Processo nº 130/2015
Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I
Companhia de Engenharia WWW (Macau), Lda., devidamente identificada nos autos, instaurou no Tribunal Judicial de Base uma acção ordinária, registada sob o nº CV2-11-0029-CAO, contra a Empresa Construtora XXX, Lda., também devidamente identificada nos autos.
Regularmente citada, a Ré contestou por via do fax e depois juntou no dia seguinte aos autos o original da contestação, mediante o requerimento onde se pediu o deferimento das rectificações da contestação, já efectuadas no original do texto.
Notificada da junção da contestação, veio a Autora pedir o desentranhamento da contestação rectificada, por ser estranha ao processo, por não ter sido dado cumprimento ao disposto no artº 2º/2 e 3 do Decreto-Lei nº 73/99/M, e por ter sido apresentada fora do prazo peremptório para contestar sem que tivesse sido efectuado o pagamento da multa nos termos do artº 95º/4 do CPC.
Findos os articulados, no despacho saneador, a Exmº Juiz titular do processo a quo julgou improcedente o pedido de desentranhamento da contestação formulado pela Autora e validou a contestação rectificada.
Inconformada, a Autora interpôs o recurso dessa mesma decisão proferida no despacho saneador.
Notificada, a Ré contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso.
Admitido o recurso e feito subir imediatamente e em separado ao TSI, onde por despacho Relator foi determinada a baixa dos autos por entender o recurso ter sido prematuramente subido.
Baixados os autos à primeira instância, foi corrigido o modo de subida para a subida diferida.
Continuou a marcha processual na sua tramitação normal, e veio a final, a acção a ser julgada parcialmente procedente e a reconvenção improcedente nos termos seguintes:
I – Relatório:
Companhia de Engenharia WWW (Macau), Lda. (WWW(澳門)工程有限公司), com sede em Macau na Avenida ...... n.º ..., Edf. ...... Central Comércio ...º andar ..., registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis de Macau sob o nº 1####(SO),
veio intentar a presente
Acção Ordinária
contra
Empresa Construtora XXX, Limitada (XXX建築有限公司), com sede em Macau na Alameda ......, nº ..., Edifício ...... Plaza, ...º andar ..., ...-..., registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis de Macau sob o nº 1###(SO),
com os fundamentos constantes da p.i., de fls. 2 a 7,
concluiu pedindo que seja julgada procedente por provada a presente acção, e em consequência, a Ré ser condenado a pagar à Autora:
1. a Ré ser condenada no pagamento à Autora da quantia de MOP$4.532.774,02, a título de todos os prejuízos sofridos pela A; e
2. a Ré ser condenada no pagamento de juros desde a sua citação e até integral pagamento, que se vierem a vencer.
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A Ré contestou a acção com os fundamentos constantes de fls. 127 a 153 dos autos.
Concluiu pedindo que sejam julgados improcedentes os pedidos da Autora e que seja condenada no pedido reconvencional por si formulado.
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Este Tribunal é o competente em razão da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária e de legitimidade "ad causam".
O processo é o próprio.
Inexistem nulidades, excepções ou outras questões prévias que obstem à apreciação "de meritis".
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Procedeu-se a julgamento com observância do devido formalismo.
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II – Factos:
Dos autos resulta assente a seguinte factualidade com interesse para a decisão da causa:
Da Matéria de Facto Assente:
- A A. exerce principalmente a actividade de instalação e remoção de andaimes de metal ou bambu, de fornecimento e aplicação de cimento reforçado com fibras de vidro e de comércio de material para a construção civil e de mecanismos de estabilização de andaimes (alínea A) dos factos assentes).
- Entre a R. e a YYY ORIENTE, LIMITADA foi celebrado um contrato de empreitada 51311 (alínea B) dos factos assentes).
- Em 29 de Janeiro de 2008, foi celebrado um acordo entre a A. e a R. para a subempreitada de fornecimento, erecção (incluindo fundações, medidas de estabilização e redes de protecção e segurança) e remoção de andaimes de metal ou bambu para as fachadas externas no âmbito do contrato referido em alínea B) cujo teor consta do documento a fls. 10 a 11 que se aqui se dá por integralmente reproduzido (alínea C) dos factos assentes).
- No dia 14 de Novembro de 2008, a R. comunicou, por e-mail, à A. que os trabalhos estavam suspensos desde 12 de Novembro de 2008 (alínea D) dos factos assentes).
- Em 11 de Maio de 2009 a YYY ORIENTE, LIMITADA notificou à R. a rescisão do contrato 51311, com efeitos imediatos (alínea E) dos factos assentes).
- Em 26 de Junho de 2009, foi a A. formalmente notificada da rescisão do contrato de subempreitada, através de carta da R., com a referência WWWMC-51311-L-001 (alínea F) dos factos assentes).
- Em consequência da notificação desta rescisão contratual efectuada pela R., a A. notificou a R., através da sua carta com a referência WWWM/L/09/013 de 27 de Junho de 2009, da sua resposta e do cálculo preliminar dos pagamentos em dívida e das perdas e danos causados com a forma de actuar da R., conforme cópia que se junta a fls, 53 a 55, que aqui se dá por integralmente reproduzida (alínea G) dos factos assentes).
- Nos termos da cláusula 5.1 do contrato referido na alínea C), cabia à A. os pedidos de pagamento mensal no final de cada mês e à R. proceder ao seu pagamento no prazo de 30 dias após a recepção destes (as restantes) (alínea H) dos factos assentes).
- A R. utilizou os andaimes de metal ou bambu, propriedade da A., para as fachadas externas no âmbito do contrato de empreitada 61311 celebrado entre a R. e A YYY ORIENTE, LIMITADA (alínea I) dos factos assentes).
- Nos termos da cláusula 2.1 do contrato referido na alínea C), “as quantidades estão sujeitas a re-medição (alínea J) dos factos assentes).
- A cláusula 3ª do contrato referido em alínea C) estipula “os valores incluirão o fornecimento, erecção (incluindo todas as fundações, varões, medidas de estabilização, redes de protecção/ segurança, etc.) e remoção de andaimes de meta/ bambu, para construção das fachadas externas nos termos do Pacote de Empreitada 51311 (alínea K) dos factos assentes).
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Da Base Instrutória:
- Dos pedidos de pagamento apresentados pela Autora, estão ainda por pagar, pelo menos, o valor de MOP$811.706,27 (resposta ao quesito da 1º da base instrutória).
- Para armazenamento dos materiais de obra durante a execução do contrato celebrado com a R., a A. celebrou um contrato de arrendamento de um armazém (resposta ao quesito da 3º da base instrutória).
- Está previsto no contrato referido em C) dos factos assentes que a obra terminaria em finais de 2008 (resposta ao quesito da 4º da base instrutória).
- É estimado o valor total da obra em MOP$2.163.085,00 (resposta ao quesito da 7º da base instrutória).
- A A. erigiu 7640 m2 de andaimes (resposta ao quesito da 15º da base instrutória).
- A que corresponde, pelo menos, ao valor de MOP$1.843.606,27 (MOP$811.706,27 + MOP$1.031.900,00) (resposta ao quesito da 16º da base instrutória).
- O custo dos materiais encontra-se computado no valor total do contrato (resposta ao quesito da 17º da base instrutória).
