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Processo n.º 189/2016 Data do acórdão: 2017-7-20 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– matéria de facto
– limite máximo de velocidade
– matéria de direito
– insuficiência para a decisão da matéria de facto provada
– art.º 400.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal

S U M Á R I O
No caso dos autos, na matéria de facto descrita como provada na sentença recorrida não vem referido qual o limite máximo de velocidade em vigor nesse dia na Avenida do Oceano de Macau. Mas, essa velocidade máxima permitida é propriamente do foro da matéria de direito. Por isso, decai a tese, da defesa, de existência da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada como vício possibilitador da reapreciação da matéria de facto como tal previsto no art.º 400.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 189/2016
(Autos de recurso penal)
Arguido recorrente: B





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por sentença proferida a fls. 23 e seguinte do Processo Contravencional n.° CR1-15-0730-PCT do 1.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB), o arguido B, aí já melhor identificado, ficou condenado na pena de inibição de condução por catorze meses, pela prática, em reincidência, de uma contravenção (por excesso da velocidade) p. e p. conjugadamente pelos art.os 31.º, n.º 1, e 98.º, n.º 3, alínea 3), da Lei n.º 3/2007, de 7 de Maio (isto é, Lei do Trânsito Rodoviário, doravante abreviada como LTR).
Inconformado, veio o arguido recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), imputando ao Tribunal sentenciador o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada aludido no art.º 400.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal (CPP), para pedir que fosse absolvido da imputada contravenção, tendo, para o efeito, alegado, em essência, o seguinte (cfr. com mais detalhes, o teor da motivação do recurso apresentada a fls. 34 a 39 dos presentes autos correspondentes):
– ele foi condenado na inibição de condução por catorze meses, por se considerar que ele terá infringido por duas vezes consecutivas os limites de velocidade máxima obrigatória em excesso superior a 30 km/h;
– sucede que a velocidade de 103 km/h desta vez, embora possa consubstanciar uma infracção por condução excessiva, não significa que esse excesso seja igual ou superior a 30 km/h sem que se deixe demonstrada qual a velocidade máxima concretamente admitida no local em causa;
– sem a produção da prova sobre a velocidade máxima no local da ocorrência da infracção desta vez, é de todo inconcebível a subsunção da sua conduta à previsão normativa da alínea 3) do n.º 3 do art.º 98.º da LTR;
– não resultando dos autos prova de que a infracção no dia 6 de Junho de 2015 tenha sido cometida com um excesso de velocidade igual ou superior a 30 km/h, há insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Ao recurso respondeu (a fls. 41 a 42 dos autos) a Digna Delegada do Procurador, no sentido de improcedência da argumentação do recorrente.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 52 a 53), pugnando também pelo não provimento do recurso.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
1. O Tribunal sentenciador deu por provado, nomeadamente, o seguinte:
– em 6 de Junho de 2015, cerca das 11:07 horas, na Avenida do Oceano, perto do poste de iluminação n.º 769D03, o arguido ora recorrente conduziu o veículo automóvel ligeiro com chapa de matrícula n.º MM-XX-XX, à velocidade de 103 km/h;
– o teor da “listagem das transgressões” do arguido constante de fl. 3 dos autos.
2. Conforme o teor dessa listagem, o arguido chegou a infringir, em 6 de Fevereiro de 2015, o art.º 31.º, n.º 1, da LTR, por condução com excesso de velocidade, à velocidade de 118 km/h.
3. O arguido confessou integralmente e sem reserva os factos na audiência de julgamento do Tribunal a quo (cfr. o teor da acta na parte constante de fl. 22v dos autos).
