Proc. nº 804/2016/A
Suspensão de eficácia
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 14 de Setembro de 2017
Descritores:
-Suspensão de eficácia
- Concurso público
- Adjudicação
-Acto de conteúdo negativo
-Requisitos cumulativos
SUMÁRIO:
I. É puramente negativo para um determinado concorrente o conteúdo do acto administrativo que, no termo de um concurso público, adjudica a outro a aquisição de certo tipo de serviços. Por isso, porque a suspensão de eficácia desse acto nenhum benefício ou vantagem lhe traria, não pode a providência ser decretada.
II. Exceptuadas as situações expressamente previstas nos nºs 2,3 do art. 121º e no nº2 do art. 129º do CPAC, os requisitos substantivos previstos no art. 121º do diploma são cumulativos, impondo-se a prova de todos eles, sob pena de a falta de um importar a improcedência da providência.
Proc. nº 804/2016/A
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.
I - Relatório
A, S.A., em chinês, A有限公司 e, em inglês, A, Limited, registada na Conservatória dos Registos Comercial e Automóvel de Macau sob o n.º 3.XXX(SO), -----
e B, LIMITADA, em chinês, B有限公司 e, em inglês, B, Limited, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o n.o 13.XXX(SO), ambas com sede em Macau, na XXXXXXXXX, -----
Sociedades que compõem o Consórcio denominado A, S.A./B, LIMITADA,
Requereram neste TSI a suspensão de eficácia ----
Do acto do Chefe do Executivo, de 22 de Setembro de 2016, exarado na Proposta 300/CGIA/2016 de 5 de Agosto de 2016, que autorizou a adjudicação dos serviços de “Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau” ao Consórcio C-D.
Para tanto, invocaram os requisitos previstos no art. 121º do CPAC.
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Contestaram a entidade requerida e as sociedades “C Ltd” e “D Group”, que compõem o Consórcio C-D, em termos que aqui damos por reproduzidos.
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O Chefe do Executivo proferiu o despacho a que se refere o art. 126º, nº3, que, porque impugnado, deu origem à decisão proferida por este mesmo tribunal em 12/12/2016.
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O digno Magistrado do MP emitiu o seguinte parecer:
“A, S. A.”, e “B, Limitada”, devidamente identificadas nos autos e consorciadas em vista do concurso para adjudicação dos serviços de “Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau”, vieram requerer a suspensão de eficácia do acto de 22 de Setembro de 2016, da autoria do Exm.º Chefe do Executivo, através do qual foi autorizada a adjudicação daqueles serviços ao consórcio C - D.
Alegam que o acto tem conteúdo positivo, que não há fortes indícios de ilegalidade do recurso já interposto, que a execução do acto vai ocasionar-lhes prejuízos de difícil reparação e que a respectiva suspensão não causará grave lesão do interesse público por ele prosseguido.
Contestaram a autoridade requerida e as sociedades integrantes do consórcio adjudicatário, pronunciando-se pela improcedência da providência.
Vejamos, começando por lembrar que a suspensão de eficácia só é viável se o acto tiver conteúdo positivo ou, tendo conteúdo negativo, possuir uma vertente positiva e a suspensão a esta se circunscreva - artigo 120.º do Código de Processo Administrativo Contencioso.
Importa, portanto, antes de mais, apurar se estamos perante acto de conteúdo positivo ou com uma vertente positiva, no que toca à projecção de efeitos nas requerentes, o que passa por indagar se o acto é ou não susceptível de provocar alteração nas suas esferas jurídicas.
O acto adjudicou ao consórcio constituído pelas contra-interessadas “C, Ltd” e “D Group” os serviços de Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau, preterindo naturalmente as restantes concorrentes, incluindo as requerentes. E a tese destas, segundo a qual se está perante acto de conteúdo positivo, assenta na circunstância de uma delas ter sido líder do consórcio que anteriormente executou serviço idêntico ao agora adjudicado, e que perde para o novo adjudicatário, bem como no facto de, após admissão ao concurso, terem sido dele excluídas, assim vendo alterada a sua situação de presença no concurso.