- A Ré já liquidou a quantia de MOP$1.031.900,00 do valor total estimado do contrato (resposta ao quesito da 18º da base instrutória).
- Entre a Autora e a Ré foi celebrado um acordo nos termos do qual em 11 de Março de 2011, a Ré concordou em pagar à Autora o valor de MOP$364.332,00 pelo aluguer dos andaimes para a execução da obra referidas em I) dos factos assentes (resposta ao quesito da 19º da base instrutória).
- Desse valor, a R. já liquidou o valor de MOP$200.000,00 em 24 de Março de 2011 (resposta ao quesito da 20º da base instrutória).
- A Ré chegou a dizer à Autora que havia falha de mão da obra, pedindo-lhe que aumentasse o número de trabalhadores (resposta ao quesito da 25º da base instrutória).
- A Ré chegou a avisar à Autora que asseguraria a execução de trabalho por terceiros (resposta ao quesito da 28º da base instrutória).
- Repercutindo os referidos custos na conta final a elaborar no âmbito do contrato (resposta ao quesito da 29º da base instrutória).
- Na data de 26 de Junho de 2009, a R. solicitou à A. que removesse os andaimes do local de obra, por instruções da dona de obra, a YYY Orient Limited (resposta ao quesito da 32º da base instrutória).
- A A. nada fez (resposta ao quesito da 33º da base instrutória).
- Por carta de 12 de Abril de 2011, a Ré comunicou à Autora que pretendia operar a compensação do valor das despesas alegadamento feitas por causa do incumprimento do acordo que imputava à Autora com os eventuais créditos que Autora tivesse no âmbito do contrato (resposta ao quesito da 36º da base instrutória).
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III – Fundamentos:
Cumpre analisar os factos e aplicar o direito.
Pela presente acção, pretende a Autora que a Ré seja condenada a pagar-lhe (1) o remanescente do valor da obra por si efectuada no âmbito de um contrato de subempreitada celebrado entre as partes; (2) o valor dos materiais utilizados tendo também em conta a depreciação dos mesmos materiais; (3) o valor das demais despesas incorridas pela Autora para a conclusão desta obra; (4) o valor dos lucros cessantes; e (5) o remanescente do valor do aluguer dos andaimes utilizados pela Autora para a realização da subempreitada.
Para o efeito, alega entre as partes foi celebrado um contrato de subempreitada para o fornecimento, erecção e remoção de andaimes de metal ou bambu pelo valor estimado de MOP$2.328.405,00, empreitada esta suspensa a dada altura e rescindida posteriormente pela Ré na sequência da rescisão feita pelo dono da obra. Mais sustenta que a Ré não pagou a totalidade do preço devido, faltando pagar MOP$939.377,27; que, para a realização da obra, a Autora suportou despesas com os materiais utlizados ou depreciados, no valor de MOP$1.842.284,00, com os serviços de recrutamento de trabalhadores não residentes, no valor de MOP$315.000,00, com o alojamento destes trabalhadores, no valor de MOP$92.000,00 e com o arrendamento do escritório no local da obra e serviços diversos, no valor MOP$21.020,00; que, por causa da suspensão da obra, teve que prorrogar o prazo de arrendamento do armazém dos materiais a utilizar na obra e destacar um empregado no local da obra no que despendeu MOP$315.000,00 (MOP$175.000,00 + MOP$140.000,00); que, por força da rescisão da subempreitada, teve que pagar compensações aos trabalhadores contratados para a obra em discussão, no valor de MOP$494.500,00; e que, não fosse a rescisão da subempreitada, teria lucros correspondentes a 15% do valor estimado da subempreitada. No que se refere ao valor do aluguer dos andaimes, afirma que, já depois de rescindida a subempreitada, foi acordado entre as partes que a Ré pagaria a quantia total de MOP$364.332,00 pelo uso dos mesmos numa outra empreitada da qual a Ré apenas pagou MOP$200.000,00.
Contestando a acção, a Ré reconhece que não pagou todo o preço da obra mas salienta que estão apenas por pagar MOP$811.706,27. Impugna, contudo, a existência das despesas alegadas pela Autora acrescentando que no valor estimado da subempreitada estavam já incluídos todos os custos que a Autora teria que suportar para a conclusão da obra razão por que não lhe assiste direito a qualquer outro valor.
Mais defende a Ré que havia atrasos na conclusão da obra, atrasos estes causados pela inicial insuficiência e posterior total ausência de mão-de-obra; que apesar de sucessivas queixas, não houve melhoria razão por que a Ré foi obrigada a contratar terceiros para a conclusão da obra no que despendeu MOP$998.485,00; que a Autora se recusou a remover os andaimes instalados no local da obra, apesar de interpelada para o efeito; que, por força disso, a Ré teve despesas com a conservação dos andaimes da Aurora, no valor de MOP$260.000,00.
Com base nesses factos, a Ré pretende, por um lado, proceder à compensação dos créditos que venham a ser reconhecidos à Autora e, por outro lado, obter a condenação da Autora no pagamento da diferença de que alega ter direito.
Também para excepcionar a pretensão da Autora, mas desta feita no que se refere ao pedido de pagamento do remanescente do aluguer dos andaimes, a Ré invoca novamente o não cumprimento da obrigação de remoção dos andaimes por parte da Autora alegando que o pagamento peticionado era apenas devido depois do levantamento dos andaimes.
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Tendo em conta a forma como as questões são apresentadas, urge analisar o seguinte:
1. Natureza das relações estabelecidas entre as partes;
2. Falta de pagamento do remanescente do preço da obra;
3. Suspensão e consequências;
4. Rescisão e consequências;
5. Falta de pagamento do remanescente do aluguer e não remoção dos andaimes;
6. Atrasos e consequências;
7. Não remoção dos andaimes e consequências;
8. Pedido da Autora; e
9. Pedido da Ré.
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Natureza das relações estabelecidas entre as partes
Conforme os factos assentes, aliás, reconhecidos pelas partes, no dia 29 de Janeiro de 2008, foi celebrado um contrato de subempreitada entre as partes nos termos do qual a Autora ficou obrigada a fornecer, erigir (incluindo fundações, medidas de estabilização e redes de protecção e segurança) e remover andaimes de metal ou bambu para as fachadas externas no âmbito do contrato de empreitada anteriormente celebrado entre a Ré e a YYY Oriente, Limitada. Está ainda provado que o valor estimado da obra era de MOP$2.163.085,00 tendo a Autora erigido 7640m2 de andaimes e estava previsto que a obra terminaria em finais de 2008.
A subempreitada está regulada nos artigos 1133º a 1156º do CC. Segundo o artigo 1139º, nº 1, do CC, “Subempreitada é o contrato pelo qual um terceiro se obriga para com o empreiteiro a realizar a obra a que este se encontre vinculado, ou uma parte dela.” Dispõe o artigo 1139º do CC que “Empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra realizar certas obra, mediante um preço.”
Tendo em conta os factos acimas referidos e as normas acabadas de transcrever, vê-se que as partes celebraram um contrato de subempreitada como vem alegado nos articulados.
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Resulta também dos factos assentes que as partes celebraram um outro acordo destinado a permitir à Ré utilizar certos andaimes pertencentes à Autora para a execução de uma outra empreitada desta mediante uma contraprestação pecuniária no valor de MOP$364.332,00.
Segundo o artigo 969º do CC “Locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar a outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição.”
