilidade da formulação de pedidos genéricos, enquadrada no art. 392º do CPC.
Não se estando perante um caso de universalidade (al. a) do n.º1); não se estando perante um caso de impossibilidade de determinação, de modo definitivo, das consequências do facto ilícito, nem se configurando uma situação prevista no art. 563º do CC (al. b) do n.º1); nem estando a fixação do quantitativo dependente da prestação de contas ou de outro acto que deva ser praticado pelo réu – pelo menos nada se requer nesse sentido – (al. c) do n.º 1) parece não ser aceitável o pedido nos termos em que o foi na acção.
Nesta conformidade, por falta de pedido certo e concreto, ao abrigo do disposto nos artigos 139º, n.º 1 e n.º 2, al. a) e 230º, n.º 1, al. b) do CPC, absolver-se-á a Ré da instância, por se tratar de um pressuposto processual inominado,7 o que impede a apreciação de mérito, não se sufragando aqui o entendimento que configura o caso como de improcedência do pedido.8
Esta insuficiência da petição mereceria, desde logo, um convite ao aperfeiçoamento, em tempo oportuno, a fim de evitar um desfecho do teor acima contemplado.9”
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8 – Da falta de fundamentação
Por fim, a recorrente imputa à sentença a nulidade decorrente da falta de fundamentação em virtude de ter assentado nas incoerentes conclusões levadas à petição inicial pelo autor.
Também aqui, porém, somos a chamar à colação o teor do acórdão deste TSI de 29/06/2017 acima referido:
“Diga-se, desde já, que não é só o número de dias de trabalho efectivo e do número das ausências que estará em causa, mas ainda a determinação de quais os dias em que o trabalho foi prestado, pois que essa concretização se mostra essencial para determinadas rubricas, como é o caso da compensação pelos dias de feriados obrigatórios não gozados. (…)
Temos presentes as diferentes soluções adoptadas nos Proc.ºs 167/2017 e 307/2017, dando conta de que aqueles processos não eram exactamente iguais, nomeadamente, não tendo o primeiro sido contestado.
A questão que ora se coloca vinha já sendo anunciada, quando, em passos vários, tivemos necessidade de dizer que a liquidação se faria em sede própria, perspectivando-se uma anulação de sentença com repetição do julgado na parte respectiva ou uma liquidação de execução de sentença.
Invoca-se uma insuficiente fundamentação e afigura-se-nos que a Ré, ora recorrente, tem razão, na medida em que o Mmo Juiz se terá baseado num cômputo de dias que vêm alegados pelo A., não se alcançando em que bases se louvou para o seu cálculo.
A recorrente coloca bem a questão, ao imputar o vício à sentença proferida - independentemente do enquadramento jurídico efectuado – nos seguintes termos:
“(…) a decisão em crise padece do vício de falta de fundamentação decorrente da violação do ónus da alegação por parte do Recorrido já que mantém na íntegra as conclusões incoerentes feitas na petição inicial, mantendo por responder a questões/vícios tais como: (i)ter o Autor trabalhado todos os dias da semana, embora reconheça ter faltado algumas vezes com autorização prévia da 1ª Ré; (ii)Quantos foram esses dias de faltas justificadas e quando foram gozados os 24 dias de férias anuais? (iii) Deverá ser atendida a "média" de 30 dias por ano de faltas autorizadas, como o autor concede na nota 1 ao art. 22° da petição inicial? Que factos suportam esta conclusão?”
De certa forma pode-se dizer que o Mmo Juiz terá efectuado o seu cálculo com base na alegação do A. que ressalva na nota ao art. 27º da p. i. de que o A. não trabalhou 30 dias por cada ano civil, após o desconto do tempo relativo à prescrição. Mas se se se baseia nesse pressuposto de facto, logo a douta sentença peca por não se saber em que bases assentou essa fixação da matéria de facto – presumida apenas a partir da fundamentação de direito na sentença proferida, já que essa factualidade não está concretizada no capítulo em que se dá por assente a matéria de facto -, sendo certo que se trata de matéria que foi impugnada pelo A. e é certo que o A. não trabalhou durante todo o período em que esteve ao serviço da A., de forma ininterrupta, pois foi autorizado a ausentar-se. Dir-se-á que que o período de ausência era de 30 dias por ano. Mas onde está a comprovação de que assim era e que assim era de facto? O A. alegou e formulou o pedido nessa base, mas comprovou-o?