Não obstante o esforço argumentativo das requerentes, não é possível surpreender no acto qualquer vertente positiva que confira razão de ser à pretendida suspensão. Desde logo, há que ter presente que não pode atribuir-se ao acto suspendendo a causa do termo do contrato anteriormente outorgado, em que figurava como parte a requerente “A, S.A.”. Esse contrato terminou pelo decurso do seu prazo normal, o que acarretou o termo da prestação do inerente serviço de operação e manutenção. Por outro lado, estando em causa o acto final do procedimento, ou seja, o acto de adjudicação ou de autorização da adjudicação, não pode afirmar-se que, por via dele, o concurso prossegue para alguns e que outros ficam de fora. O questionado acto de adjudicação não produz, pois, qualquer alteração na esfera jurídica das requerentes, sendo, quanto a elas, um acto de conteúdo meramente negativo. Uma hipotética suspensão da eficácia do acto deixaria indubitavelmente intocada a situação das requerentes. Donde a conclusão de que não está em causa um acto susceptível de suspensão de eficácia nos termos do artigo 120.º do Código de Processo Administrativo Contencioso.
Nesta conformidade, vai o nosso parecer no sentido da rejeição da requerida providência.
Se porventura assim não se entendesse, então, na análise dos três requisitos enunciados nas alíneas a), b) e c) do artigo 121.º, n.º 1, do Código de Processo Administrativo Contencioso, de cuja observância cumulativa depende a concessão da suspensão, haveria que ter-se por inverificado o requisito da alínea b). Na verdade, como se viu a propósito da designada resolução fundamentada, existe dano grave para o interesse público na não imediata execução do acto, o que equivale por dizer que a suspensão da sua execução irá determinar grave lesão do interesse público prosseguido pelo acto. Acrescendo que, num plano comparativo, os danos infligidos ao interesse público, com a extensão e os efeitos configurados na resolução fundamentada e na decisão que apreciou, não podem deixar de se considerar superiores àqueles que a própria requerente alega como resultado da execução do acto.
Daí que, também por este prisma, a providência esteja votada ao insucesso.
Em suma, deve ser rejeitada ou indeferida a requerida suspensão de eficácia”.
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Cumpre decidir.
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II – Pressupostos processuais
O tribunal é absolutamente competente.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão bem representadas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
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III – Os Factos
1 - No concurso público para a prestação de serviços de “Operação e manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Peníncula de Macau”, a ele se apresentaram “E – F ”, em consórcio, “Consórcio de A, SA., B, Limitada”, “C – D”, em consórcio e “G Limited ”
2 - No final do concurso, foi lavrada a seguinte proposta:
“1. De acordo com o despacho do Exm.º Senhor Chefe do Executivo, de 2 de Fevereiro de 2016, exarado na Proposta n.º 016/CGIA/2016, da Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental, foi autorizada a abertura do concurso público para a prestação de serviços de “Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau”.
2. Para efeitos de consideração e autorização superior, em anexo à presente proposta, apresenta-se o relatório da avaliação das propostas do concurso público para a prestação de serviços de “Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau” (vd. Anexo A), onde consta a conclusão feita pela Comissão de Avaliação constituída nos termos do despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 29 de Março de 2016, exarado na Proposta n.º 111/CGIA/2016 da presente Direcção, depois de apreciadas as propostas apresentadas pelas concorrentes.
3. Foram recebidas as propostas apresentadas por quatro empresas concorrentes, sendo, entre as quais, a concorrente n.º 1 E - F em consórcio, a concorrente n.º 2 CONSÓRCIO DE A, S.A. B, LIMITADA, a concorrente n.º 3 C - D em consórcio e a concorrente n.º 4 G LIMITED, respectivamente. Constituída nos temos do despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 29 de Março de 2016, exarado na Proposta n.º 111/CGIA/2016 da presente Direcção, a Comissão de Abertura de Propostas, em 22 de Junho de 2016, realizou a reunião de abertura das propostas e, depois de ter feito exame sobre os respectivos documentos e a forma de propostas, admitiu todas as propostas apresentadas pelas supracitadas quatro empresas concorrentes. As quatro empresas concorrentes são:
Concorrente/proposta
Valor global de proposta
Situação de admissão
1. E - F em consórcio
MOP192.268.720,00
Admitida
2. CONSÓRCIO DE A, S.A. B, LIMITADA
MOP134.239.200,00
Admitida
3. C - D em consórcio
MOP112.701.736,00
Admitida
4. G LIMITED
MOP116.558.396,00
Admitida