Por sua vez o artigo 970º do mesmo Código estipula que “A locação diz-se arrendamento quando versa sobre coisa imóvel, aluguer quando incide sobre coisa móvel.”
Assim, entre as partes foi também celebrado um contrato de aluguer.
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Falta de pagamento do remanescente do preço
A Autora alega que a Ré não pagou integralmente o preço da obra já efectuada estando actualmente em dívida MOP$939.377,27.
A Ré reconhece que o preço não estava totalmente pago mas apenas no valor de MOP$811.706,27 porque a quantidade de andaimes efectivamente erigidos pela Autora era inferior ao indicado por esta.
Feito o julgamento da matéria de facto, a Autora não logrou demonstrar que o valor em falta era o que a mesma tinha alegado. Conforme os factos assentes, o montante ainda por pagar era apenas MOP$811.706,27.
Pelo que, para os efeitos da presente acção, o preço por pagar é tão-só MOP$811.706,27.
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Suspensão e consequências
Para sustentar o seu pedido de condenação da Ré no pagamento de algumas das parcelas que compõem o seu pedido total, alega a Autora que a obra foi suspensa de uma forma inesperada e injustificada em 12 de Novembro de 2008 facto que a obrigou a manter o contrato de arrendamento do armazém onde estavam guardados os materiais a utilizar na obra cujo termo estava inicialmente previsto para finais de 2008, data em que a obra completaria, bem como destacar um empregado seu no local da obra para acompanhar a situação e coordenar o reinício da subempreitada. Segundo a Autora, esses factos deram origem a despesas acrescidas, pois, pelo tempo adicional por que manteve o arrendamento do armazém, despendeu MOP$175.000,00 e, a título de salário que teve que pagar ao aludido empregado, despendeu MOP$140.000,00.
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No que se refere à suspensão, ambas as partes estão de acordo que a obra foi efectivamente suspensa em 12 de Novembro de 2008 a qual nunca mais foi reiniciada tendo o contrato de subempreitada celebrado entre as partes sido posteriormente rescindido na sequência da rescisão do contrato de empreitada celebrado entre a Autora e a YYY Oriente, Limitada. Aliás, consta da matéria assente essa suspensão.
Já o mesmo não acontece com a necessidade de manutenção do arrendamento do armazém e com a colocação de um empregado no local da obra, matéria impugnada pela Ré. Como se pode facilmente constatar dos factos dados como provados, a Autora não conseguiu provar os respectivos factos.
Assim, para os efeitos pretendidos pela Autora, não se pode considerar que esta teve despesas acrescidas com a suspensão da obra.
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Rescisão e consequências
Para sustentar o seu pedido de condenação em relação a outras seis parcelas que compõem o seu pedido total, alega a Autora que a Ré rescindiu a subempreitada depois de a obra ter estado suspensa por sete meses. Segundo a Autora, a extinção do contrato de subempreitada obrigou-a a pôr termo aos contratos de trabalho celebrados com os seus trabalhadores contratados para a realização da obra e a pagar compensações a estes trabalhadores no valor total de MOP$494.500,00 e impediu que a Autora pudesse a obter os lucros que esperava conseguir com a obra os quais correspondiam a MOP$349.260,75, equivalentes a 15% do valor estimado da subempreitada. Mais alega que, para a realização da obra, suportou custos com os materiais utilizados ou depreciados, no valor de MOP$1.842.284,00, com os serviços de recrutamento dos trabalhadores que não eram residentes de Macau, no valor de MOP$315.000,00, com o alojamento destes trabalhadores, no valor de MOP$92.000,00 e com o arrendamento do escritório no local da obra e serviços diversos, no valor de MOP$21.020,00.
Nos termos do artigo 1155º do CC “O dono da obra pode desistir da empreitada a todo o tempo, ainda que tenha sido iniciada a sua execução, contanto que indemnize o empreiteiro dos seus gastos e trabalho e do proveito que poderia tirar da obra.”
No que à rescisão diz respeito, novamente, as partes estão de acordo e a respectiva matéria consta dos factos assentes.
O mesmo não acontece com o que se refere às despesas alegadamente tidas pela Autora quer para realizar as obras quer em virtude do despedimento dos trabalhadores desta e aos lucros que a Autora poderia obter com a conclusão da obra. Também em relação a esses factos, a Autora não logrou demonstrá-los.
Assim, sem necessidade de se debruçar sobre a questão de saber se tais verbas se enquadram na hipótese prevista no artigo 1155º do CC acima transcrito designadamente por força dos factos e fundamentos invocados pela Autora, não se pode dizer que esta teve prejuízos com a rescisão da subempreitada.
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Falta de pagamento do remanescente do aluguer e não remoção dos andaimes
Foi já acima referido que a Autora tinha pedido a condenação da Ré no pagamento do remanescente do aluguer dos andaimes alegadamente não pago, desta feita com base no contrato de aluguer celebrado entre as partes.
Apesar de, no presente caso, estarem em causa dois contratos celebrados entre as mesmas partes e o contrato do aluguer ter por objecto o locação dos andaimes que, segundo a Ré, tinham sido anteriormente utilizados no âmbito do contrato de subempreitada, convém, antes de mais, frisar que os contratos são totalmente autónomos e servem para fundamentar pedidos também independentes. Com efeito, o contrato de aluguer foi invocado pela Autora para fundamentar o seu pedido de condenação da Ré no pagamento do remanescente do aluguer previsto neste contrato e o contrato de subempreitada destina-se a sustentar os demais pedidos da Autora. A isso acresce que a Ré não logrou demonstrar o que tinha alegado no artigo 132º da sua contestação: o contrato de aluguer servia para dar execução a um outro contrato (contrato nº 61311 celebrado entre a Ré e a YYY Oriente, Limitada) o qual era apenas a continuação do contrato de subempreitada (contrato nº 51311 celebrado entre a Autora e a Ré).
Pelo que, na apreciação dos factos relativos à falta de pagamento do aluguer não se terão em conta as obrigações fixadas no contrato de subempreitada no qual vem estipulado que a Autora tem a obrigação de remover os andaimes instalados em execução do contrato de subempreitada.
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Feita essa observação, inicia-se, então, a análise dos factos respeitantes à falta de pagamento do aluguer.
Consta dos factos assentes que entre as partes foi celebrado um acordo nos termos do qual em 11 de Março de 2011, a Ré concordou pagar à Autora o valor de MOP$364.332,00 pelo aluguer dos andaimes tendo aquela utilizado os andaimes para a execução de uma outra empreitada mas pago apenas a quantia de MOP$200.000,00 à Autora.
Verifica-se, portanto, que, pelo aluguer dos andaimes, a Ré ainda deve MOP$164.332,00 à Autora.
Relativamente a esse pedido, alega a Ré que o remanescente do aluguer seria pago aquando do levantamento dos andaimes razão por que a obrigação agora em discussão ainda não está vencida (cfr. artigos 135º a 139º da contestação).
Do que vem alegado pela Ré, retira-se que o vencimento da obrigação depende do levantamento dos andaimes. Contudo, a mesma não afirmou expressamente que a Ré não tinha feito o levantamento dos andaimes depois da utilização dos mesmos pela Autora. Apenas nos artigos 155º a 157º da contestação se fez referência à não remoção dos andaimes por parte da Autora apesar de ter sido solicitado para o efeito em 26 de Junho de 2009 e no que concerne à execução do contrato de subempreitada.
