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Processo n.º 411/2015 Data do acórdão: 2017-9-14 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– entidade patronal no plano jurídico
– empregadora de facto
– erro notório na apreciação da prova
– não compensação total do trabalho em feriados obrigatórios
– art.º 45.º, n.o 2, da Lei n.o 7/2008
– Lei das relações de trabalho
– voluntariedade do trabalho em dias de descanso semanal
– ónus da prova
– art.º 335.º, n.º 2, do Código Civil

  
  
  
S U M Á R I O

1. É algo estranho ter a ora recorrente levantado a questão de não ser ela a transgressora no caso dos autos, porquanto se ela, como diz ela própria, assume, como sempre assume, a relação laboral que manteve com a trabalhadora ofendida no período dessa relação, toda a eventual responsabilidade contravencional laboral emergente dessa relação só pode ser acusada a ela como entidade patronal da trabalhadora.
2. E a referência, na fundamentação probatória da sentença recorrida, à existência de alguma “empregadora de facto” da mesma trabalhadora não obstaria à consideração da recorrente como transgressora das contravenções laborais por que vinha condenada, já que ela é que é entidade patronal no plano jurídico falando.
3. Não ocorre o erro notório na apreciação da prova, se após examinados crítica e globalmente todos os elementos da prova referidos na fundamentação probatória da decisão recorrida, não se vislumbra como patente a violação, por parte do tribunal sentenciador recorrido, de quaisquer normas sobre o valor legal da prova, ou de quaisquer regras da experiência da vida quotidiana humana, ou ainda de qualquer lege artis vigente na tarefa jurisdicional de julgamento da matéria de facto.
4. No caso dos autos, provada que está a já prestação de trabalho pela trabalhadora ofendida (uma trabalhadora com salário mensal) em três dias de feriados obrigatórios durante o período de vigência da sua relação laboral, o tipo de compensação dessa prestação de trabalho é o definido no n.º 2 do art.º 45.º e na alínea 1) deste n.º 2, da Lei n.o 7/2008, de 18 de Agosto (Lei das relações de trabalho, doravante abreviada como LRT): a prestação de trabalho em dia de feriado obrigatório confere ao trabalhador o direito a gozar um dia de descanso compensatório (fixado pelo empregador, dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho), o qual pode ser substituído (mediante acordo com o empregador) por um dia de remuneração de base compensatória, e a auferir um acréscimo de um dia de remuneração de base, para os trabalhadores que auferem uma remuneração mensal.
5. De maneira que só a feitura da compensação pecuniária total da prestação de trabalho em dia de feriado obrigatório nesses termos legais é que afasta a condenação contravencional em sede prevista no art.º 45.º, n.º 2, e no art.º 85.º, n.º 3, alínea 2), ambos da LRT. Portanto, a falta de pagamento de um dia de remuneração-base por cada dia de trabalho prestado em cada dia de descanso inicialmente destinado à compensação da prestação de trabalho em cada dia de feriado obrigatório não deixa de ser ainda uma contravenção laboral p. e p. nesses termos legais.
6. Outrossim, não tendo a recorrente chegado a fazer provar (como lhe cabia, nos termos do art.º 335.º, n.º 2, do Código Civil) a voluntariedade da prestação de trabalho pela ofendida nos dias de descanso semanal em discussão no caso dos autos, mas tendo o tribunal recorrido julgado como já provado o não pagamento da compensação pelos descansos semanais durante o período de trabalho, deve ser mantida a decisão condenatória da recorrente sob a égide da contravenção p. e p. pelos art.os 43.º, n.º 2, e 85.º, n.º 3, alínea 2), da LRT, pois, sem prova cabal, por parte da entidade patronal, da voluntariedade da prestação de trabalho nos dias de descanso semanal da trabalhadora ofendida, a prestação de trabalho nos dias de descanso semanal só pode ter sido por determinação ou exigência da entidade patronal.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 411/2015
(Autos de recurso penal)
Arguida recorrente: A, S.A.





