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Processo nº 600/2017 Data: 20.07.2017
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “ofensa grave à integridade física”.
Atenuação especial da pena.



SUMÁRIO

1. A figura da atenuação especial da pena surgiu em nome de valores irrenunciáveis de justiça, adequação e proporcionalidade, como necessidade de dotar o sistema de uma verdadeira “válvula de segurança” que permita, em hipóteses especiais, (“excepcionais”), quando existam circunstâncias (extraordinárias) que diminuam de forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer uma imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo «normal» de casos que o legislador terá tido ante os olhos quando fixou os limites da moldura penal respectiva, a possibilidade, se não mesmo a necessidade, de especial determinação da pena, conducente à substituição da moldura penal prevista para o facto, por outra menos severa.

2. A atenuação especial só pode ter lugar em casos “extraordinários” ou “excepcionais”, – e não para situações “normais”, “vulgares” ou “comuns”, para as quais lá estarão as molduras normais – ou seja, quando a conduta em causa “se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo.

O relator,

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José Maria Dias Azedo


Processo nº 600/2017
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. B (B), arguido com os restantes sinais dos autos, respondeu no T.J.B., vindo a ser condenado como autor material da prática em concurso real de 1 crime de “ofensa grave à integridade física”, p. e p. pelo art. 138°, al. a) e d) do C.P.M., na pena de 5 anos de prisão, e 1 outro de “arma proibida”, p. e p. pelo art. 262°, n.° 3 do mesmo C.P.M., na pena de 7 meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 5 anos e 3 meses de prisão; (cfr., fls. 371 a 376-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado, o arguido recorreu para, a final, invocando o art. 66°, n.° 2, al. c) do C.P.M., pedir a “atenuação especial” ou “redução da pena”; (cfr., fls. 386 a 389-v).

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Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 410 a 413-v).

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Neste T.S.I., juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:

“Recorre B do acórdão de 21 de Abril de 2017, proferido no processo comum colectivo CR2-17-0018-PCC, que o condenou na pena única de 5 anos e 3 meses de prisão, resultante do cúmulo jurídico das penas parcelares de 5 anos de prisão, como autor material de um crime de ofensa grave à integridade física, da previsão do artigo 138.°, als. a) e d), do Código Penal, e de 7 meses de prisão, como autor material de um crime de detenção de arma proibida, da previsão do artigo 262.°, n.° 3, do Código Penal.
Na motivação e respectivas conclusões, traz o recorrente à consideração do tribunal de recurso a questão da medida da pena, considerando que o acórdão recorrido deveria nomeadamente ter lançado mão do mecanismo de atenuação especial da pena, por força do artigo 66.°, n.° 2, alínea c), do Código Penal, devido ao arrependimento demonstrado pelo recorrente, e alvitrando, para a hipóteses de assim se não entender, que a pena se apresenta todavia excessiva, devendo ser fixada em medida que não vá além dos 3 anos e 9 meses.
Temos para nós, tal como o Ministério Público em primeira instância já fez notar na sua resposta à motivação do recurso, que não assiste qualquer razão ao recorrente.
Não procedem, com efeito, as razões em que se estriba para sustentar a aventada atenuação especial.
É de assinalar que a proclamação de arrependimento, que agora vem brandir baseada na sua entrega a um agente policial e na confissão, não satisfaz a exigência da alínea c) do n.° 2 do artigo 66.° do Código Penal, em que pretende alicerçar a atenuação especial. Esta norma convoca actos demonstrativos de arrependimento sincero e a sua operatividade, enquanto causa de atenuação especial, está naturalmente subordinada à constatação da acentuada diminuição da ilicitude, da culpa ou da necessidade da pena, conforme exigência do n.° 1 do mesmo artigo. Ora, não ficaram demonstradas circunstâncias que apontassem para essa acentuada diminuição, pelo que não podia o tribunal fazer uso do mecanismo de atenuação previsto no referido artigo 66.°.
Por outro lado, a medida concreta da pena, devidamente justificada e sustentada no douto acórdão recorrido, foi encontrada abaixo do meio das molduras previstas para os respectivos crimes, que oscilam entre os 2 e os 10 anos para a ofensa grave à integridade física – e não entre 2 e 8 anos como refere o recorrente – e entre um mês e os dois anos para a detenção de arma proibida, não viola vinculações legais nem se revela desproporcionada, face às circunstâncias atendíveis, entre as quais pontuam os antecedentes criminais; pelo que não merece reparo. Como é sabido, os parâmetros em que se move a determinação da pena, adentro da chamada teoria da margem de liberdade, apesar de juridicamente vinculados, não são matemáticos, devendo aceitar-se a solução encontrada pelo tribunal do julgamento, a menos que o resultado se apresente ostensivamente intolerável, por desajustado aos fins da pena e à culpa que a delimita, o que evidentemente não é o caso.
(…)”; (cfr., fls. 495 a 496).