Duas razões levam a concluir que esses últimos factos, apesar de constarem da matéria de facto assente (cfr. respostas aos quesitos 32º e 33º da base instrutória), não podem ter qualquer relevância para o pedido de pagamento ora em análise.
Em primeiro lugar, o não levantamento referido nas respostas aos quesitos 32º e 33º da base instrutória diz respeito à obrigação de remoção prevista no contrato de subempreitada. Como foi já salientado mais acima, este último contrato nada tem a ver com o contrato de aluguer nem o respectivo incumprimento afecta as obrigações previstas no contrato de aluguer. Eventual relevância dessa omissão só pode ser tida em conta no contrato de subempreitada, questão que será debruçada mais adiante quando os fundamentos invocados para sustentar o pedido reconvencional da Ré são apreciados.
Em segundo lugar, como o contrato de aluguer foi apenas celebrado em 11 de Março de 2011 e a não remoção do andaimes imputado à Autora teve lugar antes, em meados de 2009, esta não remoção não pode ter qualquer relevância no contrato de aluguer. Ademais, relativamente ao contrato de aluguer nem sequer está provado que o pagamento do remanescente valor do aluguer seria feito aquando do levantamento dos andaimes, como alega a Ré.
Assim, nada obsta a que seja pedido o pagamento do remanescente do aluguer.
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Atrasos e consequências
Para se defender dos pedidos formulados pela Autora e para fundamentar o seu pedido reconvencional, alega a Ré que se verificaram atrasos na obra adjudicada à Autora, atrasos estes devidos à inicial insuficiência e posterior ausência de mão-de-obra e não remediados pela Autora mesmo depois de sucessivas interpelações feitas pela Ré; que para ultrapassar esse impasse, a Ré contratou terceiros para concluir as obras tendo despendio a quantia de MOP$998.485,00 depois de ter advertido a Autora das consequências da sua inacção.
Feito o julgamento da matéria de facto, a Ré logrou somente provar que tinha avisado a Autora de que havia falta de mão-de-obra pedindo-lhe que aumentasse o número de trabalhadores bem como que iria contratar terceiros para a execução dos trabalhos repercutindo os respectivos custos na conta final. Não ficou provado que houve insuficiência ou falta de trabalhadores, atrasos na execução da obra ou despesas incorridas pela Ré para a execução dos trabalhos alegadamente em atraso.
Assim, não se pode afirmar que houve atrasos nem que destes atrasos resultaram prejuízos à Ré.
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Não remoção dos andaimes e consequências
Também para se defender dos pedidos formulados pela Autora e para fundamentar o seu pedido reconvencional, sustenta a Ré que a Autora deixou os andaimes no local da obra e não os removeu mesmo depois de interpelado para o efeito não obstante de ser seu dever contratual proceder ao levantamento destas estruturas e que, por força disto, a Ré incorrer em custos de conservação dos andaimes no valor de MOP$260.000,00.
Resulta dos factos provados que a Ré pediu à Autora para proceder ao levantamento dos andaimes, pedido este ignorado pela Autora. Contudo, não consta da matéria assente que isso fez com que a Ré tivesse que arcar com despesas de conservação no valor acima indicado.
Assim, não se pode afirmar que a não remoção dos andaimes causou algum prejuízo à Ré.
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Pedido da Autora
Assente o não pagamento parcial da obra, no valor de MOP$811.706,27, e do aluguer, no valor de MOP$164.332,00 e não havendo razão para obstar a formulação dos respectivos pedidos de pagamento, devem estas parcelas do pedido total ser julgadas procedentes.
A mesma sorte não têm os pedidos parcelares formulados com base na suspensão da obra e rescisão do contrato de subempreitada porque a Autora não logrou demonstrar os factos constitutivos dos respectivos direitos.
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No que concerne aos juros, deve o pedido proceder.
O direito a juros funda-se no artigo 795º, nº 1, do CC, onde é fixada a indemnização pelo não cumprimento de uma obrigação pecuniária.
Uma vez que nada consta dos autos acerca de qualquer interpelação feita pela Autora para a restituição dessas quantias, é de considerar o dia da citação da Ré a data a partir da qual são os juros devidos.
A Ré foi citada pessoalmente em 13 de Maio de 2011. Assim, os juros são calculados desde o dia 14 de Maio de 2011.
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Pedido da Ré
Decorre do que foi dito mais acima que a Ré pretende proceder à compensação dos créditos de que alegadamente é titular com os créditos reclamados pela Autora nestes autos a fim de obter o pagamento do saldo positivo de que entende ser titular. Segundo a Ré, assiste-lhe o direito de receber o valor de MOP446.778,73.
Flui da análise feita sobre os fundamentos invocados pela Ré a esse propósito que não está provado que esta tinha sofrido qualquer dano que alega ter.
Assim, é manifesto que o pedido reconvencional não pode proceder porque não está demonstrado que a Ré dispõe de créditos sobre a Autora de valor superior ao valor do crédito de que a Autora é titular.
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IV – Decisão (裁 決):
Em face de todo o que fica exposto e justificado, o Tribunal julga parcialmente procedente a acção e improcedente a reconvenção, em consequência, decide:
1. Condenar a Ré, Empresa Construtora XXX, Limitada, a pagar à Autora, Companhia de Engenharia WWW (Macau), Limitada, a quantia de MOP$976.038,27 (MOP$811.706,27 + MOP$164.332,00), acrescida dos juros à taxa anual de 9.75% calculados a partir de 14 de Maio de 2011;
2. Absolver a Ré dos restantes pedidos formulados pela Autora;
3. Absolver a Autora do pedido reconvencional formulado pela Ré.
Custas pelas Autora e Ré na proporção dos respectivos decaimentos.
Registe e Notifique.
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據上論結,本法庭裁定訴訟理由部分成立及反訴理由不成立,裁決如下:
1. 判處被告XXX建築有限公司向原告WWW(澳門)工程有限公司支付澳門幣976,038.27元 (澳門幣811,706.27元 + 澳門幣164,332.00元); 附加自2011年5月14日起按法定年利率9.75%計算之利息;
2. 駁回原告提出之其他請求,開釋被告;
3. 駁回被告提出之反訴請求,開釋原告。
訴訟費用由原告及被告按勝負比例分擔。
依法作出通知及登錄本判決。
Não se conformando com a sentença na parte que julgou in totum improcedentes os seus pedidos reconvencionais, veio a Ré recorrer da mesma concluindo e pedindo:
a) Para decidir pela falta de prova dos factos vertidos nos Quesitos 22, 23, 24, 30, 31, o Mmo. Tribunal a quo considerou o depoimento das testemunhas A e B, gravados respectivamente sob os ficheiros "Recorded on 23-Jan-2014 at 12.26.59 (1#MWRZEW05011270)" e "Recorded on 29-Jan-2014 at 10.05.37 (1#US0D6105011270", em conjunção com a prova documental carreada aos autos.
b) Ora, quanto à manifesta e repetida insuficiência de trabalhadores da recorrida na obra, considera a ora Recorrente que foi produzida ampla prova documental de molde a justificar que o Mmo. Tribunal a quo desse o Quesito 22 como provado;
c) O Documento No. 3 junto com a contestação, menciona que "apesar de termos informado o vosso PM - C em muitas ocasiões, o número de trabalhadores de andaime fornecidos é ainda insuficiente para recuperar o nosso progresso de obra" (tradução e destaques da Recorrente), o que, de per se, já seria bastante para demonstrar a procedência do alegado pela Recorrente no Quesito 22 e para que este fosse dado como provado.