Estamos em crer que essa incompleição não pode deixar de ser suprida, havendo que aditar, se necessário, o ou os quesitos necessários referentes à concretização dos dias de trabalho efectivo prestado e desconto dos 30 dias em cada ano, tal como alegado na nota ao artigo 27º da p.i.
Embora se acolha a linha jurisprudencial mais permissiva, no sentido de que sempre que o tribunal verificar o dano ou a prestação devida, mas não tiver elementos para fixar o seu valor, quer se tenha pedido um montante determinado ou formulado um pedido genérico, lhe cumpre relegar a fixação do montante indemnizatório para liquidação em execução de sentença, ao abrigo do disposto no art. 564º/2 do CPC10 - mesmo que se possa afirmar que se está a conceder uma nova oportunidade ao autor que tenha deduzido pedido líquido de provar o quantitativo devido, não se vislumbra qualquer ofensa do caso julgado, material ou formal, na medida em que a existência de danos já está provada e apenas não está determinado o seu exacto valor e só no caso de se não ter provado a existência de prestação devida é que se forma caso julgado material sobre tal objecto, impedindo nova prova do facto no posterior incidente de liquidação, estando subjacente a esta jurisprudência a ideia de que razões de justiça e de equidade impedem que se absolva a demandada uma vez demonstrada a sua obrigação -, a situação presente não consentirá essa via, na exacta medida em que houve já uma liquidação e o apuramento de uma base de cálculo, não se tendo o Mmo Juiz limitado a uma enunciação genérica de trabalho prestado não apurado.
Ainda que não se enjeite essa possibilidade, numa recondução a um completamento de matéria de facto, estamos em crer que a presente solução aponta para uma necessidade de exigência e de rigor, desde logo, para as próprias partes - muitas nem sequer aqui permanecendo, porventura desinteressando-se dos seus direitos aquando da cessação dos contratos, visto até o tempo entretanto decorrido -, não podendo elas facilitar na concretização e prova das prestações que dizem estar em dívida. Quanto se diz não retira de forma nenhuma o reconhecimento à tutela dos direitos dos trabalhadores que tenham sido violados, apenas se pretendendo a sua cooperação e responsabilização na realização da Justiça.
Perante esta insuficiência, perante esta incompreensão sobre a forma como se atingiu aquele facto com que se jogou no cálculo efectuado, mais do que a falta a que alude o art. 571º, b) do CPC estaremos perante a situação prevista no art. 629º, n.º 4 do mesmo Código, o que implica a anulação da decisão proferida na parte relativa à concretização de quais e quantos os dias considerados no cálculo efectuado pelo Mmo Juiz, tendo em conta a necessidade de saber os dias concretos de trabalho e ausência para se poderem determinar as diferentes compensações. Ou seja, por exemplo, para efeitos de compensação de feriados obrigatórios, como está bem de ver, só há compensação se houve trabalho nesses dias. Mas independentemente dessa necessidade concretização, contemplada aliás, na decisão proferida, há uma outra quantificação que se tem de provar.
Compreende-se que possa não ser fácil, mas aí o A. tem o ónus de provar, não se podendo remeter para uma alegação conclusiva de que trabalhou todos os dias menos 30 por ano. Tem de provar que assim foi e esmerar-se na prova que produz. Admite-se que essa alegação seja pobre, mas não se deixa de considerar que ela ainda consubstancia um facto que se mostra essencial e como tal tem de ser comprovado, na certeza de que o tribunal não pode suprir de todo a insuficiência de alegação das partes.
Daqui decorre que, em todos os momentos em que ao longo da fundamentação expendida fazíamos alusão à necessidade de apurar o número de dias, se conclui que esse apuramento deve ser efectuado em sede de repetição do julgamento na parte pertinente e já não em sede de liquidação em execução de sentença, na medida em que se fica por perceber como se encontrou o número de dias de base do cálculo, descontados os dias de ausência, matéria que não foi levada à base instrutória, mas, ainda que incipientemente, foi alegada”.
Concordamos com esta fundamentação, por traduzir uma situação que nos presentes autos se repete. Com efeito, como se pode constatar no art. 22º da petição inicial e nota 1 a fls. 5 desse articulado, a sentença arrancou da circunstância de o autor ter admitido faltado ao serviço, por dispensa, cerca de 30 dias em média em cada ano civil.