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Passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 373 a 374, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos, (não havendo factos por provar).

Do direito

3. Vem o arguido recorrer do Acórdão que o condenou como autor material da prática em concurso real de 1 crime de “ofensa grave à integridade física”, p. e p. pelo art. 138°, al. a) e d) do C.P.M., na pena de 5 anos de prisão, e 1 outro de “arma proibida”, p. e p. pelo art. 262°, n.° 3 do mesmo C.P.M., na pena de 7 meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 5 anos e 3 meses de prisão.

Entende que excessiva é a pena aplicada, pedindo a sua atenuação especial, fixando-se-lhe uma pena única de 3 anos e 9 meses de prisão, resultante de um cúmulo jurídico das penas parcelares de 3 anos e 6 meses para o crime de “ofensa grave à integridade física” e de 4 meses de prisão para o de “arma proibida”.

Cremos, porém, que improcedente é a pretensão apresentada, aliás, como de forma clara se expõe na Resposta e Parecer do Ministério Público, cujo teor aqui se dá como reproduzido para a solução que se apontou.

Seja como for, não se deixa de consignar o que segue.

Pois bem, ao crime de “ofensa grave à integridade física” em questão cabe a pena de 2 a 10 anos de prisão, (cfr., art. 138°, al. a) e d) do C.P.M.), e ao de “arma proibida” a de 1 mês a 2 anos de prisão; (cfr., art. 262°, n.° 3 do mesmo C.P.M.).

Nos termos do art. 40° do C.P.M.:

“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.

E, em sede de determinação da pena, tem este T.S.I. entendido que “Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 09.03.2017, Proc. n.° 180/2017, de 23.03.2017, Proc. n.° 241/2017 e de 08.06.2017, Proc. n.° 310/2017).

Nos termos do art. 66° do C.P.M.:

“1. O tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.
2. Para efeitos do disposto no número anterior são consideradas, entre outras, as circunstâncias seguintes:
a) Ter o agente actuado sob influência de ameaça grave ou sob ascendente de pessoa de quem dependa ou a quem deva obediência;
b) Ter sido a conduta do agente determinada por motivo honroso, por forte solicitação ou tentação da própria vítima ou por provocação injusta ou ofensa imerecida;
c) Ter havido actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados;
d) Ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta;
e) Ter o agente sido especialmente afectado pelas consequências do facto;
f) Ter o agente menos de 18 anos ao tempo do facto.
3. Só pode ser tomada em conta uma única vez a circunstância que, por si mesma ou em conjunto com outras, der lugar simultaneamente a uma atenuação especial da pena expressamente prevista na lei e à atenuação prevista neste artigo”.

Tratando desta “matéria” tem-se entendido que a figura da atenuação especial da pena surgiu em nome de valores irrenunciáveis de justiça, adequação e proporcionalidade, como necessidade de dotar o sistema de uma verdadeira “válvula de segurança” que permita, em hipóteses especiais, (“excepcionais”), quando existam circunstâncias (extraordinárias) que diminuam de forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer uma imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo «normal» de casos que o legislador terá tido ante os olhos quando fixou os limites da moldura penal respectiva, a possibilidade, se não mesmo a necessidade, de especial determinação da pena, conducente à substituição da moldura penal prevista para o facto, por outra menos severa.

Como repetidamente temos vindo a considerar, “a atenuação especial só pode ter lugar em casos “extraordinários” ou “excepcionais”, – e não para situações “normais”, “vulgares” ou “comuns”, para as quais lá estarão as molduras normais – ou seja, quando a conduta em causa “se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo”, (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 13.12.2016, Proc. n.° 258/2016, de 19.01.2017, Proc. n.° 530/2016 e de 26.01.2017, Proc. n.° 840/2016).