d) Por outro lado, a Recorrente não pode deixar de salientar que competiria ao Mmo. Tribunal a quo valorar a prova carreada aos autos da perspectiva das regras da experiência comum.
e) Num contexto de normalidade, é razoável concluir que quando uma parte num contrato é repetidamente acusada por outra de incumprimento, inclusive com a ameaça de substituição na prestação do serviço contratado por terceiro (cfr. Documento No. 5 junto com a contestação), não deixaria de registar uma qualquer resposta, caso considerasse tais acusações infundadas.
f) Acresce que a insuficiência de trabalhadores da recorrida foi confirmada não por uma, mas por duas testemunhas, sendo de salientar que tanto a testemunha A como a testemunha B foram claras em declarar a insuficiência de trabalhadores da recorrida na obra.
g) A testemunha A foi clara na sua afirmação, ao minuto 02:39" do depoimento gravado no ficheiro "Recorded on 23-Jan-2014 at 12.26.59 (1#MWRZEW05011270)", ao afirmar que "mais ou menos em Setembro de 2008, os encarregados de estaleiro constaram que havia falta de pessoal, portanto não se conseguiu acompanhar o andamento da obra em si", tendo pouco depois, após instado a confirmar se a Recorrente havia dado conta de tal facto à recorrida, esclarecido, ao minuto 3:12" da mesma gravação que "sim, sim, nós enviamos em email e disse que se não houvesse pessoal suficiente tinha que se aumentar".
h) Ainda mais enfática foi a testemunha B, que, ao minuto 3:34" do depoimento gravado no ficheiro "Recorded on 29-Jan-2014 at 10.05.37 (1#US0D6105011270)", indicou que "antes da suspensão do trabalho (...) devido à falta de pessoal para fazer o trabalho, os dirigentes da empresa (i.e., a Recorrente) por várias vezes fizeram queixa a pedir para aumentar os trabalhadores, mas acabou por não haver aumento".
i) Assim, mesmo que a prova documental não fosse considerada como bastante para demonstrar a insuficiência de trabalhadores da recorrida na obra, a verdade é que, combinada com a prova testemunhal acima reproduzida, não se pode deixar de considerar que a Recorrente provou de forma clara e inequívoca o alegado no Quesito 22, devendo como tal ser este considerado provado.
j) Quanto aos atrasos causados pela ausência de trabalhadores (Quesito 23), para além de fluírem das considerações de experiência comum, acham-se ainda suportados pela prova documental carreada aos autos, maxime o referido Documento No. 3 junto com a contestação, no qual a Recorrente indica que "todos os trabalhos acima indicados estão atrasados porque os andaimes não foram modificados".
k) Este elemento de prova teria que ser valorado pelo Mmo. Tribunal em conjunto com a prova testemunhal produzida sobre o mesmo Quesito 23, nomeadamente o depoimento da testemunha A, que, tal como indicado supra, declarou, ao minuto 02:39 do depoimento gravado no ficheiro "Recorded on 23-Jan-2014 at 12.26.59 (1#MWRZEW05011270)", que "mais ou menos em Setembro de 2008, os encarregados de estaleiro constaram que havia falta de pessoal, portanto não se conseguiu acompanhar o andamento da obra em si".
i) Também o facto vertido no Quesito 24 foi indevidamente valorado pelo Mmo. Tribunal a quo.
m) A este respeito, a prova de que a VOL estaria insatisfeita com o progresso das obras devido ao atraso nos trabalhos de andaimes causado pela falta de pessoal da recorrida começa imediatamente a entrever-se da prova documental carreada aos autos, maxime o referido Documento No. 3 junto com contestação.
n) Deste elemento probatório, conjugado com as regras de experiência comum e a presunção natural de que um dono de obra que detecta um atraso sério no progresso geral de uma superestrutura de jogo e lazer devido à falta de pessoal da recorrida não poderá estar satisfeito, deveria ter resultado uma inclinação do Mmo. Tribunal a quo para a veracidade do facto vertido no referido Quesito 24, inclinação essa que foi depois confirmada pela prova testemunhal produzida nos autos, nomeadamente a da testemunha B, que, ao minuto 10:45" do depoimento gravado no ficheiro "Recorded on 29-Jan-2014 at 10.05.37 (1#US0D6105011270)", afirmou peremptoriamente que a recorrida "não conseguiu aumentar o número de pessoal e isso também afectou a relação que tínhamos com o YYY".
o) Quanto ao Quesito 30, resultou efectivamente provado que, durante o período nele indicado, a JF executou os trabalhos relativos aos andaimes em substituição da recorrida, que, não tendo conseguido alocar trabalhadores suficientes para cumprir as suas obrigações nos termos do seu contrato com a Recorrente, as deixou incumpridas, obrigando a Recorrente a encontrar um substituto.
p) A prova documental junta aos autos já ia nesse sentido, maxime o Documento No. 7 A1 junto com a contestação, que evidencia um pagamento à JF no valor de MOP$300,000.00, por trabalhos executados até 12 de Novembro de 2008, com a menção expressa de que a JF os estava a executar em substituição da recorrida ("JzzFzzz代替WWW").
q) Este elemento probatório documental deveria ter sido considerado pelo Mmo. Tribunal a quo em conjunto com o depoimento da testemunha B, que, ao minuto 03:49" do depoimento gravado no ficheiro "Recorded on 29-Jan-2014 at 10.05.37 (1#US0D6105011270)", afirmou que "antes da suspensão, pedimos a outra empresa para ajudar a fazer o trabalho".
r) Prosseguiu a mesma testemunha ao minuto 04:22 do seu depoimento, confirmando que "uma vez que não conseguiu [a recorrida] aumentar o pessoal, não tivemos outra alternativa que pedir a outra empresa para proceder à continuação da feitura dos trabalhos", esclarecendo ao minuto 04:39 do mesmo depoimento que a essa outra empresa era a "empresa com o nome de Jzz Fzzz".
s) A mesma testemunha afirmou ainda, aos 10:45 do mesmo depoimento, que a recorrida "não conseguiu aumentar o número de pessoal e isso também afectou a relação que tínhamos com o YYY. Sem alternativa, tivemos que procurar outra empresa, portanto, para cumprir a obrigação que a WWW devia cumprir" .
t) Quanto ao Quesito 31, mesmo tendo em conta o entendimento perfilhado a final pelo Mmo. Tribunal a quo de que os contratos 51311 e 61311 são dois contratos distintos, a verdade é que pelo menos as despesas realizadas pela Recorrente inequivocamente no âmbito do contrato 51311 e inequivocamente para a realização de trabalhos pela JF em substituição, i.e., as MOP$300,000.00 constantes do Documento 7 A1, sempre deverão ser consideradas como despesas causadas exclusivamente pela conduta da recorrida.
u) Como tal, o Quesito 31 deverá ser dado pelo menos como parcialmente provado, sendo em consequência a recorrida condenada parcialmente no pagamento deste montante à Recorrente, procedendo igualmente a excepção de compensação, também ela de forma parcial, invocada pela Recorrente na sua contestação, o que desde já se requer.
v) Face a tudo o exposto, pela reapreciação da prova constante dos autos, nomeadamente dos depoimentos prestados pelas testemunhas A e B (gravados sob os ficheiros acima identificados), e da sua conjugação com a prova documental carreada aos autos, maxime os documentos Nos. 3 e 5 juntos com a contestação e o documento 7 A1 que havia protestado juntar, deverá ser alterada a resposta aos factos acima referidos, julgando-se os mesmos pelo menos parcialmente provados, considerando-se provada pelo menos a realização da despesa de MOP$300,000.00 plasmada no Documento No. 7 A1 como respeitante à execução por terceiros de obras, tudo com as devidas consequências quanto ao pedido reconvencional formulado pelo ora Recorrente.
