Processo nº 794/2017 Data: 14.09.2017
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Liberdade condicional.
Pressupostos.
SUMÁRIO
1. A liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão.
2. É de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social.
O relator,
______________________
José Maria Dias Azedo
Processo nº 794/2017
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A, com os restantes sinais dos autos e ora preso no Estabelecimento Prisional de Coloane (E.P.C.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão da liberdade condicional, motivando para, a final, concluir, imputando à decisão recorrida o vício de violação do disposto no art. 56° do C.P.M.; (cfr., fls. 91 a 94-v que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).
*
Em resposta, pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso; (cfr., fls. 96 a 97-v).
*
Em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:
“Na Motivação do recurso (fls.91 a 94v dos autos), o recorrente solicitou a revogação do douto despacho recorrido e a concessão da liberdade condicional, assacando o vício de ofensa do preceito no art.56° do Código Penal de Macau, por entender que ele reunir todos os pressupostos.
Antes de mais, subscrevemos inteiramente as criteriosas explanações do ilustre Colega na douta Resposta (cfr. fls.96 a 97 dos autos).
*
No dia de hoje, constitui jurisprudência firme que a concessão da liberdade condicional depende do preenchimento cumulativo de todos os pressupostos, quer formais quer substanciais, consignados no art.56° do CPM, bastando a não verificação de qualquer um para se negar o pedido da liberdade condicional (a título exemplificativo, Acórdão do TSI no Processo n.°195/2003).
Importa recordar que a liberdade condicional não é uma medida de clemência ou de recompensa por mera boa conduta prisional, e serve na política do C.P.M. um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o recluso possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão. (Acórdão do TSI no Processo n.°50/2002)
Daí decorre que se, não obstante um comportamento prisional adequado, pelo passado do recluso e perspectivas de reintegração se não se formula um juízo de prognose favorável a uma regeneração e se teme pelas razões de prevenção geral. (Acórdãos do TSI nos Processos n.°225/2010)
Ainda se inculca reiteradamente que cada situação deve ser observada em concreto e caso a caso, num circunstancialismo de modo, tempo e lugar próprios, analisando de forma crítica a personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo se vai reinserir na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo ainda constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social. (Acs. do TSI nos Processos n.°225/2010 e n.°404/2011)
Envolvendo conceitos indeterminados de prognose, as alíneas a) e b) do n.°1 do referido art.56° dota aos julgadores certa margem de livre apreciação na interpretação e na valorização, pelo que a convicção de não verificação dos pressupostos subjectivos só poderia ser neutralizado se houvesse uma exemplar e excelente evolução activa da personalidade do recluso durante a execução da prisão, e não um mero comportamento passivo cumpridor das regras básicas de conduta prisional. (Acórdãos do TSI nos Processos n.°9/2002)
No caso sub judice, quanto à prevenção especial, o MM° Juiz a quo aponta prudentemente: 服刑人在服刑期間態度良好,有為重返社會作出準備及努力,這是值得肯定的,然而,鑒於服刑人並非本澳居民,其入獄前經常在澳門圍繞著賭場的周邊生活,亦有賭博習慣,致使他接近犯罪邊緣,最終,其確實有預謀地聯同他人合力作出本案所涉及的犯罪行為,其行為不單對被害公司造成巨大的經濟損失,金額涉及二千多萬港元,而且直至現在仍未向被害人支付任何賠償,同時,考慮到服刑人在審判時仍否認作出有關行為,儘管社工報告顯示其人格已有所改變,但考慮到其所需服的刑期及本案所涉及的金額,法庭認為服刑人至今的行為表現仍未能使本庭相信其已誠心悔改,因此,法庭對於服刑人是否已完全自我反省,是否能以遵紀守法的態度生活,本法庭至今亦存有疑問。
A nível da prevenção geral, lá lê-se: 另一方面,考慮到服刑人的犯罪手法近期在澳門時有發生且情節嚴重,而且本特區作為一個旅遊城市,且以博彩業主導,服刑人的行為嚴重影響相關投資者的利益及本澳的旅遊城市形象,對澳門社會治安和法律秩序帶來相當嚴峻的挑戰。而且,服刑人的行為對法制構成負面沖擊,嚴重危害社會治安及公眾安寧,高度打擊社會大眾對法律制度的信心,相關的負面影響在假釋時仍必須衡量,以判斷服刑人提早釋放會否使公眾在心理上無法承受。
Assim, não obstante se militarem, nos autos, umas circunstâncias favoráveis ao recorrente, mas, na esteia das persuasivas jurisprudências supra citadas, e à luz da regra de experiência de ser difícil abandonar o vício de jugo de fortuna e azar, aderimos, sem reserva, à cristal preocupação do MM° Juiz a quo, no sentido de aquele ainda não preencher, por ora, os pressupostos consagrados no n.°1 do art.56° do CPM.