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por sentença proferida a fls. 738 a 743 do Processo de contravenção laboral n.° LB1-14-0070-LCT do Juízo Laboral do Tribunal Judicial de Base (TJB), a arguida A, S.A., ficou condenada finalmente em dez mil patacas de multa, pela prática de uma contravenção p. e p. pelos art.os 43.º, n.º 2, e 85.º, n.º 3, alínea 2), da Lei n.º 7/2008, de 18 de Agosto (Lei das relações de trabalho), de uma contravenção p. e p. pelos art.os 45.º, n.º 2, e 85.º, n.º 3, alínea 2), da mesma Lei, e de uma contravenção p. e p. pelos art.os 70.º, n.º 1, 77.º e 85.º, n.º 3, alinea 5), da mesma Lei, com a obrigação de pagar à trabalhadora ofendida chamada B MOP36.800,20 (trinta e seis mil e oitocentas patacas e vinte avos) de quantia indemnizatória.
Inconformada, veio a arguida recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), tendo concluído a sua motivação (apresentada a fls. 760 a 772 dos presentes autos correspondentes) e nela rogado de moldes seguintes:
– <<[…]
I. Resulta da decisão recorrida que o Tribunal a quo entendeu - ainda que sem fundamento - não ser a Ré a “verdadeira entidade patronal” a “verdadeira patroa” da trabalhadora não se vislumbrando então como pôde assacar-lhe uma qualquer transgressão laboral.
II. Em face de tal entendimento nunca poderia o Tribunal a quo, como fez, reflectir elementos de culpa de uma outra entidade (a tal outra entidade patronal ou verdadeira patroa, nas palavras do julgador a quo) na esfera jurídica da Recorrente, porquanto não se trata, in casu de mera responsabilidade civil contratual, mas antes da existência de um conduta que a lei confere natureza penal e portanto, dependente de elementos objectivos e subjectivos da conduta do agente.
III. Estando nós em sede de um processo de transgressão laboral, que não deixa de ter a natureza de “processo penal”, inviável é a condenação sem efectiva (e clara) prova não só do elemento objectivo da infracção, mas também do elemento subjectivo, não sendo legal presumir o dolo ou a negligência da aqui Recorrente.
IV. Os elementos objectivos e subjectivos do tipo contravencional são indispensáveis para a determinação da prática do tipo por referência ao agente, o qual (relativamente à conduta identificada) o Tribunal a quo julgou não coincidir com a transgressora na sentença recorrida, não obstante acabando por ser esta a condenada.
V. Ao decidir como decidiu o Tribunal a quo violou necessariamente o artigo 13º do Código Penal, ex vi dos artigos 123º do Código Penal e artigo 85º da Lei 7/2008, resultando evidente que a decisão não poderá deixar de ser revogada e consequentemente ser a aqui Recorrente absolvida das contravenções pelas quais foi condenada.
VI. Ademais, a sentença suporta-se, ainda, em matéria manifestamente insuficiente para que se possa imputar a quem quer que seja, as contravenções p.p. na alinea 2) do nº 3 do artigo 85º por (alegada) violação do disposto nos artigos 43º e 45º da Lei das Relações Laborais e pelas quais foi a Recorrente condenada.
VII. Do preceituado nos artigos 42º e 43º da Lei 7/2008 resulta que a contravenção a que alude o artigo 85º da Lei 7/2008 ocorre quando seja prestado trabalho em dia de descanso semanal, o trabalho seja prestado por determinação da entidade patronal ou voluntariamente pelo trabalhador e não seja paga a compensação legalmente prevista.
VIII. Da factualidade provada resulta apenas e tão só que “a transgressora não pagou à referido trabalhadora a compensação pelos descansos semanais durante o período de trabalho” não se tendo provado que a trabalhadora não tenha gozado descanso semanal por ter trabalhado nesses dias, nem que, a ter trabalhado o fez por determinação da entidade patronal.
IX. Dos autos não constam quaisquer registos de presença de trabalho mas apenas e tão só registos internos de recepção e levantamentos os quais não reflectem que a aqui Recorrente tivesse prestado trabalho nos seus dias de descanso semanal nem que a tê-lo feito fosse isso uma exigência da aqui Recorrente.
X. Sem a efectiva e clara prova da alegada prestação de trabalho nos dias de descanso semanal, por exigência da aqui Recorrente, não poderia esta ter a mesma sido condenada pela sobredita contravenção.
XI. Ao decidir como decidiu o douto Tribunal a quo violou o preceituado no artigo 42º e 43º da Lei 7/2008, impondo-se assim a revogação da decisão e substituição por outra que absolva a recorrente da prática da contravenção e em consequência, por falta de fundamento legal, absolva a aqui Recorrente do pagamento da correspondente indemnização a B.