Nestes termos, e nos mais de Direito, revogando a decisão recorrida nos termos e com as consequências expostas supra, farão V. Exas a costumada
JUSTIÇA
Ao recurso não respondeu a Autora.
II
Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.
Conforme se vê supra no relatório do Acórdão, a Autora interpôs recurso interlocutório da decisão proferida no saneador que julgou validamente apresentada a contestação.
Foi fixado ao recurso interlocutório o regime de subida diferida.
Notificadas ambas as partes da sentença, apenas a Ré recorreu.
Subiram ambos os recursos, interlocutório e o final.
Teoricamente falando, se proceder o recurso interlocutório, será revogada a decisão recorrida e anulados todos os actos entretanto praticados cuja validade dependa dessa decisão recorrida.
Todavia, não tendo a Autora, recorrente do recurso interlocutório, recorrido da sentença final, é de conhecer primeiro o recurso da decisão final nos termos do disposto no artº 628º/2 do CPC, à luz do qual “os recursos que não incidam sobre o mérito da causa e que tenham sido interpostos pelo recorrido em recurso de decisão sobre o mérito só são apreciados se a sentença não for confirmada.”.
Assim, apreciamos em primeiro lugar o recurso final.
Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).
Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.
Em face das conclusões tecidas na petição do recurso da sentença final, a Ré, ora recorrente, limita-se a impugnar a matéria de facto julgada assente na primeira, e no caso de procedência da impugnação, ver alterada a decisão de direito na parte que diz respeito ao pedido reconvencional.
Portanto, para já vamo-nos debruçar sobre a impugnação da matéria de facto.
Na sentença ora recorrida, foi tida por assente a seguinte matéria de facto:
Da Matéria de Facto Assente:
- A A. exerce principalmente a actividade de instalação e remoção de andaimes de metal ou bambu, de fornecimento e aplicação de cimento reforçado com fibras de vidro e de comércio de material para a construção civil e de mecanismos de estabilização de andaimes (alínea A) dos factos assentes).
- Entre a R. e a YYY ORIENTE, LIMITADA foi celebrado um contrato de empreitada 51311 (alínea B) dos factos assentes).
- Em 29 de Janeiro de 2008, foi celebrado um acordo entre a A. e a R. para a subempreitada de fornecimento, erecção (incluindo fundações, medidas de estabilização e redes de protecção e segurança) e remoção de andaimes de metal ou bambu para as fachadas externas no âmbito do contrato referido em alínea B) cujo teor consta do documento a fls. 10 a 11 que se aqui se dá por integralmente reproduzido (alínea C) dos factos assentes).
- No dia 14 de Novembro de 2008, a R. comunicou, por e-mail, à A. que os trabalhos estavam suspensos desde 12 de Novembro de 2008 (alínea D) dos factos assentes).
- Em 11 de Maio de 2009 a YYY ORIENTE, LIMITADA notificou à R. a rescisão do contrato 51311, com efeitos imediatos (alínea E) dos factos assentes).
- Em 26 de Junho de 2009, foi a A. formalmente notificada da rescisão do contrato de subempreitada, através de carta da R., com a referência WWWMC-51311-L-001 (alínea F) dos factos assentes).
- Em consequência da notificação desta rescisão contratual efectuada pela R., a A. notificou a R., através da sua carta com a referência WWWM/L/09/013 de 27 de Junho de 2009, da sua resposta e do cálculo preliminar dos pagamentos em dívida e das perdas e danos causados com a forma de actuar da R., conforme cópia que se junta a fls. 53 a 55, que aqui se dá por integralmente reproduzida (alínea G) dos factos assentes).
- Nos termos da cláusula 5.1 do contrato referido na alínea C), cabia à A. os pedidos de pagamento mensal no final de cada mês e à R. proceder ao seu pagamento no prazo de 30 dias após a recepção destes (as restantes) (alínea H) dos factos assentes).
- A R. utilizou os andaimes de metal ou bambu, propriedade da A., para as fachadas externas no âmbito do contrato de empreitada 61311 celebrado entre a R. e A YYY ORIENTE, LIMITADA (alínea I) dos factos assentes).
- Nos termos da cláusula 2.1 do contrato referido na alínea C), “as quantidades estão sujeitas a remedição (alínea J) dos factos assentes).
- A cláusula 3ª do contrato referido em alínea C) estipula “os valores incluirão o fornecimento, erecção (incluindo todas as fundações, varões, medidas de estabilização, redes de protecção e segurança, etc.) e remoção de andaimes de metal bambu, para construção das fachadas externas nos termos do Pacote de Empreitada 51311 (alínea K) dos factos assentes).
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Da Base Instrutória:
- Dos pedidos de pagamento apresentados pela Autora, estão ainda por pagar, pelo menos, o valor de MOP$811.706,27 (resposta ao quesito da 1º da base instrutória).
- Para armazenamento dos materiais de obra durante a execução do contrato celebrado com a R., a A. celebrou um contrato de arrendamento de um armazém (resposta ao quesito da 3º da base instrutória).
- Está previsto no contrato referido em C) dos factos assentes que a obra terminaria em finais de 2008 (resposta ao quesito da 4º da base instrutória).
- É estimado o valor total da obra em MOP$2.163.085,00 (resposta ao quesito da 7º da base instrutória).
- A A. erigiu 7640 m2 de andaimes (resposta ao quesito da 15º da base instrutória).
- A que corresponde, pelo menos, ao valor de MOP$1.843.606,27 (MOP$811.706,27 + MOP$1.031.900,00) (resposta ao quesito da 16º da base instrutória).
- O custo dos materiais encontra-se computado no valor total do contrato (resposta ao quesito da 17º da base instrutória).
- A Ré já liquidou a quantia de MOP$1.031.900,00 do valor total estimado do contrato (resposta ao quesito da 18º da base instrutória).
- Entre a Autora e a Ré foi celebrado um acordo nos termos do qual em 11 de Março de 2011, a Ré concordou em pagar à Autora o valor de MOP$364.332,00 pelo aluguer dos andaimes para a execução da obra referidas em I) dos factos assentes (resposta ao quesito da 19º da base instrutória).
- Desse valor, a R. já liquidou o valor de MOP$200.000,00 em 24 de Março de 2011 (resposta ao quesito da 20º da base instrutória).
- A Ré chegou a dizer à Autora que havia falha de mão da obra, pedindo-lhe que aumentasse o número de trabalhadores (resposta ao quesito da 25º da base instrutória).
- A Ré chegou a avisar à Autora que asseguraria a execução de trabalho por terceiros (resposta ao quesito da 28º da base instrutória).
