Processo nº 670/2017 Data: 20.07.2017
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Liberdade condicional.
Pressupostos.
SUMÁRIO
1. A liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão.
2. É de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social.
O relator,
______________________
José Maria Dias Azedo
Processo nº 670/2017
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. B ou B1 (B1), com os restantes sinais dos autos e ora preso no Estabelecimento Prisional de Coloane (E.P.C.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, motivando para, a final, concluir, imputando à decisão recorrida o vício de violação do disposto no art. 56° do C.P.M.; (cfr., fls. 69 a 79 que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).
*
Em resposta, pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso; (cfr., fls. 81 a 82-v).
*
Em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto douto Parecer pugnando também pela improcedência do recurso; (cfr., fls. 89 a 90-v).
*
Corridos os vistos legais dos Mmos Juízes-Adjuntos, e nada obstando, vieram os autos à conferência.
*
Passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):
– por Acórdão do T.J.B. de 30.04.2014, foi, B ou B1, ora recorrente, condenado pela prática de 1 crime de “tráfico de menor gravidade”, na pena de 2 anos de prisão;
– o mesmo recorrente, deu entrada no E.P.C. em 28.01.2016, e em 26.05.2017, cumpriu dois terços da referida pena, vindo a expiar totalmente a mesma pena em 26.01.2018;
– se lhe vier a ser concedida a liberdade condicional, irá regressar a CHONGQING, de onde é natural, vivendo com os seus pais, tencionando voltar a explorar 1 estabelecimento de comidas.
Do direito
3. Insurge-se o ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão todos os pressupostos do art. 56° do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida.
Vejamos.
— Preceitua o citado art. 56° do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:
“1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).
Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr. n.° 1).
“In casu”, atenta a pena que ao recorrente foi fixada, e visto que se encontra ininterruptamente preso desde 28.01.2016, expiados estão já dois terços de tal pena, pelo que preenchidos estão os ditos pressupostos formais.
Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do n.° 1 do referido art. 56°.
Com efeito, importa ter em conta que a liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão; (cfr., v.g., J. L. Morais Rocha e A. C. Sá Gomes in “Entre a Reclusão e a Liberdade – Estudos Penitenciários”, Vol. I, em concreto, “Algumas notas sobre o direito penitenciário”, IV cap., pág. 41 e segs.).
Na esteira do repetidamente decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 18.05.2017, Proc. n.° 373/2017, de 08.06.2017, Proc. n.° 422/2017 e de 15.06.2017, Proc. n.° 335/2017).
Assim, detenhamo-nos na apreciação de tais pressupostos de natureza material.
Ponderando na factualidade atrás retratada, poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?
Cremos que de sentido positivo deve ser a resposta.
De facto, o recluso ora recorrente, era “primário” antes da condenação na pena que cumpre, demonstra arrependimento, reconhecendo o desvalor da sua conduta – v.d., v.g., as várias cartas juntas aos autos e o parecer da técnica de serviço social – tem tido um “bom comportamento prisional” – vd., Parecer do Director do E.P.C. – possuindo vontade e apoio da família para levar uma “vida nova”.
Mostra-se assim – tal como entendido pelo Mmo Juiz a quo – verificado o pressuposto do art. 56°, n.° 1, al. a) do C.P.M., ou seja, viável se nos apresenta o necessário juízo de prognose favorável quanto à sua futura vida em liberdade.
Por sua vez, e sem esquecer a natureza do crime cometido, ponderando no período de pena já expiado, (quase 1 ano e 6 meses), e no que falta cumprir, (pouco mais que 6 meses), crê-se que, atento o atrás aludido “juízo de prognose favorável”, viável é atender-se à pretensão em questão, considerando-se igualmente verificados os pressupostos do art. 56°, n.° 1, al. b), desde que ao recorrente se fixe a obrigação de não voltar a Macau no período de tempo em que se mantiver em liberdade condicional.
Assim, em face das expostas considerações, e verificados se mostrando de considerar os pressupostos do art. 56°, n.° 1 do C.P.M., há que revogar a decisão recorrida, concedendo-se, nos exactos termos consignados, a liberdade condicional ao ora recorrente.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam julgar procedente o recurso, concedendo-se a pretendida liberdade condicional.
Sem custas.
Passem-se os competentes mandados de soltura.
Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.
Oficie à P.S.P. remetendo cópia do acórdão.
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 20 de Julho de 2017
(Relator)
José Maria Dias Azedo
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng
(Segunda Juiz-Adjunta)
Tam Hio Wa (Vencido com declaração de voto junto a seguir.)
Processo nº 670/2017 (Autos de recurso penal)
Data: 20/07/2017
Declaração de voto
Vencida por seguintes razões:
Não concordo com a decisão de conceder a liberdade condicional ao recorrente B, porque atendendo à gravidade das condutas ilícitas praticadas pelo recluso, só com uma exemplar e excelente evolução activa da personalidade do recluso durante a execução da prisão, e não um mero comportamento passivo cumpridor das regras básicas da conduta prisional, que fosse capaz de mostrar o seu sincero arrependimento, e um juízo de prognose favorável ao recluso de conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, o que não se mostra nos presentes autos.
Portanto, creio que se deveria manter a decisão do Tribunal a quo, julgando improcedente o recurso.
A Segunda Adjunta
___________________________
Tam Hio Wa
Proc. 670/2017 Pág. 12
Proc. 670/2017 Pág. 1