XII. Da matéria de facto provado resulta ainda que a transgressora não pagou à referida trabalhador a compensação pela prestação de trabalho em três dias de feriado obrigatórios durante o período de trabalho ou seja em 20 de Setembro, 1 de Outubro e 13 de Outubro do ano de 2013, o que é em si mesmo falso e contraditado pelos documentos que não foram impugnados, nomeadamente os de fls 47, 48, 634, 641 e 642 donde resulta evidente que a trabalhadora foi devidamente compensada pelo trabalho que prestou nos sobreditos dias feriado, razão porque, sem mais, bastará a consideração dessa documentação para que também nesta parte se revogue a decisão recorrida, mais se absolvendo a Recorrente do pagamentos compensatórios por falta de fundamento legal.
XIII. Ao decidir como decidiu a decisão recorrida violou o preceituado no artigo 85º, nº 3 al. 2) conjugado com o nº 2 do artigo 45º da Lei 7/2008.
  Nestes termos, […] deverá o presente recurso ser considerado totalmente procedente, revogando-se a decisão recorrida em conformidade, com o acima requerido pela Recorrente […]>>.
Ao recurso respondeu (a fls. 777 a 780 dos autos) o Digno Magistrado do Ministério Público, no sentido de improcedência da argumentação da recorrente.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 793 a 794v), pugnando também pelo não provimento do recurso.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
Das fls. 47 e 48 dos autos, constam as versões reimpressas de duas notas de salário da trabalhadora ofendida B, segundo cujo teor a A, S.A. (arguida ora recorrente), atribuiu “Statutory Holiday Work Compensation” àquela trabalhadora sua (como subgerente, com salário-base de MOP23.000,00, do “Departament” de Sala de Majong do Casino X) de MOP766,67 em relação ao dia 20/9/2013, de MOP766,67 em relação ao dia 1/10/2013, e de MOP766.67 em relação ao dia 13/10/2013.
Das fls. 634, 641 e 642 dos autos, constam todas elas, com assinatura posta pela dita trabalhadora ofendida (em relação expressamente aos dias 14/10/2013 e 21/9/2013, como dias compensatórios dos feriados obrigatórios de 13/10/2013 e 20/9/2013), os seguintes dizeres: “Employee agree to be compensated with 1 day basic income plus 1 day compensation leave within 30 days after working on the Statutory Holiday”.
Das fls. 520 a 521 dos autos, constam as fotocópias de umas folhas de registo, com rubricas inclusivamente feitas pela mesma trabalhadora ofendida, de movimentação de fichas de jogos da Sala de Majong do Casino X, referentes ao dia 21 de Setembro de 2013.
Das fls. 550 a 552 dos autos, constam as fotocópias de umas folhas de registo, com rubricas inclusivamente feitas pela mesma trabalhadora ofendida, de movimentação de fichas de jogos da Sala de Majong do Casino X, referentes ao dia 2 de Outubro de 2013.
Da fl. 588 dos autos, consta a fotocópia de uma folha de registo, com rubricas inclusivamente feitas pela mesma trabalhadora ofendida, de movimentação de fichas de jogos da Sala de Majong do Casino X, referentes ao dia 14 de Outubro de 2013.