No caso, diz o arguido que devia beneficiar de uma “atenuação especial”, alegando que “entregou-se voluntáriamente à Polícia”, tendo “confessado os factos”, estando “arrependido”.

Todavia, ponderando na factualidade provada, e sem prejuízo do respeito por outro entendimento, (e tal como igualmente considerou o T.J.B.), não nos parece que possa haver lugar a uma “atenuação especial”, visto que não se vislumbra a “excepcionalidade” da situação.

Com efeito, a “imagem global do facto” não se apresenta de forma a “diminuir, de forma acentuada, a ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena”.

A “entrega” do arguido (vários) dias depois do cometimento do crime, após fuga do local do crime e de andar escondido, vindo também a ocorrer por ter ficado sem dinheiro, não tem grande valor atenuativo, pois que com base nas investigações entretanto desenvolvidas, já estava (perfeitamente) identificado, estando já as autoridades policiais em diligências tendentes à sua localização e detenção; (cfr., v.g., fls. 115).

Óbvio é que tal “entrega”, como a sua “confissão”, são circunstâncias a ter em conta no doseamento da pena.

Porém, in casu, e em nossa opinião, não tem a virtude de accionar o art. 66° do C.P.M..

Importa ponderar no dolo directo e intenso e elevado grau de ilicitude da sua conduta, (“modus operandi”), pois que agrediu o ofendido com uma faca, (um “canivete de mola” com lâmina de 9,5 cm), causando-lhe as graves lesões descritas na facticidade provada.

Perante isto, tendo cometido o crime enquanto “imigrante clandestino”, e não sendo “primário”, (cfr., fls. 339 a segs.), afastada se nos apresenta a pretendida “atenuação especial”, sendo caso para dizer também que nenhuma censura – por excesso – merecem as penas parcelares fixadas de 5 anos e de 7 meses de prisão, sendo de notar que as mesmas encontram-se em total harmonia com os critérios do art. 40° e 65° do C.P.M., tendo o Tribunal a quo ponderado, adequadamente, todas as circunstâncias relevantes, sem descurar as que eram favoráveis ao arguido.

Cabe aqui consignar também que como decidiu o Tribunal da Relação de Évora:

“I - Também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico, pelo que o tribunal de recurso deve intervir na pena (alterando-a) apenas e só quando detectar incorrecções ou distorções no processo de determinação da sanção.
II - Por isso, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de apreciação livre reconhecida ao tribunal de 1ª instância nesse âmbito.
III - Revelando-se, pela sentença, a selecção dos elementos factuais elegíveis, a identificação das normas aplicáveis, o cumprimento dos passos a seguir no iter aplicativo e a ponderação devida dos critérios legalmente atendíveis, justifica-se a confirmação da pena proferida”; (cfr., o Ac. de 22.04.2014, Proc. n.° 291/13, in “www.dgsi.pt”, aqui citado como mera referência, e o Ac. do ora relator de 09.03.2017, Proc. n.° 180/2017, de 23.03.2017, Proc. n.° 241/2017 e de 11.05.2017, Proc. n.° 344/2017).

E, como no mesmo sentido decidiu este T.S.I.: “Não havendo injustiça notória na medida da pena achada pelo Tribunal a quo ao arguido recorrente, é de respeitar a respectiva decisão judicial ora recorrida”; (cfr., o Ac. de 24.11.2016, Proc. n.° 817/2016).

No caso dos autos, a “violência” pelo arguido exercida sobre o ofendido, e as “lesões” a este causadas, denotam, como se disse, um dolo (directo) muito intenso e uma elevada ilicitude, (muito) fortes sendo as necessidades de prevenção criminal, a reclamar alguma “dureza” na reacção penal e a justificar, em nossa opinião, cabalmente, as penas aplicadas, nenhuma censura merecendo a decisão recorrida.

Por fim, e quanto à “pena única”, em causa estando uma moldura com um mínimo de 5 anos e um máximo de 5 anos e 7 meses, excessiva não se apresenta a pena única fixada de 5 anos e 3 meses, integralmente respeitados estando os critérios do art. 71° do C.P.M..

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Pagará o arguido a taxa de justiça de 6 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 20 de Julho de 2017

(Relator)
José Maria Dias Azedo

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng

(Segunda Juiz-Adjunta)
Tam Hio Wa
Proc. 600/2017 Pág. 16

Proc. 600/2017 Pág. 1