4. Segundo o conteúdo do relatório de avaliação das propostas, após ter feito uma análise e exame de forma minuciosa sobre as experiências das concorrentes e os respectivos documentos comprovativos a que se refere a “lista das experiências do concorrente”, apresentada pelas concorrentes nos termos da cláusula 12.1, al. p) do II.2 Programa do Concurso, do Processo do Concurso, a Comissão de Avaliação, por unanimidade, considera que a concorrente n.º 2 não satisfaz a exigência prevista na cláusula 6.2 do n.2 Programa do Concurso, do Processo do Concurso, ou seja, a prestação de dois serviços, pelo menos, relacionados com a operação e manutenção de instalações de tratamento de águas residuais, terminados ou em curso, nos últimos 10 anos, contados da publicação do anúncio do concurso, pelo que, nos termos do critério de avaliação previsto na cláusula 20.2, al. a), pontos (1) e (2), é eliminada a proposta da concorrente n.02. Vide o relatório elaborada pelo assessor jurídico da Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental (Anexo. 8). E feita a avaliação pela Comissão, as classificações globais obtidas pelas propostas das restantes concorrentes n.ºs 1, 3 e 4 são as seguintes:
N.º de concorrente
Designação de concorrente
Classificação global obtida (100%)
1
E - F em consórcio
67,75
3
C - D em consórcio
82,56
4
G LIMITED
66,60
5. Face ao exposto, propõe-se à directora substituta que concorde e submeta a seguinte sugestão ao Secretário para os Transportes e Obras Públicas para que este a considere e submeta ao Chefe do Executivo: 5.1 De acordo com as cláusulas do Processo do Concurso em causa (vd. Anexo.5), os esclarecimentos feitos pela Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental sobre o Processo do Concurso (vd. Anexo.6), a proposta apresentada pela concorrente n.º 3 (vd. Anexo.7), bem como o Relatório de Avaliação das Propostas (vd. Anexo.4), propõe-se que seja adjudicada a prestação de serviços de “Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau” à empresa C - D em consórcio que obteve a classificação mais elevada (82,56%), pelo valor global estimado de MOP112.701.736,00, entre o qual, a despesa estimada com os trabalhos de renovação e de substituição da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau é de cerca de MOP14.738.104,00 e a dos serviços de operação e manutenção da Estação é de MOP97.963.632,00, com prazo de dois anos contados desde 1 de Outubro de 2016 até 30 de Setembro de 2018. Quanto ao respectivo fundamento jurídico, nos termos das disposições seguintes do D.L n.º 122/84/M, de 15 de Dezembro, alterado pelo D.L n.º 30/89/M, de 15 de Maio:
• Abertura do concurso público - art.º 7.º, n.º l, al. b) (montante superior a MOP750.000,00)
• Celebração do contrato escrito - art.º 12.º, n.º 1, al. b) (montante superior a MOP500.000,00), cuja minuta será submetida para ser superiormente apreciada e autorizada.
5.2 Apoio financeiro:
• Nos termos do art.º 20.º do Regulamento Administrativo n.º 6/2006, alterado pelo Regulamento Administrativo n.º 28/2009, é necessário proferir o despacho escalonamento (vd. Anexo. 1) com a disposição seguinte:
Ano 2016 ---------------------------MOP9.2 60.254,40
Ano 2017 ---------------------------MOP66.476.555,60
Ano 2018 ---------------------------MOP36.964.926,00
• Quanto à operação e manutenção, é necessário o montante de MOP8.112.844,00 para o ano 2016, sugiro que tal despesa seja suportada pela verba inscrita na subacção “8.xxx.x01.01 - Exploração Geral II” acrescentada numa nova acção criada no PIDDA 2016: “8.xxx.x01.00 - Exploração ETAR Macau II”, com o reforço de dotação e cabimentação, e a respectiva verba necessária será disponibilizada pela subacção “8.044.074.18 - Exploração Geral (Des.400/12)”. As despesas estimadas respeitantes à operação da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau do ano de 2016 serão de cerca de MOP40.500.00,00, valor esse menor do que a verba do orçamento desta subacção na fase actual de MOP62.070.700,00, pelo que sugiro a disponibilização de parte da verba para outras subacções desta Direcção; quanto aos montantes necessários para os anos 2017 e 2018, respectivamente de MOP52.885.862,00 e de MOP36.964,926,00, estes serão suportadas pela respectiva verba inscrita no PIDDA do respectivo ano;
• Quanto à renovação e substituição, é necessário o montante de MOP1.147.410,40 para o ano 2016, sugiro que tal despesa seja suportada pela verba inscrita na subacção “8.xxx.x02.01 - Substituição de Equipamento II” acrescentada numa nova acção criada no PIDDA 2016: “8.xxx.x02.00 - Equip. da ETAR Macau II”, com o reforço de dotação e cabimentação, e a respectiva verba será disponibilizada pela subacção “8.044.097.01 - Substituição de equipamentos”. Tendo em conta que nessa subacção já se fez a cabimentação para as despesas do trabalho necessário, sugiro que a disponibilização da verba parcial para outras subacções desta Direcção; e o montante de MOP13.590.693,60 necessário para o ano 2017 será suportado pela respectiva verba inscrita no PIDDA do respectivo ano; É zero a despesa necessária para o ano 2018.