- Repercutindo os referidos custos na conta final a elaborar no âmbito do contrato (resposta ao quesito da 29º da base instrutória).
- Na data de 26 de Junho de 2009, a R. solicitou à A. que removesse os andaimes do local de obra, por instruções da dona de obra, a YYY Orient Limited (resposta ao quesito da 32º da base instrutória).
- A A. nada fez (resposta ao quesito da 33º da base instrutória).
- Por carta de 12 de Abril de 2011, a Ré comunicou à Autora que pretendia operar a compensação do valor das despesas alegadamente feitas por causa do incumprimento do acordo que imputava à Autora com os eventuais créditos que Autora tivesse no âmbito do contrato (resposta ao quesito da 36º da base instrutória).
Então apreciemos.
Constatando-se nas conclusões tecidas na minuta do recurso interposto pela Ré, que esta se limitou a impugnar a resposta negativa dada aos quesitos 22º, 23º, 24º, 30º e 31º, pretende com o êxito da impugnação ver provada a matéria neles contida.
Trata-se de matéria que se prende com a causa (a insuficiência dos trabalhadores destacados pela Autora para a execução da obra e o consequente atraso da obra) alegadamente justificativa do recurso por parte da Ré ao serviço de uma terceira empresa para, em substituição da Autora, a execução da obra objecto do contrato de subempreitada (fornecimento, montagem e remoção dos andaimes), celebrada entre a Autora e a Ré.
Tal como vimos na sentença ora recorrida, estes quesitos mereceram in totum resposta negativa.
E portanto, o Tribunal a quo julgou improcedentes os pedidos reconvencionais, fundados nessa matéria julgada não provada, de condenação da Autora no pagamento à Ré das despesas por esta realizadas para a aquisição do serviço prestado por uma outra empresa e para a conservação dos andaimes que a Autora se recusou a remover após a suspensão da obra.
No recurso, vem a recorrente apontar o erro na apreciação da prova nas respostas dadas a esses quesitos todos, dado que na óptica da recorrente, o Tribunal a quo não valorou correctamente os vários documentos, identificados nas alegações de recurso, nem os depoimentos das testemunhas A e B, prestados na audiência de julgamento.
Pretende com a reapreciação dessas provas ver alterada a parte ora impugnada da matéria de facto, no sentido de julgar provada a matéria dos quesitos 22º, 23º, 24º, 30º e 31º, com vista à condenação da Autora nos termos peticionados na reconvenção.
Ora, se é verdade que, por força do princípio da livre apreciação das provas consagrado no artº 558º do CPC, como regra geral, o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, não é menos certo que a matéria de facto assente de primeira instância pode ser alterada nos termos e ao abrigo do disposto no artº 629º do CPC.
Diz o artº 629º/1-a) do CPC que a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância, se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artº 599º, a decisão com base neles proferida.
Reza, por sua vez, o artº 599º, para o qual remete o artº 629º/1-a), todos do CPC, que:
(Ónus do recorrente que impugne a decisão de facto)
1. Quando impugne a decisão de facto, cabe ao recorrente especificar, sob pena de rejeição do recurso:
a) Quais os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar as passagens da gravação em que se funda.
3. Na hipótese prevista no número anterior, e sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe à parte contrária indicar, na contra-alegação que apresente, as passagens da gravação que infirmem as conclusões do recorrente.
4. O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 590.º
A recorrente identificou a matéria que considera incorrectamente julgada não provada.
Os meios probatórios que, na óptica da recorrente, impunham decisão diversa são os documentos nºs 3, 5 e 7 A1 juntos com a contestação e os depoimentos das testemunhas A e B.
No caso dos autos, houve gravação dos depoimentos.
Pela recorrente foram identificados os documentos para ser reapreciados e indicadas as passagens da gravação do depoimento.
Satisfeitas assim as exigências processuais para a viabilização da reapreciação da matéria de facto com vista à eventual modificação por este Tribunal de Segunda Instância da decisão do Tribunal a quo sobre a matéria de facto, passemos então a apreciar se existem as alegadas incorrecções na apreciação da prova pelo tribunal a quo.
Ora, decorre do preceituado no artº 629º que o Tribunal de recurso é permitido funcionar como tribunal de substituição na matéria da questão de facto, relativamente ao Tribunal de primeira instância, desde que, em qualquer das situações aí previstas, se mostrem preenchidos os pressupostos nele exigidos, isto é, se coloquem ao dispor do tribunal ad quem os mesmos meios probatório de que dispunha o tribunal de 1ª instância.
O que significa que vigoram para ambas as instâncias as mesmas regras do direito probatório adjectivo e substantivo.
E por força do princípio da livre apreciação das provas, consagrado no artº 558º do CPC, este Tribunal de recurso deve igualmente apreciar e valorar os documentos e o depoimento das duas testemunhas, segundo o critério de valoração racional e lógica do julgador, com a observação das regras de conhecimentos gerais e experiência de vida e dos critérios da lógica.
Antes de entrarmos na reapreciação de provas nos termos pretendidos pela recorrente, convém recapitular o que foi peticionado na acção pela Autora e na reconvenção pela Ré, assim como a sorte dos pedidos da acção e dos reconvencionais.
Na acção, com fundamento na rescisão unilateralmente operada pela Ré do contrato de subempreitada celebrado entre a Autora e a Ré, que tem por objecto o fornecimento, erecção (incluindo fundações, medidas de estabilização e redes de protecção e segurança) e remoção pela Autora de andaimes de metal ou bambu para as fachadas externas de uma construção objecto do contrato de empreitada, identificado por 51311, celebrado entre a Ré e a YYY Oriente, Limitada, a Autora pediu a condenação da Ré no pagamento a favor dela dos valores seguintes:
* do remanescente do preço dessa subempreitada, no valor de MOP$939.377,27;
* do custo e da depreciação dos materiais utilizados na obra, no valor de MOP$1.842.284,00;
* de MOP$175.000,00, correspondente aos sete meses de rendas do alegado armazenamento dos materiais de obra no intervalo de tempo compreendido entre a suspensão da obra e a rescisão do contrato;
* do lucro cessante resultante da rescisão da subempreitada no valor de MOP$349.260,75;
* de MOP$140.000,00, correspondente aos sete meses de vencimento de um responsável que, no intervalo de tempo compreendido entre a suspensão da obra e a rescisão do contrato, se encarregava de acompanhar a situação e de ordenar o reinício dos trabalhos caso fosse a suspensão levantada;
* de MOP$494.500,00, correspondente às alegadas compensações, pagas à mão-de-obra contratada pela Autora para a execução da subempreitada, resultantes pela rescisão dos contratos laborais motivada pela rescisão do contrato de subempreitada, operada pela Ré;
* de MOP$92.000,00, correspondente ao preço do arrendamento para a acomodação da mão-de-obra;
* de MOP$21.020,00, correspondente ao preço do arrendamento de um escritório no local de obra;
* de MOP$315.000,00, correspondente ao preço dos serviços de recrutamento de 35 trabalhadores não residentes que a Autora já pagou adiantadamente; e
* de MOP$164.332,00, correspondente à contrapartida da utilização dos andaimes de metal e bambu, propriedade da Autora, para as fachadas externas no âmbito de uma nova empreitada, identificado por 61311, celebrado entre a Ré e a YYY Oriente, Limitada.