4. Conforme os dados identificativos do veículo automóvel n.º MM-XX-XX em causa (a que aludem a fl. 4 dos autos) e as imagens fotográficas extraídas do sistema de vigilância visual (como tal constantes de fl. 8 dos autos), esse automóvel ligeiro é do tipo para passageiros, e não traz consigo reboque.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, é de notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, vê-se que o recorrente, para rogar que fosse absolvido da imputada reincidência na condução com excesso de velocidade igual ou superior a 30 km/h sobre o limite de velocidade imposto (reincidência essa prevista e punível sobretudo no art.º 98.º, n.º 3, alínea 3), da LTR), preconizou com veemência a tese de que dos autos não resultou a prova de qual o limite máximo de velocidade na Avenida do Oceano no dia 6 de Junho de 2015.
Pois bem, é certo que na matéria de facto descrita como provada na sentença recorrida não vem referido qual o limite máximo de velocidade em vigor nesse dia na Avenida do Oceano, perto do poste de iluminação n.º 769D03. Mas, essa velocidade máxima permitida é propriamente do foro da matéria de direito. Por isso, decai desde já, e a priori, a tese da existência da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada como vício possibilitador da reapreciação da matéria de facto como tal previsto no art.º 400.º, n.º 2, alínea a), do CPP.
Juridicamente falando, reza o art.º 31.º, n.º 1, da LTR que “Sem prejuízo da fixação, através de sinais adequados, de limites máximos ou mínimos de velocidade nas vias em que as condições de trânsito o aconselhem, os veículos estão sujeitos aos limites máximos genéricos previstos em diploma complementar” (com sublinhado só agora posto).
E onde está a disposição sobre os limites máximos genéricos de velocidade prevista em diploma complementar da LTR?
Está esta disposição precisamente, em princípio, no art.o 20.º do então Regulamento do Código da Estrada, outrora aprovado pelo Decreto-Lei n.º 17/93/M, de 28 de Abril (apesar de este Código ter sido revogado pela LTR), como um dos diplomas complementares ao Código da Estrada (isto tudo, por força do art.º 149.º, n.º 2, da LTR, que preceitua que “Mantêm-se em vigor as disposições dos diplomas complementares ao Código da Estrada que não contrariem a presente lei”).
Diz-se acima que tal disposição está em princípio no art.º 20.º do então Regulamento do Código da Estrada. Sim, só em princípio, porque esse art.º 20.º foi já concretamente alterado pelo art.º 2.º do Regulamento Administrativo n.º 15/2007, de 27 de Agosto, e passou, assim, a dispor que os limites máximos genéricos de velocidade previstos no n.º 1 do artigo 31.º da Lei n.º 3/2007 (isto é, a LTR) para automóveis ligeiros de passageiros e mistos “Sem reboque” e “Com reboque” são, respectivamente, de 60 e 50 km/h, e para automóveis ligeiros de mercadorias “Sem reboque” e “Com reboque” são, respectivamente, de 60 e 50 km/h.
Assim sendo, e independentemente da questão de saber se se deve constar expressamente na matéria de facto provada em primeira instância a referência ao tipo e às características do automóvel ligeiro conduzido nesta vez pelo arguido em 6 de Junho de 2015 (i.e., se é de passageiros ou de mercadorias, sem ou reboque) (sendo certo que conforme os elementos documentais de fls. 4 e 8 dos autos, esse veículo automóvel ligeiro é do tipo de automóvel para passageiros e não traz consigo reboque), a velocidade concreta de 103 km/h com que o arguido o conduziu nesse dia, cerca das 11:07 horas, na Avenida do Oceano, perto do poste de iluminação n.º 769D03, já foi superior com mais de 30 km/h aos limites máximos genéricos previstos legalmente para os veículos automóveis ligeiros.
Ficou, pois, correctamente condenado o arguido em primeira instância como autor reincidente no acto de condução de veículo automóvel ligeiro com excesso de velocidade superior a 30 km/h sobre os limites impostos (art.os 31.º, n.º 1, e 98.º, n.º 3, alínea 3), da LTR).
Naufraga o recurso, com manutenção da decisão condenatória recorrida, sem mais indagação por ociosa.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar não provido o recurso.
Custas do recurso pelo arguido, com duas UC de taxa de justiça.
Macau, 20 de Julho de 2017.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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