Submeto as supracitadas sugestões à apreciação e autorização superior.”
3 – A directora de Serviços de Protecção Ambiental lavrou o seguinte parecer:
“ Exm.º Sr. Secretário para os Transportes e Obras Públicas:
Concordo com a sugestão e parecer constantes da proposta do Chefe do Centro de Gestão de Infra-estruturas Ambientais H, respeitante aos Serviços de “Operação e Manutenção da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Península de Macau” - Concurso Público - Relatório de Apreciação das Propostas e Proposta de Adjudicação.
Submete-se à consideração de V. Ex.ª.
Directora dos Serviços de Protecção Ambiental, Subst.ª
(Ass. vide o original)
XXX
9/8/2016.”
4 – O Secretário para os Transportes e Obras Públicas pronunciou-se do seguinte modo:
“Exm.º Sr. Chefe do Executivo:
Concordo com a sugestão da Directora substituta dos Serviços de Protecção Ambiental, a qual submeto à consideração de V. Ex.ª.
Secretário para os Transportes e Obras Públicas
(Ass. vide o original)
Raimundo Arrais do Rosário
12/9/2016”
5 – Em 22/09/2016, o Chefe do Executivo lavrou o seguinte despacho (a.a.):
“Autorizo”.
***
IV – O Direito
1 – Da natureza do acto
Como se sabe, só é suspensível a eficácia de actos de conteúdo positivo ou, quando de conteúdo negativo, que apresentem uma vertente positiva.
É o que, efectivamente, dispõe o art. 120º do CPAC.
Ora, em termos de direito comparado houve já a oportunidade de dizer que “Um acto de conteúdo negativo propriamente dito é aquele que deixa intocada a esfera jurídica do interessado, a ponto de, por ele, nada ter sido criado, modificado, retirado ou extinto relativamente a um status anterior. O indeferimento de uma pretensão constitutiva, por exemplo, cabe perfeitamente na figura: se alguém pede o licenciamento para iniciar a exploração de um bar, o indeferimento deixa o requerente tal como se encontrava antes: nada “adquire”, nem “perde”. Logo, trata-se de um acto administrativo que para o interessado é neutro, do ponto de vista dos seus efeitos, uma vez que para si tudo permanece como dantes (sobre o acto negativo e sua implicação no quadro do meio provisório da suspensão de eficácia, v. CLAUDIO RAMOS MONTEIRO, in Suspensão de eficácia de actos administrativos de conteúdo negativo, pág. 125 e sgs.).
A jurisprudência tem considerado que a eficácia de tais actos não é susceptível de ser suspensa, (no exemplo fornecido, a suspensão nunca permitiria que o requerente pudesse dar início à exploração do negócio), não só porque isso poderia ser entendido como uma usurpação de poderes administrativos pelos tribunais, mas também porque dessa suspensão não adviria qualquer efeito útil para o interessado, nomeadamente o afastamento do espectro de uma situação de facto danosa com a caracterização qualitativa e quantitativa que do art. 76º, nº1, al. a), da LPTA emana (Acs. do STA de 9/02/2002, Rec. nº 048277; 24/04/2002, Rec. nº 0330/2002; 2/07/2002, Rec. nº 0736/2002; 9/07/2002, Rec. nº 01101/02).
No entanto, desde há algum tempo a esta parte, deu-se início a uma nova ponderação das situações em que o acto só aparentemente é negativo ou quando é acto negativo com efeitos positivos.