A fundamentação fáctica e probatória da sentença ora recorrida é de seguinte teor literal:
– <<[…]
------- A) Matéria de facto provada. -----------------------------------------------------------------
------ Da discussão da causa resultou provada a seguinte matéria de facto com relevo para a decisão: ----------------------------------------------------------------------------------------------------
------- 1. B , trabalhadora, portadora do B.I.R.M n.º …, residente na “澳門…”, com n.º de telefone …, trabalhou para a entidade patronal, durante o período entre 13 de Junho de 2013 e 16 de Dezembro de 2013, auferindo o salário mensal de MOP$23,000.00. -------------------
------ A transgressora não pagou à referida trabalhadora a compensação pelos descansos semanais durante o período de trabalho, pela prestação de trabalho em três dias de feriados obrigatórios durante o período de trabalho, ou seja, em 20 de Setembro, 1 de Outubro e 13 de Outubro do ano de 2013
------- A transgressora não pagou à trabalhadora a indemnização pelo despedimento. ---------
------- A transgressora agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta violava as normas reguladoras das relações de trabalho. --------------------------------
* * *
------- B) Matéria de facto não provada. -----------------------------------------------------------
------ A trabalhadora não gozou sete dias de férias anuais durante o período de trabalho. -----
* * *
------ C) Motivação da decisão de facto. ------------------------------------------------------------
------ O tribunal baseou a sua convicção na análise de todos os meios de prova produzidos em audiência, valorados criticamente na sua globalidade. -----------------------------------------
------ Concretamente, foi ponderado o depoimento assertivo e revelador de conhecimento preciso por parte da Senhora Inspectora da DSAL, não obstante a sua “juventude” no cargo; com efeito, o seu depoimento revelou precisão e foi alicerçado no caudal documental junto aos autos, nomeadamente, no contrato de trabalho da trabalhadora (cuja tradução para a língua portuguesa foi determinada no decorrer da audiência), registo de presenças, carta de despedimento (cuja tradução para a língua portuguesa foi determinada no decorrer da audiência); este depoimento e estes documentos permitiram, por sua vez, dar credibilidade ao depoimento prestado pela trabalhadora, na medida em que esta explicou, tal como resulta provado, ter trabalhado nos dias de feriado obrigatório, tal como não ter tido o gozo devido pelos descansos semanais (explicando o contexto muito exigente em que decorreu o exercício da sua actividade laboral para a Ré ou, mais propriamente, para a sua verdadeira patroa, que usufruiu de um contrato de concessão de jogo com a Ré); explicou ainda a trabalhadora o contexto em que foi despedida, por contacto telefónico, com efeito para o dia seguinte, e por que motivo só já no início do ano de 2014 veio a ter conhecimento do documento formal do despedimento, sendo certo que só não trabalhou na segunda quinzena de Dezembro de 2013, porque tal lhe foi ordenado na comunicação do despedimento por via telefónica; aliás, esta sua versão é totalmente coerente com a circunstância de nenhum processo interno lhe ter sido movido por ter faltado injustificadamente nessa segunda quinzena de Dezembro (não obstante o teor da carta de despedimento feita pela Ré, a qual, todavia, não a empregadora de facto da trabalhadora), tornando assim totalmente injustificada a “compensação” que a Ré quis fazer no acerto de contas, pela não prestação de trabalho da trabalhadora na segunda quinzena de Dezembro, pois tal se deve, exclusivamente, à conduta da empregadora).
------- O depoimento das testemunhas apresentadas pela Ré, com a razão de ciência que é revelada na acta da audiência - e das quais resulta desde logo claro que a relação de trabalho desenvolvida pela trabalhadora queixosa, à sua própria semelhança, não foi feita com a Ré, mas com uma outra entidade patronal, que tinha com a Ré um contrato de promoção de jogo - não foi de molde a pôr minimamente em causa a prova antes produzida e referida supra em conjugação com os documentos juntos aos autos. --------------------------
------ A matéria de facto não provada é fruto da circunstância de a trabalhadora ter prestado somente 6 meses de trabalho, tal como explicaremos intra na fundamentação de direito. ----
[…]>> (cfr. o teor de fls. 739 a 741 dos autos).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, é de notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Da análise da motivação da arguida, sabe-se que a tese do recurso dela traduz as seguintes considerações, no essencial:
– ela assume, como sempre assumiu, a relação laboral que manteve com a referida trabalhadora no período compreendido entre 13 de Junho a 31 de Dezembro, de 2013, não pretendendo desqualificar-se como a sua entidade patronal; porém, como resulta da decisão recorrida, o Tribunal recorrido entendeu não ser ela a verdadeira entidade patronal da trabalhadora; e daí como é que esse Tribunal pode, ao mesmo tempo, condenar a própria ora recorrente como uma transgressora laboral (condenação essa que pressupõe necessariamente a existência de elementos de culpa que só a uma verdadeira entidade patronal é que podem ser asscados)?