Ao passo que a Ré, por via de reconvenção, pediu a condenação da Autora no pagamento a favor dela dos seguintes valores:
* de MOP$998.485,00, correspondente ao preço, alegadamente suportado pela Ré e já pago a uma terceira empresa que a Ré contratou para assegurar a continuidade da execução do contrato de subempreitada que, por alegada insuficiência de trabalhadores da Autora ficou atrasada; e
* de MOP$260.000,00, correspondente às despesas realizadas pela Ré para a conservação dos andaimes que existindo no local da obra, a Autora se recusou a desmontar e remover mesmo após a rescisão do contrato.
A final, só foram julgados procedentes apenas dois pedidos da Autora, que são o primeiro e o último acima especificados.
Ao passo que ambos os pedidos reconvencionais foram julgados improcedentes por não provadas a respectivas causas de pedir.
Para a Ré, o Tribunal a quo andou mal no julgamento da matéria de facto, no que diz respeito à matéria dos quesitos 22º, 23º, 24º, 30º e 31º que, sendo causa de pedir de primeiro pedido reconvencional, foi julgada não provada na primeira instância e pretende agora que lhe seja dada uma resposta pelo menos parcialmente positiva.
A matéria dos quesitos 22º, 23º, 24º, 30º e 31º tem o seguinte teor:
22º
Por repetidas vezes a R. foi confrontada com uma total insuficiência de meios humanos para a execução da obra referida na alínea C) dos factos assentes por parte da A.?
23º
Esta falta de meios humanos estava a propiciar consideráveis atrasos no trabalho da R.?
24º
Fazendo perigar a boa execução do contrato de empreitada por esta celebrado com a sua dona de obra, a YYY Orient Limited?
30º
Desde 16 de Setembro de 2008 até 14 de Novembro de 2008, a R. viu-se forçada a suportar a execução do contrato por terceiros?
31º
Tendo, pela execução desses trabalhos, pago a quantia total de MOP$998.485,00?
A matéria desses quesitos todos foi julgada in totum não provada.
Dando uma vista de olhos a esta matéria, verificamos logo que, em rigor, a parte essencial dessa matéria, originariamente alegada pela Ré na contestação como causa de pedir dos pedidos reconvencionais, e posteriormente levada à base instrutória, não tem a virtualidade de constituir thema probandum, pois, conforme se vê infra, a tal matéria sofre duma défice fatal de densificação e concretização que não pode senão conduzir à improcedência do pedido reconvencional.
Como se sabe, só podem ser objecto de prova factos materiais, ou pelo menos factos conclusivos acompanhados e apoiados em factos materiais.
Na formulação de Alberto dos Reis, entende-se por questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior e questão de direito tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei. – Cf. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume III, 4.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1985, pp. 206-207.
Na esteira desses Doutos Ensinamentos do Mestre, podemos dizer que se entendem por factos os acontecimentos ocorridos na realidade de vida, conhecidos ou pelo menos cognoscíveis, pelas pessoas normalmente informadas, através de um ou vários dos cinco sentidos do ser humano, e que os factos materiais não se podem confundir com os juízos, as conclusões ou ilações que dos mesmos decorrem.
In casu, foram utilizadas as expressões na redacção da matéria a provar “……uma total insuficiência de meios humanos para a execução da obra……” e “……falta de meios humanos estava a propiciar consideráveis atrasos no trabalho……”.
Ora, reconduzindo-se essas expressões ao uso de conceitos normativos directamente determinantes da solução de direito, especialmente as partes por nós sublinhadas, não comportam um substrato factual minimamente consistente.
Tal como dissemos supra, a tal défice de densificação e concretização no plano factual da causa de pedir da reconvenção é congenital, uma vez que a matéria em causa vem da matéria alegada na contestação e depois levada pelo Tribunal a quo à base instrutória.
Obviamente, aqui a Ré não cumpriu bem o seu ónus de alegar os factos integrantes da causa de pedir dos pedidos reconvencionais.
Portanto, devida a essa défice congenital e fatal, as expressões “……uma total insuficiência de meios humanos para a execução da obra……” e “……falta de meios humanos estava a propiciar consideráveis atrasos no trabalho……” não podiam subsistir, ab initio, no elenco dos factos materiais submetidos ao julgamento de facto, e muito menos podem ser agora consideradas por este Tribunal de recurso como o objecto de prova, nos termos peticionados no presente recurso.
Mas sim este Tribunal de recurso deve, em sede do presente recurso, proceder à eliminação dessas asserções do elenco da matéria que a recorrente pretende ver julgada de novo por nós, pois sobre a matéria meramente conclusiva não pode recair a prova.
Desta maneira, torna-se logo inútil a pretendida valoração dos documentos identificados e os depoimentos indicados pela recorrente com vista à impugnação da matéria de facto assente na primeira instância, uma vez que, com a eliminação das expressões mera de teor meramente conclusivo do thema probandum, inexistindo factos concretos demonstrativos dos alegados juízos de total insuficiência de meios humanos para a execução da obra e de consideráveis atrasos no trabalho, não podem deixar de ser infundados os pedidos reconvencionais que a ora recorrente pretende ver procedentes em sede de recurso através da requerida reapreciação de provas no âmbito do duplo grau de jurisdição quanto à matéria de facto, uma vez que o resto da matéria dos quesitos em causa, de per si ou conjugada com a matéria assente, está longe de ser suficiente para tornar procedentes os pedidos reconvencionais.
Tudo visto, apesar de o Tribunal ter levado incorrectamente a matéria em causa à base instrutória, o certo é que essa matéria acabou por ficar “não provada”, e por isso não levada em conta para a decisão de direito de primeira instância.
Assim sendo, é de concluir que nada temos a censurar a sentença recorrida.
Sendo de julgar improcedente o recurso final e em consequência manter na íntegra a sentença recorrida, não há lugar à apreciação do recurso interlocutório interposto pela Autora, nos termos prescritos no artº 628º/2 do CPC.
Em conclusão:
1. Entende-se por questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior e questão de direito tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei;
2. Entendem-se por factos os acontecimentos ocorridos na realidade de vida, conhecidos ou cognoscíveis pelas pessoas normalmente informadas, através de um ou vários dos cinco sentidos do ser humano;
3. Factos materiais não se podem confundir com os juízos, as conclusões ou ilações que dos mesmos decorrem;
4. Reconduzindo-se ao uso de conceitos normativos directamente determinantes da solução de direito, as expressões “uma total insuficiência de meios humanos para a execução da obra” e “a falta de meios humanos estava a propiciar consideráveis atrasos no trabalho”, especialmente as partes sublinhadas, não comportam um substrato factual minimamente consistente, susceptível de constituir thema probandum, e podem e devem ser eliminadas pelo Tribunal de recurso no âmbito do duplo grau de jurisdição quanto à matéria de facto.
Resta decidir.
III
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam julgar improcedente o recurso interposto pela Ré, mantendo na íntegra a sentença recorrida e não tomar conhecimento do recurso interlocutório interposto pela Autora.
Custas pela Ré.
Registe e notifique.
RAEM, 27JUL2017
(Relator)
Lai Kin Hong
(Primeiro Juiz-Adjunto)
João A. G. Gil de Oliveira
(Segundo Juiz-Adjunto)
Ho Wai Neng
Ac. 130/2015-1