Trata-se de uma categoria de actos em que há, efectivamente, uma utilidade na suspensão, na medida em que deles advêm efeitos secundários positivos. São, basicamente, actos de que resulta o indeferimento da “manutenção” de uma situação jurídica anterior: os que denegam a renovação ou prorrogação de uma situação jurídica pré-existente e que, por isso, ferem legítimas expectativas de conservação dos efeitos jurídicos de um acto administrativo anterior. Nessas hipóteses, os actos “alteram” realmente a situação jurídica ou de facto do requerente (sobre o assunto, v.g. MARIA FERNANDA MAÇÃS, in Cadernos de Justiça Administrativa, nº 2, 13 e 16; JOSÉ CARLOS VIEIRA de ANDRADE, in A Justiça Administrativa, pag. 143; M. ESTEVES DE LIVEIRA e outros, in Código de Procedimento Administrativo, 2ª ed., pag. 716/717;F. AMARAL, in Lições, IV, pag. 318; Tb. o Ac. do STA de 30/10/97, Proc. Nº 42.790; STA, de 28/10/99, Rec. nº 45403; STA de 9/05/2002, Rec. nº 6197).
E diz-se ainda que se alguma utilidade puder advir da suspensão, a ponto de o requerente ir provisória ou condicionalmente obtendo algum ganho até ser decidida em definitivo a questão no recurso contencioso, a suspensão será de conceder, mesmo que o acto seja negativo (seria o caso de rejeição ou recusa de admissão a concursos e exames ou à frequência do estudante a algum curso)” (Ac. STA, de 19/02/2003, Proc. nº 289/03-11; tb. Ac. TCA/Sul, de 28/02/2002, Proc. nº 11067/02/A)
Este mesmo TSI teve, aliás, já oportunidade de discorrer sobre o tema, dizendo:
“É certo que há situações em que para alguns interessados o mesmo acto administrativo é inerte, na acepção acabada de referir, ao passo que para outros ele é positivo, na medida em que interfere com o seu anterior status ou, noutras palavras, com a sua situação jurídica substantiva anterior. Podemos dizer que é acto misto do ponto de vista dos efeitos. Todavia, quando falamos em acto de conteúdo negativo para efeitos da suspensão de eficácia, apenas nos atemos à correspondência entre os efeitos directos do acto para o requerente e o objectivo que se pretende alcançar com a providência. Quer dizer, não é pelo facto de o acto introduzir alterações na situação jurídica de alguns interessados que ele passa a ser acto positivo tout court. O que interessa neste particular é que seja negativo para aquele interessado directo no incidente em que nos encontramos. E neste caso, como veremos adiante, o acto é negativo para a requerente em apreço.
E, a talhe de foice, até nem nos podemos esquecer que nos concursos de adjudicação casos haverá em que é permitida a suspensão de eficácia (medidas provisórias) dos actos finais de adjudicação e até mesmo dos contratos. Acontece, por exemplo, em Portugal e, de um modo geral, é o que também se verifica nos países da comunidade europeia que, a partir de certa altura, tiveram que absorver determinadas directivas europeias para com elas conformarem o seu ordenamento jurídico interno. Mas isso deve-se, nestes casos, a um universo normativo positivado, a um conjunto de regras e preceitos que existem nos textos legais (de iure constituto) e que impõem ou permitem uma actuação processual nesse sentido. Como essa não é a situação da RAEM, onde não existem normas idênticas (ver, DL n. 74/99/M, de 8/11), esqueçamos esse caminho e sigamos pela linha tradicional da doutrina e da jurisprudência conhecidas sobre a matéria, que outra não há (e em que só poderemos falar em de iure constituendo).
Aliás, e só mesmo para terminar este ponto, não podemos desconsiderar o fenómeno com o argumento de que o acto negativo tem uma natureza doutrinal. Concordamos que a sua génese é doutrinal e que foi tendo uma aplicação jurisprudencial praticamente constante e uniforme nas diversas instâncias. Todavia, em Macau, a teoria do acto negativo foi recebida na lei (art. 120º, al. b), do CPAC) e passou, a partir de então, a ser um instituto legal de evidentes reflexos ao nível adjectivo/processual e com o qual o aplicador da lei tem que confrontar-se. Ora, o preceito em causa não distingue entre classes de actos administrativos do ponto de vista da substância que encerram ou que visam regular. Todos lá cabem, portanto. E se falamos de actos finais de procedimentos concursais, na norma devem incluir-se não somente os concursos de provimento de pessoal, como os adjudicatórios.
