Reclamação nº 5/2017
A, Limitada, Ré nos autos do processo CV1-16-0055-CAO que correm os seus termos no 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, no âmbito desses autos interpôs recurso do despacho saneador na parte que indeferiu o pedido da suspensão da instância até que venha a ser proferida decisão no processo do recurso contencioso de anulação, e no respectivo apenso da suspensão de eficácia do acto administrativo ai recorrido.
Por douto despacho do Mmº Juiz a quo, foi admitido o recurso com subida diferida com o primeiro que depois dele haja de subir imediatamente e com efeito meramente devolutivo.
E porque o recurso lhe tivesse sido admitido com subida diferida, veio formular a presente reclamação nos seguintes termos:
I - Objecto da Reclamação
Na contestação apresentada pela ora Reclamante esta requereu a suspensão da presente instância nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 223º/1 do CPC, por entender que esta acção se encontrava prejudicada pela decisão a tomar no Recurso contencioso de anulação n° 179/2016 que corre termos por esse Venerando TSI e/ou que haveria, pelo menos, motivo justificado para essa suspensão.
Por despacho de fls. 349 a 354 foi indeferido esse pedido de suspensão.
Da referida decisão de indeferimento foi interposto Recurso para esse Venerando TSI, entendendo a ora Reclamante que tal Recurso teria subida imediata, nos termos e ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 601º do CPC (cfr. fls. 358).
Por despacho de fls. 378 e 379, o Meritíssimo Juiz a quo admitiu o Recurso, mas determinou, com base no artigo 602º do CPC, que o mesmo apenas subiria com o primeiro que depois dele haja de subir imediatamente.
É com esta parte do douto despacho de fls. 378 e 379 que a ora Reclamante se não conforma, sendo esse o objecto da presente Reclamação.
É que, salvo o devido respeito, que é muito, a decisão sob Reclamação afigura-se incorrecta e contende com várias decisões proferidas em sentido contrário por todas as instâncias, incluindo esse Venerando TSI.
A presente Reclamação é apresentada sem prejuízo do disposto nos artigos 570º e/ou 617º/2 do CPC, vias que permitem ao Meritíssimo Juiz a quo a reparação da decisão sob Reclamação.
Delimitado que já se encontra o objecto da presente Reclamação, a ora Reclamante exporá já de seguida os respectivos fundamentos, os quais são, de resto, bastante claros e simples.
II - Subida Imediata do Recurso interposto a fls. 358
O n° 2 do artigo 601º do CPC dispõe que devem subir imediatamente "os recursos cuja retenção os tornasse absolutamente inúteis" (sic).
Salvo melhor opinião, é o que sucede no caso vertente.
Pediu-se a suspensão da instância enquanto não for decidido o Recurso Contencioso de Anulação que corre termos nesse Venerando TSI sob o nº 179/2016 por se considerar que a matéria que está a ser julgada nesse Recurso prejudica a matéria que vai ser apreciada nos presentes autos.
Seja qual for o resultado da presente acção, procedente ou improcedente, tal decisão vai, na óptica da ora Reclamante, colidir sempre, no todo ou em parte, com a decisão a tomar no Recurso Contencioso. Daí que, naturalmente, se se aguardar pela decisão final nos presentes autos, o Recurso da decisão que indeferiu aquele pedido de suspensão da instância ficará irremediavelmente frustrado na sua eficácia.
No mesmo sentido decidiu esse Venerando TSI, também relativamente a um Recurso de uma decisão que indeferira um pedido de suspensão da instância alicerçado no artigo 223º/1 do CPC, em douto Acórdão de 07/01/2010, nos Autos de recurso civil e laboral nº 575/2009.
Com efeito, apesar de a questão ali a apreciar ser a de se saber se o recurso do indeferimento do pedido de suspensão da instância tinha efeitos suspensivos ou efeitos meramente devolutivos, aquele douto Acórdão também se pronuncia sobre qual é que deve ser o regime de subida aplicável a este tipo de Recurso, determinando que era o regime de subida imediata.
Transcreve-se a seguinte passagem da sua douta lição:
"Com a interposição do presente recurso, pretende a ora recorrente ver ordenada a suspensão da presente instância com fundamento na existência de uma relação de prejudicialidade entre a presente acção e uma acção": registada sob o nº (...)".
Assim, pela finalidade a que visa o recurso, a sua retenção não pode deixar de o tornar absolutamente inútil.
Deve portanto ser fixada a subida imediata ao presente recurso, tal como assim fez correctamente a Mmª Juiz a quo." - sublinhado nosso.
Para além deste caso, tem sido essa, de resto, a prática generalizada no próprio Tribunal Judicial de Base, apenas destoando, tanto quanto é do nosso conhecimento, a douta decisão sob Reclamação.