Só que esta matéria, teria que ser levada à base instrutória a fim de ser dada a oportunidade de o autor fazer a respectiva prova, por ser seu o respectivo ónus probatório. E tal não foi observado. E o apuramento concreto dos dias de ausência é necessário para se aquilatar do quantum compensatório sob diversos ângulos (descanso semanal, feriados, etc.).
É esta a razão para não se remeter o apuramento desse quantum para liquidação em execução de sentença, mas sim para accionar o mecanismo previsto no art. 629º, nº4, do CPC, tal como se decidiu no referido aresto (também o Ac. do TSI, de 29/06/2017, Proc. nº 313/2017).
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IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em:
1 - Conceder parcial provimento ao recurso interposto pela ré B, decidindo-se:
a) Anular parcialmente a sentença de forma a apurar os concretos dias de trabalho efectivamente prestado e a poder fixar-se a compensação relativa aos subsídios de alimentação, bem como as importâncias devidas a título de trabalho prestado em dias de descanso semanal, descanso compensatório, trabalho extraordinário e por turnos e feriados obrigatório, bem como período de 30 minutos antes de cada turno laboral;
b) Revogar o decidido quanto ao pedido relativo a bonificações adicionais, incluindo gorjetas e, em consequência, absolver a Ré da instância nessa parte;
1.1- Julgar não provido o recurso na parte restante, em consequência do que se mantém a sentença recorrida, nomeadamente na parte concernente à liquidação a que já procedeu quanto ao subsídio de efectividade e à comparticipação no alojamento.
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2 – Conceder provimento ao recurso do autor e, em consequência, revogar a sentença na parte respectiva e condenar a 1ª ré B no pagamento dos períodos de trabalho prestado em dias de descanso semanal e aos feriados obrigatórios de acordo com as fórmulas acima referidas, cujo “quantum” concreto, porém, será apurado em conformidade com o que vier a ser decidido após a repetição parcial do julgamento, nos termos acima definidos.
Vai ainda a ré B ainda condenada nos juros de mora nos termos definidos no Ac. do TUI, de 2/03/2011, Proc. nº 69/2010.
Custas pelas partes em função do decaimento.
TSI, 27 de Julho de 2017
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Não acompanho o Acórdão na parte respeitante ao cálculo da compensação dos dias de descanso semanal e feriados obrigatórios, conforme a declaração de voto no Processo nº 405/2017.
Lai Kin Hong
1 Neste ponto, corrige-se a posição anteriormente tomada no proc. nº 781/2011.
2 No sentido de que só deve ser pago nos períodos de prestação efectiva de serviço, ainda Ac. R.P. de 6/05/1995, Proc. nº 9411201; É por isso que ele não deve ser pago nos subsídios de férias e de Natal (Ac. R.E., de 21/09/2004, Proc. nº 1535/04-2).
3 Luis M. Telles de Meneses Leitão, in Direito de Trabalho, Almedina, 2008, pag. 349. No mesmo sentido, Bernardo da Gama Lobo Xavier, Manual de Direito do Trabalho, Verbo, pag. 547 e Diogo Vaz Marecos, in Código do Trabalho anotado, Coimbra Editora e Wolters Kluver, pag. 662-663.
4 Pedro Romano Martinez e outros, in Código do Trabalho anotado, 5ª edição, 2007, pag. 498.
5 A não ser nas situações em que a não prestação se fica a dever a causa imputável ao empregador e em que, apesar disso, o trabalhador teve que efectuar a despesa alimentar.
6 - CPC Anot, II, Reim. 2005,363
7 - Ac. STJ, de 8/2/1994, CJ, Acs STJ 1994, 1º tomo, 95; Ac. do STJ, de 22/3/2007, Proc. n. 06S3961; Ac. RP, de 15/5/2006, Proc. n.º 0545375; Ac RC, de 30/1/2001, Proc. n.º 2183/2000. No mesmo sentido, Abrantes Geraldes, Temas da Ref…, Almedina, 1997, 155 e 156 e Viriato Lima, Manual de DPC, CFJJ, 2005, 145
8 - Alberto dos Reis, Com., 3º vol., 186 e 187
9 - Vd. autores e jurisprudência acima citada
10 - Na linha de uma interpretação pioneira de Alberto dos Reis, CPC Anot, V, 71
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447/2017 59