– não podendo a sua culpa ser simplesmente baseada na conduta reflexa de uma outra entidade, a própria recorrente deve ser absolvida de todas as contravenções laborais pelas quais foi condenada;
– por outro lado, da factualidade provada nos autos, resulta apenas que “a transgressora não pagou à referida trabalhadora a compensação pelos descansos semanais durante o período de trabalho”; por aí se vê que não se provou que a trabalhadora não tenha gozado descanso semanal por ter trabalhado nesses dias, nem que a ter trabalhado o fez por determinação da entidade patronal; assim sendo, os factos provados constantes da decisão recorrida são insuficientes para a decisão de direito, impondo-se a sua revogação com a consequente absolvição;
– ainda que assim não se entendesse, sempre se diria que a decisão recorrida assentou em suporte documental manifestamente impróprio, tendo conferido qualificação a documentos que deveras não têm nem a função nem a qualidade para fazer prova de elementos de facto essenciais para a determinação da existência das alegadas transgressões, incorrendo por is só em erro notório na apreciação da prova;
– com efeito, a sentença refere que sustenta a sua convicção nos “registos de presença”;
– mas dos autos constam apenas registos internos de recepção e levantamentos (com menção do dia em que a operação é realizada) os quais não reflectem que a trabalhadora tivesse prestado trabalho nos seus dias de descanso semanal nem que a tê-lo feito fosse isso uma exigência da recorrente; e como resultou do próprio julgamento, e resulta da experiência comum, não existe nenhuma relação de necessidade entre a assinatura da data da operação e da respectiva presença do trabalhador no dia nele indicado!
– o documento não pode, assim, por natureza, fazer prova da efectividade de um trabalho num determinado dia, não podendo, sem a efectiva e clara prova da alegada prestação de trabalho por exigência da recorrente nos dias de descanso semanal, ter a recorrente sido condenada pela contravenção prevista nos art.os 42.º e 43.º da Lei n.º 7/2008;
– ademais, o facto provado de que a transgressora não pagou à trabalhadora a compensação pela prestação de trabalho em três dias de feriado obrigatório em 20 de Setembro, 1 de Outubro e 13 de Outubro, do ano de 2013, é em si falso e contraditado pelos documentos nomeadamente de fls. 47, 48, 634, 641 e 642 que não foram impugnados, donde resulta evidente que a trabalhadora foi devidamente compensada pelo trabalho que prestou nesses dias de feriado, razão porque bastará a consideração dessa documentação para que também nesta parte se revogue a decisão recorrida.
Desde já, é algo estranho ter a ora recorrente levantado a questão de não ser ela a transgressora no caso dos autos. É que se ela, como diz ela própria, assume, como sempre assume, a relação laboral que manteve com a referida trabalhadora no período compreendido entre 13 de Junho a 31 de Dezembro de 2013, toda a eventual responsabilidade contravencional laboral emergente dessa relação laboral nesse período de tempo só pode ser acusada a ela como entidade patronal da mesma trabalhadora. E mesmo que assim não se entendesse, sempre se diria que a referência, na fundamentação probatória da sentença recorrida, à existência de alguma “empregadora de facto” da mesma trabalhadora não obstaria à consideração da recorrente como transgressora das contravenções laborais por que vinha condenada, já que ela é que é entidade patronal no plano jurídico falando.
Outrossim, imputou a recorrente à decisão condenatória recorrida o vício de erro notório na apreciação da prova.
Entretanto, após examinados crítica e globalmente todos os elementos da prova referidos na fundamentação probatória da decisão recorrida, realiza o presente Tribunal de recurso que não se vislumbra como patente a violação, por parte do Tribunal recorrido, de quaisquer normas sobre o valor legal da prova, ou de quaisquer regras da experiência da vida quotidiana humana, ou ainda de qualquer lege artis vigente na tarefa jurisdicional de julgamento da matéria de facto, estando, pois, o resultado de julgamento de factos a que chegou o Tribunal recorrido dentro dos padrões de normalidade e razoabilidade, pelo que não pode a recorrente vir tentar afrontar gratuitamente (através da sua interpretação fragmentária e selectiva dos elementos de prova então carreados aos autos), ao arrepio do art.º 114.º do Código de Processo Penal, a livre convicção do julgador.
Não ocorre, assim, qualquer erro notório na apreciação da prova.
E das duas contravenções laborais cuja condenação não agradou a ora recorrente, começa-se, por uma questão de método, por conhecer da questão de alegada ilegalidade da condenação dela em sede da contravenção p. e p. pelos art.os 45.º, n.º 2, e 85.º, n.º 3, alínea 2), da Lei n.º 7/2008, de 18 de Agosto (Lei das relações de trabalho, doravante abreviada como LRT).