Com efeito, como bem observou o MM° Juiz a quo, existe ainda a séria dúvida de que o recorrente tenha já adquirido a estável capacidade de conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem ir cometer crime; e prevê-se razoavelmente que a colocação dele em liberdade nesta altura não é compatível com a paz social.
De qualquer modo, importa ter presente que é generalizadamente consabido que em termos comparativos, as sanções penais da ordem jurídica da RAEM são mais benevolentes. Daí que Macau deve tentar todo o esforço para evitar a desastre de ser destino ou “paraíso” de delinquentes
Nesta linha de perspectiva, não podemos deixar de entender que não tem cabimento o pedido da recorrente, e não merece censura alguma o douto despacho em escrutínio, por este mostrar-se plenamente conforme com o disposto no art.56° do CPM.
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso”; (cfr., fls. 104 a 105-v).
*
Corridos os vistos legais dos Mmos Juízes-Adjuntos, e nada obstando, vieram os autos à conferência.
*
Passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):
– por Acórdão do T.J.B. de 13.07.2012, foi, A, ora recorrente, condenado pela prática como co-autor de 1 crime de “burla qualificada”, na pena de 9 anos de prisão, e no pagamento solidário, com outros co-arguidos, de uma indemnização de HKD$23.722.500,00 e juros;
– o mesmo recorrente, deu entrada no E.P.C. em 28.07.2011, e em 26.07.2017, cumpriu dois terços da referida pena, vindo a expiar totalmente a mesma pena em 26.07.2020;
– se lhe vier a ser concedida a liberdade condicional, irá viver com a sua família, em YUNAN, R.P.C., de onde é natural, e tenciona emprego como gerente de vendas de instrumentos de medicina.
Do direito
3. Insurge-se o ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão todos os pressupostos do art. 56° do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida.
Vejamos.
— Preceitua o citado art. 56° do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:
“1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).
Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr. n.° 1).
“In casu”, atenta a pena que ao recorrente foi fixada, e visto que se encontra ininterruptamente preso desde 28.07.2011, expiados estão já dois terços de tal pena, pelo que preenchidos estão os ditos pressupostos formais.
Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do n.° 1 do referido art. 56°.
Com efeito, importa ter em conta que a liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão; (cfr., v.g., J. L. Morais Rocha e A. C. Sá Gomes in “Entre a Reclusão e a Liberdade – Estudos Penitenciários”, Vol. I, em concreto, “Algumas notas sobre o direito penitenciário”, IV cap., pág. 41 e segs.).
Na esteira do repetidamente decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 15.06.2017, Proc. n.° 335/2017, de 29.06.2017, Proc. n.° 473/2017 e de 13.07.2017, Proc. n.° 624/2017).
Assim, detenhamo-nos na apreciação de tais pressupostos de natureza material.
Ponderando na factualidade atrás retratada, poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?
Mostra-se-nos que de sentido negativo deve ser a resposta.
Com efeito, (e independentemente dos demais), face ao tipo (e circunstâncias) do crime pelo ora recorrente cometido, atenta a pena em que foi condenado, a que cumpriu e o período da que falta expiar, e ponderando no prejuízo de HKD$23.722.500,00 causado, (em que foi solidáriamente condenado a pagar), há que ponderar na compatibilidade da pretendida libertação com a sua repercussão na sociedade, não se podendo postergar as exigências de tutela do ordenamento jurídico, (cfr., F. Dias in “Dto Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 528 e segs.), havendo igualmente que salvaguardar a confiança e as expectativas da comunidade no que toca à validade da norma violada através do “restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada”; (cfr., F. Dias in “Temas Básicos da Doutrina Penal”, pág. 106).
Assim, em face das expostas considerações, e verificado não estando o pressuposto do art. 56°, n.° 1, al. b) do C.P.M., há que confirmar a decisão recorrida.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 4 UCs.
Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 14 de Setembro de 2017
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 794/2017 Pág. 14
Proc. 794/2017 Pág. 15