Ainda recentemente, nos Procs. nºs. CV2-16-0061-CAO, CV2-16-0063-CAO, CV2-16-0060-CAO e CV2-16-0076-CAO, todos a correr termos pelo 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, onde, comparativamente com a presente acção, os autores são diversos promitentes-compradores mas a ré é a ora Recorrente e as causas de pedir são idênticas, o Meritíssimo Juiz titular desses processos que indeferiu similar pedido de suspensão da instância formulado pela R., admitiu os Recursos por ela interpostos e que tinham por objecto tal decisão de indeferimento, decretando a sua subida imediata, com base, precisamente no n° 2 do artigo 601° do CPC, isto é, por entender que a retenção de tais Recursos os tornaria inúteis - tal como entendeu esse Venerando TSI no douto Acórdão supra referido de 07/01/2010.
Acresce que,
Um incidente de instância é, em termos processuais, toda e qualquer questão que pode ser levantada pelo autor ou pelo réu, e que altera ou pode alterar a normal marcha do processo.
O Código de Processo Civil prevê e regulamenta determinados incidentes da instância e esses são, portanto, incidentes da instância nominados.
Outros incidentes da instância há que não são nominados mas aos quais são aplicáveis as disposições gerais relativas aos incidentes, incluindo as disposições atinentes a matéria de recursos.
Salvo melhor opinião, o pedido de suspensão da instância formulado ao abrigo do artigo 223º do CPC encarna um verdadeiro incidente da instância inominado, uma vez que é susceptível de alterar a normal marcha do processo.
Como tal, havendo sido indeferido, a respectiva decisão cai sob a alçada da al. a) do nº 2 do artigo 606º do CPC, o qual dispõe que o Recurso deste tipo de decisões sobe imediatamente.
Ressalvada diversa opinião, também por esta via, portanto, é o regime de subida imediata o que se afigura ser o correcto.
Pelo que, face a todas as considerações anteriormente tecidas, a douta decisão sob Reclamação incorre na violação dos artigos 601º, nº 2 e 606º, nº 2, al. a), ambos do CPC.
Para os efeitos previstos no nº 2 do artigo 596º, in fine, do CPC, requer-se seja extraída certidão do despacho saneador constante de fls. 349 a 354, do Requerimento de Interposição de Recurso constante de fls. 358 e do despacho de fls. 378-379.
Nestes termos e sempre com o mui douto suprimento de V. Exa., requer-se,
Respeitosamente,
A revogação do douto despacho de fls. 378 e 379, na parte ora colocada em crise e a sua substituição por outra decisão que determine a subida imediata do Recurso interposto a fls. 358, assim se fazendo serenamente, Justiça.
Passemos então a apreciar a reclamação.
Ora, a única questão levantada pelo reclamante é saber se o recurso em causa deve subir imediatamente.
O artº 601º do CPC dispõe:
1. Sobem imediatamente ao Tribunal de Segunda Instância os recursos interpostos:
a) Da decisão que ponha termo ao processo;
b) Do despacho que aprecie a competência do tribunal;
c) Dos despachos proferidos depois da decisão final.
2. Sobem também imediatamente os recursos cuja retenção os tornasse absolutamente inúteis.
Atendendo ao que foi alegado pela reclamante, a boa decisão da presente reclamação deve ser encontrada com a correcta interpretação do número dois do artigo acima citado, pois in casu obviamente não estamos perante qualquer das situações previstas nas alíneas do número um.
A redacção dessa norma do número dois é bem demonstrativa de que a inutilidade absoluta diz respeito ao recurso em si e não aos actos processuais praticados posteriormente ao despacho objecto do recurso.
In casu, a Ré, ora reclamante, pediu, em sede de contestação, a suspensão da instância com fundamento na pendência de uma causa prejudicial que é um recurso de contencioso administrativo.
Independentemente da existência ou não de uma verdadeira prejudicialidade, é assim alegado e configurado pela Ré, ora reclamante.
Portanto, vamos analisar, no contexto hipotético da verdadeira prejudicialidade, se a retenção do recurso e a continuação da marcha processual poderão conduzir a uma situação tão consolidada ou até irreversível que nem a eventual procedência do recurso tem a virtualidade de provocar nela quaisquer efeitos práticos, nomeadamente o efeito que satisfaz a pretensão da recorrente de ver suspensa a instância da presente acção enquanto não for decidida a causa prejudicial.
Ora, como se sabe, a razão de ser da suspensão por pendência de causa prejudicial é a economia e coerência dos julgamentos – Alberto dos Reis, in Comentário ao CPC, Vol. 3º, pág. 272.
Então cabe perguntar se a eventual procedência do recurso, ora retido, poderá levar a acção a regressar à fase processual em que estava no momento da prolação do despacho recorrido, e determinar, em substituição do ordenado no despacho recorrido, a temporária paragem do andamento processual da acção a partir daquele momento a aguardar a decisão da causa prejudicial?