O art.º 45.º da LRT reza (com a nota de que o sublinhado abaixo é só feito no presente aresto) que:
1. O empregador pode determinar que o trabalhador preste trabalho em dia de feriado obrigatório, independentemente do seu consentimento, quando:
1) Esteja na iminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior;
2) Tenha de fazer face a acréscimo de trabalho não previsível;
3) A prestação do trabalho seja indispensável para garantir a continuidade do funcionamento da empresa.
2. A prestação de trabalho nos termos do número anterior confere ao trabalhador o direito a gozar um dia de descanso compensatório, fixado pelo empregador, dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho, o qual pode ser substituído, mediante acordo com o empregador, por um dia de remuneração de base compensatória, e a:
1) Auferir um acréscimo de um dia de remuneração de base, para os trabalhadores que auferem uma remuneração mensal;
2) Auferir a remuneração normal do trabalho prestado com um acréscimo de um dia de remuneração de base, para os trabalhadores cuja remuneração é determinada em função do período de trabalho efectivamente prestado ou em função do resultado efectivamente produzido.
Por outro lado, segundo o art.º 85.º, n.º 3, alínea 2), da LRT, é punido com multa de cinco mil a dez mil patacas por cada trabalhador em relação ao qual se verifica a infracção, o empregador que incumprir as regras de cálculo da remuneração previstas no n.º 2 do art.º 45.º da própria Lei.
Pois bem, conforme a material de facto provada em primeira instância, no respeitante à contravenção laboral p. e p. pelo art.º 45.º, n.º 2, e pelo art.º 85.º, n.º 3, alínea 2), ambos da LRT, também objecto de discussão no presente recurso:
– durante o período de 13 de Junho de 2013 a 16 de Dezembro de 2013, a trabalhadora ofendida B trabalhava pela sua entidade patronal com salário mensal de $23 000,00 (vinte e três mil patacas);
– a transgressora não pagou à referida trabalhadora a compensação pela prestação de trabalho em três dias de feriados obrigatórios durante o período de trabalho, ou seja, em 20 de Setembro, Primeiro de Outubro e 13 de Outubro, do ano de 2013;
– a transgressora agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta violava as normas reguladoras das relações de trabalho.
Assim, provada que está a já prestação de trabalho pela trabalhadora ofendida (uma trabalhadora com salário mensal) nos ditos três dias de feriados obrigatórios durante o período de vigência da sua relação laboral, já cabe saber qual o tipo de compensação (a que a trabalhadora ofendida teria direito) dessa prestação de trabalho nesses três dias. A LRT é clara no n.º 2 do seu art.º 45.º e na alínea 1) do n.º 2 desse artigo, a responder a isto: a prestação de trabalho em dia de feriado obrigatório confere ao trabalhador o direito a gozar um dia de descanso compensatório (fixado pelo empregador, dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho), o qual pode ser substituído (mediante acordo com o empregador) por um dia de remuneração de base compensatória, e a auferir um acréscimo de um dia de remuneração de base, para os trabalhadores que auferem uma remuneração mensal. De maneira que só a feitura da compensação pecuniária total da prestação de trabalho em dia de feriado obrigatório nos termos legais acabados de ser referidos é que afasta a condenação contravencional em sede prevista no art.º 45.º, n.º 2, e no art.º 85.º, n.º 3, alínea 2), ambos da LRT.
Portanto, a ser verdadeiro o alegado já pagamento pela recorrente à ofendida do montante de $766,67 em relação ao dia 20 de Setembro de 2013, do montante de $766,67 em relação ao dia 1 de Outubro de 2013, e do montante de $766,67 em relação ao dia 13 de Outubro de 2013, e correspondendo o montante de $766,67 ao valor de um dia de remuneração-base mensal de $23 000,00, isto não chegaria para afastar a responsabilidade contravencional laboral p. e p. prevista no art.º 45.º, n.º 2, e no art.º 85.º, n.º 3, alínea 2), ambos da LRT, já que ficaria por pagar um dia de remuneração-base (no valor de $766,67) por cada dia de trabalho prestado em cada dia de descanso inicialmente destinado à compensação da prestação de trabalho em cada dia de feriado obrigatório.