De resto, a suspensão tem sempre associados, como é sabido, dois objectivos: a utilidade e a urgência dos interesses. É por isso que a suspensão decretada traz ao interessado requerente desde logo um ganho que é imediato: o aluno entra no curso, o concorrente vai poder participar no concurso, o requerente mantém a licença de exploração do bar, etc, etc. Portanto, facilmente se reconhece a utilidade e a sua imediaticidade. É esse aliás o sentido primordial da providência: acautelar a ocorrência de uma situação danosa, neutralizando-a ou prevenindo-a de pronto. Por isso, a providência é um processo urgente de modo a satisfazer sem demora os interesses feridos ou ameaçados.” (Ac. TSI, de 10/03/2011, Proc. nº 41/2011/A).
Como também dissemos neste mesmo TSI (Ac. 3/11/2016, Proc. nº 660/2016):
“…mesmo que a eficácia do acto de adjudicação à contra-interessada contestante da empreitada acima aludida viesse a ser suspensa em nada a esfera da requerente sairia beneficiada. Com efeito, com a suspensão, a requerente não ficaria minimamente favorecida, nem em diferente, muito menos em melhor, posição do que aquela em que se encontra actualmente.
Assim como o acto suspendendo não exerce nenhuma influência no status e na sua esfera jurídica, também a eventual concessão da providência nenhum quid novo traria à sua posição jurídica, por não a colocar em melhor posição para obter ganho no recurso contencioso e com isso vir a ser adjudicatária no concurso, nem lhe eliminar danos reais e imediatos (neste sentido, ver, por exemplo, além do citado aresto proferido no Proc. nº 41/2011/A, também os acórdãos deste TSI de 24/02/2011, Proc. n. 99/2011 e de 19/12/2013, Proc. nº 371/2013)”. E aos arestos referidos, ainda se acrescenta o Ac. do TSI de 22/11/2012, Proc. nº 839/2012/A-I.
Assim sendo, somos a considerar puramente negativo o acto em apreço, o que gera a improcedência da providência.”
Nesta linha de orientação, o subscrevendo o que este TSI já ajuizou em caso semelhante, “porque o acto de adjudicação não altera a esfera jurídica da requerente, também a suspensão de eficácia pretendida, se concedida, não lhe traz nenhum benefício. Logo, não estamos, ao contrário do que pensa a requerente, perante um acto cuja eficácia seja suspensível.” (Ac. do TSI, de 30/03/2017, Proc. nº 181/2017/A; no mesmo sentido, o Ac. do TSI, de 19/12/2013, Proc. nº 371/2013).
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2 – Mas, mesmo que assim não se entenda, nem por isso o pedido poderia proceder.
Como se sabe, e exceptuadas as situações expressamente previstas nos nºs 2 a 4 do art. 121º e no nº2 do art. 129º do CPAC, os requisitos substantivos previstos no art. 121º do diploma são cumulativos, impondo-se a prova de todos eles, sob pena de a falta de um importar a improcedência da providência (por exemplo, o Ac. do TUI, de 10/07/2013, Proc. nº 37/2013).
Ora, acontece que este tribunal, no âmbito dos presentes autos, teve já oportunidade de se pronunciar sobre a verificação do requisito da inexistência da grave lesão para o interesse público imposto na alínea b), do nº1, do art. 121º. Fê-lo por acórdão de 12/12/2016 na sequência da impugnação da resolução fundamentada tomada pelo Chefe do Executivo em 9/11/2016 e para efeito do disposto no art. 126º do CPAC, no âmbito da análise da suspensão provisória.
Se nessa decisão tivemos ocasião de concluir que a suspensão provisória acarretaria grave prejuízo para o interesse público, não se vê que a situação tenha mudado entretanto. E, por isso, reiteramos agora que a suspensão definitiva produziria os mesmos resultados nefastos para o interesse público. É que a suspensão da eficácia do acto de adjudicação importaria uma paralisação da operação da Estação de Tratamento de Águas Residuais da península, e todos sabemos da elevadíssima importância ambiental e de saúde pública que uma estrutura como essa representa nos dias que correm no seio de uma comunidade de pessoas. De tão evidente e notório é o apontado prejuízo que resultaria da suspensão peticionada, que se torna despiciendo ou inútil desenvolver mais vasta fundamentação para explicar a falta de demonstração do requisito negativo em análise no caso em apreço.
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V – Decidindo
Face ao exposto, acordam em indeferir a providência de suspensão de eficácia.
Custas pela requerente, com taxa de justiça em 5 UC.
TSI, 14 de Setembro de 2017
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
João A. G. Gil de Oliveira
Fui presente
Joaquim Teixeira de Sousa
804/2016/A 21