Por razões que passamos a expor infra, a resposta não pode deixar de ser negativa.
Ora, após a admissão do recurso com subida diferida, a presente acção dependente naturalmente vai andar para frente, ou até a sua marcha processual vai terminar com a prolação da sentença final da primeira instância.
Então pergunta-se quê utilidade poderá ter a eventual procedência do recurso ora retido? Poderá suspender uma instância que já tenha andado para frente ou até a sua marcha já tenha terminado com a prolação da sentença final da primeira instância?
Parece que não!
Pois, mesmo que venha a proceder o recurso retido, o que na prática poderá suceder é apenas a solene revogação do despacho recorrido, e não também a efectiva suspensão da instância, uma vez que na prática não é possível fazer a marcha processual para atrás de uma acção que efectivamente já tenha avançado para frente ou até terminado com a prolação da sentença final da primeira instância!
Então será possível concretizar a suspensão, pretendida pelo recorrente, através da eliminação de todos os actos entretanto praticados posteriores ao despacho recorrido, por forma a fazer “recuar” a instância para o momento hipotético em que foi proferido o despacho objecto do recurso?
Também não temos fundamentos para tal.
Pois, para inutilizar todos os actos posteriores, é preciso que sejam todos estes actos entretanto praticados em si inválidos.
Todavia, a validade desses actos não depende da bondade do despacho recorrido que indeferiu a requerida suspensão da instância, por serem autónomos em relação a este despacho.
E só podem ser eliminados se forem em si injustos, errados ou violadores das normas processuais que protegem a justiça processual.
Todavia, a não suspensão de uma instância, mesmo errada, não ofende a justiça processual dentro de um determinado processo.
Pois tal como vimos supra ao citar a afirmação doutrinária do Alberto dos Reis, as normas que permitem a suspensão da instância por pendência de causa prejudicial visam tutelar os bens jurídicos da economia processual e da coerência dos julgados, portanto nada têm a ver com a justiça processual de uma determinada acção.
Assim sendo, dada a impossibilidade prática e jurídica, mesmo na hipótese de vir a ser julgado procedente o recurso ora retido, da anulação de todo o processado após a prolação do despacho que indeferiu a suspensão, a retenção do recurso não pode deixar de conduzir à inutilidade absoluta do mesmo.
Ex abundantia, a favor desta tese podemo-nos apoiar ainda no artº 27º do CPC, onde estão consagrados o princípio de suficiência do processo civil para as questões prejudiciais de natureza penal e administrativa e o princípio de devolução facultativa para os tribunais normalmente competentes.
Ou seja, em regra o processo civil é suficiente.
E por razões de conveniência, a lei prevê a chamada devolução facultativa.
Desta maneira, se em princípio o processo civil é suficiente para resolver as questões prejudiciais de natureza administrativa e penal, a validade dos actos processuais dentro do próprio processo civil não é condicionada nem pressupõe a prolação prévia de uma eventual decisão a proferir pelo Tribunal normalmente competentes para tais questões.
Assim, mesmo na hipótese da pendência de uma causa prejudicial, inexistem fundamentos para anular posteriormente os intraprocessualmente válidos actos processuais, praticados na instância dependente após a admissão do recurso que tem por objecto a decisão de indeferimento da suspensão da instância e antes da sua subida, pura e simples por o Juiz do processo dependente não ter aguardado a decisão a proferir na causa prejudicial!
Contra este entendimento nem se pode argumentar dizendo que não se pode sacrificar os bens jurídicos da economia e da coerência dos julgamentos que visa tutelar o instituto de suspensa da instância com fundamento na prejudicialidade.
Pois, temos de reconhecer que no nosso sistema, as decisões judiciais contraditórias não são de todo em todo inevitáveis.
Antes pelo contrário, em certas situações, até temos de as tolerar. É o que sucede com a situação prevista nos artºs 653º/-g) e 655º do CPC.
Dai resulta que, a prematuridade dos actos entretanto praticados não lhes deve retirar a validade.
Por tudo quanto exposto supra, podemos concluir que, in casu, a melhor forma, para salvaguardar os bens jurídicos da economia e coerência dos julgamentos, que o artº 223º/1 do CPC visa tutelar, será obviamente a de para fazer subir imediatamente o recurso que tem por objecto o despacho que não determinou a suspensão da instância com fundamento na pendência da causa prejudicial.
Tudo visto, resta decidir.
Pelo exposto, ordenamos que seja fixado o regime de subida imediata ao recurso interposto pela ora reclamante.
Sem custas.
Cumpra o disposto no artº 597/4 do CPC.
RAEM, 12SET2017
O presidente do TSI
Lai Kin Hong
Recl.5/2017-1