Quanto à expressão “registo de presenças” empregue na redacção da fundamentação probatória da sentença recorrida, a utilização deste termo não tem a virtude de alterar o conteúdo de fls. 520 a 521, 550 a 552 e 588 referidas expressamente na motivação do recurso, conteúdo esse que indicia ter a trabalhadora ofendida presenciado a movimentação de fichas de jogos da Sala de Majong do Casino X, nos dias 21 de Setembro de 2013, 2 de Outubro de 2013 e 14 de Outubro de 2013, o que, em conjugação com todos os outros elementos probatórios referidos na fundamentação probatória da sentença recorrida, terá levado o Tribunal recorrido a formar a sua livre convicção no sentido de que a ofendida trabalhou nesses três dias, inicialmente de descanso destinado à compensação da prestação de trabalho nos três dias de feriados obrigatórios de 20 de Setembro de 2013, Primeiro de Outubro de 2013 e 13 de Outubro de 2013.
E agora da questão da alegada ilegalidade da condenação pela contravenção laboral p. e p. pelos art.os 43.º, n.º 2, e 85.º, n.º 3, alínea 2), da LRT:
O art.º 43.º da LRT estatui (com a nota de que o sublinhado abaixo é só feito no presente aresto) que:
1. O empregador pode determinar que o trabalhador preste trabalho em dia de descanso, independentemente do seu consentimento, quando:
1) Esteja na iminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior;
2) Tenha de fazer face a acréscimo de trabalho não previsível;
3) Quando a prestação do trabalho seja indispensável para garantir a continuidade do funcionamento da empresa.
2. A prestação de trabalho nos termos do número anterior confere ao trabalhador o direito a gozar um dia de descanso compensatório, fixado pelo empregador, dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho, e a:
1) Auferir um acréscimo de um dia de remuneração de base, para os trabalhadores que auferem uma remuneração mensal;
2) Auferir a remuneração normal do trabalho prestado com um acréscimo de um dia de remuneração de base, para os trabalhadores cuja remuneração é determinada em função do período de trabalho efectivamente prestado ou em função do resultado efectivamente produzido.
3. O trabalhador pode, voluntariamente, solicitar a prestação de trabalho em dia de descanso semanal, tendo direito a um dia de descanso compensatório fixado pelo empregador, a gozar dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho.
4. Caso não goze o dia de descanso compensatório previsto no número anterior, o trabalhador tem direito a:
1) Auferir um acréscimo de um dia de remuneração de base, para os trabalhadores que auferem uma remuneração mensal;
2) Auferir a remuneração normal do trabalho prestado com um acréscimo de um dia de remuneração de base, para os trabalhadores cuja remuneração é determinada em função do período de trabalho efectivamente prestado ou em função do resultado efectivamente produzido.
5. Na situação prevista no n.º 3, deve existir registo que comprove a voluntariedade do trabalho prestado em dia de descanso semanal do trabalhador.
No caso dos autos, não tendo a recorrente chegado a fazer provar (como lhe cabia, nos termos do art.º 335.º, n.º 2, do Código Civil) a voluntariedade da prestação de trabalho pela ofendida nos dias de descanso semanal em causa, mas tendo o Tribunal recorrido julgado como já provado o não pagamento da compensação pelos descansos semanais durante o período de trabalho, deve ser mantida a decisão condenatória da recorrente sob a égide da contravenção p. e p. pelos art.os 43.º, n.º 2, e 85.º, n.º 3, alínea 2), da LRT, sem mais indagação por desnecessária (pois, sem prova cabal, por parte da entidade patronal, da voluntariedade da prestação de trabalho nos dias de descanso semanal da trabalhadora ofendida, a prestação de trabalho nos dias de descanso semanal só pode ter sido por determinação ou exigência da entidade patronal).
Da análise acima feita, resulta inidicado o não provimento do recurso, com manutenção da decisão condenatória recorrida (a qual se encontra fundada em factos suficientes a suportar a condenação), sem mais abordagem, por logicamente prejudicada, de todo o restante alegado pela recorrente.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar não provido o recurso.
Custas do recurso pela arguida, com oito UC de taxa de justiça.
Comunique à trabalhadora ofendida.
Macau, 14 de Setembro de 2017.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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